Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | ARAÚJO BARROS | ||
Descritores: | REGISTO DA ACÇÃO REGISTO PROVISÓRIO SENTENÇA REGISTO AQUISIÇÃO DE IMÓVEL EXECUÇÃO ESPECÍFICA COMPRA E VENDA PROMITENTE-VENDEDOR TERCEIROS EFICÁCIA DO NEGÓCIO BOA-FÉ | ||
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Nº do Documento: | SJ200505050007437 | ||
Data do Acordão: | 05/05/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T J GONDOMAR | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1498/03 | ||
Data: | 06/30/2004 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
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Sumário : | 1. Cabendo registo da sentença transitada em julgado que, através da execução específica, concretiza um negócio registável (por ex. a venda de um prédio), esse registo pode ser precedido do registo provisório da acção correspondente: em tais situações, por força dos princípios registrais, a sentença que determina a execução específica prevalece sobre uma alienação, feita a terceiro, depois do registo da acção, quer essa alienação se encontre ou não registada. 2. Se, todavia, a sentença proferida não foi objecto de registo, tendo, ademais, caducado o registo provisório da acção de execução específica, tal situação faz com que os efeitos do registo cessem inteiramente. 3. No entanto, tal não evita que a sentença proferida na acção constitutiva de execução específica intentada pelo autor haja efectuado uma modificação da relação jurídica existente, operando, por força do efeito translativo do contrato de compra e venda (celebrado por suprimento da declaração negocial do faltoso) a transmissão do direito de propriedade para o promitente-comprador (art. 879º, al. a), do C.Civil). 4. Assim, não obstante não ter existido registo definitivo da sentença (e é certo que o registo predial não tem efeito constitutivo, apenas publicitando a situação jurídica do facto registado, através do que permite a terceiros actuar em conformidade com a confiança que o conteúdo do registo transmite) não deixa o autor de, substantivamente, ser o titular do direito de propriedade do prédio objecto da acção. 5. Os efeitos da sentença que operou aquela modificação jurídica substantiva estendem-se ao terceiro que adquiriu o direito do promitente-vendedor após o registo da acção, apesar de não interveniente no processo, já que essa extensão do julgado é uma consequência normal e natural da atribuição da sua legitimidade substitutiva (artigo 271º, nº 3, do C.Proc.Civil). 6. Terceiros, para efeitos de registo (art. 5º, nºs 1 e 4, do C. Registo Predial) são aqueles que, de boa fé, tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si. 7.Assim, a boa fé constitui um requisito da qualidade de terceiro, já que o artigo 5º, nºs 1 e 4, do Código de Registo Predial apenas pretendeu proteger os terceiros que, iludidos pelo facto de não constar do registo a nova titularidade, foram negociar com a pessoa que no registo continuava a aparecer como sendo o titular do direito, apesar de já o não ser. 8. Não é terceiro para efeitos de registo, por ausência de boa fé, o adquirente que sabia - ou, pelo menos não podia ignorar porquanto constava da ficha registral do imóvel o registo provisório da acção - que havia sido deduzida pelos aí autores uma petição que, a proceder, transferiria para o seu património o direito de propriedade do terreno objecto da acção. 9. E, em consequência, não pode arrogar-se a qualidade de terceiro como forma de impedir que o autor, que não registou a aquisição advinda da sentença proferida na acção de execução específica lhe oponha a realidade substantiva que é o seu direito de propriedade. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "A" intentou, no Tribunal Judicial de Gondomar, acção declarativa sob forma de processo ordinário contra B e mulher C, pedindo a condenação destes no reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio que identifica no artigo 1º da petição e na abstenção de praticarem quaisquer actos que ponham em causa tal direito, bem como que seja ordenado o cancelamento do registo da aquisição inscrita sob G4 e de quaisquer outros que eventualmente venham a ser inscritos, incompatíveis com o pleno direito de propriedade do autor. Alegou, para tanto, em síntese, que: - é dono e legítimo proprietário de um terreno rústico para construção, sito no Lugar de Vila Nova, correspondente ao lote n° 31, com 330 m2, inscrito na matriz sob art. 254º, que adveio ao seu domínio por sentença transitada em julgado, em que foram réus D e esposa E, que substituiu a declaração dos réus como vendedores, no contrato de compra e venda ali em causa, tendo por objecto o identificado prédio; - em 30/10/1997 a referida acção foi registada provisoriamente na respectiva Conservatória de Registo Predial; - posteriormente, em 24/11/1997 os aqui réus registaram a aquisição do mesmo terreno, por compra e venda, sendo tal inscrição provisória em virtude da prioridade do registo efectuado pelo autor; - por sentença de 22/05/2002, em acção movida pelos aqui réus contra o aqui autor, em que aqueles peticionavam o reconhecimento do direito de propriedade sobre o mesmo prédio, decidiu-se que a questão da propriedade do terreno em causa estava decidida definitivamente, pelo que tal acção ficava destituída de fundamento; - o autor, contudo, vê-se impossibilitado de obter registo definitivo da sua propriedade e de usufruir em pleno da mesma, em virtude de ter deixado caducar o registo provisório da primitiva acção que lhe reconheceu esse direito, sendo que nessa acção os aqui réus não eram partes, tendo-se convertido em definitivo o registo da aquisição destes. Contestaram os réus, referindo, em suma, o seguinte: - adquiriram o prédio descrito no art. 1º da petição inicial por escritura celebrada com D e mulher E, em 21/11/97, de boa fé, ignorando que sobre o imóvel houvesse qualquer litígio que pudesse ser impeditivo daquela transmissão; - em 24/11/97 apresentaram o pedido de registo de tal aquisição que foi lavrado provisório por natureza em virtude de em 30/10/97 o autor ter procedido ao registo de uma acção contra os referidos D e mulher; - o registo desta acção ficou provisório por natureza, mas caducou, enquanto o registo dos réus foi convertido em definitivo; - a decisão judicial que declarou transmitida a seu favor a propriedade do prédio em causa é muito posterior à escritura de compra e venda a favor dos aqui réus, não beneficiando o autor da prioridade do registo em virtude de ter deixado caducar o registo da acção; - a decisão ali proferida não produz efeitos em relação aos aqui réus, e a acção intentada pelos aqui réus contra o aqui autor também não constitui qualquer direito uma vez que o autor não reconvencionou nessa acção o reconhecimento do direito de propriedade contra os aqui réus; - o registo de aquisição dos réus é anterior ao registo da presente acção, pelo que os réus são terceiros para efeitos de registo predial - cfr. art. 5°, n° 4, do CRP (Acs. STJ n°s 3/99 e 15/97); - desde que adquiriram o prédio, os réus agiram como seus verdadeiros proprietários, praticando actos normais dessa qualidade, à vista e com o conhecimento de todos, inclusive do autor, na convicção de não lesarem quaisquer direitos de terceiros, nomeadamente do autor; - o pedido do autor de cancelamento do registo predial a favor dos réus pressupõe a nulidade da escritura de compra e venda celebrada pelos réus com o anterior proprietário do prédio uma vez que, se a propriedade do prédio foi decidida na acção judicial a que se fez referência, então aquela venda teria sido venda de bens alheios, logo nula. Findos os articulados, foi proferido despacho saneador/sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido. Inconformado interpôs o autor recurso de apelação, directamente para o STJ nos termos do art. 725º, nº 1, do C.Proc.Civil, pugnando pela revogação da decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que julgue procedentes os pedidos formulados na petição inicial. Em contra-alegações defenderam os recorridos a bondade do julgado. 3. Acção que foi registada em 30/10/1997, cujo registo caducou em 01/03/2002. 4. Em 24/11/1997 os réus celebraram uma escritura de compra e venda da parcela, cujo registo ficou provisório, transformado em definitivo na data em que caducou o registo do autor. 5. Por sentença transitada em julgado em 22/05/2002, foi julgado improcedente o pedido de reconhecimento da propriedade dos aqui réus, por se entender que a questão da propriedade estava definitivamente decidida como pertença do autor e mulher. 6. O registo é meramente declarativo, apenas conferindo ao titular do direito inscrito uma presunção de que o direito existe e lhe pertence - art. 7º do C. Registo Predial - presunção esta ilidível mediante prova de que a titularidade inscrita não corresponde à verdade, facto que ficou provado pela decisão transitada em julgado. 7. Se o registo não é constitutivo, e se a primeira acção não é oponível aos aqui réus, só poderá passar a sê-lo com a presente acção em que se pedia o reconhecimento da propriedade. 8. A conclusão tirada pela sentença recorrida incorre em contradição insanável com os factos dados como provados e com a subsunção ao direito - assim, se o 1º registo caducou e o 2º registo se tornou por via desse facto definitivo, e se o registo não é constitutivo, essa definitividade resulta da mera presunção, ilidível mediante a prova substantiva da propriedade do terreno - que passa pelo reconhecimento da propriedade do autor, já reconhecida por sentença transitada em julgado, mas em que os réus não eram partes. 9. Além disso, sempre autor e réus não seriam terceiros para efeitos de registo, porque os réus não desconheciam sem culpa o registo do autor, tanto mais que este era anterior ao seu. 10. Os réus não podem ser considerados terceiros de boa-fé. 11. O tribunal recorrido não indagou factos que pudessem caracterizar uma situação de boa fé. 12. O único facto é a anterioridade do registo do autor, que conduz exactamente à conclusão contrária: os réus tinham conhecimento do registo anterior do autor, ou pelo menos, não podiam, sem culpa, ignorá-lo. 13. A isto acresce uma oposição de julgados, uma vez que a decisão transitada em 22/05/2002, já tinha como caducado o registo do autor e considerou que a questão da propriedade estava definitivamente decidida. 14. Pelos motivos expostos a sentença recorrida padece de nulidade, nos termos do art. 668º, n.º 1, als. b) e e), do CPC. 15. A sentença recorrida é ainda nula por não se ter pronunciado sobre a litigância de má fé invocada pelo autor na petição inicial - art. 668º, n.º 1, al. e), do CPC. 16. O direito de propriedade reconhecido por sentença transitada em julgado está a ser posto em causa, privando o autor do seu gozo exclusivo, nessa medida lhe causando prejuízo económico, decorrente dos custos judiciais com as várias acções e com o facto de se encontrar impossibilitado de o vender - numa senda que já vem de 1996, tendo qualquer indivíduo direito a ver os seus direitos garantidos e estabilizados num prazo razoável. 17. A interpretação da lei e da jurisprudência feita pelo tribunal a quo viola o art. 62º, nº 1, da CRP, o art. 1º do Protocolo nº 1 adicional à CEDH, de 04/11/1950 e os arts. 8º, 10º e 17º da DUDH, de 10/12/1948, como viola os arts. 5º e 7º do C. Registo Predial e o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/99 (DR. IS-A, de 10/07/99). Os factos que relevam para a decisão (a matéria de facto não foi posta em causa) são os constantes da decisão recorrida: Retomamos, antes de mais, a parte da matéria de facto atinente à situação dos autos que, em nosso entender, releva para a decisão a proferir (enunciando-a agora por ordem cronológica e de acordo com a metodologia que julgamos mais adequada). - em 20 de Junho de 1996 o aqui autor A intentou contra D e esposa E, acção de execução específica de contrato-promessa (acordo) celebrado nos autos que correram termos pela 1ª secção do 5º Juízo Cível do Porto, com o nº 3040 (acção que, mais tarde, passaria a constituir a nº 59/96 do 1º Juízo Cível de Gondomar e, depois, ainda a 389/2000 do 2º Juízo Cível de Gondomar) peticionando que fosse proferida sentença que, além do mais, produza os efeitos que a escritura de compra e venda prometida visava prosseguir e que permita ao autor adquirir o aludido prédio (parcela de terreno, destinada a construção urbana, constituindo o lote nº 31, com a área de 330 m2, sita no Lugar de Vila Nova, S. Cosme, Gondomar, inscrito na matriz sob art. 254º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob parte do nº 3060, a fls. 65 do Livro B-20); Impõe-se iniciar a análise do recurso pela questão atinente ao registo provisório da acção de execução específica promovido pelo autor em 30 de Outubro de 1997 e das suas consequências relativamente à alienação e respectiva aquisição (por compra e venda) do terreno prometido vender. Como se sabe, tal registo, "feito nos termos do art. 53º do C. Registo Predial, é provisório por natureza (art. 92º, nº 1, al. a) do C. Registo Predial) e mantém-se em vigor pelo prazo de três anos, renovável por período de igual duração, a pedido do interessado, mediante documento que comprove a subsistência da razão da provisoriedade (art. 92º, nº 3, do C. Registo Predial). Ou seja: o normal prazo de seis meses de vigência do registo provisório, fixado no nº 3 do artigo 11º do Código do Registo Predial é nas acções substituído pelo prazo de três anos, em atenção à duração e morosidade do processo. Por sua vez, logo que transitada em julgado, a decisão final da acção está igualmente sujeita a registo (art. 3º, nº 1, al. c) do Código do Registo Predial), sendo este feito por averbamento à inscrição (da acção) nos termos do artigo 101º, nº 2, al. b), do Código do Registo Predial. Deste modo, pela conversão do registo provisório (da acção) em registo definitivo (da sentença) este conserva a prioridade que tinha como registo provisório da acção (art. 6º, nº 3, do Código do Registo Predial) assim se acautelando o periculum in mora do processo. Por isso, para efeitos de aplicação da regra da prioridade do registo estatuída no art. 6º do Código do Registo Predial, a data que conta é a do registo da acção: o registo favorável ao promitente-comprador prevalece sobre o registo da aquisição de terceiro ao promitente-vendedor feito depois do registo da acção".(1) Como claramente resulta dos autos, a alienação pelos promitentes vendedores do objecto do contrato-promessa ao réu B ocorreu por escritura pública outorgada em 21/11/97, portanto em data posterior à do registo provisório da acção. Daí que não faça sentido chamar à colação o Ac. Uniformizador do STJ nº 4/98 de 5 de Novembro (2) porquanto a questão aí debatida apenas se reporta à oponibilidade do registo da acção de execução específica relativamente a quem adquiriu o imóvel prometido vender ainda antes do registo da acção, sem que, todavia, haja registado a respectiva aquisição antes do registo da acção. Sendo certo que o direito do promitente-comprador à celebração do contrato prometido se reveste de simples natureza obrigacional (creditícia) nem o contrato-promessa (salvo se lhe for atribuída eficácia real) nem o mero direito potestativo de execução específica são susceptíveis de registo. "Mas já cabe registo da sentença transitada em julgado que, através da execução específica, concretiza um negócio registável (por ex. a venda de um prédio). E esse registo pode ser precedido do registo provisório da acção correspondente. Em tais situações, por força dos princípios registrais, a sentença que determina a execução específica prevalece sobre uma alienação, feita a terceiro, depois do registo da acção, quer essa alienação se encontre ou não registada". (3) Desta forma, a alienação pelo promitente-vendedor e a aquisição pelo réu do terreno objecto do contrato-promessa depois do registo da acção de execução específica, não constituindo uma disposição de coisa alheia por parte do primeiro (a coisa não deixou de lhe pertencer só por virtude do contrato-promessa) é ineficaz perante o promitente-comprador no caso de procedência da acção, isto é, relativamente a ele o negócio não produz quaisquer efeitos. "O propósito legislativo é bem claro: facultar à decisão final a produção de efeitos contra terceiros - terceiros no sentido do art. 5º do C. Registo Predial - desde o primeiro momento - o momento do registo da acção - e não apenas do registo definitivo (da sentença). Destarte, se é certo que o promitente-comprador adquire a propriedade da coisa (só) com a sentença constitutiva, de eficácia ex nunc, certo é igualmente que a oponibilidade a terceiros (art. 5º do C. Registo Predial) da mesma sentença - facto sujeito a registo - opera desde a data do registo da acção. E assim, a anterioridade do registo da acção de execução específica torna inoponíveis ao autor registos ulteriores de aquisições (entretanto) realizadas".(4) Mas a verdade é que, embora julgada procedente a acção, a sentença proferida não foi objecto de registo, tendo, ademais, caducado o registo provisório da acção de execução específica, situação que verificada, fez com que os efeitos do registo tivessem cessado inteiramente.(5) Todavia, tal não evita que a sentença proferida na acção constitutiva de execução específica intentada pelo autor haja efectuado uma modificação da relação jurídica existente, operando, por força do efeito translativo do contrato de compra e venda (celebrado por suprimento da declaração negocial do faltoso) a transmissão do direito de propriedade para aquele (art. 879º, al. a), do C.Civil). De facto, "o efeito do registo da acção é apenas o de fazer retroagir os efeitos da sentença à data do registo, que se manifesta em termos puramente processuais, sem bulir com a validade nem com a ineficácia dos direitos substantivos a ele sujeitos". Donde, "a sua caducidade (art. 92º, nº 3, do C. Registo Predial) não produz quaisquer efeitos na relações em litígio entre as partes". (6) Apesar da manutenção do direito de propriedade que lhe foi atribuído pela sentença proferida na acção de execução específica, poderá colocar-se a questão da inoponibilidade (em termos substantivos e registrais) desse direito aos réus, que conseguiram, depois de caducado o registo provisório da acção, registar a aquisição do prédio com base no contrato de compra e venda entretanto celebrado com os réus naquela acção (D e E). Sucede, porém, que tal contrato de compra e venda (celebrado na pendência da acção de execução específica e depois do respectivo registo dessa acção) conduziu, pura e simplesmente, à substituição dos réus pelo então adquirente, B que, assim, se lhes substituiu na titularidade do direito objecto do litígio, uma vez que a eficácia da transmissão do direito de propriedade entre as partes não depende do registo (art. 4º do C. Registo Predial). Dispõe o art. 271º do C.Proc.Civil Deste modo, "a extensão dos efeitos da sentença ao adquirente não interveniente no processo - com a exequibilidade da sentença contra ele (art. 57º do C.Proc.Civil) - não passa de consequência normal e natural da atribuição dessa legitimidade substitutiva. (...) Como tal, não é propriamente o registo da acção que estende a eficácia do caso julgado ao adquirente - essa extensão decorre da substituição processual, em que o substituído continua parte no processo, nele figurando em nome próprio, apesar de o sujeito da relação material passar a ser o substituto a quem por isso mesmo, se referem os efeitos civis da sentença como se ele mesmo fosse também sujeito da relação processual". (8) Consequentemente, e como resultado da extensão do julgado ao aqui réu, ficou este também convencido (e quanto a ele reconhecido) de que a sentença proferida na acção de execução específica operara uma modificação na ordem jurídica de forma a considerar a propriedade do prédio por si adquirido (in medio tempore) transferida para o autor daquela acção. É, aliás, este o verdadeiro sentido da parte da sentença proferida na acção de declaração do direito de propriedade intentada pelos ora réus B e C contra o aqui autor A e G (acção nº 465/99 do 1º Juízo Cível de Gondomar) onde se diz que "decidida definitivamente a questão da propriedade do terreno em causa (transmitida para os aqui réus por força da decisão proferida nos autos n° 59/96 do 1° Juízo do Tribunal de Círculo de Gondomar) destituída de fundamento fica a presente acção". E isto porque, na realidade, o réu obteve a conversão em definitivo do registo da aquisição do terreno em causa antes que o autor tivesse registado a sentença exarada na acção de execução específica (e numa altura em que o próprio registo da acção já havia caducado). Sendo até que, nessa medida, terá passado a gozar da presunção da titularidade desse direito, nos termos do art. 7º do mesmo diploma. Doutro passo, a aquisição anterior pelo autor (através da sentença proferida na acção de execução específica) não lhe seria oponível por força do disposto no art. 5º, nº 1, do C. Registo Predial que prescreve que "os factos sujeitos a registo só produzem efeitos em relação a terceiros depois da data do respectivo registo". Há, no entanto, que atentar em que o registo predial se destina essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário" (art. 1º do C. Registo Predial) e que, atento também o preceituado no art. 4º do mesmo diploma, tem valor meramente declarativo, não conferindo, salvo excepcionalmente, quaisquer direitos. (9) Por isso, do nº 1 do citado art. 5º se pode extrair, a contrario, a ilação de que o direito de propriedade, ou outro direito real, ainda que sujeito obrigatoriamente ao registo, não será inoponível - em termos de prevalência ou prioridade - a quem não seja terceiro. Ora, o conceito de terceiros, após larga divergência jurisprudencial acerca do assunto, (10) veio a ser definido pelo Dec.lei nº 533/99, de 11 de Dezembro, que acrescentou ao art. 5º do C. Registo Predial um nº 4, onde se fez constar que "terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si". Esclareceu, aliás, o legislador, no preâmbulo daquele Dec.lei nº 533/99 que "se aproveita tomando partido pela clássica definição de Manuel de Andrade, para inserir no artigo 5º do Código do Registo Predial o que deve entender-se por terceiros, para efeitos de registo, pondo-se cobro a divergências jurisprudenciais geradoras de insegurança sobre a titularidade dos bens". Donde, a redacção dada àquele nº 4 não pode deixar de se ter como interpretativa para os efeitos do nº 1 do art. 13º do C.Civil, como tal se integrando na lei interpretada (11) Optou, nesta altura, o legislador inequivocamente pela formulação do Ac. Uniformizador de Jurisprudência nº 3/99, de 18/05/99, em cujos termos "terceiros, para efeitos do artigo 5º do Código de Registo Predial, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa". E se é verdade que, naturalmente por se ter achado desnecessário, na redacção dada ao nº 4 do art. 5º do C. Registo Predial pelo Dec.lei nº 533/99, se omitiu a referência à boa fé como requisito da qualidade de terceiro, essa boa fé não pode deixar de ser exigida já que expressamente constava do segmento uniformizador daquele Ac. STJ nº 3/99 e correspondia à noção defendida pelo Professor Manuel de Andrade a que o legislador declarou aderir.(12) Na verdade, o que se pretende "com a publicidade registral é informar os terceiros acerca das titularidades sobre os prédios, a fim de evitar que sejam feitas aquisições a quem não tenha legitimidade para alienar. Sendo assim, parece legítimo concluir que a letra do artigo 5º, n.º 1, apenas pretendeu proteger os terceiros que, iludidos pelo facto de não constar do registo a nova titularidade, foram negociar com a pessoa que no registo (ou fora dele) continuava a aparecer como sendo o titular do direito, apesar de já o não ser.".(13)
Ora, a má fé dos réus, no acto de aquisição do terreno, é manifesta, já que eles sabiam - ou, pelo menos não podiam ignorar porquanto constava da ficha registral do imóvel o registo provisório da acção - que havia sido deduzida pelos aí autores uma petição que, a proceder, transferiria para o seu património o direito de propriedade do terreno objecto da acção. Mais parece - não pretendemos fazer um absoluto juízo de valor - que o que os réus naquela acção de execução específica e os adquirentes do terreno pretenderam, foi inviabilizar a execução específica do contrato-promessa, permitindo aos primeiros, sem qualquer aparente contradição, darem o dito por não dito e não cumprirem o contrato-promessa celebrado. Consequentemente, não podem agora os réus arrogar-se a qualidade de terceiros como forma de impedir que o autor, que não registou a aquisição advinda da sentença proferida na acção de execução específica - que, ademais, como vimos, produz efeito de caso julgado relativamente a eles - lhes oponha a realidade substantiva que é o seu direito de propriedade. E, assim sendo, reconhecido que o autor é proprietário do terreno em causa - que adquiriu por força da função translativa do contrato de compra e venda - e constatado que, por não terem a qualidade de terceiros, os réus não podem afastar a oponibilidade daquele direito, mostra-se claramente ilidida a presunção do art. 7º do C. Registo Predial, porque o registo da aquisição pelos réus se apresenta em desconformidade com a situação juridico-material averiguada, razão por que deve ser ordenado o respectivo cancelamento. Donde, procedendo o recurso interposto, não pode manter-se a decisão recorrida. Por último, uma breve referência à pretensão dos recorrentes de condenação do recorrido como litigante de má fé - de que a sentença recorrida não conheceu, naturalmente porque não encontrou nada de censurável no comportamento dele. É óbvio que a actuação dos réus é a única que podiam ter adoptado perante a sua própria interpretação dos factos e do direito. E agir em conformidade com a opinião, exclusivamente de direito (note-se que o recurso per saltum interposto revela claramente que não ocorrem divergências factuais) que se defende é um direito que assiste a todo o cidadão, que não pode ser censurado e sancionado apenas porque o seu entendimento não colhe. Pensar e decidir doutra forma seria restringir ilegitimamente o direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado constitucionalmente (art. 20º da Constituição). Assim, porque a pretensão dos recorrentes não tem qualquer consistência, não se qualifica de má fé a litigância dos recorridos. Termos em que se decide: c) - condenar os recorridos nas custas do recurso. (7) Almeida Costa, in RLJ Ano 127º, pag. 216. |