Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
13340/22.9T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRAZO
MORA
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
CULPA
DONO DA OBRA
EMPREITEIRO
INDEMNIZAÇÃO
ARRESTO
DIREITO DE AÇÃO
ABUSO DO DIREITO
BOA FÉ
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
Data do Acordão: 01/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. A nulidade ancorada na obscuridade do acórdão proferido, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando não é possível saber, com certeza, qual o pensamento exposto na decisão.

II. Quando o contrato celebrado, como é o caso do contrato de empreitada, não tenha uma execução instantânea, destinando-se, antes, a prolongar-se no tempo, assiste às partes, como princípio, a faculdade de regular livremente o tempo de vigência do respetivo regulamento contratual, aplicando-se, não só as regras especiais definidas para o respetivo contrato (artºs 1207º e seguintes do Código Civil), como também as normas gerais relativas aos contratos e às obrigações com elas compatíveis.

III. Nos termos das normas gerais relativas aos contratos e às obrigações, os contraentes são inteiramente livres, tanto para contratar ou não contratar, como para fixar o conteúdo das relações contratuais que estabeleçam, desde que não haja lei imperativa, sustentada em normativos éticos e sociais, ou mesmo na segurança do comércio jurídico, ditame de ordem pública ou bons costumes que se oponham.

IV. O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação, torna-se responsável pelos prejuízos ocasionados ao credor, quer se trate de não cumprimento definitivo, quer de simples mora ou de cumprimento defeituoso.

V. A declaração negocial deve ser interpretada como um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário, a interpretaria, tomando-se este declaratário, nas condições reais em que ele se encontrava, enquanto pessoa razoável, medianamente instruída, diligente e sagaz, quer quanto à pesquisa das circunstâncias atendíveis, quer ao critério a utilizar na apreciação dessas circunstâncias.

VI. A culpa in agendo tem que resultar de factos concretos dados como provados na decisão em que se responsabiliza alguém por, em ação judicial anterior, ter utilizado de forma ilegítima o seu direito de ação, não podendo basear-se simplesmente na desconformidade existente entre a factualidade dada como provada nessa decisão e a factualidade, de sentido contrário, que foi alegada pela parte na anterior ação.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO

1. DIFFERENTODYSSEY, UNIPESSOAL, LDA. intentou ação declarativa, com processo comum, contra WOODSPACE – DESIGN E ARQUITECTURA D’INTERIORES, LDA., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €73.381,72, acrescida de juros à taxa legal anual de 4%, desde a citação até efetivo pagamento.

Articulou, com utilidade, que contratou a Ré para que esta, mediante o pagamento da quantia de €77.500,00, fabricasse e instalasse mobiliário num estabelecimento de alojamento local a si pertencente, bem como fornecesse todos os demais materiais e serviços necessários para a execução de um projeto de decoração elaborado para o local, tudo no prazo de 90 dias subsequente ao pagamento de um adiantamento no valor de 25% do valor acordado.

Mais alegou que, depois do pagamento em 28 de março de 2021 do valor do adiantamento acordado, a Ré, em 18 de maio de 2021, comprometeu-se a realizar até ao início de junho seguinte uma outra obra de carpintaria no referido estabelecimento para que, posteriormente, pudesse aplicar e instalar até 27 de julho de 2021 o mobiliário e decoração cuja produção e fornecimento lhe estava adjudicada.

Como, porém, a Ré não cumpriu os prazos de entrega da obra com o qual se havia expressamente comprometido e apenas em 23 de Fevereiro de 2022 entregou os últimos elementos integrantes da obra adjudicada, alega a Autora ter sofrido prejuízos decorrentes de ter sido obrigada a adiar sucessivamente a inauguração do seu alojamento local (a qual, apesar de ter sido definida para 1 de Setembro de 2021, foi reagendada para 9 de outubro de 2021, mas apenas acabou por ocorrer em 8 de abril de 2022), de ter sido obrigada a manter em obra, entre 6 de outubro de 2021 e 23 de fevereiro de 2022, a estrutura de apoio e supervisão da empresa, M..., Lda, que havia contratado para executar o grosso da obra no seu alojamento local e assegurar o acompanhamento logístico dos trabalhos dos demais subempreiteiros, e ter sido obrigada, ainda, a pintar de novo todos os espaços que sofreram danos na pintura em virtude da instalação tardia da obra de mobiliário e decoração contratada à Ré.

Ademais, alegou a Autora que a Ré, apesar de estar ciente do seu incumprimento, para coagir a Autora a pagar e evitar que esta pudesse utilizar os mecanismos legais de exceção de não cumprimento e de compensação, propôs abusivamente em 19 de maio de 2022 uma providência cautelar de arresto especial com dispensa do justo receio de perda da garantia patrimonial, logrando que o Tribunal, com base nos factos e nas omissões que dolosamente lhe foram transmitidos pela Ré, e pelas suas testemunhas, decretasse um arresto de bens cuja realização causou danos de imagem à Autora, com um valor mínimo de €5.000,00.

2. Regularmente citada, contestou a Ré, impugnando os factos alegados pela Autora para fundamentar a sua pretensão e argumentando (depois de defender que o contrato celebrado entre as partes não deve ser qualificado juridicamente como de empreitada, mas como de compra e venda) que nunca se comprometeu com qualquer prazo perentório para entregar à Autora os bens objeto do contrato, bem como que as entregas apenas não ocorreram com a brevidade esperada devido a factos imputáveis unicamente à Autora. Mais acrescentou que a Autora incumpriu várias vezes o pagamento dos valores acordados e que foi por isso que, quando concluiu o fornecimento de bens a seu cargo, recorreu de forma legítima ao procedimento cautelar de arresto.

Concluiu pela improcedência da ação, peticionando, ainda, a condenação da Autora como litigante de má-fé.

3. Convidada para responder às exceções e questões novas invocadas pela Ré na sua contestação, a Autora apresentou novo articulado, concluindo como na petição inicial.

4. Após ter sido realizada uma audiência prévia, foi elaborado despacho saneador, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

5. Depois de ser realizada uma perícia colegial, foi calendarizada e realizada a audiência final, finda a qual foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar improcedentes os pedidos recíprocos de condenação como litigantes de má-fé formulados por Autora e Ré e julgar parcialmente procedente a ação, condenando-se a Ré a pagar à Autora a quantia global de €22.369,28, com acréscimo de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4%, desde a citação, até efetivo pagamento (absolvendo-se a Ré do demais peticionado).

6. Inconformada, apelou a Ré/WOODSPACE – DESIGN E ARQUITECTURA D’INTERIORES, LDA., tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão, em cujo dispositivo foi enunciado:

“Por tudo o exposto, acorda-se em:

A) Declarar a nulidade da sentença recorrida, por ininteligibilidade dos fundamentos de facto (relativos à matéria de facto não provada) que justificam a decisão.

B) Modificar a redacção do Facto Provado 36.º da sentença recorrida, passando a mesma a ser a seguinte:

36. Com data de 9 de Fevereiro de 2022 a ré envia à autora um ‘email’ com o seguinte teor:

“Caro AA

Conforme combinado na passada sexta-feira dia 4-02-2022, vou tentar responder sucintamente por pontos aos temas que inventariaste:

1 – Prazos de entrega do mobiliário:

Como sabes, nunca assumimos ou garantimos quaisquer prazos de entrega. Os prazos sobre que falamos foram meramente indicativos, tanto que nem sequer se abordaram datas fixas e precisas, mas meras janelas de períodos possíveis de entrega. Aliás, nunca nos comprometemos, nem comprometeríamos, com qualquer prazo de entrega fixo e inflexível, por 2 motivos:

- Primeiro pela escassez/rutura de stock das matérias-primas nacionais e internacionais, o que vai acontecer, por exemplo, com a melamine escolhida pela empresa que vos fez o projeto e que tivemos que alterar, por não existir sequer disponível no mercado;

- Segundo por causa dos efeitos nefastos que a COVID tem tido na capacidade de trabalho de mão-de-obra. De facto, desde Novembro de 2021 já tivemos mais de 25 pessoas em casa, entre isolados e infetados, o que afeta e de que maneira, a nossa capacidade de produzir e montar.

2 – Prazos de entrega do serviço de carpintaria:

A falta de mão-de-obra relacionada com o COVID afetou também negativamente o andamento da obra de carpintaria, o que é serviço ao qual somos alheios, já que, como sabes a relação com o carpinteiro, apenas foi intermediada pela nossa empresa, como forma de responder à tua solicitação, já que, como me transmitiste, estavas desesperado por não conseguires encontrar um profissional que te assegurasse a execução da obra em tempo útil. Sai em teu socorro pela relação pessoal de amizade que tenho contigo, como sabes, o carpinteiro apenas aceitou a obra, por saber que estava a trabalhar por nosso intermédio e por cortesia pela boa relação comercial que tem com a minha empresa.

3 – Condições de Pagamento acordadas:

As nossas condições de pagamento definidas á 20 anos, são: 50% adjudicação e 50% no ato de entrega, como podes ver no contrato que aceitaste CEN 10/716 e conforme foi explicado.

Quando decidiste avançar com a encomenda inicial, CEN 10/716 no valor de 77.500,00 € + IVA a 4 de Março de 2021, solicitaste-me o pagamento na adjudicação de apenas 25%, e mais tarde reforçavas com mais 25%, e os restantes 50% no ato de entrega.

Devido à nossa amizade, eu aceitei também que o serviço de carpintaria fosse adjudicado com 50% e os restantes 50% no ato de entrega, contra a vontade do carpinteiro que queria 50% na adjudicação, 25% no início dos trabalhos e 25% no ato de entrega, uma vez que as portas eram todas alteradas mas, mais uma vez devido à boa relação comercial que tenho com o carpinteiro, ele aceitou e cedeu ao meu pedido.

A entrega dos móveis e decoração já sucedeu no dia 28- 1-2022, e a conclusão da obra de carpintaria já ocorreu a 28-10-2021, aliás, já tivemos que pagar ao carpinteiro, para podermos honrar a nossa palavra neste negócio, o que significa que ainda não recebemos da tua parte e já tivemos que entrar em despesa para pagar o que ainda não pagaste.

4- Atrasos das datas de pagamento.

Informaste, de uma forma unilateral, que apenas irias proceder ao pagamento em 28-2-22 de 6985,25 € e em 15-3-22 de 6985,25 €. Os restantes valores, 38303,53 € pagarias somente quando recebesses os valores finais do Projeto.

Isso não é aceitável e viola por completo as condições de pagamento acordadas.

Por uma questão de cortesia profissional e pessoal, e para evitar recurso a soluções mais drásticas, estamos dispostos a aceitar o pagamento faseado, nas seguintes condições:

o valor em dívida na DIFFERENTODYSSEY UNIPESSOAL, LDA. é 25219,02 €, este valor tem de ser pago até 28-3-2022.

O valor em dívida na M..., Lda é 27055,01 €, deste valor, 13970,50 € correspondente ao serviço de carpintaria, terminado em 28-10- 2021, e têm de ser pago até ao dia 24-2-2022, e o restante valor 13084,51 € até 15-3-2022”.

C) conceder provimento total ao recurso e, em consequência:

1.º) absolver a Ré, WOODSPACE – DESIGN E ARQUITECTURA D’INTERIORES, LDA., do pedido que foi deduzido contra si pela Autora, DIFFERENTODYSSEY, UNIPESSOAL, LDA.;

2.º) condenar a Autora no pagamento das custas da acção.

Custas da apelação a cargo da Autora (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.).”

7. Irresignada com esta decisão, a Autora/DIFFERENTODYSSEY, UNIPESSOAL, LDA. interpôs revista, tendo aduzido as seguintes conclusões:

“I. O presente recurso vem interposto do Acórdão da Relação do Porto que declarou a nulidade da sentença recorrida, por ininteligibilidade dos fundamentos de facto não provados, bem como na decisão de revogar a sentença de primeira instância absolvendo a Ré da totalidade do pedido;

II. Pelo contrário é o Acórdão que se encontra pejado de deficiências, contradições e inverosimilhanças que reconduzem à sua nulidade e a um julgamento de direito completamente desfasado da realidade fáctica assente nos autos;

III. O acórdão recorrido desconstrói e ignora por completo a motivação de facto efectuada pelo tribunal de primeira instância, retirando dos factos, conclusões completamente diversas do sentido dos mesmos, sem qualquer espelho na prova produzida ou sequer nas regras de experiência comum;

Ora,

IV. O acórdão recorrido torna-se ininteligível quanto à própria fundamentação da declaração de nulidade da sentença de primeira instância, sendo absolutamente incoerente na análise e declaração da nulidade da sentença de primeira instância;

V. A análise casuística dos elementos da decisão é colocada completamente em causa quando o acórdão recorrido desconsidera as circunstâncias casuísticas da própria sentença em análise;

VI. Desde logo é falso que a sentença de primeira instância apenas consigne que que não se provaram os factos em directa contradição com a factualidade provada, apenas fazendo tal ressalva antes do elencos dos factos não provados;

VII. No entanto, o tribunal de primeira instância teve o cuidado de nos pontos dos articulados que comportavam matéria factual simultaneamente provada e não provada, fazer essa expressa menção, individualizando-as, contribuindo para a clareza e inteligibilidade da referida sentença;

VIII. Também não se pode olvidar a extensiva, pormenorizada e descritiva elencagem em 65 pontos da matéria dada previamente como provada, a qual, por contraposição, permite, em articulação com a PI e contestação, aferir com rigor qual a factualidade a que se reportam os pontos dados como não provados;

IX. Pelo que nunca pode entender-se que a obscuridade e ininteligibilidade da sentença advém unicamente do facto da sentença de primeira instância ter consignado, antes e a par dessa enumeração, que: “para além dos factos que estão em directa contradição com a factualidade provada, não se provaram e com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos”;

X. Inexiste também qualquer inferência ou raciocínio dedutivo, porquanto a restante matéria excluída dos pontos não provados está explicita a contrario nos factos dados como provados;

XI. Merce dos ónus de alegação das partes e da fixação dos temas da prova, chegados à fase decisória e delimitados os factos provados e não provados, não existem inferências ou deduções possíveis;

XII. Pelo contrário, é o acórdão recorrido que padece de nulidade quando declara a nulidade por alegada ininteligibilidade da matéria de facto não provada, sem remeter a decisão para o tribunal de primeira instância para suprimento da referida nulidade, nem suprindo ele próprio a alegada ininteligibilidade fixando ele próprio tal matéria de facto não provada;

XIII. O acórdão recorrido prossegue a apreciação do mérito do recurso numa base completamente deficiente, sem matéria de facto não provada (em virtude da declaração de nulidade desse segmento da sentença de primeira instância) e completamente desligado da restante motivação de facto invocada pelo tribunal de primeira instância;

XIV. Caindo, ele próprio, no vício da nulidade que declarou, designadamente obscuridade e ininteligibilidade da decisão da matéria de facto não provada;

No mais,

XV. No que concerne à matéria de facto fixada nos auto, ela é essencialmente a mesma que vinha fixada pela sentença de primeira instância, a única alteração é a substituição do artigo 36º dos factos provados que passa a incluir o texto ipsis verbis do email de 09/02/2022 já dado como provado pelo tribunal de primeira instância;

XVI. O acórdão recorrido não suprime factos dados como provados, nem acrescenta factos novos que possam alterar as conclusões e decisão de primeira instância;

XVII. Contrariamente ao tribunal de primeira instância, que concluiu pela existência explicita e objectiva de um prazo constante da matéria de facto provada, o acórdão recorrido optou por retirar uma conclusão diferente, baseada exclusivamente na percepção que construiu dos factos, completamente desgarrada da realidade factual dada por assente;

XVIII. É inequívoca e resulta clara da matéria de facto provada nos autos a existência de um prazo constante da proposta elaborada e enviada pela Recorrida e aceite pela aqui Recorrente;

XIX. O que resulta dos seguintes factos provados pela sentença de primeira instância e que não foram alterados pelo acórdão recorrido, designadamente a pontos 12º, 14º, 15º, 21º, 22º, 27º, 29º, 32º, 36º dos factos provados;

XX. Apesar da clareza e objectividade da factualidade provada pela sentença de primeira instância, o acórdão recorrido constrói uma narrativa alternativa, desconsiderando – ou escolhendo desconsiderar – no julgamento efectuado, um facto provado inequívoco e objectivo;

XXI. O de que a Recorrida (R.) na proposta de 04/03/2021 que ela própria elaborou, assumiu como prazo de entrega a semana 24 (correspondente a meados de Junho), sendo inequívoco que existia prazo!

XXII. O prazo foi depois assumido no email de 09/02/2022 que enviou à aqui Recorrente (A.) transcrito ipsis verbis pelo acórdão recorrido, nomeadamente que a mesma escreveu nesse email que “OS PRAZOS SOBRE QUE FALAMOS”, o que por si prova a existência de prazo!

XXIII. Não é credível e contraria todas as regras da experiência e normalidade das coisas afirmar que duas empresas, ambas no exercício das suas actividades comerciais acordem na execução de uma obra de €77.500,00 sem qualquer prazo, designadamente quando o projecto do alojamento local da Recorrente (A.) dependia de fundos comunitários com procedimentos, cabimentações e prazos próprios;

XXIV. A análise jurídica da causa não pode ser desligada da fundamentação que esteve na base da assunção dos factos como provados, se o tribunal da relação se tivesse socorrido das transcrições dos depoimentos produzidos em julgamento e da motivação que sustenta a assunção dos factos provados, concluiria juridicamente de forma completamente diversa;

XXV. A reunião solicitada não foi para fixar prazo para entrega da obra, mas para determinar timings inerentes ao planeamento/cadência de obra;

XXVI. Pelo que inexiste qualquer contradição entre o prazo apresentado na proposta de orçamento aceite pela Recorrente e o pedido de reunião para falar de prazos e formas de facturação;

XXVII. A reunião solicitada não tem nada que ver com a fixação do prazo para entrega da obra, mas para determinar timings para o planeamento/cadência de obra e para definir formas e prazos de facturação, esses sim que haviam sido relegados para momento posterior como resulta dos factos provados em 14º da sentença de primeira instância;

XXVIII. Ou seja, o pedido da reunião que no qual o acórdão recorrido fundamenta todo o seu julgamento de direito relativamente ao litígio em causa nos autos, não tem a virtualidade de sustentar a conclusão do tribunal recorrido, muito pelo contrário;

XXIX. Também não colhe a argumentação do acórdão recorrido quando afirma que posteriormente se verificaram entre as partes diversos contactos, mas que nenhum permite afirmar que havia um para o cumprimento da prestação devida pela Recorrida;

XXX. Que razão haveria então para as sucessivas insistências para entrada em obra e sua execução efectuadas desde pelo menos 17/03/2024 e dadas como provadas, ou para as sucessivas comunicações de incumprimento efectuadas a partir de Outubro de 2021?

XXXI. Naturalmente se não houvesse prazo fixado entre as partes não exigiria a A. insistentemente à R. que entrasse em obra e cumprisse os prazos acordados, tampouco lhe imputaria esse incumprimento, algo que nunca foi contestado pela Recorrida (R.), ao longo de mais de 11 meses e dezenas de comunicações;

XXXII. O erro de julgamento do acórdão recorrido torna-se ainda mais grave quando apesar de clarificar a matéria de facto referente ao ponto 36º dos factos provados – do qual consta a assunção de prazo pela R. – fundamenta e conclui por uma decisão jurídica completamente díspar da sentença de primeira instância;

XXXIII. A Recorrente refere expressamente no email os “prazos sobre que falamos” resultando inequívoco o reconhecimento da sua existência e justificando o seu incumprimento, sendo certo que ninguém se justifica de atrasos se não houver prazo;

XXXIV. Pelo que nessa linha de raciocínio, errou a veneranda relação ao concluir que a aqui Recorrente (A.) não podia exigir, como exigiu em 06/10/2021 o cumprimento da obrigação;

XXXV. O PRAZO JÁ ESTAVA FIXADO PELA PROPOSTA APRESENTADA PELA RECORRIDA, aquilo que a aqui Recorrente fez foi interpela-la (note-se, mais de 4meses após o prazo inicialmente fixado) para que esta entregasse a obra impreterivelmente até 20/10/2021;

XXXVI. A mora fixada pela sentença de primeira instância a partir de 06/10/2021 foi-o, apenas, com base na interpelação da Recorrida para que a Recorrente concluísse a obra nessa data, porque o prazo previamente fixado como sendo a semana 24 já se encontrava sobejamente ultrapassado;

XXXVII. Sendo legitimo à Recorrente, decorrido o prazo inicial para a realização da prestação, interpelar peremptoriamente o devedor para o cumprimento nos termos dos art. 804º e 805º do CCiv.;

XXXVIII. Falhando o acórdão recorrido no julgamento que concluiu que a Recorrida “não cumpriu a prestação que lhe cabia efectuar fora do tempo devido.”;

XXXIX. Sendo da Recorrida, em virtude desse incumprimento, a responsabilidade pelos danos sofridos pela Recorrente por não ter procedido à abertura do alojamento local em Outubro de 2021;

XL. O acórdão recorrido também subverte totalmente o julgamento efectuado pelo tribunal de primeira instância no que concerne à utilização abusiva do procedimento cautelar de arresto, afirmando que não há factos que permitam concluir que a Recorrida omitiu ou alterou factos e que a posição defendida pela mesma no procedimento cautelar não se mostra irrazoável ou insustentável;

XLI. Resulta da prova dada como provada que a Recorrida instaurou um procedimento cautelar especial, alegando que “a Requerida, que pretendia adquirir diversas peças de mobiliário (…).” e que “a Requerente apresentou à Requerida as diversas opções que dispunha e o orçamento para as peças por este escolhidas.”

XLII. Foi a Recorrida, ela própria, que alterou deliberadamente os factos ao tribunal quando afirmou em sede de requerimento inicial que a aqui Recorrente “pretendia adquirir diversas peças de mobiliário”, bem como foi a Recorrida, ela própria, que na mesma sede disse que: “apresentou à Requerida as diversas opções que dispunha e o orçamento para as peças por este escolhidas” ocultando que se encontravam a executar um projecto de decoração de outrem;

XLIII. O que resulta das declarações do legal representante da Recorrida que afirmou diversas vezes em sede de audiência de julgamento ter efectuado “um fato à medida” de um projecto elaborado por um terceiro;

XLIV. Facto que a própria Recorrida deliberadamente omitiu do requerimento inicial e que a sua funcionária BB contrariou objectivamente na providência cautelar;

XLV. O direito à tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente consagrada e o direito de acção não permitem, nem podem permitir que a mesma parte e suas testemunhas (neste caso funcionários da Recorrida), em duas acções sobre o mesmo objecto, digam numa uma coisa e noutra outra coisa completamente diferente;

XLVI. Da factualidade provada nos presentes autos se conclui translucidamente que a Recorrida distorceu e omitiu deliberadamente factos que sabia serem falsos, com a intenção de “pressionar a Recorrida ao pagamento” e não qualquer receio de perda de garantia patrimonial;

XLVII. Naturalmente que a Recorrida não defendeu no arresto uma posição irrazoável ou insustentável, nem é isso que está em causa, mas se a versão que defendeu correspondia à verdade ou não e se a mesma tinha consciência disso, o que é por demais evidente atenta a factualidade provada e as declarações dos intervenientes processuais em ambos os processos;

XLVIII. O juízo de censura efectuado pelo tribunal de primeira instância nada tem que ver com o mérito da causa, mas com a versão truncada e distorcida que foi deliberadamente apresentada aquele tribunal com vista a obter aquele específico sentido decisório;

XLIX. O acórdão recorrido uma vez mais se arroga de uma posição completamente ilógica e desfasada do acervo factual assente pelo tribunal de primeira instância, carecendo, assim, apresente causa, de uma reanálise do direito aplicado e da solução jurídica decretada quer para a responsabilidade da Recorrida (R.) pelo incumprimento do prazo acordado para a execução da obra, quer da responsabilidade pelos danos causados pelo uso abusivo da providencia cautelar de arresto;

NESTES TERMOS e nos mais de direito, deve o presente Recurso merecer total provimento e, consequentemente, ser declarado nulo o Acórdão Recorrido, bem como ser revogado e substituída a decisão por outra que mantenha a sentença de primeira instância, assim se fazendo JUSTIÇA, como, aliás, é hábito de V. Exas.”

8. Foram apresentadas contra-alegações, tendo a Ré/WOODSPACE – DESIGN E ARQUITECTURA D’INTERIORES, LDA. pugnado pela manutenção do acórdão recorrido.

9. Foram cumpridos os vistos.

10. Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. As questões a resolver, recortadas das conclusões apresentadas pela Recorrente/Autora/DIFFERENTODYSSEY, UNIPESSOAL, LDA. consistem em saber se:

1. O acórdão recorrido padece de nulidade dada a obscuridade e consequente ininteligibilidade quanto à fundamentação da declaração de nulidade da sentença de 1ª Instância, respeitante à decisão da matéria de facto não provada, sendo incoerente na análise e declaração da respetiva nulidade; outrossim, padece de nulidade quando declara a nulidade da sentença de 1ª Instância, por alegada ininteligibilidade da matéria de facto não provada, sem remeter a decisão para este Tribunal de 1ª Instância a fim de proceder ao suprimento da referida nulidade, nem suprindo ele próprio a alegada ininteligibilidade, fixando tal matéria de facto não provada?

2. O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao julgar improcedente a ação, absolvendo a Ré do pedido, impondo-se a revogação dessa decisão, uma vez que resulta dos factos adquiridos processualmente a existência de um prazo que a demandada incumpriu para prestação contratual a que se vinculou, perante a demandante, ficando constituída na obrigação de reparar os danos decorrentes deste atraso verificado na abertura do estabelecimento de alojamento local da demandante; outrossim, importa sentenciamento diverso do Tribunal recorrido no que respeita ao procedimento cautelar de arresto instaurado pela aqui demandada contra a ora demandante, uma vez que foi abusiva a sua utilização, causando danos à imagem desta com relevância indemnizatória, que importa atribuir?

II. 2. Da Matéria de Facto

Factos provados:

“1. A Autora é uma sociedade unipessoal por quotas que se dedica com o intuito lucrativo ao “Alojamento local; alojamento mobilado para turistas; aluguer de curta e média duração e restauração”, constituída em 2018, tendo como gerente, CC; o capital social de € 10.000,00, integrando uma só quota social pertencente à sociedade P..., S.A.. (fls. 2-2 verso apenso documental);

2. A Ré é uma sociedade por quotas que se dedica com o intuito lucrativo ao “comércio de mobiliário de madeira e artigos de iluminação, tapetes, estofos, artigos para o lar, desenvolvimento de projetos de arquitetura, decoração de interiores, criação e desenvolvimento design de mobiliário”; tendo como gerentes DD e EE, com o capital social de € 50.000,00 dividido em duas de € 25.000,00 cada, detida por cada um dos gerentes (fls. 3-4 e 157 verso-158 do apenso documental);

3. No âmbito da sua actividade comercial a A. explora, desde 08/04/2021, um estabelecimento de Alojamento Local denominado “O.... ..........”, sito no centro da ..., composto por seis apartamentos T3 (18 quartos) destinados a alojamento local para turismo ou arrendamento de curta e média duração e emprega duas trabalhadoras;

4. O referido imóvel, sito na Rua de ..., corresponde ao artigo matricial urbano ..48, União de Freguesias de ..., concelho de ... e está averbado em nome de FF e GG e consubstanciava um prédio urbano destinado a “Casa para habitação e comercio, de rés do chão, 1º andar, 2º andar, 3º andar direitos e esquerdos, 6 arrecadações no sótão, 2 arrecadações na cave, constituída em regime de propriedade horizontal, com 8 frações autónomas, designadas pelas letras "A a H".” (fls. 4 verso a 5 do apenso documental);

5. O imóvel foi objecto de um contrato de comodato entre as possuidoras referidas no ponto anterior e a autora, outorgado no dia 17/04/2018, para exploração como alojamento local (fls. 5 verso a 6 do apenso documental);

6. Após o comodato a A. decidiu reconstruir todo o imóvel realizando obras de fundo para o transformar num estabelecimento de alojamento local e assim explorar todas as suas potencialidades económicas;

7. As obras de reconstrução, nomeadamente a execução do grosso da obra: trabalhos de demolição, alvenaria, substituição de telhado e alumínios, trabalhos de pichelaria, electricidade e carpintaria de construção foram realizadas pela sociedade M..., Lda;

8. Entre a autora e a ré, foram estabelecidas negociações, pelo menos desde Julho de 2020, com a finalidade de a ré realizar para a autora o projecto de decoração;

9. O gerente da M..., Lda foi a pessoa que durante todo o processo negocial que se estabeleceu com a ré, assumiu a representação da autora, assinando todos os emails enviados em nome da autora e respondendo em nome da mesma;

10. A A. contratou a empresa da decoradora “HH” com vista a elaborar o projecto de decoração do alojamento local, no qual incluía a mobiliário e toda a decoração do mesmo, que elaborou o projecto de decoração no qual definiu o mobiliário e decoração do estabelecimento de alojamento local;

11. Foram estabelecidos contactos entre autora e ré, que se iniciaram pelo menos em julho de 2020 (email de fls. 6 e 7 verso) e se prolongaram durante esse ano e início do ano de 2021 (emails de fls. 19 a 23 verso, de 3-11-2020 e email de 19-02-2021), na sequência dos quais a autora, através da testemunha AA, solicitou à ré a apresentação de orçamento para o projecto pretendido, projecto que enviou à ré;

12. Nessa sequência em 4 de Março de 2021 as partes acordaram entre si, que a ré fabricasse, fornecesse os móveis produzidos à medida e os instalasse no local, com a prestação dos serviços inerentes de colocação e aplicação do mobiliário de encastrar com vista à execução do projecto de decoração elaborado pela gabinete de decoração “HH” tendo acordado ainda no preço final de 77.500,00€;

13. A execução do projecto pela ré, de acordo com o documento de fls. 35 a 36 e 165 a 166, enviado pela própria e aceite pela autora, envolvia trabalhos designados por “Carpintaria e Estofo” nos seus apartamentos; área de decoração; trabalhos nas áreas de recepção e bar; móveis de cozinha; iluminação e apliques de wc, descriminados no documento identificado e que aqui se dá por reproduzido;

14. Do mesmo documento consta, para além da data de emissão – 4 de março de 2021 -, sobre a facturação a seguinte referência: “dados da facturação e descrição da factura a definir”;

15. Consta ainda a data de início: “a partir do dia 15 do mês de Março” e data prevista para a entrega: semana 24;

16. Em resposta ao email enviado pela ré, a autora, através de AA, respondeu no mesmo dia – 4.3.2021 – confirmando a adjudicação da proposta da ré e referindo que na semana seguinte seria marcada uma reunião para estabelecer todas as questões de prazos e formas de facturação (fls. 38 verso);

17. A autora procedeu ao pagamento do valor correspondente a 25% do total do valor – correspondente a € 26.684,84€ - em 16 de março de 2021 (fls. 39 verso e email de 16 e 17- 03-2021, de fls. 39 verso a 40 verso);

18. Após a adjudicação, em 06/04/2021 o sócio-gerente da R. e a directora de projectos BB dirigiram-se à obra da A. na qual foram recebidos pelo encarregado geral da obra II e pelo Eng. AA para retirar medidas correctas para produção e posterior aplicação do mobiliário solto e de encastrar na obra;

19. A pedido da autora, na pessoa do Engenheiro AA, a ré apresentou o orçamento constante de fls. 36 verso a 37, com data de 13-04-2021, relativo à produção e aplicação de portas em carvalho no alojamento local da A., produção e aplicação de portas nas entradas de todos os apartamentos do alojamento local e também aplicar chão flutuante e rodapé no alojamento local, trabalhos que seriam subcontratados pela ré a um terceiro carpinteiro e não pela ré;

20. O orçamento foi posteriormente alterado em maio de 2021 e a pedido da testemunha AA foi a proposta apresentada à M..., Lda;

21. Com data de 17 de março a autora, por email, solicita à ré a conclusão da encomenda para final de maio de 2021 (fls. 40)

22. Por mensagem de 18-05-2021 de AA para DD, o primeiro insiste que o carpinteiro entre em obra para colocar o flutuante e o rodapé (fls. 43)

23. Em meados de Junho de 2021 a ré informa que tem problemas com um dos produtos necessários para a produção dos móveis, a “melanina” (fls. 42 a 48 verso);

24. Em meados de Julho e Agosto de 2021 surgem questões relacionadas com as cabeceiras e os tecidos das almofadas, que a ré e o gabinete de decoração procuram solucionar. Em 31 de Agosto a ré ainda não tinha feito a encomenda dos tecidos em opção. (fls. 50 a 55);

25. Em 22 de Junho de 2021 a R. não havia produzido ou instalado em obra qualquer mobiliário, como não tinha ainda encomendado as matérias-primas necessárias à sua produção;

26. O carpinteiro entrou em obra no mês de Setembro de 2021 e acabou 27-10-2021 e nesse período esteve na obra com os seus trabalhadores nos dias dias 06 a 10 de Setembro, 15 e 16, 23 e 24, 29 a 30 de Setembro e 1 de Outubro 11 a 14 de Outubro, 18 a 21 e 25 a 27 de Outubro;

27. Com data de 6 de Outubro de 2021 a autora envia para a ré o email constante de fls. 56, cujo conteúdo se dá por reproduzido, reclamando da falta da entrada em obra da ré, invocando o incumprimento de prazos de entrega pela ré. Alega que os atrasos estão a causar prejuízos por não conseguir prever a data da abertura do alojamento e estarem meios alocados à obra a aguardar pela ré. Indica como data limite para conclusão o dia 20 de Outubro. Por email de 12-10-2021 a autora insiste nos mesmos termos (fls. 56 verso);

28. A autora procedeu ao pagamento de mais 25% do valor total da adjudicação em 19-10-2021 - € 26.684,85 – pagamento comunicado à ré por email de 21 de Outubro de 2021 e pergunta se iriam entrar em obra no dia 25, informação indicada pelo encarregado de obra (fls. 57 verso a 58 verso e fls. 134);

29. Com data de 26 de Outubro de 2021 a autora envia para a ré o email constante de fls. 59, cujo conteúdo se dá por reproduzido, reclamando novamente da falta da entrada em obra da ré, desta vez no dia 25-10-2021, invocando o sucessivo incumprimento de prazos de entrega pela ré. Alega que os atrasos estão a causar prejuízos, que procedeu ao pagamento de 50% do preço e nada está feito pela ré. Invoca novamente que está a sofrer prejuízos;

30. A ré entrou em obra nos primeiros dias do mês de novembro de 2021;

31. Por email de 19 de Novembro de 2021 a autora reclama junto da ré sobre os atrasos na execução da obra, reclamando a impossibilidade causada pela ré em abrir o alojamento local (fls. 60);

32. Por email de 10 de Dezembro de 2021 a autora reclama novamente junto da ré sobre os atrasos na execução da obra, referindo que estavam sem aparecer desde o dia 2-12. Refere que tiveram que adiar a inauguração, mas não indica a data. Informa a ré de que já têm marcações a partir de 15 de janeiro de 2022, e que todos os prejuízos que venham a sofrer pela não abertura serão imputados à ré (fls. 60 verso);

33. No entanto, mesmo após a entrada em obra por parte dos funcionários da R., seguiram-se sucessivas interrupções nos trabalhos, nas quais nenhum funcionário da R. comparecia em obra para continuar os trabalhos de montagem e aplicação do mobiliário e decoração contratados pela A.

34. A ré terminou os trabalhos em janeiro de 2022 de mobiliário e entregou as 54 almofadas com os enchimentos em finais de Fevereiro de 2022;

35. Em 27 de Janeiro de 2022 a ré enviou à autora A. a factura 5/593 no valor de 8.777,76€ relativa a:

ROUPEIRO EMBUTIDO

MOVEL WC 0.9 EMBUTIDO

MOVEL WC 1.00 EMBUTIDO

PAREDE RIPADO EMBUTIDO

APLIQUE WC EMBUTIDO

MOVEL WC EMBUTIDO

Com data de emissão: 31-12-2021 e vencimento em 1-1-2022 (fls. 61);

36. Com data de 9 de Fevereiro de 2022 a ré envia à autora um ‘email’ com o seguinte teor:

“Caro AA

Conforme combinado na passada sexta feira dia 4-02-2022, vou tentar responder sucintamente por pontos aos temas que inventariaste:

1 – Prazos de entrega do mobiliário:

Como sabes, nunca assumimos ou garantimos quaisquer prazos de entrega. Os prazos sobre que falamos foram meramente indicativos, tanto que nem sequer se abordaram datas fixas e precisas, mas meras janelas de períodos possíveis de entrega. Aliás, nunca nos comprometemos, nem comprometeríamos, com qualquer prazo de entrega fixo e inflexível, por 2 motivos:

- Primeiro pela escassez/rutura de stock das matérias primas nacionais e internacionais, o que vai acontecer, por exemplo, com a melamine escolhida pela empresa que vos fez o projeto e que tivemos que alterar, por não existir sequer disponível no mercado;

- Segundo por causa dos efeitos nefastos que a COVID tem tido na capacidade de trabalho de mão-de-obra. De facto, desde Novembro de 2021 já tivemos mais de 25 pessoas em casa, entre isolados e infetados, o que afeta e de que maneira, a nossa capacidade de produzir e montar.

2 – Prazos de entrega do serviço de carpintaria:

A falta de mão-de-obra relacionada com o COVID afetou também negativamente o andamento da obra de carpintaria, o que é serviço ao qual somos alheios, já que, como sabes a relação com o carpinteiro, apenas foi intermediada pela nossa empresa, como forma de responder à tua solicitação, já que, como me transmitiste, estavas desesperado por não conseguires encontrar um profissional que te assegurasse a execução da obra em tempo útil. Sai em teu socorro pela relação pessoal de amizade que tenho contigo, como sabes, o carpinteiro apenas aceitou a obra, por saber que estava a trabalhar por nosso intermédio e por cortesia pela boa relação comercial que tem com a minha empresa.

3 – Condições de Pagamento acordadas:

As nossas condições de pagamento definidas á 20 anos, são: 50% adjudicação e 50% no ato de entrega, como podes ver no contrato que aceitaste CEN 10/716 e conforme foi explicado.

Quando decidiste avançar com a encomenda inicial, CEN 10/716 no valor de 77.500,00 € + IVA a 4 de Março de 2021, solicitaste-me o pagamento na adjudicação de apenas 25%, e mais tarde reforçavas com mais 25%, e os restantes 50% no ato de entrega.

Devido à nossa amizade, eu aceitei também que o serviço de carpintaria fosse adjudicado com 50% e os restantes 50% no ato de entrega, contra a vontade do carpinteiro que queria 50% na adjudicação, 25% no início dos trabalhos e 25% no ato de entrega, uma vez que as portas eram todas alteradas mas, mais uma vez devido à boa relação comercial que tenho com o carpinteiro, ele aceitou e cedeu ao meu pedido.

A entrega dos móveis e decoração já sucedeu no dia 28- 1-2022, e a conclusão da obra de carpintaria já ocorreu a 28-10-2021, aliás, já tivemos que pagar ao carpinteiro, para podermos honrar a nossa palavra neste negócio, o que significa que ainda não recebemos da tua parte e já tivemos que entrar em despesa para pagar o que ainda não pagaste.

4- Atrasos das datas de pagamento.

Informaste, de uma forma unilateral, que apenas irias proceder ao pagamento em 28-2-22 de 6985,25 € e em 15-3-22 de 6985,25 €. Os restantes valores, 38303,53 € pagarias somente quando recebesses os valores finais do Projeto.

Isso não é aceitável e viola por completo as condições de pagamento acordadas.

Por uma questão de cortesia profissional e pessoal, e para evitar recurso a soluções mais drásticas, estamos dispostos a aceitar o pagamento faseado, nas seguintes condições:

o valor em dívida na DIFFERENTODYSSEY UNIPESSOAL, LDA. é 25219,02 €, este valor tem de ser pago até 28-3-2022.

O valor em dívida na M..., Lda é 27055,01 €, deste valor, 13970,50 € correspondente ao serviço de carpintaria, terminado em 28-10- 2021, e têm de ser pago até ao dia 24-2-2022, e o restante valor 13084,51 € até 15-3-2022”.

37. A autora respondeu por email de 14 de Fevereiro de 2022 constante de fls. 65 verso a 66 verso, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, negando a versão da ré, mantendo a versão que tinha indicado nas comunicações anteriores. Sobre os prazos refere que a obra deveria estar concluída em Julho de 2021 e que tinham a inauguração marcada para o dia 9 de Outubro de 2021. Reclama prejuízos próprios resultantes da impossibilidade de rentabilização do negócio entre Outubro de 2021 a Fevereiro de 2022 num total de € 67.392.00, valor que deve acrescer a quantia de € 15.400,00 de custos por ter sido obrigada a manter a estrutura na obra até que a ré terminasse, que são devidos à M..., Lda;

38. Por email de 16-02-2022 a ré responde mantendo o referido no email anterior, respondendo a autora por email de 2 de março, remetendo para o que já tinha referido (fls. 68- 68 verso e 82 verso);

39. Por email de 2 de março de 2022 a ré informa de que o assunto foi remetido para o seu advogado (fls. 88), remetendo também a autora, por email de 3 de março de 2022, que o assunto também seria tratado pelo advogado (fls. 94 verso);

40. A inauguração do alojamento local ocorreu no dia 8 de Abril de 2022;

41. Enquanto a ré não terminou o trabalho, a sociedade M..., Lda. manteve em obra o seu encarregado, pela necessidade de proceder à abertura do espaço e recepção dos funcionários da R., auxílio que fosse necessário, supervisão dos trabalhos.;

42. A autora não conseguiu inaugurar o alojamento antes de finais de Janeiro de 2022.

43. A autora antes da abertura precisava de ter a obra totalmente entregue para proceder à preparação hoteleira dos espaços, formação de pessoal, bem como para que pudesse efectuar testes prévios de funcionamento e abertura e agendar posteriormente a data de inauguração e abertura;

44. O Alojamento local da A. tem 18 quartos duplos;

45. Tendo em consideração que o alojamento abriu ao público em Abril de 2022, se for considerado um prazo de atraso na abertura de 4 meses – entre dezembro de 2021 e Março de 2022 – o prejuízo da autora seria de € 17.369,28 (dezassete mil, trezentos e sessenta e nove euros) considerando toda a sua facturação desse ano (relatório pericial constante do anexo pericial)

46. A ré com data de 19 de Maio de 2022 instaurou contra a autora um procedimento cautelar especial, nos termos previstos pelo artigo 396º, n.º 3 do C.P.C., que correu seus termos sob o n.º 1315/22.2..., Juízo Local Cível de ... J1, tendo alegado, como fundamentos, o seguinte:

“1. A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras coisas, à comercialização de móveis e outros elementos decorativos (conforme documento n.º 1, que aqui se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

2. No exercício dessa atividade, foi contactada pela Requerida, que pretendia adquirir diversas peças de mobiliário (que se detalharão infra).

3. Assim, a Requerente apresentou à Requerida as diversas opções que dispunha e o orçamento para as peças por este escolhidas.

4. Proposta esta que foi aceite pela Requerida, a 4 de março de 2021, conforme documento n.º 2, que aqui se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

5. Assim, com esta aceitação pela Requerida da proposta de venda apresentada pela Requerente, tem-se por celebrado um contrato de compra e venda entre ambas – vide. doc. n.º 2, já junto.

6. Contrato esse em que a Requerente, enquanto vendedora, transmitiu a propriedade sobre determinados bens à Requerida, obrigando-se igualmente a entregar-lhe os mesmos – como, de facto, o fez –, obrigando-se esta, por sua vez, a pagar o preço acordado.

7. Tais bens, comprados e vendidos, são os que melhor se discriminam sob as Fatura n.º 5/288, 5/566 e 5/593 (documento n.º 3, 4 e 5, que aqui se juntam e dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais),

(…)

9. Tudo num total € 78.172,72 (setenta e oito mil, cento e setenta e dois euros e setenta e dois cêntimos).

10. Conforme acordado entre Requerente e Requerida, os bens em causa, já referidos, deviam ser pagos da seguinte forma (conforme documento n.º 6, que aqui se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais): a. 25% no ato da aceitação da proposta; b. 25% antes da data de entrega; e c. Os restantes 50% na data de entrega. Sucede que,

11. Daquele valor, a Requerida apenas pagou à Requerente os seguintes montantes: € 26.684,85 (vinte e seis mil, seiscentos e oitenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos) e € 26.268,85 (vinte seis mil, duzentos e sessenta e oito euros e oitenta e cinco cêntimos), respetivamente em 16/03/2021 e 15/07/2021 (conforme documento n.º 7, que aqui se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e documento n.º 3, já junto)

12. Ficando por isso em dívida o valor de € 25.219,02 (vinte e cinco mil duzentos e dezanove euros e dois cêntimos).

13. Valor esse que devia ter sido pago na data de entrega, ou seja 28/01/2022,

14. mas que a Requerida não pagou até à presente data!

15. Não obstante ter sido várias vezes interpelada para o efeito! Ora,

16. Conforme resulta do número 3 do artigo 396º do Código de Processo Civil “o credor pode obter, sem necessidade de provar o justo receio de perda da garantia patrimonial, o arresto do bem que foi transmitido mediante negócio jurídico quando estiver em dívida, no todo ou em parte, o preço da respetiva aquisição”.

17. Requisitos esses que se encontram todos reunidos in casu! NESTES TERMOS E NOS DE MAIS DE DIREITO, REQUER-SE A V. EXA. QUE, PARA SEGURANÇA E GARANTIA DO CRÉDITO DE € 25.219,02 (vinte e cinco mil duzentos e dezanove euros e dois cêntimos), DECRETE O ARRESTO DOS BENS VENDIDOS À REQUERIDA (melhor descritos nos documentos n.º 3, 4 e 5) sitos no local da sua sede (…)

47. Juntou as facturas identificadas no requerimento inicial e que constam de fls. 142 verso-143; 144-144 verso e fls. 145 verso destes autos, do anexo documental; o email de 9 de Fevereiro de 2022 enviado à autora – fls. 147 – e os comprovativos dos dois pagamentos de 25% - pela autora - fls. 143 e 148;

48. A R. apresentou como testemunhas para sustentar as suas alegações a Sra. BB (directora de projectos) e o Sr. JJ (encarregado de armazém);

49. Por decisão proferida no dia 31 de Maio de 2022 foi decretado o arresto nos termos requeridos pela requerente (fls. 149 a 152 verso);

50. A decisão proferida deu como indiciados os seguintes factos:

“1). A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras coisas, à comercialização de móveis e outros elementos decorativos e cuja sede foi recentemente mudada para a Avenida ..., conforme documento n.º 1, que aqui se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

2). No exercício dessa atividade, foi contactada pela Requerida, que pretendia adquirir diversas peças de mobiliário.

3). A Requerente apresentou à Requerida as diversas opções que dispunha e o orçamento para as peças escolhidas.

4). Proposta esta que foi aceite pela Requerida, a 4 de março de 2021, conforme documento n.º 2, que aqui se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

5). Com esta aceitação pela Requerida da proposta de venda apresentada pela Requerente, as partes deram por celebrado um contrato de compra e venda entre ambas, conforme resulta do teor do doc. n.º 2 junto e cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.

6). Tais bens, comprados e vendidos, são os que melhor se discriminam sob as Faturas n.º 5/288, 5/566 e 5/593, tudo num total € 78.172,72 (setenta e oito mil, cento e setenta e dois euros e setenta e dois cêntimos), conforme os documentos n.º 3, 4 e 5, que aqui se juntam e dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.

7). Conforme acordado entre Requerente e Requerida, os bens em causa, já referidos, deviam ser pagos da seguinte forma:

a). 25% no ato da aceitação da proposta;

b). 25% antes da data de entrega;

e

c). Os restantes 50% na data de entrega, conforme documento n.º 6, que aqui se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

8). Daquele valor, a Requerida apenas pagou à Requerente os seguintes montantes: € 26.684,85 (vinte e seis mil, seiscentos e oitenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos) e € 26.268,85 (vinte seis mil, duzentos e sessenta e oito euros e oitenta e cinco cêntimos), respetivamente em 16/03/2021 e 15/07/2021, conforme documento n.º 7, que aqui se junta e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, e documento n.º 3 igualmente junto) e cujo teor se dá aqui por reproduzido.

9). Ficando por isso em dívida o valor de € 25.219,02 (vinte e cinco mil duzentos e dezanove euros e dois cêntimos).

10). Valor esse que devia ter sido pago na data de entrega, em 28/01/2022.

11). Por várias vezes, a requerida foi interpelada para proceder ao pagamento da quantia referida em 9).”

51. Na motivação o tribunal fez constar que a sua convicção se formou com base em:

“Da conjugação à luz das regras da experiência comum e dos juízos de normalidade de toda a prova documental anexada ao requerimento inicial, com a demais prova produzida, na diligência de inquirição foram favoravelmente valorados os depoimentos das testemunhas inquiridas, nomeadamente, de BB que, (…) Esclareceu que a questão em apreço está relacionada com a execução do primeiro projecto comercial elaborado para a requerida (…),e que, na sequência da abordagem desta empresa, conceberam e orçamentaram um projecto de decoração em que forneceram a totalidade do mobiliário e alguns segmentos têxteis dos 6 apartamentos destinados a alojamento – quartos, cozinhas, bar e recepção do empreendimento. De forma fundamentada e esclarecida afirmou que elaborou um orçamento, em finais do ano de 2020, no valor total de € 77.500,00, acrescido de IVA que foi apresentado e adjudicado no início de Março de 2021 (…).

Foi assertiva quando referiu que na formalização da encomenda a requerida pediu para desdobrar a facturação entre duas empresas (…) A entrega do mobiliário iniciou-se em Novembro de 2021 e ficou concluída em 28 de Janeiro de 2022. Confirmou que, em inícios de Fevereiro, teve conhecimento que o pagamento da parte do cliente dependia do recebimento de um outro projecto, confirmando que, nessa data, faltava pagar a quantia de €25.219,00. Admitiu terem sido feitas diligências para cobrar esse valor, nomeadamente, e-mails, etc. Por sua vez, a testemunha JJ, (…) Foi lógico e seguro na identificação do objecto da presente providência como sendo um fornecimento com diversas entregas ocorridas entre os meses de Novembro a Janeiro de 2022 e que acompanhou duas dessas entregas precisamente no passado mês de Janeiro, até ..., especificando ter montado os quartos e instalado os electrodomésticos das cozinhas. Precisou que todas as peças foram entregues antes do final do mês de Janeiro de 2022, justificando que sempre que faz uma carga verifica as respectivas facturas. (…).”;

52. Na data da diligência 17/06/2022, pelas 10H00, quando o alojamento local da A. se encontrava em laboração, com pelo menos dois hóspedes e com funcionários da A., compareceu o Sr. AE, o legal representante da ré, respectivo mandatário, acompanhada pela força policial, dois elementos da GNR fardados e a carrinha para carregamento dos móveis a arrestar, com o propósito de cumprir a decisão de arresto.

53. Os funcionários, inclusive a funcionária que estava de serviço aquando da diligencia que recebeu o Agente de Execução tinham sido contratados pouco tempo antes da abertura;

54. A mesma ficou surpreendida quando confrontada com o facto de lhe ser transmitido pelo Agente de Execução que estava no local por ordem do tribunal para retirar os bens fornecidos pela R. à A. por dívida desta;

55. Nem o gerente da A., nem o Sr. AA estavam no local;

56. Porque para a A. o não pagamento não se tratava de uma questão de falta de dinheiro, mas compensar os prejuízos sofridos pelo incumprimento da R., propôs à R. na diligência representada pelo seu mandatário fazer um depósito no valor por ela reclamado com previsão de juros e custas em conta desta que ficaria não como pagamento, mas como montante arrestado para garantia e discutiriam na acção principal os respectivos créditos, o que não foi aceite;

57. Se os bens fossem removidos o estabelecimento da A. de alojamento local tinha de encerrar ao público e seriam colocados em causa os postos de trabalho.

58. Perante o iminente arresto dos bens que compunham o seu alojamento local, a A. sentiu-se forçada a pagar;

59. A diligência afectou a imagem da autora no meio, estando o local situado em pleno coração da ...;

60. A A. é uma empresa respeitada por clientes, fornecedores e funcionários;

61. A Abertura do estabelecimento de alojamento local no centro da vila foi altamente divulgado e objecto de atenção, discussão e conversa entre os habitantes (noticias do jornal local de fls. 153 a 156);

62. Na inauguração, ocorrida poucos dias antes do arresto, estiveram presentes os representantes das instituições públicas e privadas locais, nomeadamente o Presidente da Câmara Municipal e o Presidente do Turismo do Centro de Portugal (fls. 153 a 156);

63. A inauguração foi divulgada nos meios de comunicação locais e regionais, nomeadamente no “Jornal ...”, “Noticias ...”, “Rádio ...”, “Rádio ...”, “Jornal de...”, “Noticias ...”. (fls. 153 a 156);

64. A diligência de arresto, pese embora não tenha sido concretizada, foi comentada no meio, sendo uma Vila pequena, onde as noticias facilmente se espalham;

65. Aquando da diligência do arresto estava apenas um dos quartos ocupado.”

II. 3. Do Direito

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da Recorrente/Autora/DIFFERENTODYSSEY, UNIPESSOAL, LDA. não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil, artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código Processo Civil.

II. 3.1. O acórdão recorrido padece de nulidade dada a obscuridade e consequente ininteligibilidade quanto à fundamentação da declaração de nulidade da sentença de 1ª Instância, respeitante à decisão da matéria de facto não provada, sendo incoerente na análise e declaração da respetiva nulidade; outrossim, padece de nulidade quando declara a nulidade da sentença de 1ª Instância, por alegada ininteligibilidade da matéria de facto não provada, sem remeter a decisão para este Tribunal de 1ª Instância a fim de proceder ao suprimento da referida nulidade, nem suprindo ele próprio a alegada ininteligibilidade, fixando tal matéria de facto não provada?

O direito adjetivo civil enuncia, imperativamente, no n.º 1 do art.º 615º, aplicável ex vi artºs. 666º e 679º, todos do Código de Processo Civil, as causas de nulidade do acórdão.

Os vícios da nulidade do acórdão correspondem aos casos de irregularidades que põem em causa a sua autenticidade (falta de assinatura do juiz), ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou ocorra alguma ambiguidade, permitindo duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

Como já antecipamos, e no que ao caso em apreço interessa, os vícios da nulidade do acórdão correspondem, aos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, encerrando obscuridade quanto à fundamentação da declaração de nulidade da sentença de 1ª Instância, quanto à decisão sobre os factos não provados, deixando, outrossim, de remeter a decisão para a 1ª Instância a fim de proceder ao suprimento da reconhecida nulidade, uma vez que o Tribunal recorrido, como sustenta a recorrente, tampouco supriu a alegada ininteligibilidade.

Vejamos as razões atinentes às arrogadas nulidades do acórdão.

A invocada nulidade do aresto, sustentada na ininteligibilidade do discurso decisório, quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na decisão tomada (obscuridade), está sustentada, salvo o devido respeito por opinião contrária, de modo que não justifica a reclamada ininteligibilidade do discurso decisório, antes parecendo reconduzir, ao cabo e ao resto, a um entendimento jurídico diverso daqueloutro assumido pelo Tribunal a quo, o que, não deixando de ser legitimo discordar do enquadramento jurídico perfilhado na decisão, de tal sorte que lhe é assistido o direito de recurso, cremos que andará longe da qualquer sustentação de nulidade do acórdão, porquanto a consignada fundamentação permite saber, com certeza, qual o pensamento exposto no acórdão recorrido.

Quanto a esta particular questão da arguida nulidade do acórdão recorrido, foi consignado, com utilidade, pelo Tribunal a quo:

“(…) impõe-se avançar para a análise do outro argumento de que a recorrente lançou mão para sustentar que a sentença é nula (desta vez, segundo o alegado, nos termos das alíneas c) e d) do mesmo preceito legal): a eventual obscuridade de fundamentação da sentença no que respeita aos factos que foram dados como não provados. (sublinhado nosso)

(…) decorre do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código do Processo Civil, que a sentença é nula não só quando não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, como também quando os seus fundamentos estão em oposição com a decisão ou quando ocorre alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível (…).

No caso sub judice, a recorrente não invocou a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, mas, sim, que o tribunal a quo enunciou na sentença de forma obscura os factos que julgou não provados, tornando, nessa parte, ininteligível a decisão.

Vista a sentença, constata-se que a enunciação dos factos julgados não provados foi feita através de uma fórmula que, após um intróito em que é dito “[p]ara além dos factos que estão em directa contradição com a factualidade provada”, acrescenta [n]ão se provaram e com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos”, seguindo-se a referência dos artigos da petição inicial e da contestação cujos factos não foram dados como provados.

A referência aos factos ínsitos nos articulados das partes, porém, foi efectuada de formas diversas:

- através de uma mera remissão para os artigos da petição inicial e da contestação que foram julgados não provados;

- através da transcrição parcial do teor dos artigos em causa;

- através da indicação, em discurso indirecto, da parte do artigo que foi julgada não provada;

- através da indicação da parte do artigo, ou dos artigos, que foi julgada provada.

Conforme se acaba de evidenciar, o tribunal a quo, para fixar a matéria de facto não provada, não procedeu à transcrição completa e logicamente ordenada dos factos que não considerou demonstrados, antes tendo utilizado uma técnica bem mais complexa, recorrendo a fórmulas que, inegavelmente, são de bastante difícil leitura.

Será que, por isso, se deve considerar que a sentença recorrida, no que diz respeito à indicação dos factos não provados, padece de uma obscuridade ou falta de clareza não compatível com as exigências legais (e constitucionais) de fundamentação dos actos decisórios que, face ao disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código do Processo Civil, deve determinar a sua nulidade?

O nosso Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 26-02-2019, expressou já o entendimento de que a formulação duma sentença em que se diz “Foram considerados como factos não provados: todos os demais alegados que contrariam ou excedem os acima expostos [os 28 indicados como provados], nomeadamente os alegados em 6° a 11°, 58° a 77° da petição de embargos”, é complexa, obscura e não permite “[a] imediata e exigível compreensão e apreensão dos factos que a sentença considerou não provados, pois implica uma indagação analítica e especiosa sobre quais são os factos não provados”. Tal aconteceu, justamente, por se considerar que “[u]ma deficiente ou obscura alusão aos factos provados ou não provados pode comprometer o direito ao recurso da matéria de facto e, nessa perspectiva, contender com o acesso à Justiça e à tutela efectiva, consagrada como direito fundamental no art. 20º da Constituição da República Portuguesa”, mais sendo referido, no mencionado acórdão, que “[a]s decisões que, no contexto adjectivo, relevam decisivamente para a decisão justa da questão de mérito, devem ser fundamentadas de modo claro e indubitável, pois só assim ficam salvaguardados os direitos das partes, mormente, em sede de recurso da matéria de facto, quando admissível, habilitando ao cumprimento dos ónus impostos ao recorrente impugnante da matéria de facto, mormente, quanto à concreta indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados e os concretos meios de prova, nos termos das als. a) e b) do nº1 do art. 640º do Código de Processo Civil”.

Não obstante a importância das decisões do Supremo Tribunal de Justiça em casos com algumas similaridades, não se pode nunca prescindir da observação cuidada de cada situação concreta objecto de julgamento, pois as suas particularidades podem determinar soluções não exactamente iguais às adoptadas em casos parecidos. (sublinhado nosso)

É inequívoco que o dever de fundamentação dos actos decisórios postula que, ao nível da sentença, sejam indicados com clareza, não só os factos provados, como como também os não provados, e, ainda, que seja descrito o processo lógico-racional que conduziu à formação da convicção do julgador relativamente a esses factos.

Contudo, as ambiguidades ou obscuridades de fundamentação que possam ocorrer só integrarão a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c) do Código do Processo Civil se essas imperfeições tornarem a decisão absolutamente incompreensível, ou gerarem dúvidas ou incertezas relevantes que impeçam a boa compreensão daquilo que foi decidido.

Por isso, somos da opinião, por exemplo, de que a referência numa sentença aos factos não provados por mera remissão para os articulados, sem os transcrever, não fere automaticamente a sentença de nulidade, pois, independentemente das dificuldades que daí podem advir para a delimitação dos factos que o julgador considerou não provados (principalmente quando os articulados misturam factos concretos com considerações conclusivas e razões de direito), a nulidade só surgirá se a forma como a indicação foi feita não permitir a determinação da matéria de facto constante dos articulados que foi julgada não provada. A necessidade de fundamentação decorre de ditames constitucionais de acesso à Justiça e de tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses dos cidadãos, pelo que o critério último para se apurar se uma sentença está realmente ferida de nulidade, por obscuridade da fundamentação, terá que basear-se na circunstância de a mesma apresentar opacidades que afectam a compreensibilidade do acervo fáctico ou jurídico que suporta a decisão e coarctam a possibilidade de esta ser sindicada, nomeadamente em sede de recurso.

Se, não obstante alguma falta de clareza e precisão, for possível apreender com um mínimo de segurança quais os factos que o julgador considerou provados e não provados (bem como quais as razões jurídicas acolhidas), não estamos perante um vício da sentença gerador da nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º do CPC, mas antes perante uma patologia que pode determinar a aplicabilidade da solução estabelecida no artigo 662º, nº 2, d) do Código do Processo Civil.

Na sentença recorrida, a formulação utilizada para indicar os factos não provados permite perceber, nalguns casos, qual foi a realidade que o tribunal a quo considerou não demonstrados, como acontece quando a indicação foi feita por remissão para os articulados ou quando foi transcrito o teor das partes dos artigos julgados não provados, bem como quando foi mencionada, em discurso indirecto, a parte de um artigo (29.º da PI) que foi julgada não provada.

A apreensão dos factos em causa não é imediata e exige algum esforço, mas, não obstante isso, pode ser feita sem gerar dúvidas quanto ao real sentido da declaração do julgador.

Algo de diferente se passa, no entanto, não só quando o tribunal a quo refere que não se provaram “os factos que estão em directa contradição com a factualidade provada” sem jamais esclarecer quais são esses factos, como também quando o mesmo, em vez de – como se impunha – indicar qual a realidade afirmada em determinados artigos da petição inicial e da contestação que considerou não provada, menciona o que é que, de entre o que aí consta, julgou provado.

A falta de clareza da indicação dos factos não provados é, nestas situações, manifesta. (sublinhado nosso)

É verdade que, ainda assim, poder-se-ia ensaiar um esforço interpretativo para a contrario se surpreender qual foi a realidade julgada não provada. Isso implicaria, porém, o desenvolvimento pelos destinatários da sentença (partes, tribunais de recurso e cidadãos em geral) de inferências e raciocínios dedutivos destinados a captar algo que, por exigência constitucional, lhes devia ter sido transmitido de forma certa e segura e nunca de forma equívoca ou susceptível de gerar dúvidas.

O dever de fundamentação das sentenças judiciais reclama, entre o mais, precisão e clareza ao nível da indicação dos factos provados e não provados, única forma de garantir a sindicabilidade das respectivas decisões.

No caso sub judice este dever não se mostra devidamente cumprido, pois o tribunal a quo, para enunciar muitos dos factos que julgou não provados, recorreu a fórmulas que não permitem a apreensão, isenta de incertezas, do leque completo dos factos alegados pelas partes nos articulados que, revestindo-se de relevância para a decisão da causa, não considerou provados.

Dessa forma, ficou irremediavelmente afectada a inteligibilidade da decisão sobre a matéria de facto e, concomitantemente, comprometido o direito das partes ao recurso e, nessa perspectiva, foi colocado em causa o direito de acesso dos cidadãos à Justiça e à tutela jurisdicional efectiva dos seus legítimos interesses.

Pelo exposto, impõe-se reconhecer que a sentença recorrida, pela gravidade das deficiências que se verificam ao nível da sua fundamentação, padece, efectivamente, da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c) do Código do Processo Civil, o que deve ser declarado.

De todo o modo, face ao disposto no artigo 665.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, deve este tribunal de recurso prosseguir com a apreciação das demais questões suscitadas com vista ao conhecimento do objecto da apelação.” (sublinhado nosso)”.

Isto dito, acentuamos, que a argumentação aduzida na revista interposta, reclamando a arguida nulidade, encerra mais uma divergência quanto à subsunção jurídica consignada no acórdão recorrido, que não passa, necessariamente, por uma qualquer explicação plasmada no acórdão que não seja possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na decisão (obscuridade), ademais, sublinha-se, o Tribunal recorrido deu cumprimento à norma adjetiva civil que demanda que a Relação conheça do objeto da apelação, conquanto tenha reconhecido que a sentença recorrida é ininteligível no que a parte da decisão sobre a matéria de facto não provada respeita (art.º 665º do Código do Processo Civil), substituindo-se, pois, ao Tribunal apelado.

Tudo visto, concluímos que o acórdão recorrido não se encontra eivado de qualquer nulidade, nomeadamente, por ininteligibilidade no que respeita à decisão sobre a matéria de facto não provada, não sofrendo quaisquer reservas a afirmação de que a fundamentação do acórdão recorrido é congruente, concreta, limitada e inequívoca, tão pouco se compreende que se possa reclamar que a declarada nulidade pelo Tribunal recorrido devesse ser suprida pela 1º Instância, pois, se assim fosse, estar-se-ia a desvirtuar o aludido preceito adjetivo civil - art.º 655º do Código do Processo Civil - daí que não se verifica quaisquer vícios que determine a nulidade do acórdão recorrido.

II. 3.2. O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao julgar improcedente a ação, absolvendo a Ré do pedido, impondo-se a revogação dessa decisão, uma vez que resulta dos factos adquiridos processualmente a existência de um prazo que a demandada incumpriu para prestação contratual a que se vinculou, perante a demandante, ficando constituída na obrigação de reparar os danos decorrentes deste atraso verificado na abertura do estabelecimento de alojamento local da demandante; outrossim, importa sentenciamento diverso do Tribunal recorrido no que respeita ao procedimento cautelar de arresto instaurado pela aqui demandada contra a ora demandante, uma vez que foi abusiva a sua utilização, causando danos à imagem desta com relevância indemnizatória que importa atribuir?

Cotejado o acórdão recorrido, anotamos que o Tribunal recorrido, perante a facticidade demonstrada nos autos, concluiu, no segmento decisório, e para o que aqui interessa, atento o thema decidendum da presente revista, revogar a decisão proferida em 1ª Instância, absolvendo a Ré, WOODSPACE – DESIGN E ARQUITECTURA D’INTERIORES, LDA., do pedido que foi deduzido contra si, pela Autora, DIFFERENTODYSSEY, UNIPESSOAL, LDA..

O aresto escrutinado ao problematizar as questões a apreciar, sopesando as conclusões formuladas pela Apelante/Ré/WOODSPACE – DESIGN E ARQUITECTURA D’INTERIORES, LDA., no confronto com a sentença recorrida e com a pretensão jurídica formulada e respetivos fundamentos, condensou as questões trazidas ao conhecimento do Tribunal da Relação, enunciando, a propósito, que as questões a resolver e que se mimetizam nesta revista, são as seguintes: “(i) averiguar, com base na pretendida alteração da matéria de facto ou independentemente dela, se a Ré deve ser absolvida de pagar à Autora, total ou parcialmente, os quantitativos monetários em que foi condenada, o que implica que se apure se a Ré cumpriu ou não, no tempo devido, a prestação contratual a que se vinculou perante a Autora, e se, face a isso, a mesma ficou ou não constituída na obrigação de reparar os danos decorrentes do atraso verificado na abertura do estabelecimento de alojamento local da Autora; ademais, se a Ré utilizou de forma abusiva o procedimento cautelar de arresto que moveu contra a Autora, e, dessa forma, causou danos à imagem da Autora, com relevância indemnizatória; outrossim na afirmativa, se a indemnização atribuída à Autora, para ressarcir os danos que sofreu devido à abertura tardia do estabelecimento e à afetação da sua imagem por força do procedimento cautelar que foi movido contra si, são ajustados.”

O Tribunal recorrido apreendeu a real conflitualidade subjacente à demanda trazida a Juízo, tendo proferido aresto, fazendo apelo a um enquadramento jurídico-normativo posto em crise com a interposição da presente revista que, de resto, adiantamos desde já, sufragamos.

A exegese seguida na decisão recorrida, considerou que estamos perante um contrato de empreitada, celebrado entre demandante e demandada, qualificação jurídica reconhecida pelos litigantes, que não a questionam nesta revista, não sendo, aliás, a qualificação jurídica do contrato ajuizado a questão decisiva para a resolução do litígio, pois, o dissenso fundamental incide sobre as regras dos contratos em geral atinentes ao cumprimento das obrigações e aos pressupostos da mora do devedor, daí que a Autora/DIFFERENTODYSSEY, UNIPESSOAL, LDA., problematiza, apenas e só, como já adiantamos, saber se, com base na facticidade adquirida processualmente, deve ser a Ré condenada a pagar à Autora, os quantitativos monetários em que foi condenada em 1ª Instância, importando, assim, apurar se resultou provado se a Ré, no tempo devido, prestou, ou não, a obrigação contratual a que se vinculou perante a Autora, ficando, na sua demonstração, constituída na obrigação de reparar os danos decorrentes do atraso verificado na abertura do estabelecimento de alojamento local da Autora, outrossim, saber se resulta apurado nos autos se a Ré utilizou, de forma abusiva, o procedimento cautelar de arresto que moveu contra a Autora, e, dessa forma, causou danos à imagem da Autora, com relevância indemnizatória.

A este propósito, respigamos, com utilidade, do acórdão recorrido:

(…) conforme enunciado aquando da delimitação do objecto do recurso, a primeira questão que se coloca é a de saber se a R. cumpriu ou não no tempo devido a prestação contratual a que se vinculou perante a A. e se, face a isso, a mesma ficou ou não constituída na obrigação de reparar os danos decorrentes do atraso verificado na abertura do estabelecimento de alojamento local da A.

Emerge da factualidade provada que A. e R. celebraram entre si um acordo através do qual a R. se comprometeu a fornecer e a instalar num estabelecimento de alojamento local pertencente à Autora móveis produzidos à medida, encastrando-os e colocando no local todos os demais móveis e elementos necessários para a execução do projecto de decoração definido para o estabelecimento em causa, ficando a A., por sua vez vinculada a pagar à Ré o preço acordado de 77.500,00 €uros.

(…)

Apesar de a classificação do contrato não ser, neste caso, uma questão decisiva para a resolução do litígio (pois o dissenso fundamental incide sobre regras dos contratos em geral atinentes ao cumprimento das obrigações e aos pressupostos da mora do devedor), não podemos deixar de dizer que, face aos contornos das obrigações assumidas pelas partes – designadamente pela R. que se comprometeu a colocar e a encastrar num determinado estabelecimento todo o mobiliário produzido à medida e demais elementos necessários para a execução do projecto de decoração elaborado para o local –, afigura-se que o acordo celebrado configura um contrato típico de empreitada, definido no artigo 1207.º do Código Civil como o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.

(…)

Assim, ao contrato que foi celebrado entre as partes aplicam-se não só as regras especiais definidas para o contrato de empreitada nos artigos 1207.º e seguintes do Código Civil, como também as normas gerais relativas aos contratos e às obrigações com elas compatíveis.

Decorre justamente dos princípios gerais dos contratos que as obrigações devem ser cumpridas pontualmente (cf. artigos 762.º e seguintes do Código Civil), ou seja, nos exactos termos em que as mesmas foram configuradas, o que, entre o mais, implica que as prestações sejam realizadas no lugar, da forma e no tempo estipulado.

Caso o devedor não preste a respectiva prestação no prazo devido, o mesmo, a menos que prove que a falta de cumprimento não procede de culpa sua, fica obrigado a reparar os danos causados ao credor (cf. artigos 798.º, 799.º e 804.º do Código Civil).

Assim, no caso sub judice, como não existe qualquer polémica quanto ao facto de a R. ter cumprido já a obrigação contratual que assumiu de fornecer e aplicar mobiliário no estabelecimento de alojamento local da A., nem quanto ao facto de esta, por sua vez, ter procedido ao pagamento do preço devido, a questão essencial reside em saber se a R. prestou ou não a respectiva prestação dentro do prazo a que estava obrigada.

Corolário do princípio da autonomia privada – que, na nossa ordem jurídica, recolhe tutela constitucional por força dos valores fundamentais da autodeterminação e da liberdade pessoal – rege no âmbito do Direito das Obrigações o princípio da liberdade contratual, genericamente consagrado no artigo 405.º do Código Civil, nos termos do qual, dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de modelar livremente o conteúdo dos contratos que celebram.

Por isso, o prazo dentro do qual as obrigações devem ser cumpridas, a menos que haja uma disposição especial da lei, será aquele que haja sido acordado entre as partes contratantes. Somente na falta de estipulação ou de previsão legal específica é que o prazo poderá ser determinado, consoante os casos, ou pelo credor ou pelo tribunal.

(…)

No caso dos autos, o tribunal a quo entendeu que a R. violou a relação contratual, já que, depois de indicar um prazo para realizar a sua prestação (“semana 24”) no orçamento que apresentou e que foi aceite em Março de 2021, verificou-se, por razões diversas, um alargamento do prazo que a A., apesar de sucessivas insistências, foi aceitando, mas que, em 6 de Outubro de 2021 deixou de tolerar, procedendo então à interpelação da R. para cumprir a sua obrigação até ao final desse mês.

A R., no entanto, apenas entrou em obra em Novembro e terminou a sua prestação em finais de Janeiro de 2022, incorrendo assim, na óptica do tribunal a quo, num atraso/mora que causou prejuízos à A. (por ter ficado impossibilitada de, a partir de Novembro de 2021, abrir ao público um estabelecimento de alojamento local), dos quais deve ser ressarcida pela R.

Desde já se diga que, face aos factos que foram dados como provados, não se acompanha o raciocínio jurídico expresso na sentença recorrida.

Com efeito, analisada cuidadosamente a factualidade provada, não se detecta na mesma que alguma vez as partes tenham estipulado, por acordo, qualquer prazo certo para a execução dos trabalhos que foram adjudicados à R..

É verdade que a A. aceitou o orçamento datado de 4-03-2021 que a R. lhe apresentou por email e no qual constava como “data de início: “a partir do dia 15 do mês de Março”” e como “data prevista para a entrega: semana 24”.

Todavia, constatando-se também que logo no dia seguinte, a A., na mesma comunicação em que declarou que aceitava a proposta da R., transmitiu a esta que “na semana seguinte seria marcada uma reunião para estabelecer todas as questões de prazos e formas de facturação”, afigura-se evidente que não se pode ter como assente que A. e R., no que concerne ao prazo para a execução dos trabalhos adjudicados, concluíram um acordo no sentido de que a R. iniciaria a obra em 15-03-2021 e terminá-la-ia 24 semanas depois.

Não só não se pode surpreender no email de 4-03-2021 a vinculação da R. a um termo inicial certo (pois o texto apenas refere “a partir do dia 15”), nem a um termo final certo (consta expressamente no texto que “semana 24” mais não é do que uma “data prevista”); como também, face aos termos como a A. respondeu à R. – relegando para posterior reunião a definição de “todas as questões de prazos” –, não resulta das duas declarações negociais emitidas pelas partes que estas tenham firmado um acordo definitivo quanto às datas do início e da finalização dos trabalhos a cargo da R..

Quanto aos desenvolvimentos negociais posteriores, não se detecta também nos factos provados qualquer elemento do qual resulte que, entre Março e Outubro, A. e R. tenham acordado uma qualquer data para que os trabalhos fossem iniciados, nem qualquer prazo certo para a realização dos mesmos.

Durante esse intervalo de tempo surgiram diversas questões que motivaram variadas diligências e contactos entre as partes, mas nenhum facto existe que nos permita afirmar que A. e R. tivessem determinado por acordo qual o prazo para o cumprimento da prestação devida pela R..

Desta forma, resta saber se a A., quando, em 6 de Outubro de 2021, interpelou a R. para realizar a obra que lhe havia sido adjudicada até ao final desse mês, dispunha do direito de exigir o cumprimento da obrigação dentro desse prazo e se, por isso, a R., a partir do momento em que não realizou a prestação até à data limite que lhe foi fixada, ficou constituída em mora.

A resposta a esta interrogação é, claramente, negativa, pois, conforme atrás foi referido, quando o prazo para o cumprimento da obrigação não se encontra determinado por força da lei ou por estipulação das partes (como acontecia in casu), o credor só tem o direito de exigir o cumprimento se não se estiver perante uma das obrigações a que se refere o n.º 2 do artigo 777.º do Código Civil (obrigações de prazo natural, circunstancial ou usual).

No caso dos autos, a natureza da obrigação a cargo da ré (fornecimento e colocação num estabelecimento de alojamento local de mobiliário de encastrar e prestação dos demais serviços necessários para a execução do projecto de decoração definido para o local) não se mostra compatível com a sua imediata exigibilidade, já que, para que seja cumprida, é necessário que o devedor disponha de um determinado prazo.

Assim, porque não se estava perante obrigação pura, mas antes diante de uma prestação cuja realização postula o estabelecimento de um prazo, esse prazo, nos termos do disposto no artigo 777.º, n.º 2, do Código Civil só podia ser fixado por acordo das partes ou pelo tribunal, mas nunca unilateralmente.”

(…) Cumpre apreciar agora a questão de saber se a R. utilizou ou não de forma abusiva o procedimento cautelar de arresto que moveu contra a A. e, dessa forma, causou danos à imagem da A. com relevância indemnizatória.

Resulta do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa que todos os cidadãos têm o direito fundamental de acederem aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente legítimos e de obterem, através de procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, a tutela efectiva dos seus direitos, liberdades e garantias que sejam ameaçados ou violados.

Em conformidade com este princípio constitucional, o artigo 2.º, n.º 2 do Código do Processo Civil reconhece expressamente o direito de acção, estatuindo que “[a] todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção”.

Como acontece em relação ao exercício de todos os demais direitos, também o direito de acção pode ser utilizado de forma ilegítima, o que acontece, segundo a norma geral do artigo 334.º do Código Civil, “[q]uando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Caso a conduta abusiva do agente cause danos a terceiros, opera o princípio geral da responsabilidade civil, nos termos do qual “[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação” (cf. artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil).

O sancionamento do abuso do direito de acção mostra-se ainda reforçado no âmbito dos procedimentos cautelares, pois, devido ao maior risco de neste tipo de processos serem decretadas medidas cautelares com base em circunstancialismos fácticos inverídicos, resulta do disposto nos artigos 374.º, n.º 1, e 376.º, n.º 1, do Código do Processo Civil que os requerentes de providências que sejam consideradas injustificadas (ou que venham a caducar por facto imputável ao requerente) respondem pelos danos culposamente causados ao requerido, bastando para isso que não tenha agido com a prudência normal.

No caso dos autos apurou-se que, em Maio de 2022, a ora R. intentou contra a ora A. um procedimento cautelar de arresto especial com dispensa do justo receio de perda da garantia patrimonial, regulado pelo artigo 396.º, n.º 3, do Código do Processo Civil, no âmbito do qual o tribunal, após ouvir as testemunhas arroladas e analisar a prova documental, deu como provada a essencialidade da factualidade alegada pela requerente (ora R.) e decretou o arresto peticionado.

Mais se apurou que, durante a subsequente diligência destinada à efectivação do arresto, a ora A., para evitar a apreensão dos bens que compunham o seu alojamento local, sentiu-se forçada a pagar os valores que a R. reclamava (e que estava a reter para compensar os prejuízos que considerava ter sofrido por causa do incumprimento da R.), o que, ainda assim, não evitou que o sucedido tivesse afectado “a imagem da autora”, pois a diligência de arresto, pese embora não tenha sido concretizada, foi comentada num meio como a vila de ..., onde as noticias facilmente se espalham no meio.

Face a esta factualidade, e mais atendendo ao teor daquilo que foi alegado pela ora R. no requerimento de arresto que apresentou (constante do ponto 46.º dos Factos Provados) e ao teor daquilo que ficou a constar na decisão judicial que decretou o arresto quanto aos depoimentos que formaram a convicção do tribunal (constante do ponto 51.º dos Factos Provados), o tribunal a quo considerou dispor de base factual bastante para concluir que, no referido procedimento cautelar, “a ré omitiu factos, alterou factos e as testemunhas faltaram à verdade”, assim abusando do respectivo direito de acção e que, por isso, a R. devia ser condenada a indemnizar a ora A. pelos ‘danos de imagem’ que esta sofreu.

Mais uma vez, não podemos concordar com o raciocínio jurídico efectuado pelo tribunal a quo, pois, analisada a matéria de facto que se encontra dada como provada nos presentes autos, não vislumbramos fundamento para que se conclua que a ora R., quando moveu o procedimento cautelar de arresto, tenha feito um uso abusivo do respectivo direito de acção, omitindo e alterando factos e arrolando testemunhas que hajam falseado a verdade.

Com efeito, desde logo em relação à conduta das testemunhas arroladas no procedimento cautelar – para além de, em bom rigor, nenhum facto haver nos presentes autos que nos diga o que é que as testemunhas disseram (pois só consta nos factos provados o que é que consta na motivação da decisão cautelar sobre aquilo que as testemunhas ouvidas teriam transmitido ao tribunal) –, surge evidente que nenhum elemento de facto existe que estabeleça a ligação entre eventuais mentiras ou omissões das testemunhas e condutas concretas da R., pois, a menos que se prove que esta instruiu ou influenciou aquelas para subverterem a verdade, nenhuma responsabilidade pode ser assacada à R. por aquilo que haja sido afirmado em juízo pelas testemunhas que foram inquiridas nos autos de procedimento cautelar.

Em termos mais amplos, quanto às invocadas omissões e alterações de factos perpetradas pela ora R., também nenhum facto se detecta na factualidade dada como provada que nos diga quais foram, afinal, as realidades que a R. omitiu nos autos de procedimento cautelar ou quais foram as realidades não correspondentes à verdade que a R. aí alegou.

O juízo que levou o tribunal a quo a afirmar que a R. subverteu a verdade mais não se tratou do que uma conclusão retirada do facto de no âmbito do procedimento cautelar terem sido dados como provados factos diferentes daqueles que, quanto ao litígio existente entre a A. e a R., foram dados como provados no âmbito dos presentes autos.

Todavia, no julgamento de todo e qualquer caso judicial interferem múltiplos factores que podem influenciar as decisões proferidas, o que pode levar a que estas, mesmo quando versem sobre a mesma realidade fáctica, não sejam coincidentes.

As vicissitudes processuais variam de acção para acção e cada processo tem as suas próprias contingências probatórias.

Também a interpretação dos factos (tanto por parte de quem os viveu ou testemunhou, como por parte do tribunal) e o enquadramento jurídico destes não são operações lineares.

Tudo isso pode levar a que sejam proferidas diferentes decisões sobre a mesma factualidade e acolhidos diferentes entendimentos jurídicos sobre os mesmos litígios.

A circunstância de numa acção judicial vingar uma verdade diferente daquela que vingou noutra não constitui, por isso, um factor que, por si só, autorize a que se conclua que quem defendeu numa dessas acções a verdade que na outra não foi considerada provada tenha incorrido numa conduta censurável e ilegítima, porque contrária à boa-fé.

Como dizia ALBERTO DOS REIS, “[a] incerteza da lei, a dificuldade em apurar os factos e os interpretar, podem levar as consciências honestas a afirmar um direito que não possuem e a impugnar uma obrigação que devem cumprir”.

Em suma, a má-fé de uma das partes, a sua culpa in agendo, tem que resultar de factos concretos dados como provados na acção em que se afirma que alguém utilizou de forma ilegítima o seu direito de acção.

Tal não acontece nos presentes autos.

Nenhum facto há que nos diga que a ora R., no procedimento cautelar que interpôs, tenha subvertido a verdade ou omitido factos relevantes de forma a criar no tribunal, com dolo ou por negligência, a convicção errada que o levou a ordenar o arresto.

Nem se partilha até do entendimento de que, no caso sub judice, A. e R. celebraram um contrato típico de compra e venda de bens, pois entende-se, sim, que foi celebrado um contrato de empreitada (nos termos do qual o fornecimento dos bens necessários para a realização da obra ficou a cargo do empreiteiro), visão que, caso tivesse sido acolhida pelo tribunal que apreciou o procedimento cautelar, constituiria motivo para que não fosse decretado o arresto especial previsto no n.º 3 do artigo 396.º do Código do Processo Civil.

Contudo, a posição que a R. defendeu e que, na sequência da sua alegação, foi acolhida pelo tribunal (no sentido de que mais não se verificou do que uma simples venda de bens seguida da entrega dos mesmos no local onde a adquirente estava a preparar a abertura de um estabelecimento de alojamento local) não se mostra irrazoável ou manifestamente insustentável.

O abuso do direito de acção pressupõe muito mais do que a defesa em juízo de uma determinada posição quanto aos contornos fáctico-jurídicos de um litígio que, depois, não vem a ser acolhida pelo tribunal. Pressupõe a má-fé, e esta tem que ser revelada por factos concretos que a caracterizem.”

Como já adiantamos, a decisão recorrida, considerou que estamos perante um contrato de empreitada, celebrado entre demandante e demandada, qualificação jurídica reconhecida pelos litigantes que não se questiona nesta revista, não sendo, aliás, a qualificação jurídica do contrato ajuizado a questão decisiva para a resolução do litígio, pois, o dissenso fundamental incide sobre regras dos contratos em geral atinentes ao cumprimento das obrigações e aos pressupostos da mora do devedor.

O contrato de empreitada, é um contrato bilateral ou sinalagmático, do qual resultam prestações correspetivas para cada uma das partes, cabendo ao empreiteiro a obrigação de realizar a obra, e recaindo sobre o dono da obra, a obrigação do pagamento do preço - art.º 1207º do Código Civil - .

É o que acontece no caso, atuando a Autora/DIFFERENTODYSSEY, UNIPESSOAL, LDA. como dono da obra, e como empreiteiro a Ré/Ré/WOODSPACE – DESIGN E ARQUITECTURA D’INTERIORES, LDA..

Ao contrato que foi celebrado entre as partes aplicam-se não só as regras especiais definidas para o contrato de empreitada nos artºs 1207º e seguintes do Código Civil, como também as normas gerais relativas aos contratos e às obrigações com elas compatíveis.

Assim, importa sublinhar que nos termos das normas gerais relativas aos contratos e às obrigações, os contraentes são inteiramente livres, tanto para contratar ou não contratar, como para fixar o conteúdo das relações contratuais que estabeleçam, desde que não haja lei imperativa, sustentada em normativos éticos e sociais, ou mesmo na segurança do comércio jurídico, ditame de ordem pública ou bons costumes que se oponham.

A regra é, pois, a liberdade de fixação do conteúdo contratual com o alcance de que as partes são livres na configuração interna dos contratos que realizam - art.º 405º do Código Civil - sendo que acima de quaisquer elementos objetivos, o elemento fundamental a considerar é sempre constituído pela vontade das partes.

Quanto aos efeitos obrigacionais, que ao caso interessa, importa saber se resulta adquirido processualmente se a Ré/WOODSPACE – DESIGN E ARQUITECTURA D’INTERIORES, LDA., no tempo devido, prestou, ou não, a obrigação contratual a que se vinculou perante a Autora/DIFFERENTODYSSEY, UNIPESSOAL, LDA., ficando, na sua demonstração, constituída na obrigação de reparar os danos decorrentes no reconhecimento do atraso verificado na abertura do estabelecimento de alojamento local da Autora.

Tendo a Autora/DIFFERENTODYSSEY, UNIPESSOAL, LDA. e Ré/WOODSPACE – DESIGN E ARQUITECTURA D’INTERIORES, LDA. celebrado o contrato ajuizado, vincularam-se a cumpri-lo ponto por ponto, devendo as obrigações assumidas ser realizadas de acordo com o estipulado, conforme prescreve o disposto no art.º 762º do Código Civil, nomeadamente, para o que à economia destes autos interessa, que as prestações sejam realizadas no tempo estipulado.

Quando - como foi o caso - o contrato não tenha uma execução instantânea, destinando-se, antes, a prolongar-se no tempo, assiste às partes, como princípio, a faculdade de regular livremente o tempo de vigência do respetivo regulamento contratual.

O princípio básico, é o de que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação, se torna responsável pelos prejuízos ocasionados ao credor, quer se trate de não cumprimento definitivo, quer de simples mora ou de cumprimento defeituoso - artºs. 798º, 799º, 801º e 804º todos do Código Civil - .

A lei estabelece neste tipo de responsabilidade uma presunção de culpa do devedor, portanto, sobre ele recai o ónus da prova, sendo a culpa apreciada segundo os critérios aplicáveis à responsabilidade civil extracontratual, ou seja, em abstrato e não em concreto - art.º 799º, nºs. l, e 2 do Código Civil - .

Assim, no caso trazido a Juízo, o prazo dentro do qual as obrigações devem ser cumpridas, uma vez que não se distingue disposição especial da lei, será aquele que haja sido acordado entre as partes contratantes.

Ora, conforme já adiantamos, acompanhamos o enquadramento jurídico-normativo vertido no acórdão recorrido, ao reconhecer como indemonstrado nos autos que alguma vez as partes tenham estipulado, por acordo, qualquer prazo certo para a execução dos trabalhos que foram adjudicados à Ré/WOODSPACE – DESIGN E ARQUITECTURA D’INTERIORES, LDA.

Na verdade, conquanto a Autora/DIFFERENTODYSSEY, UNIPESSOAL, LDA. tenha aceitado o orçamento, datado de 4 de março de 2021 que a Ré lhe apresentou por email, e no qual constava como “data de início: “a partir do dia 15 do mês de Março”” e como “data prevista para a entrega: semana 24”, também resultou adquirido processualmente que logo no mesmo dia, a Autora/DIFFERENTODYSSEY, UNIPESSOAL, LDA., na mesma comunicação em que declarou que aceitava a proposta da Ré/WOODSPACE – DESIGN E ARQUITECTURA D’INTERIORES, LDA., transmitiu a esta que “na semana seguinte seria marcada uma reunião para estabelecer todas as questões de prazos e formas de facturação”, (item 14. 15. e 16, dos Factos Provados) donde, como afirmado pelo Tribunal a quo, não se pode ter como assente que a Autora/DIFFERENTODYSSEY, UNIPESSOAL, LDA. e Ré/WOODSPACE – DESIGN E ARQUITECTURA D’INTERIORES, LDA., tivessem acordado quanto ao prazo para a execução dos trabalhos adjudicados.

Importa, pois, interpretar as demonstradas e consignadas declarações negociais, em conjugação com a restante facticidade enunciada, na medida em que este acervo fáctico é essencial para o reconhecimento, ou não, da fixação do prazo certo para a execução dos trabalhos que foram adjudicados à Ré, e, nesse sentido, determinante para se saber da bondade da solução encontrada pelo Tribunal recorrido.

De acordo com o art.º 236º n.º 1 do Código Civil “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. Consagra-se a chamada “teoria da impressão do destinatário”.

A este propósito, sustenta Vaz Serra: “(…) a declaração negocial deve ser interpretada como um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário, a interpretaria, como o que se procura, num conflito entre o interesse do declarante no sentido que atribuiu a sua declaração e o interesse do declaratário no sentido que podia razoavelmente atribuir-se a esta, dar preferência a este, que se julga merecedor de maior protecção, não só porque era mais fácil ao declarante evitar uma declaração não coincidente com a sua vontade do que ao declaratário aperceber-se da vontade real do declarante, mas também porque assim se defendem melhor os interesses gerais do tráfico ou comércio jurídico. Mostra isto que a interpretação das declarações negociais não se dirige (salvo o caso no nº. 2 do artigo 236º do Código Civil) a fixar a um simples facto o sentido que o declarante quis imprimir à sua declaração, mas a fixar o sentido jurídico, normativo da declaração.” in, RLJ, ano 103º, página 287.

Por sua vez, Manuel de Andrade refere “trata-se daquele sentido com que a declaração seria interpretada por um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário efectivo. Toma-se portanto este declaratário, nas condições reais em que ele se encontrava, e finge-se depois ser ele uma pessoa razoável, isto é, medianamente instruída, diligente e sagaz, quer no tocante à pesquisa das circunstâncias atendíveis, quer relativamente ao critério a utilizar na apreciação dessas circunstâncias. Por outras palavras: parte-se do princípio de que o declaratário teve conhecimento das circunstâncias que na verdade conheceu, e ainda de todas aquelas outras que uma pessoa razoável, posta na sua situação, teria conhecido; e figura-se também que ele ajuizou dessas circunstâncias, para entender a declaração, tal como teria ajuizado uma pessoa razoável”, in, Teoria Geral da Relação Jurídica, volume 2, páginas 309/310.

Na interpretação de um declaratário normal, os termos das declarações adquiridas processualmente não poderão ter outro sentido que não aquele sufragado pela Instância recorrida ao consignar: “Não só não se pode surpreender no email de 4-03-2021 a vinculação da R. a um termo inicial certo (pois o texto apenas refere “a partir do dia 15”), nem a um termo final certo (consta expressamente no texto que “semana 24” mais não é do que uma “data prevista”); como também, face aos termos como a A. respondeu à R. – relegando para posterior reunião a definição de “todas as questões de prazos” –, não resulta das duas declarações negociais emitidas pelas partes que estas tenham firmado um acordo definitivo quanto às datas do início e da finalização dos trabalhos a cargo da R..”

Assim, quando a demandante, em 6 de Outubro de 2021, interpelou a demandada para realizar a obra que lhe havia sido adjudicada até ao final desse mês, não dispunha do direito de exigir o cumprimento da obrigação dentro desse prazo, daí impor-se concluir que a Ré, a partir do momento em que não realizou a prestação até à data limite que lhe foi fixada, não ficou constituída em mora, uma vez que o prazo para o cumprimento da obrigação, conforme acabado de discretear, não se encontrava determinado por força da lei ou por estipulação das partes.

De igual modo, também aprovamos a solução encontrado pelo Tribunal recorrido ao negar qualquer indemnização à Autora/DIFFERENTODYSSEY, UNIPESSOAL, LDA. pela alegada utilização abusiva do procedimento cautelar de arresto que a Ré/WOODSPACE – DESIGN E ARQUITECTURA D’INTERIORES, LDA. lhe havia movido, sublinhando-se o que então, com utilidade, foi acolhido no acórdão, agora sob escrutínio: “analisada a matéria de facto que se encontra dada como provada nos presentes autos, não vislumbramos fundamento para que se conclua que a ora R., quando moveu o procedimento cautelar de arresto, tenha feito um uso abusivo do respectivo direito de acção, omitindo e alterando factos e arrolando testemunhas que hajam falseado a verdade.

Com efeito, desde logo em relação à conduta das testemunhas arroladas no procedimento cautelar – para além de, em bom rigor, nenhum facto haver nos presentes autos que nos diga o que é que as testemunhas disseram (…) surge evidente que nenhum elemento de facto existe que estabeleça a ligação entre eventuais mentiras ou omissões das testemunhas e condutas concretas da R., pois, a menos que se prove que esta instruiu ou influenciou aquelas para subverterem a verdade, nenhuma responsabilidade pode ser assacada à R. por aquilo que haja sido afirmado em juízo pelas testemunhas que foram inquiridas nos autos de procedimento cautelar.

Em termos mais amplos, quanto às invocadas omissões e alterações de factos perpetradas pela ora R., também nenhum facto se detecta na factualidade dada como provada que nos diga quais foram, afinal, as realidades que a R. omitiu nos autos de procedimento cautelar ou quais foram as realidades não correspondentes à verdade que a R. aí alegou.

O juízo que levou o tribunal a quo a afirmar que a R. subverteu a verdade mais não se tratou do que uma conclusão retirada do facto de no âmbito do procedimento cautelar terem sido dados como provados factos diferentes daqueles que, quanto ao litígio existente entre a A. e a R., foram dados como provados no âmbito dos presentes autos.

Todavia, no julgamento de todo e qualquer caso judicial interferem múltiplos factores que podem influenciar as decisões proferidas, o que pode levar a que estas, mesmo quando versem sobre a mesma realidade fáctica, não sejam coincidentes.

(…) A circunstância de numa acção judicial vingar uma verdade diferente daquela que vingou noutra não constitui, por isso, um factor que, por si só, autorize a que se conclua que quem defendeu numa dessas acções a verdade que na outra não foi considerada provada tenha incorrido numa conduta censurável e ilegítima, porque contrária à boa-fé.

(…) a má-fé de uma das partes, a sua culpa in agendo, tem que resultar de factos concretos dados como provados na acção em que se afirma que alguém utilizou de forma ilegítima o seu direito de acção.

Tal não acontece nos presentes autos.

Nenhum facto há que nos diga que a ora R., no procedimento cautelar que interpôs, tenha subvertido a verdade ou omitido factos relevantes de forma a criar no tribunal, com dolo ou por negligência, a convicção errada que o levou a ordenar o arresto.”

Ao aprovarmos a sustentação vertida no acórdão recorrido, julgamos ser despiciendo tecer quaisquer outros considerandos que confirmem a decisão ora em recurso, tal a clareza do iter cognitivo do Tribunal recorrido que decidiu, reiteramos, com segurança e desenvoltura, donde, interiorizada a facticidade apurada, concluímos pela bondade da solução encontrada pelo Tribunal recorrido ao ter julgado a ação improcedente, absolvendo a Ré/WOODSPACE – DESIGN E ARQUITECTURA D’INTERIORES, LDA. do pedido.

III. DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam improcedente o recurso interposto pela Recorrente/Autora/DIFFERENTODYSSEY, UNIPESSOAL, LDA., negando-se a revista.

Custas nas Instâncias e neste Supremo Tribunal de Justiça pela Autora/DIFFERENTODYSSEY, UNIPESSOAL, LDA.

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 30 de janeiro de 2025

Oliveira Abreu (Relator)

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Rui Machado e Moura