Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
35/20.7PJOER.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: ROUBO
INIMPUTABILIDADE
CUMPRIMENTO DE PENA
INTERNAMENTO
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 06/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. O agente de crime que, no processo penal, não seja declarado inimputável segundo o procedimento legalmente previsto, não pode ser condenado em medida de segurança de internamento.

II. A declaração judicial de inimputabilidade penal não opera fora do processo onde foi proferida, não valendo para qualquer outro crime, anterior ou posteriormente cometido pelo arguido.

III. A inimputabilidade criminal em virtude de anomalia psíquica não é um «estado».

IV. No processo penal, a avaliação da anomalia psíquica reporta-se ao facto concreto e somente a este e, essencialmente, ao momento da sua prática, visando indagar se o agente tinha capacidade de avaliação da ilicitude do facto e de determinação para, nesse preciso momento, - em vez de adotar comportamento de acordo com o direito -, decidir-se por cometer aquele crime concreto.

V. São pressupostos do cumprimento da pena de prisáo em regime de internamento em estabelecimento para inimputáveis portadores de anomalia psíquica anterior ou posterior ao facto, que o condenado, imputável, revele incapacidade de compreender o sentido da reclusão ou que o seu encarceramento em estabelecimento comum possa perturbar seriamente o meio prisional.

VI. A jurisprudência deste Supremo Tribunal vai no sentido de o alcoolismo e a toxicodependência, funcionarem como agravantes. 

Decisão Texto Integral:

O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, em conferência, acorda:


A. RELATÓRIO:

a) a condenação:

No Juízo Central Criminal …. - Juiz …, mediante acusação do Ministério Publico, foi julgado, - com outros -, o arguido:

- AA, de 24 anos e os demais sinais dos autos,

e, por acórdão de 17.12.2020, condenado pela prática, em coautoria material, na forma consumada de:

- dois crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210º, n.º 1, do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, por cada;

- um crime de roubo qualificado, p. e p. pelos arts. 210º, n.ºs 1 e 2 e 204º, n.° 1 alínea d), do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão; e

- em cúmulo jurídico destas, na pena única de cinco anos e três meses de prisão.

Foi ainda condenado, nos termos do art. 82º-A, do CPP, a pagar a título de compensação indemnizatória pelos danos não patrimoniais causados:

 - à ofendida BB a quantia de €500,00 (quinhentos euros)

- à ofendida CC da quantia de €400,00 (quatrocentos euros),

Quantias estas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados desde o trânsito em julgado da decisão condenatória e até integral pagamento.

2. o recurso:

O arguido, inconformado, interpôs recurso que dirigiu ao Tribunal da Relação de Lisboa. Por despacho/decisão sumária do Desembargador relator o recurso foi remetido ao STJ, por se ter entendido versar apenas matéria de direito.

Decisão que não vincula o Supremo Tribunal de Justiça, pela superior hierarquia na organização judiciária.

O recorrente remata a alegação concluindo (em síntese):

a) foi condenado pela prática, em co-autoria material, de três crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 e 2 e 204.º, n.º 1, alínea d), na pena de 5 anos e 3 meses de prisão;

b) a mesma se revela manifestamente desajustada e excessiva;

c) O Tribunal a quo violou, na determinação da pena, o disposto nos artigos 20.º, n.ºs 1 e 2, 40.º, 52.º e 70.º, todos do Código Penal, e artigo 29.º, n.º 4 da CRP;

d) O arguido padece de doença mental grave, com processo de internamento compulsivo a correr termos no Juízo Local Criminal .... – J…, sob o n.º 27547/…;

e) A sentença recorrida não levou em consideração, tendo ignorado, o processo de internamento compulsivo, assim como a avaliação clínico psiquiátrica para o efeito elaborada pelo Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital .... que refere que o arguido AA “Trata-se de doente com doença mental grave, com história de alterações do comportamento…”, não podendo, assim, ser responsabilizado criminalmente por não ter consciência da ilicitude dos seus comportamentos;

f) e g) Estão reunidas condições par a revogação da decisão do Tribunal a quo e a sua substituição por outra que, contemplando a situação clínica do recorrente à data da prática dos factos, tenha em conta que trata-se de uma pessoa com doença mental grave, conforme avaliação clínica, contemple a aplicação de medidas que privilegiem a cura e segurança adequadas;

h) O Tribunal a quo, ao aplicar uma pena privativa da liberdade e não considerar a avaliação clínica psiquiátrica do recorrente à data dos factos, não apreciou devidamente a referida avaliação clínica de forma a desresponsabilizar o recorrente, contrariando o entendimento da doutrina e jurisprudência dominantes neste tipo de situações;

i) deveria ter considerado o estado clínico do arguido

j) violou o preceituado no artigo 70.º do Código Penal, porque o critério de escolha da pena estabelecido no aludido artigo impõe a preferência pela pena não detentiva, desde que, esta se mostre adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição previstas no artigo 40.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.

Peticiona a revogação da decisão recorrida e a substituição “substituída por outra que contemple a aplicação de medidas que privilegiem a cura e segurança adequadas ao [seu] caso”.

3. resposta do Ministério Público:

O Procurador da República no tribunal recorrido respondeu, pugnando pelo improvimento do recurso e a confirmação da decisão impugnada, concluindo (com relevo e em síntese):

O recorrente não impugnou a decisão em matéria de facto, nem invocou erro na apreciação da prova (pelo menos de forma adequada e expressa);

Assim, deve ter-se por assente que o arguido agiu sempre voluntariamente, sabendo proibidas as suas condutas e, assim, com a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.

Os factos provados excluem que tenha agido sem consciência da ilicitude dos seus actos e, por isso, que necessite de medidas de cura e segurança.

4. parecer do Ministério Público:

O Digno Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, em douto e conciso parecer pronuncia-se, fundamentadamente, pela rejeição do recurso por manifesta improcedência, nos termos do artigo 420º, n º 1 alínea a), do Código de Processo Penal.

Argumenta (em síntese):

“das conclusões [do recurso], o objecto do mesmo, não abarca a decisão proferida sobre a matéria de facto, conquanto esta não vem impugnada – seja pela via da revista ampliada- seja do recurso de facto «tout court».

Acresce que não vem questionada a determinação das penas parcelares”.

“A decisão proferida sobre a matéria de facto é insindicável (só assim não seria se esta jurisdição, ex officio entendesse que algum erro-vício, resultava da sentença a se ou conjugada com as regras da experiência, impeditivo do conhecimento de meritis)”.

“Também não se mostra impugnada de modo processualmente adequado a determinação da pena única.

Na verdade, o recorrente, alicerça o seu recurso, na afirmação de que se teria «ignorado o internamento compulsivo a que o arguido, ora recorrente, ainda se encontra sujeito, assim como, na Avaliação Clínico Psiquiátrica elaborada pelo Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital ....” -conclusões alínea e).

Não obstante, como se vem de dizer, tratar-se de matéria de facto, sempre se dirá que, se consignou, ao demais, na respectiva fundamentação:

«No entanto devido ao intensificar de consumos de cocaína, AA terá sofrido uma psicose tóxica com pensamentos persecutórios e agressividade, tendo sido sujeito a um internamento no Hospital ...., após o que iniciou tratamento na equipa de acompanhamento comunitário, com toma de medicação injectável».

No mais, assacou-se à decisão sub judicio uma pretensa violação do art.º 70º do Código Penal, que ao que se percebe repousaria na referida não consideração do estado clínico do recorrente.

Sendo o recurso circunscrito ao reexame exclusivo de matéria de direito, entende-se que o mesmo releva da manifesta improcedência.

5. contraditório:

Observado o disposto no art.º 417º n.º 2 do CPP, o recorrente nada disse.

«»

Dispensados os vistos, o processo foi à conferência.

Cumpre decidir.

B.        OBJETO DO RECURSO:

O recorrente, através da Defensora oficiosa, enredado em indestrinçável confusão dos regimes substantivo e adjetivo, diz-se inconformado por não ter sido declarado inimputável. Não obstante, reclama ser punido com medida de segurança (de tratamento e cura). Ao mesmo tempo anuncia preferência por pena não detentiva.

De passagem qualifica a pena aplicada de excessiva.

C.        FUNDAMENTAÇÃO:

1.  os factos:

O Tribunal coletivo julgou os seguintes factos provados (respeitantes ao recorrente):

A) No dia ... de Outubro de 2019, cerca das 16h00, o arguido AA encontrava-se na Rua ... (EN…-…), …, em …..., na companhia do arguido DD, este na altura com 15 anos de idade, com o propósito previamente delineado entre ambos de se apoderarem de bens de valor de terceiros.

Assim, estes arguidos aproximaram-se de BB, nascida a ... de Fevereiro de 1945, que se encontrava sentada no lugar do pendura do veículo ...-AO-..., e, acto contínuo, arrancaram-lhe o fio de ouro que trazia ao pescoço, com um coração de ouro com brilhantes brancos à volta e uma medalha em ouro com uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, no valor de cerca de € 500,00.

De seguida, colocaram-se em fuga apeada, na posse no referido bem, fazendo-o seu.

Ao actuarem da forma supra descrita, os aludidos arguidos, mancomunados, representaram e quiseram, através do recurso à força física, colocar a ofendida, de 74 anos, e, por isso, especialmente frágil, na impossibilidade de lhes resistir e, deste modo, apoderarem-se do seu bem, com intenção de o fazerem seu, o que conseguiram, sabendo que o mesmo não lhes pertencia e que actuavam contra a vontade da respectiva dona.

B) No dia ... de Fevereiro de 2020, cerca das 16h40, o arguido AA encontrava-se na Praceta …, em ...., na companhia do arguido DD, este na altura com 15 anos de idade, com o propósito previamente delineado entre ambos de se apoderarem de bens de valor de terceiros.

Assim, estes arguidos aproximaram-se de CC, nascida a ... de Novembro de 1960, que ali se encontrava no passeio e, acto contínuo, arrancaram-lhe com um forte puxão o fio de ouro que trazia ao pescoço, com um crucifixo e duas medalhas em ouro, e um brinco da orelha, em bijuteria dourada, tudo no valor de cerca de € 400,00, deixando-a aos gritos por socorro e com ferimentos na zona do pescoço.

De seguida, colocaram-se em fuga apeada, na posse de metade do fio de ouro e do crucifixo e das medalhas em ouro e do brinco, fazendo-os seus.

Ao actuarem da forma supra descrita, os aludidos 1º e 2º arguidos, mancomunados, representaram e quiseram, através do recurso à força física, colocar a ofendida na impossibilidade de lhes resistir e, deste modo, apoderarem-se dos seus bens, com intenção de os fazerem seus, o que conseguiram, sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade da respectiva dona.

C) No dia ... de Maio de 2020, cerca das 17h20, os três arguidos encontravam-se na Avenida ……., no …, em ..., área de ...., com o propósito previamente delineado, entre todos e por todos, de se apoderarem de bens de valor de terceiros.

Nessa sequência e em execução do plano delineado, os 1º, 2º e 3º arguidos abordaram um cidadão que não se conseguiu identificar, com cerca de 60 anos, cabelo branco e que trajava uns calções de cor azul, e, com um gesto repentino, arrancaram-lhe do pescoço um fio de ouro amarelo de malha fina, com uma medalha em ouro amarelo na forma de manuscrito com a letra “A” e um coração gravados, no valor aproximado de €-749,00, deixando-o a gritar por ajuda.

De seguida, os três arguidos encetaram fuga do local a correr, pela Rua …, em ..., com o fio de ouro amarelo, que fizeram seu.

Ao actuarem da forma supra descrita, os 1º, 2º e 3º arguidos, mancomunados, representaram e quiseram, através do recurso à força física, colocar o ofendido na impossibilidade de lhes resistir e, deste modo, apoderarem-se do seu bem, com intenção de o fazerem seu, o que conseguiram, sabendo que o mesmo não lhes pertencia e que actuavam contra a vontade do respectivo dono.

Os 1º, 2º e 3º arguidos agiram sempre livre, voluntária e conscientemente.

Os 1º, 2º e 3º arguidos sabiam serem proibidas as suas condutas e tinham a liberdade necessária para se determinarem de acordo com essa avaliação.

Mais se provou que:

O arguido AA já foi condenado:

1 - Por factos de …/11/2016, no P.649/16…, por sentença de 4/2017, transitada em 20/4/2017, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, pp. no artº. 40º., nº. 2, do DL 15/93, de 22/1, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 5€, perfazendo multa de 300,00€; por decisão de 6/2018, transitada em 11/9/2018, tal pena foi convertida na pena de 40 dias de prisão subsidiária; tal pena veio a ser declarada extinta, pelo cumprimento, com efeitos reportados a 28/3/2019;

2 - Por factos de …/1/2017, no P.9/17…, por sentença de 4/2017, transitada em 29/5/2017, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, pp. no artº. 40º., nº. 2, do DL 15/93, de 22/1, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5€, perfazendo multa de 450,00€; tal pena veio a ser declarada extinta, pelo pagamento, com efeitos reportados a 2/10/2018;

3 - Por factos de …/8/2016, no P.138/16…, por sentença de 5/2017, transitada em 5/6/2017, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, pp. no artº. 40º., nº.2, do DL 15/93, de 22/1, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de 5€, perfazendo a multa de 200,00€; tal pena veio a ser declarada extinta, pelo pagamento, com efeitos reportados a 17/9/2018;

4 - Por factos de …/6/2016, no P.511/16…, por sentença de 10/2017, transitada em 12/2/2018, pela prática de um crime de furto simples, pp. no artº. 203º., nº.1, do CP, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5€, perfazendo multa de 450,00€; €; por decisão de 4/2019, transitada em 30/9/2019, tal pena foi convertida na pena de 40 dias de prisão subsidiária; tal pena veio a ser declarada extinta, pelo cumprimento, com efeitos reportados a 13/12/2019;

5 - Por factos de …/10/2016, no P.2183/16…, por sentença de 10/2017, transitada em 30/11/2017, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, pp. no artº. 40º., nº.2, do DL 15/93, de 22/1, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 5€, perfazendo multa de 500,00€; tal pena veio a ser declarada extinta, pelo pagamento, com efeitos reportados a 15/4/2019;

6 - Por factos de …/10/2017, no P.1333/17…, por sentença de 10/2017, transitada em 29/11/2017, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, pp. no artº.40º., nº.2, do DL 15/93, de 22/1, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa, à taxa diária de 5€, perfazendo multa de 600,00€; por decisão de 1/2020, transitada em 13/2/2020, foi tal pena substituída pela pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, sob a condição de o arguido prestar gratuitamente 120 horas de trabalho em favor da comunidade;

7 - Por factos de …/2/2017, no P.287/18…, por sentença de 2/2018, transitada em 3/4/2018, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, pp. no artº. 40º., nº. 2, do DL 15/93, de 22/1, na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, com regime de prova; tal pena veio a ser declarada extinta, nos termos do artº.57º., do CP, com efeitos reportados a 3/4/2019; e

8 - Por factos de 9/2016, no P.114/16…, por sentença de 3/2018, transitada em 30/4/2018, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, pp. nos artºs 21º e 25º., al. a), do DL 15/93, de 22/1, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, com regime de prova.

Provou-se ainda que:

A infância de AA decorreu na companhia do agregado familiar composto pela mãe, padrasto e dois irmãos residindo na altura numa zona conotada como facilitadora de actos desviantes.

O ambiente familiar em que se desenvolveu revestiu-se de dificuldades em supervisionar e controlar o seu comportamento, sem que as figuras parentais se tivessem constituído elementos estruturantes.

Neste contexto, AA estabeleceu igualmente de forma precoce vinculações sociais desajustadas com integração em pares com envolvimento em condutas desviantes, com reduzidos modelos sociais positivos, passando a adoptar comportamentos transgressivos.

Paralelemente iniciou consumos de estupefacientes com cerca de 9 anos de idade, altura em que teve conhecimento que o padrasto não era o seu pai biológico.

Desde então, até hoje manteve consumos regulares de estupefacientes.

Com a intervenção do sistema de promoção e proteção de crianças, o 1º arguido ainda esteve cerca de dois anos internado num colégio de ensino especial, do qual saiu com cerca de 13 anos de idade.

Ao nível escolar e enquanto integrado no ensino regular e no ensino especial, o arguido concluiu o 4º ano de escolaridade revelando desadaptação ao estabelecimento [d]e ensino, desmotivação com a aprendizagem, atitudes de oposição e desafio e desenvolvimento e comportamentos ilícitos em meio escolar.

Face ao cenário atrás descrito e em contexto tutelar educativo, AA foi alvo de uma medida de internamento em centro tutelar educativo entre Fevereiro de 2013 e Julho de 2015, tendo neste período completado o 9º ano de escolaridade e frequentado formação profissional no ramo da hotelaria e cozinha.

Após o termo desta medida, o 1º arguido foi viver com a namorada de então na zona ... tendo com esta residido até 2017.

Esta relação é identificada pela progenitora como potenciadora das problemáticas de consumo, pese embora o 1º arguido tenha concomitantemente desenvolvido várias actividades laborais de curta duração na restauração, jardinagem e embalamento.

Ainda assim, após a ruptura conjugal, o 1º arguido regressou ao agregado materno.

No entanto e devido ao intensificar de consumos de cocaína, AA terá sofrido uma psicose tóxica, com pensamentos persecutórios e agressividade, tendo sido sujeito a um internamento no Hospital ...., após o que iniciou acompanhamento psiquiátrico na equipa de tratamento comunitário, com toma de medicação injetável.

Nesta fase de maior estabilidade, o 1º arguido ainda manteve uma actividade laboral num restaurante.

No entanto, voltou a aumentar intensidade de consumo com novo surto psicótico e uma crise de agressividade em casa.

Atenta a situação recorrente do 1º arguido nesta fase, a mãe e o padrasto deixaram de estar disponíveis para o manter no agregado, tem[d]o o arguido passado a residir em parte incerta alegadamente em casa de amigos na zona da ....

As suas vinculações sociais e contextos em que se movimentava estão associados ao consumo de estupefacientes, o qual ainda se mantém.

Manteve-se afastado durante muito tempo da casa materna tendo vivido com uma namorada na rua, regressando a casa da mãe em Março de 2019.

Tem antecedentes criminais com várias condenações em penas suspensas na sua execução com acompanhamento na Equipa da DGRSP ... e uma pena de trabalho a favor da comunidade.

À data da sua prisão, o 1º arguido mantinha-se a viver na morada dos autos com a família de origem, a sua estrutura de suporte e apoio.

Encontrava-se em acompanhamento de uma pena, suspensa na sua execução, pela Equipa da DGRSP … e, de acordo com o relatório final, uma vez que o seu termo estava previsto para 30/4/2020, o 1º arguido encontrava-se inscrito no centro de emprego encontrando-se numa fase de comportamento globalmente estável.

Iniciou também trabalho comunitário no âmbito de outro processo tendo apenas cumprido um total de 48h na Câmara Municipal .... na actividade de jardinagem.

Mantinha-se em acompanhamento no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital ... carecendo de regular toma de medicação injectável.

No entanto, o mesmo refere ter tido uma recaída nos consumos que contribuiu para os seus comportamentos que originaram o presente processo.

A mãe também afirma que quando o 1º arguido recai, desaparece de casa durante uns dias desconhecendo esta o seu paradeiro.

Em termos pessoais, o 1º arguido apresenta fraca consciência dos seus comportamentos justificando-as com a sua toxicodependência e a sua problemática de saúde mental.

Tende a minimizar os seus anteriores contactos com o sistema da justiça, apresentando a mesma justificação, não vislumbrando a DGRSP consciência crítica nem empatia do 1º arguido com as vítimas.

Assume a sua problemática de toxicodependência admitindo ficar bastante violento e agressivo, tendo a mãe assumido que, neste contexto, não é possível manter o 1º arguido em casa dada a sua instabilidade e delírios que se manifestam em atitudes agressivas.

Daí que, ao nível da reinserção social, a mãe refere que não dispõe de condições nem capacidades para receber o 1º arguido enquanto este não fizer um programa de desintoxicação e acompanhamento terapêutico com internamento em instituição adequada bem como acompanhamento ao nível da saúde mental, sob pena do 1º arguido ter comportamentos agressivos com os membros familiares.

A presente situação jurídico-penal não teve impacto negativo ao nível pessoal, uma vez que estava desempregado e sem perspetivas de um futuro organizado dada a sua vinculação aos consumos de drogas.

AA foi alvo de intervenção por parte dos vários sistemas direcionados a jovens, com acolhimento e internamento institucionais, sendo que, segundo a DGRSP, não usufruiu de um enquadramento educativo ajustado às suas características pessoais e necessidades educativas, que permitissem atenuar os problemas de ajustamento social.

Tem um longo percurso de toxicodependência iniciado muito novo que originou os precoces contactos com o sistema da justiça, tutelar e penal, tendo sido condenado em várias penas, suspensas na sua execução.

Justifica os seus comportamentos com a recaída nos consumos de drogas e o seu problema de saúde mental, não evidenciando capacidades de juízo crítico nem autoanálise.

Apresenta um número significativo de factores de risco, nomeadamente a toxicodependência, os anteriores contactos com a justiça ao longo do seu percurso de vida, mesmo ainda quando era menor de idade, a falta de hábitos de trabalho, o que agravado com o seu problema de saúde mental, para a DGRSP se constituem como sérios riscos de reincidência criminal.

Provou-se finalmente que:

O arguido AA admitiu parte da matéria imputada.

Já sofreu internamento compulsivo.

O arguido AA nasceu em .../11/1996.

Tinha 23/24 anos de idade na data dos factos.

factos não provados:

Não se provou qualquer outro facto relevante para a decisão da causa, para além ou em contrário dos supra vertidos, nomeadamente que o arguido AA na data de qualquer dos factos não tivesse capacidade para se determinar ou fosse penalmente inimputável e as demais condições pessoais dos arguidos.

2. o direito:

a) argumentação do recorrente:

O recorrente, embora não questione, expressamente, a facticidade provada, todavia, alega que a decisão recorrida não considerou que, à data dos factos, tinha a correr termos um processo de internamento compulsivo no qual existe uma avaliação clínica psiquiátrica que documenta padecer dedoença mental grave, com história de alterações do comportamento”. Pelo que, argumenta, não pode serresponsabilizado criminalmente por não ter consciência da ilicitude dos seus comportamentos

Pretende que se revogue o acórdão impugnado, substituindo-o por outro que, sopesando aquela avaliação clínica psiquiátrica - que assevera constar do processo de internamento compulsivo -, decreta e sua condenação em medida de “cura e segurança adequadas ao [seu] caso”.

b) agente imputável:

Do relatório do acórdão impugnado apura-se que “o arguido AA contestou, oferecendo prova documental dos autos de internamento compulsivo a que (…) foi sujeito”.

Na decisão recorrida está assente que os arguidosagiram sempre livre, voluntária e conscientementesabendo serem proibidas as suas condutas e tinham a liberdade necessária para se determinarem de acordo com essa avaliação”.

Que “à data da sua prisão (…) o 1º arguido encontrava-se inscrito no centro de emprego encontrando-se numa fase de comportamento globalmente estável.

Mantinha-se em acompanhamento no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital ... carecendo de regular toma de medicação injectável”.

Não consta dos autos que tenha sido requerida ou ordenada perícia médico-legal ou perícia da personalidade ao arguido nos termos dos artigos 156º, 159º e 160º, ou tenha sido realiza perícia sobre o seu estado psíquico nos termos do artigo 351º, normas citadas do CPP.

Da facticidade provada, insuscetível de reexame, em recurso perante o STJ, - com poderes de cognição limitados exclusivamente ao reexame da matéria de direito– resulta que o arguido é criminalmente imputável. Por conseguinte, ademais de contrariada pelos factos assentes, de nada serve alegar que não pode ser responsabilizado pelos crimes por que vem condenado nos autos.

O agente de crime que, no processo penal, não seja declarado inimputável segundo o procedimento legalmente previsto, não pode ser condenado em medida de segurança de internamento. É, isso sim, condenado numa pena (principal ou de substituição).

Diversamente do que parece orientar a deslocada argumentação do recorrente, para que o agente de um crime seja declarado inimputável não basta que esteja afetado de uma qualquer anomalia psíquica. Para determinar da inimputabilidade fundada em patologia da mente, o legislador erigiu um critério bio-psíquico. Contudo, muitas anomalias da mente humana não afetam o juízo crítico do seu portador, não o privando da capacidade de avaliação da ilicitude do facto punível, nem da avaliação da censurabilidade da violação da esmagadora maioria dos bens jurídicos protegidos e de estar ciente de que essa violação comporta consequências jurídico-criminais, sendo capaz de escolher abster-se de agir. Como adverte, em sábio ensinamento, J. Figueiredo Diassó a anomalia psíquica, a «enfermidade mental» no seu mais amplo sentido – e não também, v. g., a «tendência» para o crime, a herança caracterológica ou o condicionalismo do «meio» - é susceptivel de destruir a conexão objetiva de sentido da actuação do agente e, portanto, a possibilidade de «compreensão» do sua personalidade manifestada no facto[1].

Os pressupostos da declaração judicial de inimputabilidade por anomalia psíquica do agente de um crime constam do art. 20º do Cód. Penal. Nos termos da lei, é inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, for incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a respetiva ilicitude ou de se determinar de acordo com a avaliação (n.º 1).  Pode ser declarado também inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica grave, não acidental e cujos efeitos não domina, sem que por isso possa censurar-se, tiver, no momento da prática do facto, a capacidade de avaliação da ilicitude ou de determinação, sensivelmente diminuída (n.º 2) ou, comprovadamente seja insensível à pena (n.º 3). Não afastando a imputabilidade anomalia psíquica provocada com a intenção de cometer o crime[2] (n.º 4).

Ao agente de um crime, judicialmente declarado, ao mesmo tempo, inimputável e também perigoso, o tribunal aplica uma medida de segurança, decretando o seu internamento em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança (ao estrangeiro pode substituir o internamento pela expulsão). O parâmetro da perigosidade radica no fundado receio de o inimputável poder “reincidir” em crimes da mesma espécie – art. 91º n. 1 do Cód. Penal.

Conforme se salientou, a matéria de facto provada – aqui imodificável - não permitia que o arguido tivesse sido declarado inimputável. E, se viesse a considerar-se perigoso, ser-lhe aplicada medida de segurança.

Acrescenta-se, - aclarando o patente erro (ou desconhecimento) em que labora o recorrente -, que jamais poderia ser validamente declarado inimputável sem ter sido submetido, no vertente processo penal, a perícia médico-legal para percecionar se estava afetado de anomalia psíquica no momento em que praticou cada um dos crimes de roubo (três) por que vem condenado e, decisivamente, se nesses precisos momentos estava incapaz de avaliar a ilicitude dos factos cometidos e de se determinar de acordo com essa avaliação. É que, desde logo, não bastava, conforme se salientou, que fosse portador de uma qualquer anomalia psíquica.

Acresce que os juízes não têm os conhecimentos médico-científicos para examinar e diagnosticar se uma pessoa sofre – ou não – de qualquer patologia mental. E, mesmo que pudesse, o seu diagnóstico sempre seria pouco credível, por não ser um cientista da complexíssima mente humana e poderia ser escassamente confiável por correr sério risco de o seu juízo pretensamente “cientifico”, surgir predeterminado à solução jurídica do caso concreto ou às conceções do julgador sobre a matéria. A realização da justiça em cada caso concreto, não pode viver à margem da contribuição decisiva dos saberes científicos, técnicos ou tecnológicos e artísticos, devendo antes basear-se “numa racional divisão de tarefas e de competências, mas sem quebra da interdisciplinaridade e da complementaridade funcional necessárias, com o qual terá a ganhar a justiça e a eficácia da aplicação do direito[3].

Mais uma vez, socorrendo-nos dos avalizados ensinamentos de J. Figueiredo Dias, entendemos que a “caracterização do substrato biopsicológico, da sua gravidade e intensidade, a primeira e mais importante palavra pertence aos peritos das ciências do homem, sendo aí diminuta, para não dizer nula, a capacidade crítica material por parte do juiz[4]. Razões muito ponderosos que levaram o legislador a impor a produção de prova pericial “quando a perceção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos” –art. 151º do CPP.

Neste conspecto são, pois, manifestamente insuficientes, para não dizer irrelevantes, os relatórios médicos ou hospitalares que o arguido juntou com a contestação, desde logo porque a perícia, de qualquer espécie, que tenha sido realizada em processo de diferente natureza (máxime: civil, de saúde mental, tutelar educativo, etc.) não tem qualquer eficácia no processo penal. Não tem nem, de resto, podia ter porque a aquisição, mas sobretudo a admissibilidade e produção de qualquer prova em processo penal rege-se, exclusivamente, pelo estabelecido no respetivo diploma adjetivo. Não tem, nem pode ter, também – substancialmente - porque a perícia em processo penal visa percecionar ou avaliar se o agente de um crime estava afetado de anomalia psíquica no momento da prática do facto e de formar um juízo crítico sobre a censurabilidade do mesmo. No processo penal, a avaliação da anomalia psíquica reporta-se inelutavelmente ao facto concreto e somente a este e, essencialmente, ao momento da sua prática. E visa indagar se o agente tinha capacidade de avaliação da ilicitude do facto e de determinação para, nesse preciso momento, em vez de adotar comportamento de acordo com o direito, decidir-se por cometer aquele concreto crime. O direito criminal é, na sua aplicação judicial prática, por excelência um direito do facto punível, não podendo transformar-se no perigoso direito do agente. Este, por ser portador, simplesmente, de uma qualquer anomalia psíquica, mesmo que grave e permanente, não pode, sempre que comete qualquer crime ao longo da vida, ser submetido a medidas de cura e tratamento, sem prévia e individualizada avaliação médico-cientifica reportada ao facto e ao momento da sua prática e à perigosidade. No direito criminal a declaração judicial de inimputabilidade não opera fora do processo onde foi proferida, não valendo para qualquer outro crime, anterior ou posteriormente cometido pelo arguido. A inimputabilidade criminal em virtude de anomalia psíquica não é um «estado». Solução jurídica e processual diferente seria intolerável atentado à dignidade humana dos afetados de anomalia psíquica e uma violação grave de direitos básicos fundamentais que, em igualdade com os demais arguidos, assistem ao agente declarado inimputável relativamente a um determinado facto criminalmente punido.

b) forma de cumprimento da pena:

Excluída a inimputabilidade criminal do arguido nestes autos, resta apreciar se poderia o tribunal a quo, ordenar, na decisão recorrida, o seu internamento em estabelecimento destinando a inimputáveis pelo tempo correspondente à duração da pena única que lhe foi aplicada – 5 anos e 3 meses de prisão. Por outras palavras, não tendo sido declarado inimputável à luz do disposto no art. 20º n.ºs 1 a 3 do Cód. Penal, porque afetado de anomalia psíquica anterior ou posterior, seria de concluir que o cumprimento da pena em estabelecimento prisional comum lhe é prejudicial ou o seu confinamento ali vai perturbar gravemente o regime prisional comum e se, por isso, deveria cumprir a pena aplicada – toda ou parte - em regime de internamento em estabelecimento para inimputáveis.

Nos termos da lei, o arguido imputável condenado em pena de prisão pode, verificadas as condições estabelecidas nos arts. 104º e 105º do Cód. Penal, cumprir a pena aplicada, internado em estabelecimento destinado a inimputáveis. Quando o tribunal assim decrete, o arguido ingressa no estabelecimento oficial para cumprimento de medidas de segurança e nele se mantém enquanto não cessar a causa que determinou o internamento, com o limite decorrente da medida da pena concretamente aplicada.  Se durante o internamento cessar a causa que o fundamentou, o condenado é transferido para estabelecimento prisional comum para cumprir o remanescente da pena de prisão imposta na decisão condenatória.

A lei distingue a anomalia psíquica anterior, que o arguido “sofria já ao tempo do crime” e a posterior, aquela que “sobrevier ao agente depois da prática do crime”. A diferença é que neste caso, se a anomalia psíquica não tornar o arguido criminalmente perigoso, o tribunal pode determinar a suspensão da execução da pena de prisão até cessar o estado que a fundamentou. Sendo o tempo de suspensão descontado na pena aplicada.

Ademais da imputabilidade diminuída do arguido, adveniente de anomalia psíquica que padece nos termos referidos, é pressuposto insuperável demonstrar-se que o cumprimento da pena em estabelecimento prisional comum lhe seria prejudicial ou seria por ele gravemente perturbado. Trata-se, em suma, de situações em que o condenado revela incapacidade de compreender o sentido da pena aplicada.

Ao invés da ininteligível argumentação do recorrente, o regime agora em análise não redunda na aplicação de medida de segurança de internamento. Trata-se, isso sim, de um regime de cumprimento da pena de prisão decretada em decisão judicial condenatória. O que justifica o internamento em estabelecimento para inimputáveis é tão-somente o prejuízo para o regime penitenciário comum adveniente de receber condenado incapaz de compreender o sentido da sua reclusão ou capaz de perturbar seriamente a vivência do meio prisional e a finalidade que deve orientar o cumprimento de pena em meio carcerário.

O recorrente, parecendo pouco familiarizado com a especificidade destas questões, nada alega neste domínio. Nem tão-pouco alude às normas do Cód. Penal que vem de analisar-se.

De qualquer modo, nota-se que da facticidade assente não consta nada que permita considerar que o recorrente não está adaptado ao regime penitenciário comum do estabelecimento prisional onde está recluído desde que foi decretada a sua prisão preventiva. Ao invés, está assente que “na data da sua prisão (…) mantinha-se a viver (…) com a família de origem, (…) encontrando-se numa fase de comportamento globalmente estável”.

Anteriormente esteve internado em centro tutelar educativa cerca de dois anos e meio, tendo nesse “período completado o 9º ano de escolaridade e frequentado formação profissional no ramo da hotelaria e cozinha”.

Não se pode perder de vista que o regime carcerário comum é orientado simultaneamente pela tutela dos bens jurídicos e pela reintegração social possível do recluso e não apenas por razões de segurança. Todavia, dúvidas não podem restar que a DGRSP assegura que o arguido não abusa de estupefacientes enquanto preso no EP, garante que é adequadamente tratado em Centro de Respostas Integradas/CRI, apresentando-o aí e às consultas médicas marcadas pelo Hospital onde é assistido e que toma pontualmente a medicação injetável prescrita. Certamente que outro tanto sucederia em estabelecimento destinado a inimputáveis. Todavia, como foi considerado imputável e não se mostrando que o regime penitenciário comum lhe seja prejudicial ou que o arguido esteja a perturba-lo, não há fundamento fáctico (o arguido à data da prisão estava estável), que pudesse justificar que a pena de prisão em que vem condenado – 5 anos e 3 meses de prisão – fosse cumprida em internamento em estabelecimento para inimputáveis.

Finalmente, documentam os factos provados que o cumprimento de medida tutelar educativa lhe permitiu concluir o 9º ano de escolaridade e, à saída, iniciar-se em atividades laborais. Diferentemente, o cumprimento de penas de substituição e o acompanhamento e controlo dos serviços de reinserção social não lograram resultados, não conseguindo que o arguido não reincidisse na prática de crimes.

Conclui-se, assim, pela não verificação, no caso os fundamentos legalmente prescritos para que a pena de prisão aplicada ao arguido pudesse substituir-se por internamento em estabelecimento para inimputáveis.

c) da medida de pena aplicada:

O recorrente alega, genericamente, sem outras razões que as anteriormente apreciadas, que a pena aplicada – certamente reportando-se à pena única - é “excessiva”. Contudo, não termina a peticionar que seja reduzida (reclama, somente, que seja “substituída por outra que contemple a aplicação de medidas que privilegiem a cura e segurança adequadas ao [seu] caso”).   

Não alude, nem sequer convoca as normas que contém o regime jurídico da pena única (máxime: nem a norma, nem o critério especial). Sendo assim patente que não visou discutir, especificadamente, a dosimetria da pena conjunta decretada. Pelo que, não vindo questionada a aplicação do critério especial de individualização da pena conjunta nem indicada como violada a norma que o consagra, não pode aqui reexaminar-se da sua justa medida.

Ainda que a insira com diferente escopo, salienta-se, desde logo, que não sendo o arguido inimputável e porque os agentes de crimes que assim sejam declarados são “punidos” com medida de segurança, o suposto fundamento basilar sobre o qual qualifica de excessiva a pena conjunta de prisão, logo se revelaria inapropriado e irrelevante para que pudesse considerar-se desproporcionada a pena conjunta aplicada. A prosperar a reclamada inimputabilidade não poderia falar-se de pena de prisão excessiva.

De qualquer modo, acrescenta-se que, considerando a moldura do concurso (com o mínimo de 4 anos e o máximo de 8 anos de prisão), se houvesse que entrar na reapreciação da pena única imposta, fixada como foi ligeiramente abaixo do respetivo terço inferior, concluir-se-ia pelo acerto da quantificação. E que se doseou em função das necessidades de prevenção geral positiva, - fortes por os roubos, cometidos a qualquer hora do dia, gerarem alarme e sentimento de insegurança em meio urbano, bem como que se integram na fenomenologia que o legislador define como criminalidade especialmente violenta – art. 1º al.ª l) do CPP. Também atentando nos antecedentes penais do arguido. E, assim, na consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade que revelam.

Por outro lado, da decisão recorrida não consta que o Tribunal a quo tenha sido confrontado com alegada imputabilidade diminuída do arguido e que tenha apreciado ou ajuizado concretamente sobre tal questão. Sendo assim, não pode reexaminar-se aqui, em recurso, questão que a decisão impugnada não conheceu e não decidiu. Os recursos destinam-se ao reexame das questões submetidas ao julgamento e decisão do tribunal recorrido. O tribunal de recurso reaprecia as questões conhecidas na decisão impugnada confirmando-a ou corrigindo-a, não proferindo decisão nova. O que, aplicado ao caso, obsta a que aqui se declare que o recorrente tem a sua imputabilidade diminuída para a prática dos crimes de roubo por que vem condenado.

De qualquer modo, nota-se que, quanto à imputabilidade diminuída, radicada em alcoolismo ou em toxicodependência, a jurisprudência deste Supremo Tribunal vai no sentido de poder funcionar como circunstância agravante.

Assim, no Ac. de 3/07/2014 sustentou-se: “II- se o tribunal considerar o agente imputável, estamos perante um caso de imputabilidade diminuída, mas o legislador não determina nem sequer prevê a atenuação da pena, como se imporia caso a imputabilidade diminuída se fundasse numa presumida diminuição da culpa. III -Na determinação do grau de culpa na imputabilidade diminuída há que levar em conta as qualidades pessoais do agente, reflectidas no facto; quando estas se revelarem especialmente desvaliosas do ponto de vista do direito, estaremos perante uma culpa agravada, a que corresponde uma pena necessariamente mais grave. IV - Aquando da prática do crime de homicídio qualificado tentado, o arguido encontrava-se alcoolizado, sendo que o alcoolismo que sofria, persistente na ocasião do crime, terá afectado de alguma forma a sua capacidade de autodeterminação. Estamos perante um caso de imputabilidade diminuída, porém, daí não decorre uma situação de diminuição de culpa, a determinar uma atenuação da pena.[5]

Na mesmo linha, no Ac. de 19/06/2019 sustentou-se:II – a questão da alegada «imputabilidade diminuída» jamais poderia assumir o relevo atenuativo pretendido pelo recorrente; VIII - A imputabilidade diminuída deve, na determinação da medida da pena, entrar, conjuntamente com todas as demais circunstâncias, na ponderação global a que se refere o n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, interessando é apurar se, em determinada actuação criminosa se verifica uma situação que, afectando o agente, possa interferir na sua capacidade para avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída; IX - No caso sub judice não existem quaisquer dados ou elementos que indiciem um estado de imputabilidade diminuída, daí que, justamente, as instâncias o tenham afastado, nem se observa uma situação de diminuição de culpa, a determinar uma atenuação da pena. Pelo contrário, a conduta do arguido reclama uma pena agravada[6].

Não estão, pois, demonstradas razões que pudessem fundamentar intervenção corretiva na individualização da pena conjunta aplicada. Não se revelando desproporcionada.

a)    pena ou medida não detentiva:

Na sua teorização normativa o recorrente refere que a lei prioriza a aplicação de pena não detentiva.

Parecendo ciente de a medida da pena única aplicada não comportar pena de substituição, reclama que se ordene o seu internamento em estabelecimento e sem qualquer alusão à não perigosidade, visaria, subentende-se, que fosse suspensa a execução desse regime.

Argumentação manifestamente à margem da facticidade provada e das prementes exigências de prevenção especial.

Dos factos assentes consta que o arguido, abusa de estupefacientes e tem crises “de agressividade em casa”. O próprio admite que a sua toxicodependência o faz “ficar bastante violento e agressivo”. A sua “mãe refere que não dispõe de condições nem capacidades para” o receber em casa “enquanto este não fizer um programa de desintoxicação e acompanhamento terapêutico”, porque não duvida que, sem isso, volta a “ter comportamentos agressivos com os membros familiares”.

Confessa ter consciência da ilicitude dos factos cometidos, assumindo que a sua “recaída nos consumos” “contribuiu para os seus comportamentos que originaram o presente processo”.

Tem, pois, perceção, real, que a problemática de saúde mental por si só não o levaria a cometer crimes de roubo. Da inatividade laboral e ausência de rendimentos extrai-se que, com os crimes de roubo cometidos, visou angariar proventos para custear os consumos abusivos de estupefacientes. Que nada faz para debelar essa viciação.

Deste modo, ao invés do que parece perspetivar, o tratamento e cura de alguma patologia mental de que possa estar afetado – provavelmente incurável, mas também controlável através de medicação -, não se apresenta   necessitada de tratamento diferente daquele de que já usufruía e continuará a ser-lhe dispensado enquanto preso. De outra perspetiva, se o transtorno mental de que possa padecer, sem cura, mas estabilizável (como se encontrava à data da sua prisão) e controlado com medicação, podia tratar-se, estabilizando-o, como vinha sucedendo até que foi detido, já a toxicodependência, perfeitamente curável, não pode erradicar-se sem a adesão voluntaria e conscienciosa do arguido – o que, o próprio não revela vontade séria de lograr. Então, à finalidade da prevenção especial não resta senão o corte do acesso a drogas e o cumprimento rigoroso de programa de desabituação, que somente a reclusão consegue garantir. Se o arguido em liberdade e mesmo sob tutela dos serviços de reinserção social já não cumpria pontualmente com o tratamento médico para a estabilização e controlo da sua patologia mental, consumindo abusivamente estupefacientes, - é da mais elementar experiência concluir que -, em liberdade ou em regime menos apertado que o carcerário, não vai cumprir com o tratamento, nem apartar-se da toxicodependência, continuando na senda do cometimento de crimes de roubo. A prevenção da reincidência passa, neste caso, sem alternativa, pelo afastamento voluntário e sério, ou forçado, ainda que seja pela privação do acesso a estupefacientes e o tratamento da desabituação. O que penas não detentivas (três) anteriormente aplicadas ao arguido não conseguiram alcançar, não prevenindo a sua reiteração no cometimento de crimes. Tanto assim que os crimes de roubos por que vem condenado foram cometidos quando cumpria pena suspensa.

Improcede, pois, por manifestamente infundada a pretensão do recorrente.

D -  DECISÃO:

Em conformidade com o exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção criminal, decide:

a) negar provimento ao recurso, assim se confirmando a decisão recorrida.

b) condenar o arguido nas custas – art.º 513º n.º 1 do CPP -, fixando-se a taxa de justiça em 7 UCs - art.º 8º n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.


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Supremo Tribunal de Justiça, 16 de junho de 2021


Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro relator)

(Atesto o voto de conformidade da Ex.mª Sr.ª Juíza Conselheira Maria Teresa Féria de Almeida – art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março na redação dada pelo DL n.º 20/2020 de 1/05 aplicável ex vi do art.º 4 do CPP)[7] .

Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira adjunta)

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[1] Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pag. 573.
[2] Actiones liberae in causa.
[3] J. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pag. 564.
[4] Ibidem, pag. 573.
[5]Proc. n.º 354/12.6GASXL.L1.S1, 3ª secção. Entendimento sufragado também no Ac. de 7/02/2018, proc. 312/15.9POLSB.S1  .
[6] Proc. n.º 291/17.8JAAVR.P1.S1, 3ª secção.
[7]   Artigo 15.º-A: (Recolha de assinatura dos juízes participantes em tribunal coletivo)
A assinatura dos outros juízes que, para além do relator, tenham intervindo em tribunal coletivo, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 153.º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redação atual, pode ser substituída por declaração escrita do relator atestando o voto de conformidade dos juízes que não assinaram.