Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL) | ||
Relator: | MANUEL AUGUSTO DE MATOS | ||
Descritores: | RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA IN DUBIO PRO REO PENA PARCELAR DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA DUPLA CONFORME TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES MEDIDA CONCRETA DA PENA PENA ÚNICA | ||
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Data do Acordão: | 01/27/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - O princípio da livre apreciação da prova é um princípio atinente à prova que determina que esta é apreciada, não de acordo com regras legais pré-estabelecidas, mas sim segundo as regras da experiência comum e de acordo com a livre convicção do juiz, uma livre convicção que não pode ser arbitrária ou subjectiva e, por isso, deve ser motivada. A motivação da convicção apresenta-se, pois, como o meio de controlo da decisão de facto, em ordem a garantir a objectividade e a genuinidade da convicção formada pelo tribunal. II - Perante a motivação da decisão em matéria de facto, é patente que o Tribunal Colectivo apreciou toda a prova de forma objectiva e motivada, e os raciocínios aí expendidos merecem a concordância do Tribunal da Relação no acórdão recorrido. A decisão quanto à matéria de facto proferida na 1.ª instância, confirmada na decisão sob recurso, assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova. III - Assim, observando-se que a decisão de facto está fundamentada de forma coerente, sendo possível reconstituir o caminho lógico seguido pelo tribunal para chegar às conclusões a que chegou, lembrando que este Supremo Tribunal só conhece de direito, improcede a questão da violação do princípio da livre apreciação da prova. IV - Sendo que não se observa na decisão recorrida o mínimo sinal de desrespeito do princípio da presunção da inocência ou do princípio conexo do in dubio pro reo. V - Estabelece o princípio in dubio pro reo, referente à prova, que a dúvida sobre um facto deve ser sempre resolvida a favor do arguido. Trata-se, aliás, de um princípio conexo com o da presunção de inocência do arguido, ou, inclusivamente, de uma outra vertente do mesmo. Ora, o Supremo Tribunal só poderá sindicar tal princípio (para além dos casos em que funciona como única instância) se resultar da fundamentação da matéria de facto que o tribunal, tendo enfrentado dúvidas quanto a certo(s) facto(s), entendeu resolver essa dúvida em prejuízo do arguido. VI - No caso vertente, tal princípio só teria sido violado se da prova produzida e documentada resultasse que, ao condenar a arguido com base em tal prova, o juiz tivesse contrariado as regras da experiência comum ou atropelasse a lógica intrínseca dos fenómenos da vida, caso em que, ao contrário do decidido, deveria ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a seu favor. VII - Ora, se a fundamentação da decisão em matéria de facto não viola, como já foi dito, o princípio da legalidade das provas e da livre apreciação da prova, estribando-se em provas legalmente válidas e valorando-as de forma racional, lógica, objectiva, e de harmonia com a experiência comum, não pode concluir-se que a mesma prova gera factos incertos, que implique dúvida razoável que afaste a valoração efectuada pelo tribunal para que deva alterar-se a decisão de facto recorrida, sendo, por conseguinte, lícita e válida a decisão de facto. VIII - Da análise da decisão proferida sobre a matéria de facto, não resulta que o Tribunal recorrido tenha violado os princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo e, por força deste, o da presunção de inocência. IX - O princípio in dubio pro reo é um princípio geral, estruturante do processo penal, decorrente do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, assumindo, como tal e como qualquer outro princípio jurídico, a natureza de uma questão de direito de que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, deve conhecer. X – Mas, devendo ser o princípio in dubio pro reo configurado como princípio de direito, como princípio jurídico atinente à avaliação e valoração da prova, certo é também que, como tem sido reconhecido, ele tem uma íntima correlação com a matéria de facto, em cujo domínio ele é verdadeiramente operativo, aí assumindo toda a relevância prática. Daí que o princípio só diz respeito à prova da questão-de-facto . XI - Nesta perspectiva, como o STJ vem entendendo, a violação do princípio in dubio pro reo, que dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção. XII - Embora o recorrente pareça não questionar a pena parcelar fixada pelo crime de detenção de arma proibida, atenta a dupla conforme operada pelo acórdão do Tribunal da Relação, ora recorrido, e bem assim a circunstância de aquela pena ser inferior a cinco anos de prisão, as questões referentes à condenação do recorrente pela prática de tal crime são insusceptíveis de reapreciação em sede de recurso, por inadmissibilidade legal, conforme disposto nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1,alíneas e) e f), do CPP. XIII - O Tribunal Colectivo, com confirmação da Relação no acórdão recorrido, fixou ao agora recorrente a pena de 9 anos de prisão pela prática, em co-autoria imediata e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.°, n.° 1, do Dec.-Lei n.° 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-B, I-C e II-A ao mesmo anexas. XIV - De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, a medida da pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40.º, n.º 2, do mesmo Código, resultando deste preceito que a culpa e a prevenção constituem os princípios em que o juiz se deve basear no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. XV - Conforme disposto no n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente. XVI - A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização. XVII - Vem sendo salientado por este Supremo Tribunal que «na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade», sublinhando-se sempre que este tipo de crime postula elevadas necessidades de prevenção geral. A pena a aplicar deverá corresponder às necessidades de tutela dos bens jurídicos em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, cumprindo referir que nos encontramos perante um crime de perigo abstracto e pluriofensivo. XVIII - O recorrente foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 9 anos de prisão e pela prática de um crime de detenção de arma proibida na pena de 3 anos de prisão. XIX - O artigo 77.º do Código Penal estabelece as regras da punição do concurso de crimes, dispondo no n.º 1 que «[q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena», em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». XX- Sobre a pena única e para os casos em que aos crimes correspondem penas parcelares da mesma espécie, «o direito português adopta um sistema de pena conjunta, obtida mediante um princípio de cúmulo jurídico. A pena única do concurso, formada nesse sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes, deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente, considerados em conjunto. XXI – O STJ tem entendido, em abundante jurisprudência, que, com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. XXII - A decisão que determine a medida concreta da pena do cúmulo deverá correlacionar conjuntamente os factos e a personalidade do condenado no domínio do ilícito cometido por forma a caracterizar a dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, na valoração do ilícito global perpetrado. XXIII - A actividade delituosa do recorrente desenvolveu-se durante um período compreendido, pelo menos desde Maio de 2016 até 01.12.2017, traduzindo-se na venda em ... de cocaína, de canábis e de MDMA a terceiros mediante contrapartida económica, não merecendo censura a pena única de 10 anos de prisão fixada. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO 1. Em Processo Comum Colectivo, no Juízo Central Criminal ......... - Juiz .., foram julgados e condenados, entre outros, os arguidos AA, BB, CC, DD e EE, com os demais sinais dos autos, nos seguintes termos: «a - Condenar o arguido AA pela prática, em co-autoria imediata e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.°, n.° 1, do Dec.-Lei n.° 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-B, I-C e II-A ao mesmo anexas, na pena de 9 (nove) anos de prisão; - Condenar o arguido AA pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.°, n.° 1, als. c) e d), da Lei n.° 5/2006, de 23.02, na pena de 3 (três) anos de prisão; - Em cúmulo jurídico das penas mencionadas que antecedem, condenar o arguido AA na pena única de 10 (dez) anos de prisão; b - Condenar o arguido BB pela prática, em autoria imediata, na forma consumada e como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos arts. 75.°, n.os 1 e 2, e 76.°, n.° 1, ambos do Código Penal, e pelo art. 21.°, n.° 1, do Dec.-Lei n.° 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-C ao mesmo anexa, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão; c - Condenar o arguido CC pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.°, n.° 1, do Dec.- Lei n.° 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-B e I-C ao mesmo anexas, na pena de 6 (seis) anos de prisão; d - Condenar o arguido DD pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.°, n.° 1, do Dec.- Lei n.° 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-C ao mesmo anexa, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; e - Condenar o arguido EE pela prática, em autoria imediata e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.°, n.° 1, do Dec.-Lei n.° 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-C ao mesmo anexa, na pena de 6 (seis) anos e 3 (três) meses de prisão». 2. Inconformados com tal decisão interpuseram aqueles arguidos recurso perante o Tribunal da Relação .... que, por acórdão proferido em 2 de Fevereiro de 2019, negou provimento aos recursos dos arguidos BB, CC, DD e AA, mantendo na íntegra o acórdão recorrido. Tendo determinado o reenvio dos autos «apenas para reapreciação da nulidade invocada pelo arguido EE». 3. De novo, inconformado, o arguido AA interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, rematando a respectiva motivação com as conclusões que se transcrevem: «CONCLUSÕES a) O artigo 127.º do CPP deve ser interpretado à luz do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa. b) Com efeito, o artigo 127.º do CPP deve ser interpretado à luz da Constituição da República Portuguesa, sobre isso não restando margem de incerteza. c) O que permite afirmar que a apreciação da prova, sendo livre, tem como fundamento a realização da justiça, que ocorre e quando são respeitados princípios basilares do processo penal democratizado, tal como a presunção de inocência. d) O artigo 127.º interpretado no sentido de que a prova apreciada pelo julgador não deve observar o princípio da presunção de inocência é inconstitucional. e) (…) para as teorias absolutas a finalidade essencial da pena assenta única e exclusivamente na necessidade de retribuição, da expiação, da reparação ou da compensação do mal do crime, isto é, a de castigar o delinquente pelo pecado do ilícito cometido, ainda que, mas penas reflexamente venha a produzir efeitos de intimidação junto da comunidade em geral u de socialização do próprio infractor. Ou seja, para os seguidores destas correntes, e utilizando palavras de FIGUEIREDO DIAS, a pena infligida ao autor do facto ilícito «esgota o seu sentido» no mal que se faz sofrer ao delinquente como compensação ou expiação do mal do crime» [[1]]. Noutro polo se colocam as teorias relativas, para as quais a pena, anda que importe um mal para quem a sofre, o que ela tem em vista é alcançar a prevenção geral (constituindo um alerta para a comunidade onde se insere o infrator) ou a prevenção especial ou individual (exercendo influência sobre o próprio delinquente. f) O artigo 40.º do Código Penal, que adota a teoria relativa atrás exposta [[2]]. g) A finalidade primária da pena é o «restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime» (prevenção geral positiva de integração – arts. 18., n.º 2, da CRP e 40.º, n.º 1, do CP) […] dentro dos «limites consentidos pela prevenção geral positiva u de integração» a medida concreta da pena será encontrada em função da necessidade de socialização do agente (prevenção especial positiva ou de integração) e da advertência individual ou inocuização (prevenção especial negativa) [[3]]. h) O Supremo Tribunal de Justiça, em 21.05.2009, processo n.º 828/06.08GALSD e 01.10.2009, processo n.º 185/06.2SVLSB, decidiu que na medida em que representa uma intromissão na esfera do cidadão, a compreensão dela derivada deve reduzir-se ao mínimo essencial à realização daquela teleologia (artigo 18.º da CRP) impondo ao julgador que observe os artigos 40.º, n.º 1 e 71.º, ambos do Código Penal. i) […] a culpa decide a medida da pena, ou seja a culpa não constitui o pressuposto-fundamento da validade da pena, mas afirma-se também como limite máximo da mesma pena, o que […] é aceite mesmo pelos autores que dão ma maior tónica à prevenção geral [[4]]. No que respeita à culpa para a fixação da pena, em concreto, a posição dominante é a da teoria da margem de liberdade que se traduz na determinação concreta da pena fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequada à culpa), determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas (as exigências de prevenção geral e, sobretudo, da prevenção especial) dentro destes limites […] [[5]]. j) A referida teoria serve para fundamentar que se deve usar como ponto de partida a média entre os limites mínimo e máximo da pena, sendo a sua individualização proporcional entre a pena e a culpabilidade, sendo que a manifesta prevalência das circunstâncias que depõem a favor do réu, em confronto com as que contra eles concorrem, justifica que, dentro de atenuação especial da pena do crime consumado, se fixe a pena a impor em concreto, a um nível inferior, ao da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta [[6]]. k) No que respeita à exigência da personalidade do réu – para se percecionar a culpa em função da personalidade – a nova lei processual criou a figura do relatório social que tem por objectivo auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido […] [[7]]. l) A resenha jurisprudencial permite concluir no seguinte: iv) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.11.2018, processo 36/16.0PEPDL.L1.S1, onde foram fixadas penas entre os 8 e nove anos de prisão: No caso concreto, atento o tempo de duração da actividade de quase 2 anos (Julho 2014 a Março de 2016), a qualidade e variedade de droga (heroína, cocaína e cannabis), o seu grau de pureza, maxime no que diz respeito à heroína, cocaína, a quantidade de droga apreendida na encomenda de 9-3-2016 e suficiente para a feitura de mais de 138.428 mil doses, com um valor da ordem dos €1.384.280,00, o esquema utilizado pelos arguidos, é de concluir pela verificação da agravante em causa (avultada compensação económica: art. 24.º, al. c), do DL 15/93). v) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.09.2017, processo 4029/15.6TDLSB.L1.S1, que fixou a pena em dez anos de prisão: IV - Resultando provado que o arguido detinha no carro em que se fazia transportar: três sacos, contendo no seu interior 71 embalagens de heroína com o peso de 37012,300 gramas, tendo a amostra cofre o peso líquido de 4983,700 gramas, detinha a quantia monetária de €75.000, 00, dissimulada em vários maços e na sua posse a quantia monetária de € 1.390.00, destinando-se o produto apreendido à venda a terceiros e que as quantias monetárias apreendidas aos arguidos tinham sido obtidas com os proventos resultantes de transacções de heroína efectuadas, entende-se preenchida a materialidade do crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 e 24.º, al. c), do DL 15/93, de 25-08. Situando a metade da pena nos oito anos - cfr. art. 21.º, n.º 1 e 24.º, n.º 1, al. c) do 15/93, de 22-01 (no caso de ocorrer a circunstância agravante a pena é a do tipo base acrescida de um quarto [1/4]) – a pena imposta ao recorrente de 10 anos afigura-se-nos ajustada, especialmente pela quantidade de estupefaciente e pelas pingues quantias que poderia vir a propinar ao arguido caso viesse a ser mercadejado. vi) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.04.2016, proferido no processo n.º 382/13.4JACBR.C1.S1, que fixou a pena em sete anos de prisão efetiva: I - Prevenção e culpa são os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena. III - A consideração do passado criminal do arguido não deve nem pode constituir o critério fundamental de medida da pena. Porém, também não pode desvalorizar-se a circunstância de um perdurado afastamento do cumprimento de regras de vivência comunitária ou de ausência de sensibilidade para o respeito pela lei, que os antecedentes criminais indiciam. IV - Ponderando que o recorrente iniciou um percurso de vida em que está, por alguma forma, manifestado de forma consistente uma ligação ao tráfico de drogas (tem 3 anteriores condenações por crimes de tráfico de estupefacientes uma delas com pena suspensa e outra com prisão efectiva) e que, ainda que aparentemente auxiliasse na intermediação da venda e fornecimento de haxixe, heroína e cocaína entre o co-arguido P e o co-arguido M, desempenhava ai um papel importante pois era ele que garantia o fornecimento directo do co-arguido P, e em termos de ilicitude que as quantidades apreendidas apresentam já uma razoável dimensão em termos económicos, nomeadamente tendo em atenção os preços praticados na altura e que a actividade do recorrente arguido se integrava numa organização global que, não se podendo definir como complexa, apresentava já alguma segmentação de tarefas com sectores de actuação determinados, entende-se que nenhuma crítica existe a formular à decisão recorrida, condenando o arguido pela prática dum crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão e, no cúmulo jurídico com a pena de 1 ano e 2 meses de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. no art. 86º, n.º 1, al. c), por referência ao art.º 2.º, n.º 1, al. ad), ambos da Lei 5/2006, na pena única de 7 anos de prisão. m) Assim, é incompreensível, de Direito, a pena que o acórdão recorrido confirmou, na íntegra, porque, cremos, viola as teorias subjacentes à aplicação de uma pena de prisão, à quantificação da mesma pena, sendo certo, pois, que se trata de um acórdão que nunca sobreviverá aos ditames legais e constitucionais das penas, pelo que, no caso deve a pena de prisão aplicada ao arguido ser alterada, atendendo à teoria relativa das penas, aos critérios de prevenção geral positiva e especial de sociabilização, ponderadas todas as circunstâncias atenuantes, máxime o relatório social, fixando-se em seis anos e três meses de prisão, nos termos e para os efeitos dos artigos 40.º, n.º 1 e 71.º, n.º 1, ambos do Código Penal.» 4. Respondeu a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação ....., dizendo: «Por acórdão do Tribunal Colectivo de 1ª Instância foi o arguido, ora recorrente, condenado em cúmulo jurídico na pena única de 10 anos de prisão, pela prática em co-autoria imediata e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes p. p. pelo art.° 21° n° l do DL n° 15/93 de 22/01, com referência às tabelas I-B, I-C e II-A anexas aquele diploma legal e ainda na prática de um crime de detenção de arma proibida p. p, pelo 86° n° 1 al s. c) e d) da Lei n° 5/2006 de 23/02. Desta condenação recorre o arguido para este Tribunal da Relação. Por acórdão do Tribunal da Relação ..... de 02.02.2019, foi negado provimento ao recurso do arguido, e confirmada a decisão recorrida. Inconformado, recorre agora para o STJ. O recorrente insurge-se quanto à medida da pena única, alegando em síntese e no essencial que as mesmas são injustas, desproporcionais e excessivas, pugnando e em sínteses, pela redução da respectiva pena única, para 6 anos e 3 meses de prisão. Pura o efeito invoca terem sido violadas e/ou incorrectamente interpretadas as normas constantes dos artigos, 71°, 40° 127° do CP. Porém, em momento algum indica o porquê de as normas referidas terem sido violadas, nem a forma pela qual deviam ter sido interpretadas com o concreto reflexo na pena encontrada. No fundo, limita-se a pedir a sua condenação em pena de prisão com duração mais curta. Não aponta, assim, ao acórdão recorrido qualquer errada ponderação dos factos e circunstâncias em jogo para a determinação da medida da pena. Ora, da análise do acórdão recorrido a figura-se-nos que o Tribunal da Relação teve em conta os factores que o recorrente invoca para pedir uma redução da respectiva pena. Analisando os factos verifica-se que são de extrema gravidade, revelam ousadia criminosa, compatível com personalidades de características marcadamente desviantes configurando ilícitos de elevada gravidade, reveladores de personalidade desprovidas de valores éticos, com propensão para o crime. Como diz FIGUEIREDO DIAS: «Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.» Ponderando todas estas circunstâncias, não nos merece qualquer censura a pena única imposta ao arguido. Na determinação da medida da pena o tribunal seguiu os critérios gerais da culpa e prevenção e o critério especial segundo o qual na medida da pena única são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Face ao exposto, cumpre dizer que o acórdão recorrido tendo dado resposta clara e proficiente às teses do recorrente em sede do recurso que interpôs para este Tribunal da Relação, manteve, na íntegra, o decidido, as penas inicialmente aplicadas, incluídas. De todo o modo, sempre se dirá que analisadas as conclusões das motivações que o arguido apresenta, este se limita a retomar e a repetir, no essencial, toda a argumentação que expenderam ingloriamente na 1ª instância - diga-se, aliás, que nem sequer se dignou apresentar novos argumentos rebatendo, desta feita, os argumentos e fundamentação do acórdão de que ora recorre. Assim e ao reeditar os argumentos com que não logrou convencer o Tribunal da Relação, apenas nos resta dizer que no acórdão recorrido contém-se, ponto por ponto, resposta às teses do recorrente. Termos em que, mantendo a decisão recorrida - e, obviamente, com o devido respeito por melhor e superior apreciação — será feita a Justiça do caso agora submetido à apreciação desse Supremo.» 5. Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu o proficiente que se transcreve: «Do recurso 1 - O arguido e ora recorrente AA foi submetido a julgamento no Juízo Central Criminal ...., do Tribunal Judicial da comarca ...., vindo a ser condenado, por acórdão proferido a 8/04/2019, pela prática, em co-autoria imediata e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.°, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-B, I-C e II-A ao mesmo anexas, na pena de 9 (nove) anos de prisão; e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.°, n.º 1, als. c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 3 (três) anos de prisão. Em cúmulo jurídico destas penas foi o arguido AA condenado na pena única de 10 (dez) anos de prisão. O arguido não se conformou com aquela decisão condenatória e da mesma interpôs recurso para o Tribunal da Relação .... . Aquele Tribunal da Relação, porém, por acórdão de 2/12/2019, negou provimento ao recurso e manteve integralmente a decisão recorrida. Ainda inconformado, recorre agora para este Supremo Tribunal. 2 - O recorrente suscita a inconstitucionalidade da decisão recorrida por violação do disposto no art. 32 da Constituição da República Portuguesa, alegando que aquela decisão, tal como a da 1ª Instância, interpretou o art. 127 do CPP, “no sentido de que a prova apreciada pelo julgador não deve observar o princípio da presunção de inocência” e que essa interpretação é inconstitucional. Insurge-se, depois, contra o segmento da decisão relativo à determinação da medida das penas, afirmando que viola as teorias subjacentes à aplicação e quantificação de uma pena de prisão, pelo que a pena de prisão aplicada ao arguido deve ser alterada, “atendendo à teoria relativa das penas, aos critérios de prevenção geral positiva e especial de sociabilização, ponderadas todas as circunstâncias atenuantes, máxime o relatório social, fixando-se em seis anos e três meses de prisão, nos termos e para os efeitos dos artigos 40.º, n.º 1 e 71.º, n.º 1, ambos do Código Penal”. 3 - A Magistrada do Ministério Público no Tribunal recorrido respondeu à motivação do recurso, pronunciando-se no sentido da manutenção da decisão recorrida. 4 - Não se suscitam, a nosso ver, quaisquer questões que obstem ao conhecimento do recurso do arguido, devendo o mesmo ser julgado em conferência, nos termos do disposto no art. 419, n.º 3, do CPP. Do mérito 5 - Acompanhamos o entendimento e a argumentação constante da resposta ao recurso apresentada pela Magistrada do Mº Pº no Tribunal da Relação ....., através da qual deixa evidente a falta de razão das pretensões do recorrente. Com efeito, o recorrente reedita perante este Supremo Tribunal questões que suscitou no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação, que as analisou com rigor e explicitou e fundamentou as ilações que retirou. Assim, a decisão recorrida manteve na integra a matéria de facto assente na decisão da 1ª Instância e concluiu que aquela decisão não padece de qualquer vício dos previstos no art. 410, nº 2, do CPP, designadamente os invocados pelo recorrente – contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova, mas também que a mesma não viola os princípios da livre apreciação da prova, in dubio pro reo, ou da presunção de inocência e não contém qualquer ofensa ao disposto no art. 32 da CRP. Explicitando que o Tribunal de 1ª Instância não violou aqueles princípios e que fez uma apreciação critica e racional das provas, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência e não se viu confrontado com qualquer situação, qualquer dúvida, que impusesse a aplicação do princípio in dubio pro reo. Da análise da decisão também não resulta que o Tribunal recorrido tenha violado os princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo e por força deste o da presunção de inocência. Antes resulta que também o Tribunal da Relação ....... fez uma apreciação crítica e racional da prova, fundada nas regras da experiência e da lógica, em obediência ao princípio consagrado no art. 127, do CPP. E igualmente não resulta que se tenha instalado, ou devesse ter instalado, qualquer estado de dúvida no espírito do julgador, relativamente a qualquer facto dado como provado. A aplicação do princípio in dubio pro reo pressupõe esse estado de dúvida, uma dúvida que tem de ser insanável, por inultrapassável e a sua violação só pode ser aferida quando da decisão impugnada resulte, de forma evidente, que o Tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida (o “non liquet”), decidiu contra o arguido, o que não ocorre no caso. 6 - Acresce que a apreciação da violação dos princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo, se reconduz a uma questão de facto, por isso subtraída aos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, como decorre do disposto no art. 434, do CPP, que estatui: “o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito”, sem prejuízo de se conhecer oficiosamente de qualquer um dos vícios da sentença, previstos no nº 2, do art. 410, do CPP, caso se verifiquem. Ou seja, o Supremo Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso sobre matéria de direito conhece oficiosamente dos vícios da sentença que se verifiquem, mas o recurso que incida sobre tais vícios, porque se reconduz à impugnação da matéria de facto, extravasa os seus poderes de cognição. E, como se sumariou no acórdão deste Supremo Tribunal de 16-05-2007 - In CJ (STJ), T2, pág.182-: “III. A violação do princípio in dubio pro reo, só pode ser aferida pelo STJ quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que o Tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida decidiu contra o arguido. IV. Posto que, saber se o Tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto, a mesma exorbita os poderes de cognição do STJ enquanto Tribunal de revista e, do exame dos acórdãos impugnados decorre que as instâncias não ficaram na dúvida em relação a qualquer facto.” 7 - E também não se verifica a interpretação contrária à Constituição do art. 127 do CPP, como preconiza o recorrente, desde logo porque a decisão recorrida não interpretou as referidas normas no sentido que o recorrente considera, não tendo qualquer sustentabilidade a argumentação que desenvolve. Desta forma e tendo o recorrente suscitado todas essas questões perante o Tribunal da Relação, que, como se disse atrás, as analisou e ponderou com rigor, concluindo, não se verificarem quaisquer vícios da decisão nem a violação de qualquer princípio que enforma o processo penal, nomeadamente, não haver qualquer dúvida quanto aos factos impugnados, antes a certeza da sua verificação, essa decisão sobre a matéria de facto é definitiva. E não se diga que dessa forma se ofende o direito ao recurso. Tal como se consignou no sumário do acórdão deste Supremo Tribunal de 21/12/2011, proc.130/10.0GCVIS.C1.S1, “VI - O art. 32.º, n.º 1, da CRP prevê o direito ao recurso como garantia de defesa: mas a garantia constitucional, como é assente, fica assegurada na substância com a previsão e o direito ao recurso em um grau, não exigindo um segundo grau de recurso ou terceiro de jurisdição.” 8 - Por outro lado, a decisão recorrida também fez uma acertada ponderação das circunstâncias que rodearam a prática dos factos, nomeadamente de índole pessoal, e valorou correctamente o grau de culpa manifestado, a ilicitude dos factos e as exigências de prevenção geral e especial. O arguido recorrente discorda da pena em que foi condenado, apelidando-a de «paternalista». Porém, não esclarece nem concretiza esse conceito e também não esclarece de que pena/penas discorda. Ou seja, se das penas parcelares, ou de alguma delas, se da pena única. A argumentação que apresenta parece direccionada para a pena parcelar fixada pelo crime de tráfico de estupefaciente, tanto mais que nunca se refere ao crime de detenção de arma proibida e invoca apenas a violação dos arts 40 e 71, do Código Penal e não, também, a norma do art. 77, do mesmo diploma, que disciplina a determinação da pena do concurso de crimes. Também quando reivindica a redução da pena para 6 anos e 3 meses de prisão não esclarece a que pena se refere. No entanto, o ora recorrente, no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação ...., igualmente não identificou a pena que pretendia impugnar e usou a argumentação equivoca que agora reeditou perante este Supremo Tribunal. Nesta decorrência a decisão recorrida considerou a discordância do arguido apenas no que respeita à pena parcelar pelo crime de tráfico de estupefaciente e consignou o seguinte: “A pena aplicada ao arguido encontra-se correctamente fixada, dando-se aqui por reproduzido o que se expressou aquando da análise do recurso do arguido BB, havendo apenas a acrescentar que o arguido AA é o que tinha mais estupefaciente e dinheiro na sua posse proveniente da venda, a revendia, e o que durante mais tempo manteve a actividade de tráfico. Deve, assim, manter-se a pena aplicada ao arguido AA.” O recorrente não impugna os fundamentos invocados na decisão recorrida para a manutenção da medida da pena, antes repete as críticas genéricas e assentes em citações de arestos diversos, relativos a condenações por crimes de tráfico de estupefacientes, aparentemente pretendendo demonstrar o exagero da pena que lhe foi aplicada. Porém, o arguido foi condenado na pena de 9 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes prev e pun. nos termos do disposto no art. 21, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, cuja moldura penal abstracta é de 4 anos a 12 anos de prisão e o Tribunal recorrido consignou na decisão as razões subjacentes à sua concordância com essa pena, fundamentos esses sobre os quais, como se referiu, o recorrente se não pronunciou sequer. Todavia, quer as penas parcelares quer a pena única aplicadas ao recorrente são, a nosso ver, justas, adequadas, proporcionais à gravidade dos factos e à perigosidade do agente e respeitadoras dos parâmetros decorrentes dos critérios legais fixados nos arts 40, 71 e 77, do Código Penal, não havendo qualquer fundamento para que sejam reduzidas. * Em conformidade com o exposto, emite-se parecer no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido.» 6. Dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, nada mais foi dito. 7. Com dispensa de vistos, realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Factos O Tribunal Colectivo considerou provada a seguinte «MATÉRIA DE FACTO PROVADA 1. Pelo menos desde Maio de 2016 até … .12.2017, o arguido AA dedicou-se à venda em .... de cocaína, de canábis e de MDMA a terceiros mediante contrapartida económica; 2. Para tanto, o arguido AA adquiria, sempre que necessário, os referidos produtos junto de indivíduos cuja identidade não se apurou, inclusive deslocando-se a ..... para esse efeito; 3. A distribuição dos referidos produtos estupefacientes era efectuada pelo arguido AA e, pelo menos a partir de Junho de 2016, pelo arguido CC; 4. O arguido CC procedia a tal distribuição, quer pelos seus clientes que se dedicam à actividade de venda de estupefacientes na zona ..... e que redistribuíam aquelas substâncias por terceiros, quer pelos clientes do arguido AA, na sua ausência, recebendo daqueles as correspondentes quantias monetárias; 5. O arguido BB, a partir de Fevereiro de 2017 até … .11.2017, e o arguido DD, a partir de Março de 2017 até … .11.2017, quando necessitavam de canábis para vender, solicitavam-na ao arguido AA; 6. Após receber a canábis, o arguido BB entregava-a aos seus clientes, recebendo destes as correspondentes quantias monetárias; 7. O arguido DD procedia da mesma forma, distribuindo a canábis que adquiria ao arguido AA pelos seus clientes, entre os quais FF; 8. O arguido CC não só distribuía o estupefaciente pelos seus clientes e pelos do arguido AA, como também o auxiliava no armazenamento daquele produto; 9. Parte das substâncias que os arguidos AA e CC transaccionavam eram guardadas, preparadas e embaladas pelo arguido CC na residência sita na ....., ....., na .......; 10. O arguido AA armazenava também, para posterior venda, cocaína, MDMA e canábis no interior de diversas viaturas, que parqueava na via pública, entre as quais as de marca e modelo .........., com a matrícula ..-AI-.., ........ com a matrícula ..-..-OH, ........., com a matrícula ..-..-OP, e .........., com a matrícula ..-SN-..; 11. Através da venda das referidas substâncias, os arguidos AA, CC, BB e DD angariavam lucros que constituíam a sua principal fonte de rendimento; 12. No dia … .10.2017, entre as 22h06 e as 22h09, na Rua ........., em ......, o arguido AA entregou ao arguido DD duas placas de canábis com o peso de 1.014,77 gramas; 13. De imediato, o arguido DD entregou as duas placas de canábis a FF; 14. No dia … .11.2017, os arguidos AA, GG e EE deslocaram-se a ......... para efectuarem o transporte de canábis para .......; 15. Estes três arguidos combinaram que se fariam deslocar em duas viaturas, uma conduzida pelo arguido EE e onde seria transportada a canábis, outra, que precederia aquela de forma a evitar a detecção pelas autoridades policiais, em que seguiriam os arguidos AA e GG; 16. Nesta sequência, no referido dia … .11.2017, após as 13h30, os três arguidos saíram ...... em direcção ao sul do país; 17. Os referidos arguidos fizeram-se deslocar nos veículos ...... com a matrícula ..-..-RF e ..... com a matrícula ..-ES-.., tendo chegado à estação de serviço ......, na A.., pelas 15h34, aí permanecendo até às 15h43; 18. Às 15h43, o ......., conduzido pelo arguido EE, e o ......., conduzido pelo arguido GG e onde seguia também o arguido AA, voltaram a transitar pela A.., prosseguindo até à ........., daí seguindo na direcção .......; 19. No cumprimento do plano elaborado e aceite pelos três arguidos, pelas 19hl0, o ...... passou na fronteira entre ....... e ......., seguindo em direcção a ......; 20. Pelas 19hl4, o ....., conduzido pelo arguido EE, efectuou o mesmo percurso; 21. Cerca das 19h25, o arguido EE conduziu o ......... para o posto de abastecimento ....., em ...., local onde já se encontravam os arguidos AA e GG; 22. Após abastecer o ........., o arguido GG conduziu-o à zona de restauração, onde o parqueou; 23. O mesmo fez o arguido EE com o ............; 24. Nesta ocasião, eram transportados na mala ........ 2 (dois) sacos que continham no seu interior 12 (doze) sacos com 1.251 embalagens, vulgo “bolotas”, contendo canábis (resina) com o peso total líquido de 10.713,081 gramas; 25. Nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar, o arguido AA tinha em seu poder 4 embalagens, vulgo "bolotas", de canábis (resina) com o peso total líquido de 35,150 gramas; 26. No dia … .12.2017, o arguido AA guardava no interior da sua residência, sita na Rua .............., lote .., ......., Bairro .............., em .........: - €40.075,00 (quarenta mil e setenta e cinco euros) em notas do banco central europeu; - 64 (sessenta e quatro) embalagens, vulgo "placas”, de canábis (resina) com o peso total líquido de 5.866,800 gramas; - 6 (seis) sacos contendo cocaína (cloridrato) com o peso total líquido de 910,700 gramas; - 13 (treze) embalagens contendo cocaína (cloridrato) com o peso total líquido de 115,086 gramas; - 3 (três) embalagens, vulgo "bolotas", de canábis (resina) com o peso total líquido de 22,474 gramas; - Um saco com fenacetina; - Uma embalagem de fenacetina; - Uma faca com resíduos de cocaína e de canábis; - Uma balança de precisão com resíduos de cocaína e de MDMA; - Uma pistola ….. de calibre 6,35 mm com o n.º de série rasurado; - Um telemóvel de marca ……, com o n.º de série ...............23; - Um telemóvel de marca ……., com o n.º de série ..............49; - Um telemóvel de marca ……, com o n.º de série ...............51; - Um telemóvel de marca …….., com o n.º de série .............95; - Um telemóvel de marca ……., com o n.º de série ..............09; - Um telemóvel de marca ……, com o n.º de série .......41; - Um telemóvel de marca …….; - Um telefone sem fios de marca ……, com o n.º série ..........37; - Um telemóvel de marca ……, com o n.º série …....; - Um telemóvel de marca ……, com o n.º série ............79; - Documentos relativos aos veículos com as matrículas ..-..-OP, ..-NZ-.. e ..-..-TP; - Um computador portátil de marca …. com o n.º de série ……83, com carregador; - Um computador portátil de marca ……com o n.º de série …….83..; 27. No dia … .12.2017, o arguido AA guardava no interior do veículo de marca e modelo ............. com a matrícula ..-..-OP: - 5 (cinco) sacos contendo MDMA com o peso total líquido de 822,400 gramas; - Um revólver ….. de calibre .32, municiado com 6 (seis) munições no tambor; - Uma pistola FN …… de calibre 6,35 mm; - 22 (vinte e duas) munições de calibre .32 S&W; - 11 (onze) munições de calibre 6,35 mm; 28. No dia … .12.2017, o arguido CC guardava no interior da residência sita na Rua ..........., Porta .., Bairro ......., em .......: - €795,00 (setecentos e noventa e cinco euros); - 1 (um) pacote contendo cocaína (éster metílico de benzoilecgonina) com o peso líquido de 3,755 gramas; - Vários pedaços de canábis (resina) com o peso total líquido de 2,870 gramas; - Uma folha A5 com diversas inscrições; 29. No dia … .12.2017, o arguido CC guardava no interior da residência sita na Travessa ....., na ....., num pequeno terraço anexo à cozinha: - 5 (cinco) embalagens contendo cocaína (cloridrato) com o peso total líquido de 493,400 gramas; - 1 (um) saco contendo cocaína (cloridrato) com o peso líquido de 50,600 gramas; - 1 (um) saco contendo cocaína (éster metílico de benzoilecgonina) com o peso líquido de 167,543 gramas; - Um saco com fenacetina; - Uma panela e duas balanças de precisão com resíduos de cocaína; - Um rolo de sacos de plástico transparente; - Um frasco de amoníaco; 30. No dia … .12.2017, o arguido BB guardava no interior da sua residência, sita na ..... n.º .., Bairro ...., em ....: - €4.710,00 (quatro mil setecentos e dez euros); - 58 (cinquenta e oito) embalagens, vulgo "bolotas", de canábis (resina) com o peso total líquido de 538,954 gramas; - 28 (vinte e oito) embalagens, vulgo "placas", de canábis (resina) com o peso total líquido de 2.626,649 gramas; - 3 saquetas contendo canábis (resina) com o peso total líquido de 34,280 gramas; - Uma faca com resíduos de canábis; - Uma balança de precisão; - Um rolo de película celofane; - Duas embalagens vazias, próprias para acondicionar placas de haxixe; - Três telemóveis, sendo um de marca Apple e dois de marca Nokia; 31. No dia … .12.2017, o arguido DD guardava no interior da sua residência, sita na Rua ......., Lote ..., ..., em .........: - 5 (cinco) embalagens, vulgo "placas", de canábis (resina) com o peso total líquido de 488,400 gramas; - Um telemóvel da marca……; 32. No dia … .12.2017, o arguido GG guardava no interior da residência sita na Rua ........., n.º .., ........., em .....: - Um telemóvel "…..", com o n.º de série ..............55; - Um bloco de notas "note philatelic”, com apontamentos e anotações; - Um cartão SIM da operadora de telecomunicações NOS, com o n.º de série ..........99, correspondente ao n.º .......55; 33. No dia … .12.2017, o arguido GG guardava na residência sita no ........., ...., em .........: - Uma caixa em cartão do telemóvel de marca e modelo ".….", com o n.º de série ........47; - Uma caixa de carregador auto de telemóvel de marca e modelo "…..", com n.º de série ...........56; 34. A cocaína, a canábis e o MDMA referidos estavam destinados à venda a terceiros nos moldes acima descritos; 35. As balanças, a faca, o rolo de celofane e os sacos em plástico eram usados na pesagem, no corte e no acondicionamento dos produtos estupefacientes; 36. O amoníaco e a fenacetina eram utilizados no "corte" dos produtos estupefacientes, tendo em vista aumentar o número de doses obtidas e o lucro obtido com a sua comercialização; 37. As quantias monetárias apreendidas são resultantes de transacções de produtos estupefacientes; 38. Os mencionados telemóveis e cartões telefónicos eram usados nos contactos necessários à comercialização dos produtos estupefacientes e foram adquiridos com proventos daí resultantes; 39. O arguido AA não era titular de autorização que lhe permitisse ter em seu poder o revólver, as duas pistolas e as munições acima referidos; 40. Os arguidos AA, CC, BB, DD, GG e EE tinham conhecimento dos factos acima descritos e, ainda assim, quiseram agir pela forma mencionada, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei; No que respeita à inserção familiar e sócio-profissional do arguido AA, apurou-se que: 41. O arguido AA é o mais velho de dois irmãos germanos, nasceu e cresceu no ........., em ........, em habitação com poucas condições de habitabilidade e num meio familiar com algumas privações no plano económico, trabalhando a mãe como auxiliar de acção médica e o pai como pedreiro da construção civil; 42. A situação económica do agregado agravou-se com o falecimento do progenitor, quando o arguido AA tinha cerca de 8 anos de idade, altura em que o mesmo foi encaminhado pela escola para acompanhamento clínico devido a um quadro de ansiedade; 43. Integrou o ensino básico na escola do bairro, registando um percurso escolar com algumas reprovações, mas acabou por concluir o 9.º ano de escolaridade, através de um curso de formação profissional, por volta dos 18 anos de idade; 44. Pouco tempo depois, o arguido AA iniciou-se profissionalmente nos….., como ......, com vínculo contratual de 18 meses; 45. Após alguns meses de desemprego, o arguido AA trabalhou como ........... durante cerca de 15 meses, após o que passou a trabalhar como ........ por conta própria; 46. Em 2017, o arguido AA constituiu com a irmã uma empresa de distribuição ..........., que se mantém em actividade; 47. O arguido AA estabeleceu uma união de facto aos 18 anos, relação que terminou há cerca de 6 anos e da qual nasceu uma filha, actualmente com 10 anos; 48. Iniciou consumos de haxixe aos 18 anos, situação que não teve impacto na organização do seu quotidiano; 49. Quando foram praticados os factos acima descritos, o arguido AA residia no agregado familiar de origem, composto pelo mesmo, pela progenitora, pela irmã, pela filha, que se encontra ao cuidado da família paterna desde a separação dos pais, e pela sobrinha de dois anos de idade; 50. O agregado foi alvo de um processo de realojamento por parte da Câmara Municipal ..... há cerca de 8 anos, residindo actualmente numa casa da Gebalis na zona .....; 51. As relações familiares pautam-se pelo afecto e por fortes ligações vinculativas entre os membros; 52. Antes de o arguido AA estar preso preventivamente à ordem destes autos, a progenitora do mesmo continuava a trabalhar como ...........; 53. O rendimento obtido através da empresa de que o arguido AA e a irmã são proprietários revelou-se substancialmente mais baixo do que os mesmos haviam perspectivado; 54. O arguido AA tem uma namorada há cerca de cinco anos, que é ....... e que se estabeleceu por conta própria na zona ....; 55. O arguido AA apresenta-se como um indivíduo reservado, ansioso e defensivo que revela ser portador de capacidades cognitivas e autonomia pessoal para fazer as opções de vida que entende como adequadas e vantajosas para si, num quadro de algumas lacunas ao nível da capacidade reflexiva e pensamento consequencial; 56. O arguido AA é praticante regular de desporto, inicialmente de boxe e, nos últimos anos, de jiu-jitsu; 57. O arguido AA continua a beneficiar de apoio incondicional da família, de quem recebe visitas regulares no estabelecimento prisional; 58. No estabelecimento prisional, o arguido AA efectuou pedido de colocação laboral, encontrando-se a aguardar autorização para tanto, e não tem averbadas sanções no respectivo registo disciplinar; 59. O arguido AA mantém terapêutica prescrita no anterior estabelecimento prisional em consulta de psiquiatria; 60. No relatório social elaborado pelos serviços de reinserção social relativo à inserção familiar e sócio-profissional do arguido, conclui-se que: - Trata-se de um indivíduo de 29 anos cujo processo de socialização foi marcado pelo falecimento do progenitor, quando tinha cerca de oito anos de idade, e por algumas privações de ordem financeira que se agravaram nessa altura. Porém, do apurado, as relações familiares pautam-se pelo afecto e fortes ligações vinculativas entre os membros do agregado; - O seu percurso escolar foi marcado por algumas reprovações mas, ainda assim, veio a concluir o 9° ano de escolaridade. No campo profissional, tem mantido um trajecto relativamente regular, denotando capacidade de iniciativa, pese embora tenha atravessado uma fase de inactividade e outra de trabalho ocasional. No plano familiar, parece adequadamente inserido; - Estes elementos constituem-se como factores de protecção ao passo que a vivência do bairro e algumas sociabilidades nesse contexto desenvolvidas tendem a ser factores de risco comportamental. Contudo, do ponto de vista pessoal, pareceu-nos deter recursos internos capazes de o levarem a adoptar comportamentos alternativos não obstante algumas lacunas ao nível da capacidade reflexiva e pensamento consequencial; - Em caso de condenação, pensamos que o projecto de reinserção social de AA deverá ser direccionado para a manutenção de ocupação laboral estruturada e a melhoria de sentido crítico associado à promoção de valores pró-sociais de forma a poder adoptar um projecto de vida independente e condigno com as normas sociais. Porém é certo que, dadas as capacidades cognitivas que evidencia, o sucesso da sua reinserção social dependerá, em grande parte, do grau de motivação que o arguido vier a revelar para o efeito; […][8]. - Relativamente aos antecedentes criminais do arguido AA, provou-se que: 123. Por acórdão proferido em 23.04.2012 no processo comum colectivo com o n.9 5/09...... Vara Criminal ....., transitado em julgado em 11.07.2013, o arguido foi condenado pela prática em 2009 de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C ao mesmo anexas, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d], da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na pena única de 2 anos e 9 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo; 124. Por acórdão proferido em 20.03.2014 no processo comum colectivo com o n.º 28/12...... do Juízo Central Criminal ......, transitado em julgado em 03.11.2014, o arguido foi condenado pela prática em … .04.2013 de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23.02, em pena de multa; […][9]. * MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA a) A partir pelo menos de Janeiro de 2016 os arguidos dedicaram-se, em conjunto e em comunhão de esforços, à venda de cocaína, de canábis e de MDMA; b) Os arguidos GG e EE acompanharam o arguido AA na aquisição de produto estupefaciente em datas diversas de 30.11.2017; c) Após adquirir cocaína, canábis e MDMA, o arguido AA entregava a totalidade destes produtos ao arguido CC; d) O arguido HH procedeu à distribuição por terceiros de estupefacientes obtidos junto do arguido CC; e) Os arguidos GG e II venderam cocaína, MDMA ou canábis fornecida pelo arguido AA; f) O arguido BB entregou cocaína a JJ; g) O arguido II entregou produtos estupefacientes a KK; h) No armazenamento, preparação e embalamento de produto estupefaciente, o arguido CC era auxiliado pela sua companheira, a arguida LL que, na indisponibilidade daquele para efectuar as transacções que lhe eram solicitadas de cocaína, de canábis e de MDMA, assumia o seu lugar, realizando a venda destes produtos aos clientes do primeiro; i) O arguido II participou nos preparativos da viagem ocorrida no dia 30.11.2017, a que se faz referência no ponto 14. a 16.; j) A arguida LL utilizava a residência sita na .... , …, na …, para guardar estupefaciente; k) A viatura ...... com a matrícula ...-ES-... era usada para transportar produtos estupefacientes. * MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO A convicção do tribunal quanto à factualidade provada e não provada assentou, no geral, na conjugação de: - Declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento pelos arguidos AA, EE, CC e LL; OS arguidos DD, II e HH prestaram declarações apenas relativamente às respectivas condições pessoais e situação económica; - Autos de apreensão de fls. 1660/1661,1662/1663,1664/1665,1698/1699, 1728/1729, 1747/1748,1823/1824, 1845/1846 e 2170/2171; - Autos de busca e de apreensão de fls. 1658/1659,1666/1668 (........ ..-ES-..), 1682/1684, 1691/1693 (......... ..-..-OP), 1696/1697, 1702/1703, 1732/1733, 1734/1736, 1744/1746, 1762/1764, 1786/1787, 1791/1792, 1797/1799, 1800/1802, 1821/1822, 1833/1834, 1842/1843 e 1852/1853; - Documentos de fls. 1751 a 1754 e 1777 a 1781 e 1856 a 1858 (fotogramas), 1847, 2005 a 2034, 2436 a 2442, 2473, 3433, 3762 a 3776 e 3780 a 3800; - Certidões de fls. 2779 a 2790, 2866 a 3150 e 3198 a 3220; - Depoimentos das testemunhas: - MM, agente da PSP; - NN, agente da PSP; - OO, agente da PSP; - PP, agente da PSP; - QQ, agente da PSP; - RR, agente da PSP; - SS; - TT; - UU, agente da PSP; - VV; - WW; - XX; - YY; - ZZ; - AAA; - BBB; e - CCC; - Relatórios de exame pericial de fls. 2532, 2756/2763, 2765/2774 e 3156; - Apenso 1 ("Vigilâncias”); - Apensos 2 a 10 (transcrição de conversações telefónicas); - Certificados do registo criminal constantes de: - Fls. 3451 a 3455 (arguido AA); - Fls. 3457 e 3458 (arguido EE); - Fls. 3459 a 3473 (arguido GG); - Fls. 3474 a 3476 (arguido CC); - Fls. 3516 a 3527 (arguido BB); e - Fls. 3528 a 3532 (arguido DD); - Relatórios sociais de: - Fls. 3642 a 3644 (arguido DD); - Fls. 3685 e 3686 (arguido BB); - Fls. 3689 e 3690 (arguido EE); - Fls. 3691 a 3693 (arguido CC); - Fls. 3694 e 3695 (arguido GG); e - Fls. 3729 a 3731 (arguido AA). 0 tribunal teve ainda presente que, como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1165/96, a livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão.[[10]]. Importa agora concretizar a motivação da decisão de facto. Os presentes autos resultam da extracção de certidão do NU1PC 3933/15......... (fls. 1 e 2), onde em 26.01.2016 teve início a intercepção telefónica ao cartão ...... 57 (com o código .......), que mais tarde, em Março de 2016 (fls. 26), com o decurso da investigação veio a apurar-se ser utilizado pelo arguido AA, tendo aquele cartão telefónico continuado a ser interceptado nestes autos em 27.07.2016 sob o código ....... (fls. 120). Nas declarações que prestou em sede de audiência de discussão e julgamento, o arguido AA, admitiu que guardava na sua residência a quantia monetária, a droga e os objectos acima elencados, que aí foram apreendidos. No entanto, acrescentou o mesmo arguido, a droga e a balança de precisão eram pertença de um indivíduo que identificou como "DDD” e a sua única função consistia em guardá-las. Ainda de acordo com o arguido AA, desde 6 a 7 meses antes de ter sido detido transportava haxixe a partir ....., e guardava-o, por conta do referido "DDD”, recebendo por cada viagem entre €2.000,00 e €3.000,00, tendo recebido ao longo daquele período temporal um total de cerca de €20.000,00, e sendo que por vezes o segundo entregava directamente o produto estupefaciente em sua casa. O arguido AA afirmou que só transportava e guardava produto estupefaciente, negando vendê-lo. No que respeita à viagem ocorrida em 30.11.2017, o arguido AA admitiu tê-la efectuado tendo em vista trazer o haxixe para ...., bem como que realizou o percurso acompanhado pelos arguidos GG e EE que contudo, acrescenta, desconheciam que estivesse a ser transportado haxixe. De acordo com o arguido AA, só conhecia o arguido GG e teve necessidade de ir ao .... acompanhado por este e pelo arguido EE porque ia vender o ..... e o ...... estava destinado a trazê-los de volta para .... No entanto, acrescentou, na medida em que o .... "começou a dar problemas de motor", acabaram por deslocar-se de regresso a ....... em ambos os veículos. De resto, segundo o arguido AA, o ..... logo desde .... foi a dar problemas. A este propósito, referiu ainda o arguido AA que ambos os veículos foram levados a ...... e que neste país os três arguidos estiveram parados a tomar uma refeição, altura em que o haxixe foi colocado no ... . Quanto ao dinheiro que foi apreendido em sua casa, o arguido AA afirmou que metade era resultado de poupanças suas e da sua irmã e da venda de um veículo, bem como que guardava naquele local tal quantia monetária porque "era mais simples". Relativamente ao ......... com a matrícula ...-...-OP, o arguido AA referiu que o mesmo não lhe pertence e que não tinha acesso a tal viatura, sendo esta propriedade de uma pessoa que identificou como "EEE” que em tempos teve acesso à sua casa e deixou a ficha de inspecção relativa a tal veículo naquele local. Nesta medida, o arguido AA negou ter qualquer relação com o que foi encontrado no interior da referida viatura. Por fim, quanto à pistola que foi encontrada no interior da sua residência, afirmou que também a mesma era pertença do "DDD". No que concerne à investigação da actuação do arguido AA, até Maio de 2016 aquela assentou essencialmente em intercepções telefónicas, de onde resultava, para além do mais, que aquele marcava encontros com outros indivíduos. É certo que, conforme se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13.12.2011, "qualquer escuta legal pode ser suficiente para a condenação de um agente (sendo admissíveis todas as provas não proibidas por lei, inexistindo qualquer base legal a proibir a prova que se obtenha de uma escuta ou a condicionar a sua validade ou eficácia à existência de um qualquer outro meio de prova) - basta que ela tenha a virtualidade de criar no julgador a convicção de um determinado facto”.[[11]] Também é verdade que o tipo de conversação interceptado e transcrito nos autos, em que são mantidos contactos rápidos, a remeter para encontros e sem se falar abertamente de nada, torna patente que os intervenientes já sabem de antemão a que se destina o encontro e que, de acordo com as regras de normalidade da vida, este não se destina a convívio, precisamente porque o encontro é marcado sem que os intervenientes na conversa sequer abordem a finalidade do encontro combinado. De resto, esta característica das conversas é comum aos diversos arguidos cujas conversações foram interceptadas neste processo (cf. Apensos 2 a 10). No entanto, no caso dos autos, para considerar provada a factualidade acima descrita, o tribunal não se cingiu às transcrições das conversações telefónicas interceptadas, afirmando aquela prova no caso porque tais conversações foram corroboradas por vigilâncias em que foram visualizados encontros combinados (cf. Apenso 1) e pelas apreensões de produto estupefaciente efectuadas. A este propósito, o tribunal atendeu aos depoimentos das testemunhas que são agentes da PSP e que, de forma credível, convincente e espontânea, descreveram a participação que, no exercício das suas funções, tiveram na situação em apreço, havendo a realçar o depoimento das testemunhas MM e UU, que participaram nas vigilâncias efectuadas e confirmaram o teor dos autos de vigilância constantes do Apenso 1, sendo que quanto aos demais agentes da PSP tiveram participação essencialmente na realização de buscas domiciliárias e não domiciliárias. Em face do exposto, o tribunal considerou estar demonstrada a factualidade supra descrita no que tange aos arguidos AA, BB, CC e DD e, ao invés, não provada a factualidade relativa aos arguidos LL, HH e II nos moldes acima descritos. De resto, as intercepções telefónicas permitiram concluir que foram os arguidos AA, BB, CC e DD quem teve as conversas interceptadas porque na sequência daquelas e da marcação de encontros as vigilâncias confirmaram a presença daqueles nesses mesmos encontros. Em suma, tal como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 18.03.2013, [[12]] "a prova de um facto tanto pode resultar de uma percepção imediata dos sentidos como derivar de ilações que o julgador tira de circunstâncias conhecidas em função das regras da experiência comum (prova indirecta). Neste último caso, a prova deve fundar-se, em regra, na existência de uma pluralidade de indícios plenamente provados, admitindo-se que excepcionalmente baste um só indício pelo seu especial valor", acrescentando-se no mesmo aresto que "a transcrição duma escuta telefónica constitui um meio de prova documental. Como tal, apenas prova que numa precisa ocasião certa pessoa proferiu determinada locução, não que o facto a que se refere tenha efectivamente ocorrido. Porém, é apta a ser valorada pelo tribunal, em confronto com os demais elementos de prova, constituindo uma das premissas atendíveis na prova indirecta". Assim, a partir de Maio de 2016, no que respeita ao arguido AA, as intercepções telefónicas passaram a ser conjugadas com as vigilâncias e as suspeitas que era possível extrair destes meios de obtenção de prova no sentido que foi dado como provado vieram a ser confirmadas pelas apreensões efectuadas. O mesmo sucedeu no que tange aos arguidos BB (que surgiu no processo em Fevereiro de 2017 - cf. fls. 409 e 410], CC (que surgiu no processo em Junho de 2016 - cf. fls. 91 e 92] e DD (que surgiu no processo em Março de 2017 - cf. fls. 557, 567 e 636], No que respeita aos arguidos AA, BB, CC e DD (ao contrário do que sucedeu com os arguidos LL, HH e II] foi possível apreender um padrão de comportamento cuja confirmação última foi atingida aquando das apreensões, nomeadamente de produtos estupefacientes, de quantias monetárias e de objectos usualmente utilizados na preparação e acondicionamento de droga. Tal padrão de comportamento foi apreensível nos contactos telefónicos recebidos pelo arguido AA, seguidos de deslocação do mesmo a viaturas parqueadas próximo da sua residência, por seu turno seguidas de encontros com outros indivíduos, o que veio a ser confirmado pela apreensão efectuada no .... com a matrícula ...-...-OP. A função de armazenamento de produto estupefaciente que era pertença do arguido AA de que o arguido CC estava incumbido resulta, por exemplo, do conjunto das sessões 18100, 18103, 18124 e 18126, todas relativas ao alvo 90…40 (Apenso 8), e da sessão 153586 do alvo 84…40 (Apenso 3), interceptadas em Agosto de 2017, de onde decorre que um indivíduo (FF] contacta o arguido DD (dizendo-lhe este que "pode passar, mas sem compromisso"], que este por seu turno contacta o arguido AA, que quando estes se encontram o último solicita a presença do arguido CC no local, após o que o arguido DD volta a estar em contacto com o FF, a quem refere que precisa de lhe “dar uma palavrinha". Tal função do arguido CC é perceptível ainda, por exemplo, na sessão 148761 do alvo 84…40 (Apenso 3), em que o arguido AA dá conta àquele de que ficou "sem gota aqui ao pé de casa” (cf. idêntica conversação na sessão 57475 do alvo 88…40 - Apenso 4). Quanto ao local onde o arguido CC armazenava o produto estupefaciente, em residência pertença da mãe da sua companheira, atendeu- -se também aqui à conjugação das intercepções telefónicas com as vigilâncias (cf., por exemplo, fls. 1603 a 1605] e com a apreensão efectuada na habitação. A este propósito, são elucidativas as sessões 49907 do alvo 88…40 e 716 (erroneamente identificada como "719"] do alvo 94…50, ambas transcritas no Apenso 4, sendo patente o domínio que o arguido CC tinha relativamente ao local, bem como a sessão 1086 do alvo 94…50, em que aquele refere à companheira "vou sair da casa do AA. Fui à tua mãe”, conversa que, conjugada com a restante prova produzida, permite concluir que na casa em questão o arguido CC guardava produto estupefaciente que depois entregava ao arguido AA. De resto, pode afirmar-se que foi o arguido CC quem "conduziu” os agentes da PSP à referida habitação. Na verdade, neste processo e quanto aos arguidos mencionados, as intercepções telefónicas tornaram possível a realização de novas diligências probatórias, provocaram uma reacção em cadeia, tendo sido seguidas de vigilâncias e de apreensões, tendo estas, por seu turno, corroborado as suspeitas que se extraíam daquelas. Acresce que a ligação do arguido CC a esta “casa de recuo” não pode ser apreciada de forma isolada relativamente a toda a actuação do mesmo que foi possível apurar. Nesta medida, não mereceram credibilidade, por serem contrariadas pela conjugação entre si dos referidos meios de prova, as declarações prestadas pelo arguido CC em sede de audiência de discussão e julgamento, tendo o mesmo afirmado que os produtos estupefacientes apreendidos na sua residência estavam exclusivamente destinados ao seu consumo e da sua companheira, bem como que relativamente ao que foi encontrado na habitação da mãe desta desconhecia que ali era guardado. A este respeito, a arguida LL prestou declarações idênticas às do seu companheiro, sendo que, pelo que acima se expôs, não são merecedoras de credibilidade. Foi também com base na conjugação das intercepções telefónicas com as vigilâncias e com a apreensão efectuada no dia 17.10.2017 ao FF (cf. fls. 2779 a 2790) que se considerou estar provada a actuação do arguido DD. É certo que a testemunha CCC afirmou em sede de audiência de discussão e julgamento que no dia 17.10.2017 não recebeu nada do arguido DD, sendo que confirmou que naquela data, quando se encontrava acompanhado de outra pessoa, se encontrou com aquele, mas para lhe adquirir um veículo automóvel, e tendo ainda acrescentado que desconhecia que a pessoa que o acompanhava estava em poder de haxixe. No entanto, atentas as sessões 22149 do alvo 90…40 e 15…66 do alvo 84954040, conjugadas com o que foi percepcionado pelos agentes da PSP MM e UU, que confirmaram o teor da vigilância realizada [entrega de algo por parte do arguido AA ao arguido DD e, logo de imediato, deste ao FF) e com a apreensão efectuada de seguida ao FF, o tribunal não teve qualquer dúvida em considerar provada a factualidade em causa. Também no que concerne ao arguido BB foi tida em consideração, para se considerar provada a factualidade ao mesmo atinente, a conjugação das intercepções telefónicas de que aquele foi alvo com as vigilâncias e com as apreensões efectuadas. Este arguido tem ainda a particularidade de nas conversações telefónicas que manteve o assunto "droga" ser mais explícito. Veja-se, por exemplo, as sessões 873, 875, 876, 938, 940, 941, 945, 989 e 995 do alvo 89…50 [Apenso 5), 3481, 3482, 3484, 3485 e 10849 do alvo 89…50 [Apenso 5), em que é feita a alusão a "ganza”, "pólen" e ("daquilo... para a narina, nada?"). Por fim, resta a factualidade atinente ao transporte de haxixe efectuado no dia 30.11.2017. Conforme já se referiu, o arguido AA afirmou que os arguidos GG e EE não tinham conhecimento de que no .... estava colocado o haxixe em questão. No entanto, a este propósito, as declarações prestadas pelo arguido AA não mereceram qualquer credibilidade, desde logo pelo conteúdo das mesmas. Na verdade, o arguido AA referiu que o intuito da sua deslocação ao ..... era a venda do ...... e que por essa razão houve necessidade de o arguido GG levar o ......., para que todos pudessem regressar a .... . No entanto, o arguido AA afirmou também que, porque o ....... estava com problemas de motor, tiveram de voltar a trazer o ......... para ........, sendo que, conforme o próprio acabou por afirmar, o ......... já estava com problemas à saída de ....... para o ........ Ou seja, não se mostra plausível que alguém que pretende vender um veículo no ........, embora tal venda não seja assim tão importante, pois a viatura acabou por ser trazida de volta, saia de ........ sabendo que o veículo em que vai regressar, no caso, o ......., à saída já está com problemas de motor. Acresce que as declarações prestadas pelo arguido AA mostram-se em contradição com aquelas que o arguido EE prestou quanto a um aspecto essencial, sendo que também estas, pelas razões a seguir expostas, não mereceram credibilidade. O arguido EE, em sede de audiência de discussão e julgamento, remeteu para o que afirmou quando foi sujeito a interrogatório judicial de arguido detido. Nessa ocasião, o arguido EE, depois de referir que apenas conhece o arguido GG e que não se importou de conduzir o ........ porque não conhecia o arguido AA (que seguiu no ........ com o arguido GG), afirmou que em ........ ficou parado num local juntamente com o arguido GG, enquanto o arguido AA abandonou esse local levando o ....... (dando assim a entender que foi nessa ocasião que o haxixe foi colocado na viatura), sendo que, quando este regressou até junto daqueles, afirmou que a venda do veículo já não ia efectuar-se. Daqui decorre desde logo uma contradição com as declarações prestadas pelo arguido AA, segundo o qual o ..... teve de ser trazido de volta a ......... devido aos problemas de motor d.... .. No entanto, existiu ainda uma outra contradição entre as declarações de ambos os arguidos, pois o arguido AA referiu que estiveram os três parados em ........ a tomar uma refeição e que foi nessa altura que o haxixe foi colocado no .... . De todo o modo, o que releva é que à luz das regras da experiência comum as declarações, quer do arguido EE, que negou ter conhecimento da existência de haxixe a ser transportado, quer do arguido AA, que afastou o conhecimento dos arguidos EE e GG relativo ao transporte de haxixe, não merecem credibilidade. Para além do que já se deixou expresso, importa ter presente que o próprio arguido AA admitiu que a viagem em causa destinava-se a trazer para .......... o haxixe. Por outro lado, afastada a plausibilidade da versão da "venda do ..............” (segundo a qual se houvesse mesmo venda do .............. o haxixe teria de ser transportado no ..... que já à saída de ...... apresentava problemas de motor), a utilização de um segundo veículo tinha necessariamente o intuito de possibilitar que os seus ocupantes pudessem alertar o condutor do .... (onde era transportado o haxixe) para a eventual presença de agentes policiais no percurso a efectuar. E, na verdade, o que resulta das vigilâncias efectuadas é que quando ambas as viaturas transitaram pela fronteira de ..... para .... e, portanto, quando o haxixe já era transportado no ...., o ..... seguiu sempre à frente daquele veículo. Acresce que é a necessidade de utilização deste segundo veículo (o ....) que permite concluir que para além do arguido AA, também os arguidos EE e GG tinham necessariamente de ter conhecimento de que no .... era transportada a droga. Desde logo, porque, tendo em vista aquele intuito de evitarem a detecção pelas autoridades policiais, tiveram de efectuar uma condução sincronizada (o arguido EE conduzia o ..... e o arguido GG conduzia o .....). Nem o .... podia adiantar-se demasiado relativamente ao .... nem este poderia atrasar-se em demasia em relação àquele, e nunca este veículo poderia ultrapassar aquele. Por outro lado, em face do elevado valor da carga transportada, o arguido AA não poderia correr o risco de os outros dois arguidos desconhecerem o transporte de haxixe e de, nessa medida, o arguido EE poder conduzir o ..... de forma a chamar a atenção de agentes policiais, ou de o arguido GG conduzir o .... de forma a impossibilitar um alerta atempado em caso de presença de tais agentes. O arguido EE suscitou a questão de a certa altura do processo ter sido colocado em crise o teor do auto de apreensão de fls. 1660/1661 (dando-se a entender que o mesmo tinha em seu poder mais do que um telemóvel - cf. fls. 2170/2171 e 3819 a 3822). A este propósito, tendo os dois autos de apreensão em causa (de fls. 1660/1661 e 2170/2171) sido elaborados por diferentes agentes da PSP, pode ter sucedido que ao serem encontrados no interior do .... dois telemóveis (para além daquele que já havia sido apreendido ao arguido EE no dia 30.11.2017) e tendo o veículo sido conduzido pelo arguido EE, aqueles dois aparelhos lhe tenham sido imputados por esta razão, sem que tenha havido o intuito de elaborar qualquer documento falso. De todo o modo, sempre a apreciação de tal questão se mostraria prejudicada pela circunstância de o tribunal ter considerado que, no caso concreto, mostra-se irrelevante que o arguido EE estivesse em poder de um ou de mais do que um telemóvel. Na verdade, um só telefone era suficiente para aquele poder receber o alerta proveniente dos ocupantes do .... sobre a presença no percurso de autoridades policiais. Para tanto, bastaria um simples "toque” ou uma conversação aparentemente inócua. Por fim, porque as sessões 152823 a 152961 do alvo 84954040 e 25 e 38 do alvo 93…40, bem como os documentos de fls. 2331/2333 e 2334/2337 não permitem ter por demonstrado que os arguidos AA, EE e GG efectuaram conjuntamente outras viagens, a este propósito apenas se consideraram provados os factos relativos a 30.11.2017. De resto, apesar de o arguido GG surgir no processo em Fevereiro de 2017 (fls. 437 e 438), o reduzido número de vigilâncias a que foi submetido e a circunstância de não lhe ter sido apreendido outro estupefaciente para além do que foi transportado em 30.11.2017, não foi produzida prova que permitisse concluir factualidade diversa da que acima está descrita. As condições pessoais e a situação económica dos arguidos provaram-se com base nas declarações prestadas por estes em sede de audiência de discussão e julgamento a tal propósito, em conjugação com o teor dos relatórios sociais acima elencados. No que respeita ao arguido AA, atendeu-se ainda ao teor dos documentos que o mesmo juntou aos autos a fls. 3762 a 3776 e 3780 a 3800. […] A prova dos antecedentes criminais dos arguidos baseou-se no teor dos certificados do registo criminal e das certidões extraídas de outros processos, a que acima se faz referência. Por último, em face do que já se deixou expresso, a decisão do tribunal relativamente à factualidade não provada assentou na ausência de prova de a factualidade em causa ter ocorrido, nada de diverso tendo sido possível extrair dos depoimentos das testemunhas SS e TT. O reduzido número de intercepções telefónicas e de vigilâncias a que foi submetida a arguida LL e a circunstância de não ter sido apreendido qualquer produto estupefaciente aos arguidos HH e II que pudesse corroborar as intercepções e vigilâncias efectuadas levaram a que o tribunal tenha considerado não estar provada a factualidade acima elencada.» 2. Objecto do recurso O recorrente suscita a inconstitucionalidade da decisão recorrida por violação do disposto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, alegando que aquela decisão, tal como a da 1ª Instância, interpretou o artigo 127.º do CPP, “no sentido de que a prova apreciada pelo julgador não deve observar o princípio da presunção de inocência” e que essa interpretação é inconstitucional. Insurge-se, depois, contra o segmento da decisão relativo à determinação da medida das penas, afirmando que viola as teorias subjacentes à aplicação e quantificação de uma pena de prisão, pelo que a pena de prisão aplicada ao arguido deve ser alterada, «atendendo à teoria relativa das penas, aos critérios de prevenção geral positiva e especial de sociabilização, ponderadas todas as circunstâncias atenuantes, máxime o relatório social, fixando-se em seis anos e três meses de prisão, nos termos e para os efeitos dos artigos 40.º, n.º 1 e 71.º, n.º 1, ambos do Código Penal». 3. O princípio da livre apreciação da prova Alega o recorrente que «o artigo 127.º do CPP deve ser interpretado à luz do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa […] o que permite afirmar que a apreciação da prova, sendo livre, tem como fundamento a realização da justiça, que ocorre e quando são respeitados princípios basilares do processo penal democratizado, tal como a presunção de inocência». Pelo que, conclui, «o artigo 127.º interpretado no sentido de que a prova apreciada pelo julgador não deve observar o princípio da presunção de inocência é inconstitucional». Vejamos. De acordo com o artigo 127.º do CPP, «Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente». Na lição de JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, a livre apreciação «significa, negativamente, ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova» e, simultaneamente, «liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e susceptíveis de motivação e controlo»[13]. Na apreciação das provas, o julgador é livre, embora tal apreciação, como também ensina CAVALEIRO FERREIRA, seja «vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório»[14]. Comentando o citado artigo 127.º do CPP, considera SANTOS CABRAL: «Concretizando o conceito de “livre apreciação” pode-se afirmar que, ao abrigo do mesmo princípio, o Juiz, na ponderação a efectuar, deverá pautar-se por regras lógicas e de racionalidade de forma a que, perante os sujeitos judiciários confrontados com a decisão, exista a possibilidade de adesão, ou repúdio, também racional, da valoração feita»[15]. A livre apreciação da prova, prossegue este ilustre Conselheiro, «não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permitam ao julgador objectivara apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão»[16]. A discordância do recorrente tem que ver com a valoração da prova pelo Tribunal Colectivo, valoração essa, livremente formada e fundamentada, como se reconhece no acórdão sob recurso. Ora, como se expende no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, «a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão»[17]. O princípio da livre apreciação da prova é um princípio atinente à prova que determina que esta é apreciada, não de acordo com regras legais pré-estabelecidas, mas sim segundo as regras da experiência comum e de acordo com a livre convicção do juiz, uma livre convicção que não pode ser arbitrária ou subjectiva e, por isso, deve ser motivada. A motivação da convicção apresenta-se, pois, como o meio de controlo da decisão de facto, em ordem a garantir a objectividade e a genuinidade da convicção formada pelo tribunal. Perante a motivação da decisão em matéria de facto supratranscrita, é patente que o Tribunal Colectivo apreciou toda a prova de forma objectiva e motivada, e os raciocínios aí expendidos merecem a concordância do Tribunal da Relação no acórdão recorrido. A decisão quanto à matéria de facto proferida na 1.ª instância, confirmada na decisão sob recurso, assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova. Assim, observando-se que a decisão de facto está fundamentada de forma coerente, sendo possível reconstituir o caminho lógico seguido pelo tribunal para chegar às conclusões a que chegou, lembrando que este Supremo Tribunal só conhece de direito, improcede a questão da violação do princípio da livre apreciação da prova. Não se descortinando ofensa a qualquer norma ou princípio constitucional, nomeadamente qualquer interpretação desconforme ao artigo 32.º da Constituição da República. Sendo que não se observa na decisão recorrida o mínimo sinal de desrespeito do princípio da presunção da inocência ou do princípio conexo do in dubio pro reo, como se justificará de seguida. 4. Da alegada violação do princípio in dubio pro reo O princípio in dubio representa, como se sabe, a outra face do princípio da livre apreciação da prova. Estabelece o princípio in dubio pro reo, referente à prova, que a dúvida sobre um facto deve ser sempre resolvida a favor do arguido. Trata-se, aliás, de um princípio conexo com o da presunção de inocência do arguido, ou, inclusivamente, de uma outra vertente do mesmo. Ora, o Supremo Tribunal só poderá sindicar tal princípio (para além dos casos em que funciona como única instância) se resultar da fundamentação da matéria de facto que o tribunal, tendo enfrentado dúvidas quanto a certo(s) facto(s), entendeu resolver essa dúvida em prejuízo do arguido. No caso vertente, tal princípio só teria sido violado se da prova produzida e documentada resultasse que, ao condenar a arguido com base em tal prova, o juiz tivesse contrariado as regras da experiência comum ou atropelasse a lógica intrínseca dos fenómenos da vida, caso em que, ao contrário do decidido, deveria ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a seu favor. Ora, se a fundamentação da decisão em matéria de facto não viola, como já foi dito, o princípio da legalidade das provas e da livre apreciação da prova, estribando-se em provas legalmente válidas e valorando-as de forma racional, lógica, objectiva, e de harmonia com a experiência comum, não pode concluir-se que a mesma prova gera factos incertos, que implique dúvida razoável que afaste a valoração efectuada pelo tribunal para que deva alterar-se a decisão de facto recorrida, sendo, por conseguinte, lícita e válida a decisão de facto. Da análise da decisão proferida sobre a matéria de facto, não resulta que o Tribunal recorrido tenha violado os princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo e, por força deste, o da presunção de inocência. Antes resulta que o Tribunal Colectivo procedeu a uma apreciação crítica e racional da prova, fundada nas regras da experiência e da lógica, em obediência ao princípio consagrado no artigo 127.º do CPP. E também não resulta que se tenha instalado, ou devesse ter instalado, qualquer estado de dúvida no espírito do julgador, relativamente a qualquer facto dado como provado. Tudo confirmado na decisão recorrida. A aplicação do princípio in dubio pro reo pressupõe esse estado de dúvida, uma dúvida que tem de ser insanável, por inultrapassável e a sua violação só pode ser aferida quando da decisão impugnada resulte, de forma evidente, que o Tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida (o “non liquet”), decidiu contra o arguido, o que não ocorre no caso. Sobre este tópico, e retomando o desenvolvimento efectuado nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 27-04-2017, proferido no processo n.º 452/15.4JAPDL.L1.S1 - 3.ª Secção, e de 02-05-2018, proferido no processo n.º 51/15.0PJCSC.L1.S1 - 3.ª secção[18]: O princípio in dubio pro reo é um princípio geral, estruturante do processo penal, decorrente do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, assumindo, como tal e como qualquer outro princípio jurídico, a natureza de uma questão de direito de que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, deve conhecer. O princípio in dubio pro reo significa, segundo PAULO DE SOUSA MENDES, que «a dúvida sobre os pressupostos de facto da decisão a proferir deve ser valorada a favor da pessoa visada pelo processo»[19]. De acordo com este princípio, citando-se MARIA JOÃO ANTUNES, «o tribunal deve dar como provados os factos favoráveis ao arguido, quando fica aquém da dúvida razoável, apesar de toda a prova produzida»[20]. A dúvida que fique aquém da razoável deverá ser valorada, prossegue a mesma autora, de forma favorável ao arguido, tanto mais que este se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação. Segundo o acórdão deste Supremo Tribunal, de 08-01-2014 (Proc. n.º 7/10.0TELSB.L1.S1 – 3.ª Secção), associou-se a este princípio a natureza exclusiva de «princípio referente à prova dos factos, ligado à sua valoração pelas instâncias, com o fundamento de que escapam a este STJ a refracção das provas na convicção do julgador, os elementos influentes na sua formação que só ele pela sua subtileza, atenção, emoção e inteligência pode apreender, proporcionados pela oralidade e imediação. O princípio valia ao nível da dúvida razoável com relação aos factos, desde que se alcançasse que o tribunal incorreu naquele estado e não o declarou seja porque não atentou na sua sucumbência seja porque era uma consequência de erro notório na apreciação da prova e não extraiu a consequência derivada da sua infracção. O princípio serve para controlar o procedimento do tribunal quando teve dúvidas em termos de matéria de facto e não para controlar as dúvidas que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve. Não se pense, no entanto, que tudo o que diz respeito à aquisição da matéria da facto se cinge a esta natureza porque todo o processo aquisitivo da matéria de facto envolve a observância de normas e a convicção probatória não é uma consequência do arbítrio e de um processo irracional, pois que o princípio obedece a uma orientação normativa, envolvente da convicção probatória em moldes de esta ser motivada e objectivada». Assim, como se refere no acórdão que se vem citando: «Baseado no princípio constitucional da presunção de inocência (art.º 32.º n.º 2, da CRP), constituindo um limite normativo da livre convicção probatória, assume vertente de direito, passível de controle deste STJ, quando ao debruçar-se sobre o conjunto dos factos, procura detectar se se decidiu contra o arguido, não declarando a dúvida evidente já porque esta resultava de uma valoração emergente da simples texto da decisão recorrida por si ou de acordo com as regras da experiência, de acordo com aquilo que é usual acontecer, já por incurso em erro notório na apreciação da prova.- cfr. Ac. do STJ, de 8.7.2004, P.º nº 111221/04 - 5.ª Sec. Nesta conformidade este STJ tem afirmado, nem sempre com uniformidade, o seu teor de princípio de direito, por ele controlável, de afirmação de regra de decisão, pilar de uma convicção sã e escorreita, que só o é quando o juiz ele próprio já não tem dúvidas, no dizer de Eberardt Schmidt, pois que se se lhe suscitam várias possibilidades que, conscientemente, não logra remover, trilha ainda o caminho da incerteza, deve actuar o princípio». Neste conspecto, devendo ser o princípio in dubio pro reo configurado como princípio de direito, como princípio jurídico atinente à avaliação e valoração da prova, certo é também que, como tem sido reconhecido, ele tem uma íntima correlação com a matéria de facto, em cujo domínio ele é verdadeiramente operativo, aí assumindo toda a relevância prática. Daí que, para PAULO DE SOUSA MENDES, o princípio só diz respeito à prova da questão-de-facto[21]. Nesta perspectiva, com a qual concordamos, como se lê no acórdão deste Supremo Tribunal, de 27-04-2011 (Proc. n.º 7266/08.6TBRG.G1.S1 – 3.ª Secção), «a violação do princípio in dubio pro reo, que dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção. Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação do arguido, fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, sendo que tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355º nº 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme artº 32º nº 1 da Constituição da República». Em sentido muito próximo, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal, de 05-06-2012 (Proc. n.º 442/08.3GALSD.P1.S1 - 5.ª Secção»[22]: «O STJ, enquanto tribunal de revista, conhece exclusivamente sobre matéria de direito (art. 434.º do CPP). Se a alegação da violação do princípio in dubio pro reo e, por essa via, do princípio da presunção da inocência, constitui, em certa perspectiva, uma questão de direito, já está fora dos poderes de cognição do STJ, por constituir questão de facto, a alegação de que o tribunal se deparou com uma dúvida insanável acerca da verificação de um ou mais factos e que a resolveu contra o arguido». Em suma, como lapidarmente se refere no acórdão de 29-05-2013, proferido no processo n.º 344/11.6JALRA.E1.S1 – 3.ª Secção, «o STJ só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido». Ora, compulsadas, tanto a decisão recorrida, como também a decisão da 1.ª instância, não se detecta, tendo em atenção nomeadamente, a fundamentação da matéria de facto, qualquer dúvida quanto aos factos que se devia dar por provados ou não provados. A violação do princípio in dubio pro reo pressupõe que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de incerteza, de dúvida, quanto aos factos dados como provados e não provados. Como não é manifestamente o caso, «o recorrente só pode pretender que, apesar de o Colectivo da 1.ª instância [tal como o Tribunal da Relação] não ter tido dúvidas sobre o que considerou provado, deveria tê-las tido» (acórdão de 27-02-2014 (Proc. n.º 160/10.2GCVFR.S1 - 5.ª Secção)[23]. Mas isso, lê-se neste acórdão, «não constitui qualquer vício da decisão recorrida, mas antes discordância do recorrente para com ela». Ora, a divergência do recorrente quanto à avaliação e valoração das provas feitas pelo tribunal recorrido é irrelevante. Como também, a este propósito, se considera no acórdão de 06-12-2006, proferido no proc. n.º 06P3651 – 3.ª Secção, «o STJ só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão impugnada resulta, por forma evidente, que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, posto que, saber se o tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida é uma questão de facto que exorbita os poderes de cognição do STJ enquanto tribunal de revista». Ora, a decisão proferida, tendo em conta o seu teor, mostra-se coerente, harmónica, sem antagonismos factuais, não contém factos contrários às regras da experiência comum, nem a existência de erro, que seja patente para qualquer cidadão. É consonante, logicamente interligada e inteligível para qualquer cidadão comum a factualidade provada e não provada e nestes termos não deixa margem para qualquer dúvida na sua apreciação da prova. Não tendo o Tribunal a quo baseado a sua convicção em raciocínios ou juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios ou com desrespeito das regras sobre o valor da prova vinculada e dos princípios da prova, nem havendo qualquer dúvida insanável, não é possível concluir também pela violação do princípio in dubio pro reo. Da conjugação e ponderação de toda a prova produzida, resultou a certeza da prática pelo arguido dos factos dados como assentes, (em especial, dos impugnados), pelo que não cabe falar em violação do princípio in dubio pro reo, que apenas é suscitado quando ocorram dúvidas insuperáveis de prova de determinados factos. Não ocorreu, pois, no caso vertente, qualquer violação ou desconsideração do princípio do in dubio pro reo, reafirmando-se que a decisão recorrida não evidencia qualquer dúvida em relação a qualquer facto. Improcede, pois, nesta parte o recurso interposto. 5. Da medida da pena 5.1. Quanto ao crime de detenção de arma proibida O Tribunal Colectivo fixou ao recorrente a pena de 9 (nove) anos de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes e apena de 3 (três) anos de prisão pela prática do crime de detenção de arma proibida. O Tribunal da Relação, no acórdão sob recurso, confirmou integralmente estas penas e, bem assim, todo o respectivo suporte fáctico-jurídico. Embora o recorrente pareça não questionar a pena parcelar fixada pelo crime de detenção de arma proibida, atenta a dupla conforme operada pelo acórdão do Tribunal da Relação, ora recorrido, e bem assim a circunstância de aquela pena ser inferior a cinco anos de prisão, as questões referentes à condenação do recorrente pela prática de tal crime são insusceptíveis de reapreciação em sede de recurso, por inadmissibilidade legal, conforme disposto nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1,alíneas e) e f), do CPP. 5.2. Quanto ao crime de tráfico de estupefacientes O Tribunal Colectivo, com confirmação da Relação no acórdão recorrido, fixou ao agora recorrente a pena de 9 anos de prisão pela prática, em co-autoria imediata e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.°, n.° 1, do Dec.-Lei n.° 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-B, I-C e II-A ao mesmo anexas. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, a medida da pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40.º, n.º 2, do mesmo Código. Resulta deste preceito que a culpa e a prevenção constituem os princípios em que o juiz se deve basear no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Conforme disposto no n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente: – O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente; – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. Sobre a determinação da pena, em razão da culpa do agente e das exigências de prevenção, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de acórdão de 15-12-2011, proferido no processo n.º 706/10.6PHLSB.S1 – 5.ª Secção, convocado no acórdão de 27-05-2015 (proc. n.º 445/12.3PBEVR.E1.S1- 3.ª Secção): «Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objectivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP). Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências. Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.). Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231). Ora, os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração.» Acompanhando o acórdão deste Supremo Tribunal, de 03-07-2014 (proc. n.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1 – 3.ª Secção), «a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização». Vem sendo salientado por este Supremo Tribunal, como justamente se dá conta no acórdão que se vem citando, que «na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade» (sublinhado agora). Sublinhando-se sempre que este tipo de crime – tráfico de estupefacientes – postula elevadas necessidades de prevenção geral. A pena a aplicar deverá corresponder às necessidades de tutela dos bens jurídicos em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, cumprindo referir que nos encontramos perante um crime de perigo abstracto e pluriofensivo. Neste conspecto, destaca o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 8 de Novembro de 1991[24], a pluralidade de bens jurídicos postos em causa por este tipo de ilícitos: «a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes», afectando, «a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos», protegendo, enfim, «uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública». Como se frisa no acórdão deste Supremo Tribunal de 08-07-2020, proferido no processo n.º 26/13.4GAMDL.S1 – 3.ª Secção (inédito), que o agora relator subscreveu como adjunto: «A protecção do bem jurídico saúde e indemnidade, pessoal e pública, exige rigor e firmeza na hora de ponderar a escolha, e determinar a medida, de uma pena a impor a quem, sabendo que os produtos [estupefacientes] que vendia eram (e são) absolutamente proibidos e por isso com a consciência total do acto antijurídico que desenvolvia, permaneceu durante um largo período a lesar e vulnerar um bem que sabe deve ser preservado, pelo rango social e pessoal em que é colocado na sociedade actual. À defesa do bem jurídico concreto e socialmente persistente, na determinação da medida judicial de uma pena, não podem deixar de intervir e valorar factores circunstanciais e envolventes sociológicas, e/ou de geografia, concernentes à execução do ilícito, aqui sobressaindo a peculiaridade do meio sócio-antrológico em que a actividade (ilícita) era levada a cabo, as pessoas concretas a quem os produtos estupefacientes eram vendidas, os efeitos/consequências que no ambiente societário (concreto) repercute o consumo dessas substâncias e ainda as perspectivas e expectativas com que a pena, nestas situações, é encarada e interiorizada pelos membros da comunidade. Queremos com o que acaba de ser dito significar que a pena não pode deixar de, na sua dimensão pessoal-retributiva e na sua acepção social-regeneradora, endereçar um sentido de afirmação da positividade da norma violada e, ao passo, sinalizar, para a comunidade, um efeito reparador dos efeitos deletérios e malsãos que uma determinada conduta sarjou no tecido societário.» A este vector fundante e formador da pena – prevenção geral – não poderá deixar de se agregar a culpabilidade do agente, na justa medida em que sabia as pessoas a quem vendia o produto estupefaciente e o efeito que produzia no tecido social em que influía. Devendo igualmente sublinhar-se a reiteração na actividade de tráfico empreendida pelo arguido recorrente e o facto, assinalado no acórdão recorrido, «de ter sido surpreendido por duas vezes, sendo que da primeira lhe tinha sido imposta uma forte restrição em sede de medidas de coacção, o que o deveria ter levado a abster-se de continuar com a mesma actividade de venda». Efectivamente, como igualmente consta do acórdão sob recurso, «em Setembro de 2019, foi detido e submetido a interrogatório judicial, ficando sujeito a proibição de se deslocar à cidade do ..... e de frequentar em ....... locais conotados com o tráfico de estupefacientes bem como proibido de manter contactos com indivíduos referenciados como estando envolvidos nesse consumo e/ou tráfico». A pena de prisão será, em nosso juízo, a escolha adequada não só à culpabilidade individual como a que se mostra mais ajustada a prevenir e a aquietar a sociedade em que o crime se perpetrou e, bem assim, a repor e a restaurar a validade da norma vulnerada. Na fundamentação quanto à determinação da medida da pena, lê-se no acórdão recorrido: «Como se estabelece no art. 71.º, n.º 1, do Código Penal, a pena concreta deve ser fixada em função da culpa do agente revelada no facto e das exigências de prevenção. Em caso algum a pena pode exceder a medida da culpa do agente, sob pena de se postergar o fundamento último de toda e qualquer punição criminal, que é a dignidade da pessoa humana, tal como resulta do art. 40.º, n.º 2, do Código Penal. Nas exigências de prevenção, incluem-se tanto as vertentes da prevenção especial como as da prevenção geral, entendida aquela com o sentido de tentar que o agente não volte a cometer novos ilícitos criminais e esta com o sentido da denominada prevenção geral positiva ou de integração, ou seja, de garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada. Só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; em suma, na expressão de GÜNTHER JAKOBS, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida [[25]]. No entanto, como refere FIGUEIREDO DIAS, a intimidação da generalidade, sendo sem dúvida um efeito a considerar - e seria hipocrisia desconhecê-lo ou ocultá-lo - dentro da moldura de prevenção geral positiva, não constitui todavia por si mesma uma finalidade autónoma da pena, apenas podendo surgir como um efeito lateral (porventura, em certos ou em muitos casos desejável] da necessidade de tutela dos bens jurídicos [[26]]. Assim, a aplicação de penas e de medidas de segurança é comandada exclusivamente por finalidades de prevenção, nomeadamente de prevenção geral positiva ou de integração e de prevenção especial positiva ou de socialização; a culpa, segundo a função que lhe é político-criminalmente determinada, constitui somente condição necessária de aplicação da pena e limite inultrapassável da sua medida [[27]]. À prevenção geral positiva, segundo ARMIN KAUFMANN, corresponderiam três funções: informativa, advertindo o cidadão do que está proibido e do que deve fazer; a missão de reforçar e manter a confiança na capacidade do ordenamento jurídico para impor-se e triunfar; por último, a tarefa de fortalecer na população uma atitude de respeito ao Direito [[28]]. A medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e esta medida não será um acto de valoração in abstracto (essa foi levada a cabo pelo legislador ao determinar a moldura pena aplicável], mas um acto de valoração in concreto, de conformação social da valoração legislativa, a levar a cabo pelo aplicador à luz das circunstâncias do caso. Factores, por isso, da mais diversa natureza e procedência - e, na verdade, não só factores do «ambiente», mas também factores directamente atinentes ao facto e ao agente concretos - podem fazer variar a medida da tutela dos bens jurídicos e da necessidade da pena [[29]]. De todo o modo, a prevenção, designadamente a prevenção geral, correctamente concebida e utilizada, exige a proporcionalidade entre a gravidade da pena e a do facto cometido. O princípio da proporcionalidade não é mais do que um limite à intervenção penal derivado do fundamento da prevenção geral na necessidade social e que implica, no âmbito da medida da pena, que a sua gravidade seja adequada à gravidade da lesão do bem jurídico ocorrida [[30]]. Na síntese de FIGUEIREDO DIAS: 1) toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; 2) a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; 4) dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais [[31]]. Na determinação da medida concreta da pena deve o tribunal, de acordo com o disposto no art. 71.º, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra O agente, abstendo-se no entanto de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido, excepto nos casos em que a sua intensidade concreta supere aquela que foi considerada pelo legislador para efeitos da determinação da moldura penal aplicável. Como refere ANABELA MIRANDA RODRIGUES, relevantes para avaliar da medida da pena necessária para satisfazer as exigências de culpa verificada no caso concreto são factores que têm a ver, quer com o facto praticado, quer com a personalidade do agente que o cometeu. Sendo certo que o conceito de culpa com que lidamos justifica que os factores atinentes ao facto sejam só os relativos ao facto típico praticado e que a personalidade em função da qual são considerados outros factores seja a personalidade onde o facto radica e que, nesta acepção, o fundamenta, aqui se incluindo anteriores condenações do agente [[32]]. Como igualmente afirma a mesma Autora, factores que têm a ver com a gravidade do «facto» (entendido como facto para efeito de medida da pena) e a personalidade do agente são chamados a debate no processo de medição da pena da prevenção, acrescentando que este conceito, quer na sua dimensão especial quer geral, não impõe a referência unicamente ao facto cometido e assim a circunstâncias que unicamente tenham a ver com o ilícito típico e com o juízo e/ou tipo-de-culpa, bem como que, pela via do «facto», para a prevenção relevarão também, para além daquelas já referidas, circunstâncias atípicas ou extratípicas, cujo fundamento de relevância para a medida da pena de prevenção advirá de poderem ligar-se à «necessidade de pena», aqui se incluindo igualmente as anteriores condenações do agente, sobretudo com relevo (também aqui pela via da personalidade, tal como sucede no caso da determinação da medida da pena da culpa) para a determinação da medida da pena que vise satisfazer exigências de prevenção, designadamente de prevenção especial [[33]]. No caso concreto, há assim que considerar os seguintes factores (sem esquecer a ambivalência de que podem gozar para efeitos de apreciação em sede de culpa e de prevenção): - O grau de ilicitude do facto, que: - No que respeita ao arguido AA, é elevado no que respeita ao crime de tráfico de estupefacientes, em face do período temporal de cerca de um ano e meio a que o mesmo se dedicou à actividade que se considerou estar provada, da quantidade de droga que foi encontrada em seu poder e daquela que foi transportada no dia 30.11.2017; […] - O dolo dos arguidos, que reveste a forma de dolo directo; - As condições pessoais e a situação económica dos arguidos; - Os antecedentes criminais dos arguidos AA, BB, CC, DD, GG e EE, tendo todos sofrido já condenações, os arguidos AA, BB e DD, inclusive, pela prática do crime de crime de tráfico de estupefacientes, tendo o primeiro sofrido ainda duas condenações também pela prática do crime de detenção de arma proibida. […] No que concerne às exigências de prevenção, as de prevenção geral fazem-se sentir de forma elevada, sentindo a comunidade de forma acentuada a prática, quer do crime de tráfico de estupefacientes, quer do crime de detenção de arma proibida. A culpa dos arguidos reflecte o grau de ilicitude do facto e, atendendo também aos factores mencionados, situa-se no nível correspondente das necessidades de prevenção geral. Ao nível das necessidades de prevenção especial, cumpre realçar o seguinte: - O arguido AA, antes de estar preso preventivamente à ordem destes autos, mostrava-se familiarmente inserido e explorava uma empresa de distribuição de revistas com a sua irmã. Contudo, estas circunstâncias não foram suficientes para o afastar da prática da factualidade em causa, o que, conjugado com os antecedentes criminais que o mesmo apresenta, nomeadamente relacionados com a prática dos crimes de tráfico de estupefacientes e de detenção de arma proibida, e o alargado período temporal em que se dedicou à actividade que se considerou estar provada, torna prementes as exigências de prevenção especial». A pena aplicada ao arguido encontra-se correctamente fixada, dando-se aqui por reproduzido o que se expressou aquando da análise do recurso do arguido BB, havendo apenas a acrescentar que o arguido AA é o que tinha mais estupefaciente e dinheiro na sua posse proveniente da venda, a revendia, e o que durante mais tempo manteve a actividade de tráfico. Deve, assim, manter-se a pena aplicada ao arguido AA.» Na fundamentação da medida da pena, sublinha-se ainda que «em sede de prevenção geral, relevam particulares preocupações com a inusitada frequência deste tipo de crime com consequências deveras perniciosas para a saúde pública e a paz social, encontrando-se a sociedade particularmente atenta às decisões judiciais no que toca ao tipo de crime em causa, com reflexos directos no prestígio das instituições e na confiança dos cidadãos nas mesmas». As considerações expostas merecem a nossa inteira concordância. Ademais, como judiciosamente salienta a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer, «O recorrente não impugna os fundamentos invocados na decisão recorrida para a manutenção da medida da pena, antes repete as críticas genéricas e assentes em citações de arestos diversos, relativos a condenações por crimes de tráfico de estupefacientes, aparentemente pretendendo demonstrar o exagero da pena que lhe foi aplicada. Porém, o arguido foi condenado na pena de 9 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes prev e pun. nos termos do disposto no art. 21, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, cuja moldura penal abstracta é de 4 anos a 12 anos de prisão e o Tribunal recorrido consignou na decisão as razões subjacentes à sua concordância com essa pena, fundamentos esses sobre os quais, como se referiu, o recorrente se não pronunciou sequer. Todavia, quer as penas parcelares quer a pena única aplicadas ao recorrente são, a nosso ver, justas, adequadas, proporcionais à gravidade dos factos e à perigosidade do agente e respeitadoras dos parâmetros decorrentes dos critérios legais fixados nos arts 40, 71 e 77, do Código Penal, não havendo qualquer fundamento para que sejam reduzidas.» Em face do exposto, em concordância com a decisão recorrida, improcede a pretensão de redução da pena aplicada ao recorrente pela prática do crime de tráfico de estupefacientes. 5.3. Medida da pena única O recorrente foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 9 anos de prisão e pela prática de um crime de detenção de arma proibida na pena de 3 anos de prisão. O artigo 77.º do Código Penal estabelece as regras da punição do concurso de crimes, dispondo no n.º 1 que «quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena», em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». O n.º 2 do mesmo preceito estabelece «a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão (…), e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas concretamente aplicadas aos vários crimes». Sobre a pena única e para os casos em que aos crimes correspondem penas parcelares da mesma espécie, considera MARIA JOÃO ANTUNES que «o direito português adopta um sistema de pena conjunta, obtida mediante um princípio de cúmulo jurídico»[34]. A pena única do concurso, formada nesse sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes, deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente, considerados em conjunto, o que garante, segundo MARIA JOÃO ANTUNES, «a observância do princípio da proibição da dupla valoração»[35]. Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 20-12-2006 (Proc. n.º 06P3379), «na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita a avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso». Por seu lado, lê-se no mesmo acórdão, «na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente». Neste domínio, dá-se nota no acórdão deste Supremo Tribunal, de 27-05-2015, proferido no processo n.º 220/13.8TAMGR.C1.S1-3ª Secção, «o Supremo Tribunal tem entendido, em abundante jurisprudência, que, com “a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado”, e, assim, importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos (-), tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele (-)»[36]. Na determinação da pena conjunta, impõe-se atender aos “princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso”[37], imbuídos da sua dimensão constitucional, pois que “a decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta - dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber – como já se aludiu - se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou actuação irreflectida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido”, sem esquecer, que “[a] medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)”»[[38]]. A decisão que determine a medida concreta da pena do cúmulo deverá correlacionar conjuntamente os factos e a personalidade do condenado no domínio do ilícito cometido por forma a caracterizar a dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, na valoração do ilícito global perpetrado. A decisão que fixe a medida concreta da pena do cúmulo não pode, designadamente, deixar de se pronunciar sobre se a natureza e a gravidade dos factos reflecte a personalidade do respectivo autor ou a influenciou, «para que se possa obter, como se considera no acórdão que vem de se citar, uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é produto de tendência criminosa do agente, ou revela pluriocasionalidade (…), bem como ainda a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Tendo em conta o preceituado no artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, a moldura penal do concurso está compreendida entre o limite mínimo de 6 meses de prisão (pena parcelar mais baixa) e 5 anos de prisão (soma material das penas parcelares). Será nesta moldura que se deverá ter em conta os factos e a personalidade do agente, ou, como refere FIGUEIREDO DIAS, «a gravidade do ilícito global perpetrado», apontando este autor como critério avaliativo a seguir o da «conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique», para além de uma «avaliação da personalidade unitária» reconduzível ou não a uma tendência criminosa [[39]]. Como se afirma no já citado acórdão de 28-11-2018, «na expressão dos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20-02-2008, proferido no processo n.º 4733/07 e de 8-10-2008, no processo n.º 2858/08, desta 3.ª Secção, na formulação do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude; já a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade». A actividade delituosa do recorrente desenvolveu-se durante um período compreendido, pelo menos desde Maio de 2016 até 01.12.2017, traduzindo-se na venda em ...... de cocaína, de canábis e de MDMA a terceiros mediante contrapartida económica. O acórdão recorrido justifica a fixação da pena única de 10 anos de prisão comas seguintes considerações: «A punição do concurso de crimes no direito penal português baseia-se no sistema de pena conjunta ou da pena do concurso, obtida através de um cúmulo jurídico. Estabelece o art. 77°, n.º 1, do Código Penal, que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Por sua vez, no n.º 2 do mesmo dispositivo legal, estipula-se que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Com base nas penas concretamente aplicadas ao arguido AA e supra mencionadas, temos uma moldura abstracta do concurso de crimes em que o limite máximo se encontra fixado em 12 (doze) anos de prisão e o limite mínimo em 9 (nove) anos de prisão. Estabelecida que está a moldura penal do concurso, cabe agora determinar, dentro dos limites referidos, a medida da pena conjunta do concurso, em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Para tanto há que atender não só aos critérios gerais da medida da pena ínsitos no art. 71.º, n.º 2, do Código Penal, mas também ao critério especial fixado no n.º 1 do art. 77° do código em referência, e acima aludido - na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Sem prejuízo dos supra mencionados factores que foram já tidos em conta aquando da fixação de cada uma das concretas penas em concurso, o ilícito global apresenta-se com uma gravidade mediana. Relativamente à personalidade do arguido, importa ter presente que antes de o mesmo estar preso preventivamente à ordem destes autos mostrava-se familiarmente inserido e explorava uma empresa de distribuição de revistas com a sua irmã, sendo que, contudo, estas circunstâncias não foram suficientes para o afastar da prática dos factos em causa. Analisando globalmente a conduta do arguido, verifica-se que há especiais necessidades de prevenção geral. Tendo em conta que a culpa do arguido manifestada no facto se situa num nível elevado das necessidades de prevenção geral e que existem especiais razões de prevenção especial assentes nas características pessoais do mesmo e nos respectivos antecedentes criminais, entende o tribunal adequado aplicar ao arguido AA a pena única de 10 (dez) anos de prisão». Também neste segmento expressamos a nossa concordância. Aderindo, portanto, aos fundamentos expressos no acórdão recorrido, perante a moldura penal considerada, em face dos critérios legais e das considerações supra tecidas, entendemos que a pena única aplicada é justa, adequada e proporcional à gravidade do ilícito global pelo que se mantém, improcedendo, assim, o recurso interposto. III – DECISÃO Em face do exposto, acordam os Juízes da 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente com 3 UC de taxa de justiça. Texto processado, revisto pelo relator que assina digitalmente. Tem voto de conformidade da Ex.ma Juíza Conselheira Adjunta, Dra Conceição Gomes. SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 27 de Janeiro de 2021 Manuel Augusto de Matos (Relator) _______ [1] MANUEL SIMAS SANTOS/MANUEL LEAL-HENRIQUES, Código Penal Anotado, Vol. I, 4.ª edição, Rei livros, p. 595. [7] Cfr. op. cit. p. 47. |