Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | RETRIBUIÇÕES INTERCALARES ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA IRS | ||
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Data do Acordão: | 09/27/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : |
I- O valor devido pelo empregador quer a título de diferenças salariais, quer de salários de tramitação é o valor ilíquido dos mesmos. II- No entanto se o empregador proceder à retenção e entrega ao Fisco das importâncias legalmente previstas para efeitos de IRS pode invocar o enriquecimento sem causa do trabalhador que resultaria de ter agora que lhe entregar os valores ilíquidos. III- O artigo 770.º, alínea d) do Código Civil prevê expressamente a possibilidade de um pagamento feito a terceiro aproveitar ao devedor e ser eficaz em relação a este. IV- Os salários de tramitação e os juros que sobre eles incidam estão sujeitos a tributação em sede de IRS. V- Estando os juros moratórios sujeitos a tributação em sede de IRS, não havia, pois, em rigor, qualquer genuíno fundamento para a oposição à consignação em depósito, pelo que face ao seu decaimento as custas devem ser integralmente suportadas pela Autora e agora Recorrente. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 4568/13.3TTLSB.S1 Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, Relatório AA intentou ação declarativa comum contra Público Comunicação Social SA.. Por Sentença de 11.03.2015, o Tribunal de 1ª Instância decidiu: “IV – DECISÃO Face ao exposto, julgamos a presente ação parcialmente procedente, por provada em parte, e em consequência condenamos a R a pagar à A a diferença entre a média das comissões auferidas nos 11 meses antecedentes ao mês do gozo de férias, desde que superior ao valor que no dito mês de férias a R lhe abonou a título de comissões, a liquidar em execução de sentença, absolvendo-a do demais peticionado. Sobre aquelas quantias acrescem juros de mora, contados à taxa legal, desde a data do respetivo vencimento – desde que posterior a 17/1272008 – e até efetivo e integral pagamento.”. Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28.09.2016, foi anulado o julgamento e a sentença. Os autos baixaram à 1ª Instância, tendo sido proferida nova Sentença em 18.04.2017, na qual se decidiu o seguinte: “IV – DECISÃO Face ao exposto, julgamos a presente ação parcialmente procedente, por provada em parte, e em consequência condenamos a R a pagar à A a diferença entre a média das comissões auferidas nos 11 meses antecedentes ao mês do gozo de férias, desde que superior ao valor que no dito mês de férias a R lhe abonou a título de comissões, a liquidar em execução de sentença, absolvendo-a do demais peticionado. Sobre aquelas quantias acrescem juros de mora, contados à taxa legal, desde a data do respetivo vencimento – desde que posterior a 17/1272008 – e até efetivo e integral pagamento.”. A Autora interpôs recurso de apelação e a Ré interpôs recurso subordinado. Em 07.02.2018, foi proferido Acórdão do Tribunal da Relação que decidiu o seguinte: “Em face do exposto acorda-se em julgar o recurso interposto pela Autora parcialmente procedente e em consequência: 1. determina-se a eliminação do ponto facto nº 74; 2. julga-se a presente ação parcialmente procedente por provada e em consequência condena se a ré a pagar à autora no tocante à retribuição correspondente ao mês de férias a média das comissões relativas à publicidade angariada auferidas nos 12 meses antecedentes ao mês do gozo de férias, em valor a liquidar em incidente de liquidação; 3. condena-se a Ré a pagar á Autora os valores a apurar em incidente de liquidação, tendo em atenção o anteriormente dirimido (ou seja a condenação da ré a pagar à autora no tocante à retribuição correspondente ao mês de férias a média das comissões auferidas nos 12 meses antecedentes ao mês do gozo de férias, em valor a liquidar em incidente de liquidação), respeitantes à diferença registada na retribuição paga a título de férias de 2013 e nas partes proporcionais de retribuição de férias de 2014; 4. os valores referidos em 2 e 3 serão acrescidos de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data do respetivo vencimento até integral pagamento. 5. No mais, confirma-se a sentença recorrida” A Ré interpôs recurso de revista e a Autora interpôs recurso subordinado. Por Acórdão de 23.01.2019, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu o seguinte: “- negar a revista principal; - conceder a revista subordinada revogando-se o acórdão recorrido na parte em que deliberou não existir omissão de pronúncia quanto às diferenças da retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal relativos aos anos de 1990 a 1994, devendo o Tribunal da Relação reconhecer a nulidade invocada pela autora”. Os autos baixaram ao Tribunal da Relação, o qual, por Acórdão de 13.03.2019, decidiu: “1 – que a sentença recorrida enferma de uma nulidade por omissão de pronúncia na parte respeitante ao pedido deduzido pela Autora atinente à condenação da Ré nas diferenças de retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal de 1989, 1990, 1991, 1992, 1993 e 1994 tal como pedido no artigo 103.º da petição inicial. 2 – julga-se a presente ação procedente por provada e em consequência condena-se a Ré a pagar à Autora as diferenças de retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal dos anos de 1989, 1990, 1991, 1992, 1993 e 1994, respeitantes à média das comissões relativas à publicidade angariada auferida nos 12 meses antecedentes quer ao mês de gozo de férias, quer ao recebimento dos subsídios de férias e dos subsídios de Natal, em valor a liquidar em incidente de liquidação. 4 – os valores referidos em 2 serão acrescidos de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data do respetivo vencimento até integral pagamento." Os autos baixaram à 1ª Instância. Em 04.07.2029, a Entidade empregadora veio deduzir incidente de consignação de depósitos, alegando, em suma, que ofereceu à Autora o pagamento do valor que julgou dever, o qual ascende a € 214 448,99, tendo esta recusado recebê-lo. Conclui peticionando que a autora seja notificada para receber a quantia em dívida, por termo, designando-se hora para o efeito sob pena de a referida quantia ser depositada. Citada, a Autora sustentou que o valor entregue pela Ré não corresponde ao devido, concluindo, a final, que “não há fundamento para a consignação em depósito” e que “a liquidação apresentada pela R, deve ser julgada improcedente, e ser julgada procedente a liquidação formulada pela A. e os montantes devidos pela R. e Requerida à A. e Requerente serem fixados em: “- € 146 168, 88 de diferenças salariais; - € 136 306, 50 de juros de mora vencidos até março de 2019, levando sempre em linha de conta que a R. já pagou à A. o montante de € 147105,60 em 29/07/2019, mas imputando-se as quantias pagas em juros de mora em primeiro lugar e só depois em capital”. Em resposta, a Entidade Empregadora requereu a condenação da Trabalhadora como litigante de má-fé. Após a realização de várias diligências instrutórias de junção de documentação, o Tribunal considerou que afinal não se mostrava necessário qualquer diligência, proferindo de imediato Sentença em 15.01.2023, na qual decidiu não condenar a Trabalhadora como litigante de má fé e concluiu o seguinte: “Nesta conformidade, considero correta a liquidação feita pela ré e, em consequência julgo extinto este incidente de consignação em depósito, por estar cumprida a obrigação de pagamento de que ele é objeto. Custas do incidente a cargo da autora. Fixo o valor do incidente em € 214.448,99 (duzentos e catorze mil e quatrocentos e quarenta e oito euros e noventa e nove cêntimos. “ A Autora/Trabalhadora interpôs recurso de revista per saltum. A Ré contra-alegou. O recurso foi admitido por despacho de 09.05.2023. Em cumprimento do disposto no artigo 87.º, n.º 3 do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da procedência parcial do recurso da Autora. Fundamentação De Facto Consideram-se aqui reproduzidos os factos provados na 1.ª instância e que não foram impugnados pelas Partes. 1 - Por sentença proferida em 18.04.2017, foi a ré condenada a pagar à autora a diferença entre a média das comissões auferidas nos 11 meses antecedentes ao mês do gozo de férias, desde que superior ao valor que no dito mês de férias a ré lhe abonou a título de comissões, a liquidar em execução de sentença, absolvendo-se do demais peticionado. Sobre aquelas quantias acrescem juros de mora, contados à taxa legal, desde a data do respetivo vencimento – desde que posterior a 17.12.2008 – e até efetivo e integral pagamento. 2 - Interposto recurso da sentença, por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.02.2018, foi a ré condenada a (i) pagar à autora no tocante à retribuição correspondente ao mês de férias a média das comissões relativas à publicidade angariada auferidas nos 12 meses antecedentes ao mês do gozo de férias, em valor a liquidar em incidente de liquidação; (ii) a pagar à autora os valores a apurar em incidente de liquidação, tendo em atenção o anteriormente dirimido (ou seja, a condenação da ré a pagar à autora no tocante à retribuição correspondente ao mês de férias a média das comissões auferidas nos 12 meses antecedentes ao mês do gozo de férias, em valor a liquidar em incidente de liquidação), respeitantes à diferença registada na retribuição paga a título de férias de 2013 e nas partes proporcionais de retribuição de férias de 2014 e, (iii) os valores referidos em ii e iii serão acrescidos de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data do respetivo vencimento até integral pagamento. Quanto ao resto foi mantida a sentença recorrida. 3 - Por Acórdão do Tribunal da Relação de 13.03.2019, foi decidido: “1 – que a sentença recorrida enferma de uma nulidade por omissão de pronúncia na parte respeitante ao pedido deduzido pela Autora atinente à condenação da Ré nas diferenças de retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal de 1989, 1990, 1991, 1992, 1993 e 1994 tal como pedido no artigo 103.º da petição inicial. 2 – julga-se a presente ação procedente por provada e em consequência condena-se a Ré a pagar à Autora as diferenças de retribuição de férias e nos subsídios de férias e de Natal dos anos de 1989, 1990, 1991, 1992, 1993 e 1994, respeitantes à média das comissões relativas à publicidade angariada auferida nos 12 meses antecedentes quer ao mês de gozo de férias, quer ao recebimento dos subsídios de férias e dos subsídios de Natal, em valor a liquidar em incidente de liquidação. (…)4 – Os valores referidos em 2 serão acrescidos de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data do respetivo vencimento até integral pagamento”. 31 – Autora E ré mantiveram contrato de trabalho entre 26.12.1989 e 15.01.2013. 4 – A autora não recebeu da ré comissões no ano de 1989. 5 – A autora não recebeu da ré comissões nos meses de janeiro a julho de 1990. 6 – Entre agosto de 1990 e janeiro de 2013, a autora recebeu da ré comissões nos montantes contidos no artigo 10.º do requerimento da consignação em depósito e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido. 7 – Ao serviço da ré, a autora gozou o principal período anual de férias nos seguintes momentos: 1990 – agosto; 1991 – julho; 1992 – abril; 1993 – junho; 1994 – julho; 1995 – julho; 1996 – abril; 1997 – junho; 1998 – maio; 1999 – julho; 2000 – junho; 2001 – julho; 2002 – julho; 2003 – agosto; 2004 – julho; 2005 – junho; 2006 – maio; 2007 – junho; 2008 – julho; 2009 – maio; 2010 – maio; 2011 – julho; 2012 – julho. 8 – A média das comissões auferidas pela autora nos doze meses que precederam o mês em que gozou férias corresponde, em cada ano de 1990 a 2012, aos montantes que constam do artigo 12.º do requerimento de consignação em depósito e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido. 9 – Nos doze meses que precederam o dia 1 de janeiro de 2013 – data do vencimento do direito a férias respeitante ao trabalho prestado pela autora em 2012, que esta não gozou por força da cessação do contrato de trabalho com a ré-, a mesma auferiu comissões no valor médio de € 1.315,55. 10 – O valor das comissões proporcional ao tempo de serviço prestado pela autora em 2013 corresponde a € 45,64. 11 – A autora recebeu da ré subsídio de férias no mês anterior àquele em que gozou férias. 12 – Ao serviço da ré, entre 1990 e 1994, a autora recebeu subsídio de férias nos seguintes momentos: 1990 – julho; 1991 – junho; 1992 – março; 1993 – maio; 1994 – junho. 13 – A média das comissões auferidas pela autora nos doze meses que precederam o mês em que recebeu subsídio de férias corresponde, nos anos de 1990 a 1994, os montantes expressos no artigo 18.º do requerimento da consignação em depósito e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido. 14 – A autora recebeu da ré subsídio de Natal no mês de dezembro de cada ano. 15 – A média das comissões auferidas pela autora, nos doze meses que precederam o mês de dezembro de cada um dos anos de 1990 a 1994, corresponde aos montantes inscritos no artigo 21.º do requerimento de consignação em depósito e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido. 16 – Em 25 de abril de 2019, a ré remeteu à autora o cálculo do montante cuja consignação em depósito requereu (fls. 2471). 17 – Incluindo apuramento mensal das comissões pagas entre agosto de 1990 e dezembro de 2014, média dos valores pagos nos 12 meses anteriores aos de gozo de férias e de recebimento dos subsídios de férias e Natal, respetivos juros e taxas de retenção na fonte de IRS aplicáveis (fls. 2471 vs.). 18 – Por requerimento de 4 de julho de 2019, veio a ré requerer a consignação em depósito. 19 – Em 10 de julho de 2019, a autora, através do seu Ilustre Mandatário, afirmou concordar com o pagamento da quantia líquida de € 214.448,99 (fls. 2475) 20 – Por email de 11 de julho de 2019, às 11:02, oIlustre Mandatário da autora comunicou ao Ilustre Mandatário da ré, “Embora com um grande desapontamento em relação aos valores que eu lhe tinha participado como sendo os valores líquidos que ela iria receber, a m/ Cliente pede que nos seja informado com rigor qual o valor do IRS a incidir sobre os juros de mora e o valor total final líquido a receber por ela” - (fls. 2476). 21 – Por email do mesmo dia – 11.07.2019 às 13:08- o Ilustre Mandatário da ré, respondeu enviando recibo de remuneração com discriminação de todos os valores devidos, no qual consta o valor ilíquido de impostos, de € 132.009,56 de diferenças retributivas e € 82.439,43 de juros moratórios – (fls. 2477 a 2478 verso). 22 – Por email de 11 de Julho de 2019 às 16:27, o Ilustre Mandatário da autora comunicou que “Recebidas as contas que me remeteu e atentos os diminutos resultados finais, venho comunicar que só aceito o acordo desde que não haja nenhuma incidência de IRS sobre os valores de juros de mora (…) A não ser aceite esta minha posição, farei chegar ao processo a impugnação da sua liquidação e a declaração de que não estou de acordo com o valor oferecido por entender que a minha Cliente tem direito a outro mais elevado.”(fls. 2481. 23 – Por email de 18.07.2019, às 3:42:09 PM, o Ilustre Mandatário interpelou o Ilustre Mandatário da ré, dizendo: “Já tem para mim as boas notícias de que a sua Ex.mª Cliente aceitou retirar o IRS dos juros e de poderem assinar de imediato os papéis e fazerem-se os pagamentos?” – (fls. 2480) 24 – O Ilustre Mandatário da ré respondeu por email de 19 de julho de 2019, às 18:57, dizendo: “(…)1. O Público deseja proceder de imediato ao pagamento do valor dos créditos salariais devidos e respetivos juros, nos termos constantes do recibo que há dias lhe enviei e de novo anexo, encerrando definitivamente o litígio entre as partes. 2. O Público entende que a Constituinte do Senhor Dr. Também aceitaria receber o valor daqueles créditos salariais e juros, desde que – ao contrário do que agora consta do mesmo recibo – não haja lugar à retenção na fonte de IRS sobre o valor dos juros moratórios, imposto que entende não ser devido por estar em causa prestação de natureza indemnizatória, nos termos da jurisprudência que me enviou.3. Não obstante, a dúvida sobre o regime da tributação fiscal permanece, até porque as decisões judiciais que me deu a conhecer são de tribunais judiciais e não de tributários.4. Ainda assim, o Público está a verificar se a documentação do pagamento dos juros pode assumir forma que reduza o risco do entendimento de que a respetiva tributação em IRS é devida, estando agendada reunião que se espera conclusiva para a próxima segunda-feira. 5. Não obstante e porque o sujeito passivo do imposto, a existir, é a Constituinte do Senhor Dr., sendo também dela o entendimento de que os juros moratórios não estão sujeitos a IRS, pergunto se no quadro de pagamento dos juros moratórios sem retenção na fonte de IRS – possibilidade que, reitero, ainda não estou em condições de confirmar -, a mesma estaria disposta a declarar formalmente que assumiria o encargo do imposto caso este viesse a ser declarado devido pela Autoridade Tributária. (…).” – (fls.2479). 25 – O Ilustre Mandatário da autora respondeu por email de 22 de julho de 2019, às 18:26, dizendo: “Confirmo que a minha Cliente estaria disponível para passar a entregar a declaração de que assume a obrigação de ser ela a pagar o IRS sobre os juros se viessem a ser exigido pela AT.” – (fls. 2483). 26 – O Ilustre Mandatário da ré por email de 25 de julho de 2019, 18:49, comunicou ao Ilustre Mandatário da autora, o seguinte: “Transmito o entendimento da minha Constituinte: 1. O pagamento do valor da condenação tem de ser declarado, em documentos fiscalmente adequados, sendo necessariamente conhecido da Autoridade Tributária. 2. Não obstante a jurisprudência de que me deu conta e de novo agradeço, é muito elevada a probabilidade de entendimento contrário daquela Autoridade, ou seja, de que os juros moratórios ainda são de rendimento sujeito a imposto. 3. Logo, também é significativo o risco de a mesma autoridade exigir do Público – na qualidade de substituto tributário e independentemente da responsabilidade do sujeito passivo do imposto – o valor do IRS a reter sobre o montante dos juros pagos, calculado à taxa liberatória de 28%. 4. Foram testadas várias hipóteses alternativas e nenhuma delas diminui substancialmente o risco assinalado. A declaração da Cliente do Senhor Dr. de que assumiria a responsabilidade pelo imposto é bem vinda mas não é suficiente, por – com o devido respeito – se tratar de pessoa singular, cujo património pode sofrer variação importante, durante o extenso período de cinco anos no qual a entrega do IRS retido pode ser exigido ao Público. 5. Deste modo, a minha Constituinte reitera a vontade de pagar imediatamente o valor dos créditos salariais devidos e respectivos juros, nos termos constantes do recibo que há dias lhe enviei, encerrando definitivamente o litígio entre as partes, mas não vê como fazê-lo sem sujeitar a imposto quer a retribuição, quer os juros moratórios. 6. É óbvio que feito este pagamento, a Constituinte do Senhor Dr. pode sempre exigir à Autoridade Tributária o reembolso do valor do IRS que entenda não ser devido. Deste modo, caso a Cliente do Senhor Dr. aceite receber nestes termos, o pagamento será feito de seguida. Apesar de ter sido procurada, não se encontra alternativa viável à indicada. (…).” – fls. 2487 e vs. 27 - Por email de 26 de julho de 2019, 14:09, o Ilustre Mandatário da autora, comunicou ao Ilustre Mandatário da ré, o seguinte: Agradeço os esforços feitos no sentido de encontrar solução técnica que dispensasse o IRS sobre os Juros. Vista a situação e o entendimento quanto ao IRS da sua Exma. Cliente, a minha cliente autoriza que o Publico lhe pague, por transferência bancária para a conta com o NIB (…) que já lhe indiquei no email de 10/7 do valor de 147.105,60 a que alude o recibo que me remeteu e já líquido de IRS sobre as diferenças salariais na retribuição de férias e sobre juros de mora. Pedia-lhe que me enviasse cópia do talão da transferência bancária e aguardarei também o envio oportuno da declaração de retenção do IRS e da sua entrega à AT” – (fls. 2487. 28 – Por email do próprio dia – 26.07.2019, às 16:13 – , remetido pelo Ilustre Mandatário da ré, ao Ilustre Mandatário da autora, com o seguinte teor: “Agradeço o seu email e também o seu esforço empenhado na resolução consensual deste assunto. A transferência de € 147.105,60 será feita na próxima segunda-feira, para a conta bancária identificada pelo IBAN (…) que indicou. Enviar-lhe-ei de imediato o respetivo documento certificativo, estando disponível para o remeter também para outro destinatário que queira indicar, atento o início das suas férias. Em momento posterior, seguirão os documentos comprovativos da entrega à Autoridade Tributária do IRS retido. Assumo que com aquele pagamento, a Constituinte do Senhor Dr. considera cumprida a sentença condenatória proferida na ação que a opôs ao Público. Assim, uma vez efetivamente recebido o montante pago e se não tiver objeção, darei a conhecê-lo nos autos, de modo a impedir o prosseguimento da liquidação.”– (fls. 2486 vs.). 29 – No dia 29 de julho de 2019 e por transferência bancária para a conta indicada pela autora e acima referida, a ré pagou-lhe a quantia de € 147.105,60 – (fls. 2489). 30 – Por email de 29 de julho de 2019, 19:15, o Ilustre Mandatário deu conhecimento ao Ilustre Mandatário da autora da transferência de € 147.105,60, remetendo documento comprovativo da mesma, solicitando quitação do valor recebido – (fls. 2486). 302 – Em 2 de setembro de 2019, 16:54, o Ilustre Mandatário da ré remeteu ao Mandatário da autora, email com o seguinte teor: “(…). Solicito-lhe o favor de me habilitar com declaração da sua Constituinte a dar quitação do valor pago, de harmonia com o mail infra.” – (fls. 2490). 31 – Por email de 6 de setembro de 2019, 10:59 respondeu o mandatário da autora dizendo:“ Recebi o seu email e dele dei de imediato conhecimento à minha Cliente. Diz-me ela – e eu estou de acordo – que não é possível passar o recibo sem que se saiba, com rigor, o valor do IRS devido e retido em cada um dos meses e que ela entende não estar correto no cálculo que a sua Cliente fez designadamente por ignorar a existência de um dependente – um filho exclusivamente a cargo dela – até há pouco tempo. Para esclarecer a questão pediu, a meu conselho, um parecer e uma estimativa ao Contabilista dela mas teve de pedir – por as não ter todas – 2ª via das liquidações feitas pela AT em cada um dos meses em causa e cuja entrega aguarda a todo o momento. Solicito, pois, que aguarde, mais algum tempo.” – (fls. 2490). 32. No mesmo dia – 6 de setembro de 2019, às 16:33- a autora representada pelo mesmo Mandatário, juntou aos autos oposição à consignação de depósito. De Direito Colocam-se no recurso as seguintes questões: Em primeiro lugar, se os juros de mora sobre as diferenças salariais devidas devem incidir sobre o montante ilíquido ou, antes, sobre o montante líquido das mesmas. Depois, se os referidos juros de mora estão, ou não, sujeitos a tributação em sede de IRS. Finalmente a questão do valor do incidente de consignação em depósito e a condenação da Autora, e ora Recorrente, na totalidade das respetivas custas. Começando por aquela primeira questão, tem sido entendimento reiterado desta Secção que o valor devido pelo empregador quer a título de diferenças salariais, quer de salários de tramitação é o valor ilíquido das mesmas. Como muito bem se sublinha no douto Parecer do Ministério Público, emitido neste Tribunal ao abrigo do artigo 87.º n.º 3 do CPT, “[a] recorrente tem direito a diferenças salariais que correspondem à reposição de retribuição que deveria ter recebido referente a subsídios de férias e de Natal, por inclusão nos seus cálculos da média das comissões que auferiu anualmente, sendo-lhe, por conseguinte, devida a reposição integral da retribuição em falta, ou seja, os valores ilíquidos dessas diferenças” e “por força do incumprimento contratual no pagamento dessas retribuições, fica a recorrida em situação de mora, e, por isso, obrigada a indemnizar a recorrente pelo atraso nesse pagamento, com direito aos juros de mora desde a data do respetivo vencimento daquelas quantias até integral pagamento”. O empregador está em mora quanto ao pagamento das quantias na sua totalidade e é sobre esse montante ilíquido que devem incidir os juros de mora. E em Acórdão recente desta Secção (aliás citado pela Recorrente no seu recurso) decidiu-se, precisamente, que “os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de cada uma das prestações remuneratórias em dívida incidem sobre os valores ilíquidos da retribuição devida” (Acórdão de 17-03-2023, processo n.º 16995/17.2T8LSB.L2.S1, Relatora Conselheira Leonor Cruz Rodrigues). A troca de emails verificada, independentemente da questão da confidencialidade das comunicações entre Advogados (artigos 92.º n.º 1 alínea e), 92.º n.º 3 e 92.º n.º 4 e 113.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, Lei n.º 145/2015 de 9 de setembro), não consubstancia um genuíno acordo contratual já que traduz avanços e recuos num processo negocial em curso e que acabou por não terminar na celebração de qualquer transação. Importa, contudo, ter presente que se o empregador reteve e entregou as importâncias respeitantes à retenção na fonte do IRS haveria um enriquecimento sem causa (artigo 473.º do Código Civil) se agora fosse condenado a pagar à Recorrente valores ilíquidos englobando tais importâncias. De resto, o artigo 770.º alínea d) do Código Civil estabelece que a prestação feita a terceiro extingue a obrigação quando “o credor vier a aproveitar-se do cumprimento e não tiver interesse fundamentado em não a considerar como feita a si próprio”. Sublinhe-se também que com as declarações para efeitos de IRS da trabalhadora esta teve ocasião de comunicar a sua situação, designadamente familiar, concreta, e de, por essa via, corrigir e obter a devolução de quaisquer quantias que tenham sido retidas, mas não fossem devidas. Relativamente à segunda questão interessa, antes de mais, ter presente qual a natureza da dívida de diferenças salariais que não foram pagas, bem como dos salários de tramitação. Trata-se num caso e no outro de prestações devidas por força do contrato de trabalho – este contrato, quando há um despedimento ilícito que é impugnado com sucesso, e o trabalhador opta pela indemnização em substituição da reintegração, só cessa em rigor com o trânsito em julgado da decisão judicial, sendo que a condenação do empregador decorre da sua situação de incumprimento ou de mora do credor (por se ter recusado ilicitamente a receber a prestação de trabalho). Não se duvida, pois, que os salários de tramitação estão sujeitos a tributação em sede de IRS. Mas qual é, então, a natureza dos juros de mora neste caso? Estando, aqui, em jogo uma situação de responsabilidade contratual e de salários que devem ser pagos por força de o contrato de trabalho só cessar aquando do trânsito em julgado da decisão que declarou ilícito o despedimento (não havendo reintegração do trabalhador) há concluir que estes juros moratórios devem ter o mesmo tratamento fiscal que a própria retribuição (resulta do artigo 5.º n.º 2 alínea g do CIRS que são, em princípio, tributados em sede de IRS os juros de mora relacionados com créditos pecuniários). Ainda que o seu escopo seja, mesmo que apenas em parte, o de repor a erosão no poder de compra da retribuição não paga tempestivamente, estando tal retribuição sujeita a IRS o mesmo deverá dizer-se dos juros moratórios. A situação é, pois, claramente distinta dos casos de responsabilidade extracontratual. Relativamente ao valor do incidente, como se afirma no douto Parecer do Ministério Público, “a Recorrida deu um valor ao incidente inferior ao do processo principal, faculdade que detém em face do disposto no art. 307.º, n.º 1, do CPC, sendo que a Recorrente não o impugnou, pelo contrário, aceitou-o expressamente ao fazer constar na sua resposta como valor o já indicado para o incidente – cf. arts. 305.º, n.ºs 1 e 4, e 307.º, n.º 2, ambos também do CPC”, pelo que há que concluir que o Tribunal fixou corretamente na sentença o valor do incidente, à luz do disposto no artigo 306.º fo CPC. O decaimento da Recorrente foi total, uma vez que estando os juros moratórios sujeitos a tributação em sede de IRS, não havia, pois, em rigor, qualquer genuíno fundamento para a oposição à consignação em depósito, pelo que face ao seu decaimento as custas devem ser integralmente suportadas pela Autora, como bem decidiu a sentença. Decisão: Acorda-se em negar a revista, confirmando-se na integralidade a sentença recorrida. Custas pela Recorrente Lisboa, 27 de setembro de 2023 Júlio Gomes (Relator) Ramalho Pinto Mário Belo Morgado
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1. Por lapso evidente na numeração dos factos elencados na sentença há dois factos com o n.º 3. Optou-se, mesmo assim, por manter a numeração.↩︎ 2. Por lapso evidente há foi factos com o n.º 30 no elenco dos factos dados como provados na sentença. Optou-se por não alterar a numeração.↩︎ |