Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1895/14.6TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: INSTITUTO PÚBLICO
ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO
SUBSÍDIO DE ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO
Data do Acordão: 09/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / PRESTAÇÃO DO TRABALHO / DURAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO / ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO / RETRIBUIÇÃO POR ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO.
DIREITO ADMINISTRATIVO - INSTITUTOS PÚBLICOS.
Legislação Nacional:
D.L. N.º 133/98, DE 15 DE MAIO: - ARTIGOS 1.º, N.ºS 1, 3 E 5, 4.º, 7.º, 12.º, 21.º, N.º1, 22.º, 23.º, N.ºS1 E 3.
D.L. N.º 323/89, DE 26 DE SETEMBRO, DIPLOMA QUE CONSAGRAVA O ESTATUTO DO PESSOAL DIRIGENTE DOS SERVIÇOS E ORGANISMOS DA ADMINISTRAÇÃO CENTRAL, LOCAL E REGIONAL DO ESTADO.
DESPACHO CONJUNTO N.º 38/2000, PUBLICADO NO DR Nº 11, II SÉRIE, DE 14 DE JANEIRO DE 2000.
LEI 2/2004, DE 15 DE JANEIRO: - ARTIGOS 1.º, N.ºS 1 E 2, 13.º, 16.º, 19.º, N.º1, 38.º.
LEI N.º 49/99, DE 22 DE JUNHO: - ARTIGOS 1.º, N.º 1, 18.º, N.º1, 22.º, 24.º, N.º1, 40.º, AL. A).
LEI N.º 59/2008, DE 11 DE SETEMBRO: - ARTIGO 209.º.
REGIME JURÍDICO DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, APROVADO PELA LEI N.º 35/2014, DE 20 DE JUNHO.
REGULAMENTO EMANADO DA SECRETARIA DE ESTADO DOS TRANSPORTES, PUBLICADO NO DR., II SÉRIE, N.º 183, DE 9 DE AGOSTO DE 1990: - ARTIGO 2.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 14 DE JANEIRO DE 2016, PROCESSO N.º 5169/12.9TTLSB.L1.S1.
Sumário :

I. Os institutos públicos integram a administração indirecta do Estado, sendo o Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC) um instituto público sujeito à tutela governamental.

II. Constituindo a isenção de horário de trabalho o regime em regra correspondente ao exercício de funções dirigentes, a compensação correspondentemente devida já está incluída na remuneração (mais elevada) fixada para os cargos de direcção/chefia, sem que por isso seja devido qualquer suplemento remuneratório específico.

III. O suplemento remuneratório por prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho não pode deixar de ser considerado como uma despesa referente ao funcionamento dos serviços do INAC, pelo que depende de lei que a autorize, de aprovação governamental e ainda da respectiva inscrição e cabimento orçamental.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

           

1----

AA intentou uma acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra 

INAC - INSTITUTO NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL, IP, pedindo que o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 47.395,40, importância relativa ao total dos subsídios de isenção de horário de trabalho não pagos, quantia que já inclui os juros moratórios já vencidos, calculados à taxa legal, e a que devem acrescer os juros vincendos desde a data da citação até final.

Para tanto alegou o A que desempenhou no Réu, entre 26/01/2004 e 15/02/2008, funções como titular de órgão de estrutura, com a categoria de Chefe de Departamento de Licenciamento da Direcção de Pessoal Aeronáutico, cargo para que fora nomeado em comissão de serviço de três anos renováveis, por deliberação do Conselho de Administração do Réu, e em regime de isenção de horário de trabalho.

Por isso, e estando o pessoal do R sujeito ao regime do contrato individual de trabalho com as especificidades previstas nos estatutos e seus regulamentos, o exercício das funções de dirigente em regime de isenção de horário de trabalho, confere-lhe o direito a receber o respectivo subsídio, conforme previsto nos artigos 244º e seguintes do Código do Trabalho/2003 (Lei 99/2003 de 27 de Agosto).

Como a audiência de partes não derivou na sua conciliação, veio o Réu contestar, invocando que:

Foi objecto, no decurso do ano de 2011, de uma Auditoria efectuada pela Inspecção- Geral das Finanças ao sistema remuneratório e à aplicação das medidas de contenção orçamental, a qual, entre outros assuntos, se debruçou sobre a questão do pagamento do suplemento por Isenção de Horário de Trabalho aos titulares de cargos de chefia e direcção no Instituto Nacional de Aviação Civil, I.P, concluindo inexistir suporte legal para o seu pagamento.

De qualquer forma, a entender-se que é devida alguma quantia ao A. a título de isenção de horário de trabalho, essa será apenas de € 36.522,20 (considerando todo o período decorrido entre a data de início da comissão de serviço e a data de 15.04.09 em que a mesma devia ter terminado).

E quanto aos juros de mora, estão prescritos os alegadamente vencidos até 18.06.2009, ou seja, até aos cinco anos anteriores à data de propositura da presente acção pelo A.

Termina pedindo que a acção seja julgada improcedente, com a consequente absolvição do R. de todos os pedidos formulados.

E caso assim se não entenda, deverá a presente acção ser julgada parcialmente procedente, e procedente a excepção de prescrição dos juros moratórios.

           

O Autor respondeu às excepções pugnando pela sua improcedência e concluindo como na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador que remeteu para a decisão final o conhecimento da excepção da prescrição dos juros moratórios, tendo-se dispensado a selecção da matéria de facto.

           

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença cujo dispositivo é o seguinte:

“Face ao exposto, julga-se parcialmente procedente a presente acção intentada pelo Autor AA contra o Réu INAC - INSTITUTO NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL, IP e, consequentemente, decide-se:

1) Condenar o Réu a pagar ao Autor a quantia total de € 28.860,00 (vinte e oito mil oitocentos e sessenta euros), a título de retribuição especial de isenção de horário de trabalho relativamente ao período compreendido entre 26/01/2004 e 15/02/2009, acrescida os juros de mora vencidos até 31/12/2013 no valor de € 9.556,28 (nove mil quinhentos e cinquenta e seis euros e vinte oito cêntimos) e dos juros de mora vencidos e vincendos desde 01/01/2014 até ao integral e efectivo pagamento, à taxa legal de 4% ao ano ou a outra que vier a ser legalmente fixada;

2) E absolver o Réu do demais contra si peticionado pelo Autor.”

Inconformado, apelou o Réu, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado improcedente a apelação e confirmado a sentença recorrida.

 

Ainda irresignado, interpôs o R revista excepcional que foi admitida pela Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672º do CPC.

E remata o R a sua alegação, com as seguintes conclusões:

“….

9-Todo o pessoal do INAC,IP e mais concretamente o seu pessoal dirigente, ficou sujeito, a partir da sua nomeação como titular de cargo de órgão de estrutura do R. e até 01.01.2009 (data em que entra em vigor o Regime de contrato de trabalho em funções públicas) a um regime especial, enquadrado e moldado, pelos seus Estatutos e Regulamentos, pelas normas de direito público de carácter imperativo, constantes, designadamente, da Lei nº 3/2004, de 15.01. (Lei-Quadro dos Institutos Públicos, artigos 6º nºs 1 e 2, alínea a) e 34º nºs 1 e 4) da Lei nº 2/2004, de 15.01 (Estatuto do Pessoal Dirigente, cfr. artigo 1º nº 2 e artigos 13º a 17º, relativos ao exercício de funções pelo pessoal dirigente), da Lei nº 23/2004, de 22 de Junho (Regime jurídico do contrato individual de trabalho na administração pública cfr. art.º 6º) e subsidiariamente, e em tudo o que não seja afastado pelo regime estatutário, regulamentar ou de direito público imperativo vigente, pelo regime do contrato individual de trabalho, concretamente, nos casos de celebração de contrato individual de trabalho e nos casos de opção por este tipo de vínculo.

10-Os artigos 13º a 17º do Estatuto do pessoal Dirigente, aprovado pela Lei nº 2/2004, de 15.01, consagram a sujeição normativa do pessoal dirigente ao regime de isenção de horário de trabalho, sem que, por isso, lhe seja devida qualquer remuneração por trabalho prestado fora do período normal de trabalho.

11-Embora no Regulamento de horário de trabalho se estabeleça que os Dirigentes estão isentos de horário de trabalho, nem neste Regulamento, nem no Regulamento de Carreiras e Regime Retributivo do INAC, IP se prevê o pagamento do subsídio de isenção de horário.

12-Não prevendo tal Regulamento, nem o Regulamento que estabelece o regime retributivo dos funcionários do INAC, o pagamento de subsídio de isenção de horário, não pode o mesmo ser invocado como base legal da condenação do R., ou fundamentar a existência de uma “Isenção Estatutária ou Regulamentar de horário de trabalho”.

13-Não pode, assim, haver lugar, na situação vertente, à aplicação subsidiária do regime geral constante do Código do Trabalho, relativo à remuneração do Regime de Isenção de Horário, como considerou o Acórdão recorrido, dado não se estar perante uma situação não regulada e omissa  nos Estatutos do INAC, IP e por a tal se opor o regime especial de direito público a que o pessoal do INAC, IP se encontra sujeito.

14-Sendo irrelevante o facto de os Dirigentes terem celebrado contrato individual de trabalho ou mantido o seu vínculo à função pública uma vez que o regime legal aplicável não estabelece qualquer distinção entre uns e outros, continuando a ser aplicáveis aos primeiros todas as normas legais que regulamentam a Administração pública e o quadro legal próprio desta.

15-A decisão recorrida efectuou, assim, incorrecta interpretação e aplicação do disposto no DL nº 133/98, de 15 de Maio, Portaria nº 543/2007, de 30 de Abril, Despacho Conjunto nº 38/2000, de 28/10/1999, do Secretário de Estado dos Transportes e do Secretário de Estado do Orçamento, da Lei nº 3/2004, de 15.01 (Lei-Quadro dos Institutos Públicos, artigos 6º nºs 1 e 2, alínea a) e 34º nºs 1 e 4), da Lei nº 2/2004, de 15.01 (Estatuto do Pessoal Dirigente, Artigos 1º nº 2 e artigos 13º a 17º, relativos ao exercício de funções pelo pessoal dirigente) e da Lei nº 23/2004, de 22 de Junho.

16-O regime legal do C. do Trabalho, que prevê o pagamento do subsídio de isenção de horário, depende do cumprimento de requisitos legais que se não se verificam na situação em apreço, não podendo aceitar-se que os mesmos são irrelevantes (caso da não comunicação à IGT) ou se mostram ainda assim cumpridos (exigência de acordo das partes a instituir tal regime) como considerou a sentença recorrida.

17-A convicção que sempre existiu foi a de que a “isenção de Horário” a que o Regulamento de horário de trabalho se referia, apenas dispensava os Dirigentes do cumprimento de um horário de trabalho diário, nunca tendo sido reconhecido pelo INAC, nem pelos Dirigentes que tal situação lhes conferia o direito a auferir tal suplemento remuneratório, que, frisa-se, não se encontra previsto nos Estatutos, nem na Tabela Remuneratória especialmente aprovada para o pessoal do INAC, IP.

18-Não tendo a IGT competência para exercer a sua acção junto do R. nesta matéria, por se tratar de um Instituto Público, terá que se entender que o regime de isenção de horário previsto no C. do Trabalho não é aplicável a estes Dirigentes do R. pelo que o direito ao correspondente subsídio nunca se constituiu, nem nunca se poderia ter validamente constituído, ao abrigo daquele diploma.

19-O regime legal do C. do Trabalho, que prevê o pagamento do subsídio de isenção de horário, depende do cumprimento de requisitos legais que não se verificaram na situação em apreço, nem são aplicáveis aos Institutos Públicos, pelo que não podemos aceitar que o direito a este subsídio se tenha ou pudesse ter alguma vez constituído na esfera jurídica do A., nem dos demais Dirigentes do serviço, ao abrigo destas normas.

20-No que respeita ao facto de o Recorrente ter remunerado, a esse título, as trabalhadoras BB e CC, sendo certo que o fez em momento anterior à notificação pela IGF do seu Relatório Final de Auditoria e no pressuposto, erróneo, de que o podia fazer, sempre terá que se entender que não há direito à reposição da igualdade, perante uma situação de ilegalidade.

21-O princípio da paridade retributiva terá que ceder, perante a constatação da ilegalidade de tal pagamento.

22-Não pode um ato ilegal servir de precedente para que se continuem a cometer sucessivas ilegalidades, a coberto de um alegado princípio constitucional da igualdade, ou com fundamento na paridade retributiva, não existindo o direito à igualdade numa situação de ilegalidade.

23-O Acórdão recorrido violou, assim, por incorrecta interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 13º do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro, o art.º 177º do C. do Trabalho de 2003 e o n.º 2 do art.º 22º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho, bem como o disposto no art.º 13º e 59º da C. R. P..

24- Estão prescritos os juros vencidos há mais de cinco anos, conforme determina o artigo 310º do CC.”

 

Pede assim que se julgue procedente a revista, e revogando-se o acórdão recorrido, deverá o R ser absolvido do pedido de condenação no pagamento do subsídio de isenção de horário de trabalho peticionado, bem como dos correspondentes juros de mora.

Por despacho do relator foi ordenado o desentranhamento da alegação do A.

O Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da concessão da revista, argumentando inexistir o direito a retribuição especial por isenção de horário de trabalho em virtude da maior disponibilidade do trabalhador exigida pelo exercício de cargos de chefia já estar devidamente compensada pela melhoria da retribuição que lhe corresponde.

As partes não se pronunciaram sobre este parecer.  

Cumpre decidir.

2-----

Para tanto, temos de atender à seguinte matéria de facto:

1-O A desempenhou no Réu INAC - Instituto Nacional de Aviação Civil, IP entre 26/01/2004 e 15/02/2008, funções como titular de órgão de estrutura, com a categoria de Chefe de Departamento de Licenciamento da Direcção de Pessoal Aeronáutico, para que foi nomeado em comissão de serviço de três anos renováveis, por deliberação do Conselho de Administração do Réu, tomada na sessão ordinária n°2/2004 de 23/01/2004.

2) Em 26/01/2004, o Autor e o Réu subscreveram o escrito particular denominado «ACORDO RELATIVO AO EXERCÍCIO DE CARGOS EM REGIME DE COMISSÃO DE SERVIÇO», cuja cópia consta de fls. 15 e 16 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

3) Esta deliberação nomeando o Autor no referido cargo de dirigente ocorreu nos termos da alínea d) do n°2 do art. 13° dos Estatutos do Réu, anexos ao Dec.-Lei nº133/98, de 15 de Maio, e em regime de isenção de horário de trabalho em conformidade com o teor do nº3 do art. 2º do Regulamento de Horário de Trabalho da Direcção Geral da Aviação Civil aplicável ao Réu e cuja cópia consta de fls. 53 a 56 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

4) Entre 26/01/2004 e 15/02/2008, data em que cessou as aludidas funções de dirigente por lhe ter sido interrompida, unilateralmente e por conveniência de serviço, a comissão de serviço, o Autor exerceu de forma ininterrupta as funções anteriormente referidas.

5) Nos termos do contrato, a comissão de serviço anteriormente referida foi automaticamente renovada a 26 de Janeiro de 2007, e feita cessar por oficio nº334/DGR/RH/08 do Réu, o qual pagou ao Autor 14 meses do equivalente à diferença entre o vencimento que correspondia ao cargo dirigente e o da carreira de que era titular.

6) O Autor nunca esteve sujeito a horário de trabalho previamente fixado para o desenvolvimento das suas tarefas diárias.

7) O Autor trabalhava regularmente muito para além do limite máximo do respectivo período normal de trabalho diário e semanal,

8) Sem que por tal trabalho excedentário tenha alguma vez recebido qualquer importância a título de retribuição pelo trabalho suplementar.

9) Na data de 28/07/2009, o chefe de Departamento de Recursos Humanos do Réu emitiu a informação nº80/DGR/RH/2009 cuja cópia consta de fls. 27 a 30 dos autos e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual está consignado: «..Em resposta ao pedido de parecer formulado pelo INAC, a Direcção-Geral da Administração € Emprego Público (DGAEP), … veio informar que assistia à requerente, Dr.ª BB, Directora do Gabinete Jurídico, o direito à retribuição especial prevista, primeiro, no artigo 14º nº2 do Decreto-Lei nº 409/71 de 27 de Setembro, e, depois, no artigo 256°, nº2 do Código do Trabalho… presumindo que a situação de isenção de horário tenha sido legalmente constituída…. Refira-se também que as comissões de serviço dos restantes dirigentes (directores e chefes de departamento) foram constituídas ao abrigo das mesmas disposições legais… da requerente, pelo que lhes é objectivamente aplicável o mesmo regime Jurídico mencionado no parecer da DGAEP, no que diz respeito ao pagamento deste suplemento a partir desta data. A par disso, os restantes dirigentes prestam funções, nas mesmas condições de trabalho da requerente, designadamente praticam a mesma modalidade de horário de trabalho. Isto é, a ausência de horas predeterminadas para o início, pausa de descanso e termo do trabalho… não há motivos legais para a não atribuição do subsídio de isenção de horário de trabalho aos restantes dirigentes, nos termos do artigo 256.° do Código do Trabalho;… Propõe-se superiormente que o INAC, LP. proceda, a partir de Agosto 2009, ao pagamento da isenção de horário de trabalho a lodos os trabalhadores que actualmente exercem funções de dirigente intermédio (1º e 2° grau) até ao final das respectivas comissões de serviço, nos termos do disposto no artigo 256.°, nº2 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º99/2003, de 27 de Agosto, por força do parecer da DGAEP e dado que esta norma vigorava à data da constituição das comissões de serviço….».

10) Por força do referido em 9), e a título de subsídio de isenção de horário de trabalho, a 30/07/2009 o Réu deliberou pagar «a partir do vencimento do mês de Agosto, a todos os atuais dirigentes os subsídios mensais correspondentes ao valor mínimo previsto na lei a titulo de complemento remuneratório»,

11) E mais deliberou o Réu pagar os créditos laborais relativos a data anterior a 31/12/2008 por isenção do horário de trabalho, devidos à trabalhadora BB,

12) Sendo a situação do Autor em tudo idêntico ao da referida trabalhadora, uma vez que integrava àquela data o quadro de pessoal dirigente do Réu como Chefe de Departamento de Licenciamento da Direcção de Pessoal Aeronáutico, sendo comuns a todo o pessoal dirigente os pressupostos legais que presidiram à constituição das comissões de serviço e que fixaram as condições remuneratórias do pessoal titular de órgãos de estrutura.

13) Na data de 11/05/2009, a Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público emitiu o escrito particular cuja cópia de fls. 31 e 32 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

14) Na data de 09/09/2010, o Réu, através do seu Presidente, emitiu o escrito particular cuja cópia de fls. 33 a 35 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

15) Na data de 17/05/2010, o Réu, através do seu Presidente, emitiu o escrito particular cuja cópia de fls. 36 e 37 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

16) Foi reconhecido pelo Réu à dirigente CC o direito ao pagamento do subsídio de isenção de horário de trabalho, na transacção judicial celebrada no âmbito do Proc. nº1720/11.0TTLSB que correu termos pela 2ºSecção do 2° Juízo.

17) O cálculo do valor do subsídio deve ser efectuado de acordo com as orientações constantes da informação nº 155/DGR/RH2009 pelo que o subsídio de isenção de horário devido em cada mês é calculado tendo por base 22 dias úteis e processado 14 meses, incluindo subsídio de férias e de Natal, e de acordo com a fórmula indicada na citada informação [rm x 12 : (35 horas semanais x 52 semanas) x 150% x 22 dias úteis].

18) O Réu foi objecto, no decurso do ano de 2011, de uma Auditoria ao sistema remuneratório e à aplicação das medidas de contenção orçamental, pela Inspecção-Geral das Finanças, na sequência da qual foi elaborado o relatório que corresponde ao escrito particular cuja cópia consta de fls. 91 a 111 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

19) O Autor auferiu de remuneração base os seguintes valores: no ano de 2004, de Março a Dezembro, o valor mensal de € 2.259,16; no ano de 2005, em Janeiro o valor de € 2.259,16, e de Fevereiro a Dezembro, o valor mensal de € 2.308,86; no ano de 2006, de Janeiro a Março, o valor mensal de € 2.308,86, e de Abril a Dezembro, o valor mensal de € 2.343,49; no ano de 2007, em Janeiro, o valor de € 2.343,49, e de Fevereiro a Dezembro, o valor mensal de € 2.378,64; e no ano de 2008, em Janeiro e Fevereiro, o valor mensal de € 2.428,59.

3----

Para além da questão da prescrição dos juros de mora legais vencidos há mais de cinco anos, o que se discute na revista tem a ver com o direito a que o A se arroga, ao subsídio de isenção do horário de trabalho no período de 26/01/2004 a 15/02/2008, pelo exercício de funções como titular de órgão de estrutura, com a categoria de Chefe de Departamento de Licenciamento da Direcção de Pessoal Aeronáutico, para que havia sido nomeado em comissão de serviço de três anos renováveis.

As instâncias reconheceram-lhe tal direito, sendo contra tal entendimento que reage o recorrente no presente recurso.

Vejamos então se este tem razão.

 

3.1---

O R, INAC (Instituto Nacional de Aviação Civil) foi criado pelo D.L. n.º 133/98, de 15 de Maio, diploma que continha em anexo os Estatutos a que o mesmo ficava sujeito, e que simultaneamente procedeu à extinção da DGAC, conforme se colhe dos n.ºs 1 e 5 do seu artigo 1º.

Optou-se por criar o INAC com a natureza de instituto público dotado de autonomia administrativa, financeira e património próprio, sem prejuízo, contudo, da sua sujeição à tutela e superintendência do Governo, de acordo com o regime jurídico próprio dos institutos públicos.

De qualquer modo, e conforme se colhe do artigo 12º, o INAC sucedeu a todos os direitos e obrigações do Estado, de qualquer fonte e natureza, que se encontrassem directamente relacionados com a actividade e as atribuições da DGAC (n.º 3 do mencionado artigo 1.º).

E quanto ao seu pessoal, entendeu-se que o regime mais adequado era o do contrato individual de trabalho, como quadro normativo de aplicação geral, optando-se, consequentemente, por um estatuto de carreiras profissionais de natureza privatística, por se considerar ser o mais consentâneo com as elevadas qualificações técnicas e profissionais dos recursos humanos de que o Instituto careceria para a prossecução das suas atribuições e competências.

No entanto, para os funcionários que haviam transitado do quadro da extinta DGAC, o artigo 4.º permitia-lhes que optassem pela celebração de um contrato individual de trabalho com o INAC, direito a exercer, individual e definitivamente, mediante declaração escrita, no prazo de 60 dias a contar da data da publicação do despacho do ministro da tutela, previsto no artigo 7.º, cessando com essa opção o vínculo à função pública, cessação que se tornaria efectiva através de aviso publicado no Diário da República, conforme resulta dos n.ºs 2 e 3 do supramencionado artigo 4.º.

 

E para aqueles funcionários do quadro da extinta DGAC que não optassem pela celebração de um contrato individual de trabalho com o INAC, foi criado um quadro especial transitório, na Secretaria Geral do Ministério do Equipamento, Planeamento e Administração do Território, ao qual ficaram vinculados, sendo a integração neste quadro especial feita com a categoria que os funcionários possuíam na data da sua transição para o R.

Assim, e em síntese, o novo pessoal do INAC era admitido ao abrigo do regime jurídico do contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas nos Estatutos do R e seus regulamentos, conforme consagrava o n.º 1 do artigo 21.º.

No entanto, para o pessoal que tinha transitado da extinta DGAC, o artigo 22.º permitia-lhes optar pelo regime do contrato individual de trabalho. E os que não optaram pelo regime do contrato de trabalho, foram integrados num quadro especial transitório criado na Secretaria Geral do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, passando a exercer as suas funções no INAC em regime de requisição, por tempo indeterminado, conforme estabelecia o n.º 1 do artigo 23.º, consignando, expressamente, o n.º 3 deste mesmo preceito que, salvo as situações previstas nos n.ºs 4 e 5 que aqui não relevam, sem prejuízo dos direitos adquiridos na função pública quanto à relação jurídica de emprego e sua modificação, remunerações, regalias de carácter social, antiguidade e regimes de aposentação e sobrevivência (…) ficam sujeitos aos presentes Estatutos e aos regulamentos internos do INAC em tudo quanto respeita à sua situação laboral e disciplinar e ao desenvolvimento da sua carreira.

Desconhece-se qual o trajecto que o A seguiu até ser nomeado em comissão de serviço para o cargo de Chefe de Departamento de Licenciamento da Direcção de Pessoal Aeronáutico, e nomeadamente se já era funcionário do R ou se já foi admitido com o estatuto de contrato de trabalho.

De qualquer forma, e quanto ao horário de trabalho dos funcionários da DGAC, estabelecia o Regulamento emanado da Secretaria de Estado dos Transportes, publicado no DR., II Série, N.º 183, de 9 de Agosto de 1990, no n.º 1 do seu artigo 2.º, que os funcionários e agentes da Direcção-Geral da Aviação Civil, estavam, em regra, sujeitos ao regime de horário flexível; contudo, e de acordo com o n.º 3 do mesmo preceito legal, ao pessoal dirigente e de chefia, embora isento de horário de trabalho, era aplicável a obrigatoriedade de prestação mínima de 35 horas de trabalho semanal ou equivalente mensal, em conformidade aliás, com o regime estabelecido no D.L. n.º 323/89, de 26 de Setembro, diploma que consagrava o Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Central, Local e Regional do Estado.

Este D.L. n.º 323/89, foi revogado pela Lei 49/99, de 22 de Junho, que consagrou um novo estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, local e regional do Estado, bem como dos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos (artigo 1.º, n.º 1 e al. a) do artigo 40º), estabelecendo que o pessoal dirigente continua a ser provido em comissão de serviço, por um período de três anos, renovável por iguais períodos (artigo 18.º, n.º 1), devendo exercer funções em regime de exclusividade (artigo 22.º), com isenção de horário de trabalho, não lhe sendo devida, por isso, qualquer remuneração por trabalho prestado fora do horário normal (artigo 24.º, n.º 1).

Por sua vez, a Lei 49/99, foi revogada pela Lei 2/2004, de 15 de Janeiro, e que ainda vigora com as alterações decorrentes das Leis 51/2005, de 30 de Agosto; 64‑A/2008, de 31 Dezembro; 3‑B/2010, de 28 Abril, e 64/2011, de 22 de Dezembro, que procedeu à sua republicação, diploma que contém o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, local e regional do Estado, sendo o mesmo também aplicável aos institutos públicos, salvo no que respeita às matérias específicas reguladas pela respectiva lei-quadro (art. 1.º, n.ºs 1 e 2, e art. 38.º).

E continua a estabelecer que o pessoal dirigente está isento de horário de trabalho, não lhe sendo devida qualquer remuneração por trabalho prestado fora do período normal de trabalho (artigo 13.º), exercendo as suas funções em regime de exclusividade (artigo 16.º), sendo o provimento nos cargos de direcção em regime de comissão de serviço por um período de três anos, renováveis (artigo 19.º, n.º 1). 

Assim sendo, quando o A passou a exercer funções de chefia ao serviço do R, em 26/01/2004, passou a ser-lhe aplicável o regime da Lei 2/2004, de 15 de Janeiro, pelo que se tem de concluir que as funções de chefia exercidas em comissão de serviço, embora com isenção de horário de trabalho, não lhe conferem o direito a qualquer remuneração por trabalho prestado fora do horário normal.

Mas terá direito ao subsídio de isenção de horário de trabalho, conforme lhe reconheceram as instâncias?

Este Supremo Tribunal já por diversas vezes se tem pronunciado sobre a questão, tendo decidido sempre que não é devido o pagamento do subsídio de isenção de horário de trabalho aos trabalhadores do R no exercício de cargos de chefia, posição que vamos manter.

Efectivamente, os Regulamentos de carreiras e regime retributivo do INAC, que foram aprovados pelo Despacho Conjunto n.º 38/2000, publicado no DR nº 11, II série, de 14 de Janeiro de 2000, não consagravam qualquer direito especial para os trabalhadores do R auferirem este subsídio.

E tendo sido publicado em 2004, o Estatuto do Pessoal Dirigente dos Serviços e Organismos da Administração Pública, aprovado pela Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro e que é aplicável aos Institutos Públicos por força do disposto no n.º 2 do artigo 1.º do supracitado diploma, também este não veio estabelecer qualquer retribuição especial a título de isenção de horário do pessoal dirigente, como era o caso do A.

Por seu turno, a Lei n.º 59/2008 de 11 de Setembro, diploma que instituiu o regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública dispõe no seu artigo 209.º, sob a epígrafe “Isenção de horário de trabalho” que:

«1 - O trabalhador isento de horário de trabalho nas modalidades previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 140.º tem direito a um suplemento remuneratório, nos termos fixados por lei ou por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.

2 - O disposto no número anterior não se aplica a carreiras especiais e a cargos, designadamente a cargos dirigentes, bem como a chefes de equipas multidisciplinares, em que o regime de isenção de horário de trabalho constitua o regime normal de prestação do trabalho».

Embora o regime deste último diploma não seja aplicável à situação presente, pois a comissão de serviço do A terminou em Fevereiro de 2008, faz-se-lhe referência em virtude da lei consagrar expressamente que os titulares de cargos dirigentes não têm direito a qualquer suplemento remuneratório, apesar de os outros trabalhadores da Administração Pública poderem usufruir desse direito, caso gozem do estatuto de isenção de horário de trabalho.

Esta posição do legislador manteve-se no actual Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho na Administração Pública, aprovado pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, que dispõe em termos idênticos aos que vinham da lei anterior.

Ora, esta opção legislativa só se compreende em virtude da natureza das funções de chefia implicarem uma maior disponibilidade por parte do trabalhador, função que por essa razão já é melhor remunerada do que os trabalhadores não dirigentes, para compensar essa maior disponibilidade que pode ser exigida àqueles e não a estes.  

Sendo estas as razões do regime posterior à Lei n.º 59/2008 de 11 de Setembro, elas valem também para o período anterior à sua vigência, pois a circunstância de o regime legal que antes vigorava não estabelecer, expressamente, qualquer direito especial para a isenção de horário inerente às funções de chefia, resulta do legislador entender que, já sendo melhor remuneradas para compensar a maior disponibilidade que era exigida para o seu desempenho, não se justificava atribuir-lhes qualquer subsídio para este efeito, conforme resulta da posição já assumida por este Supremo Tribunal no Acórdão de 14 de Janeiro de 2016, Processo n.º 5169/12.9TTLSB.L1.S1 (Belo Morgado), de cujo sumário podemos destacar que:

“ II- Constituindo a isenção de horário de trabalho o regime em regra correspondente ao exercício de funções dirigentes, a compensação correspondentemente devida já está incluída na remuneração (mais elevada) fixada para os cargos de direcção/chefia, sem que por isso seja devido qualquer suplemento remuneratório específico”, doutrina também seguida nos acórdãos desta Secção Social de 25.3.2015, proferido no processo nº 1315/12.0TTLSB.L1.S1 (Melo Lima); de 3 de Março de 2016, no processo nº 294/13.1TTLSB.L1.S1 (Leones Dantas); e de 31 de Maio de 2016, processo nº 1039/13.1TTLSB.L1.S1 (Gonçalves Rocha).

Por outro lado, e conforme acentua o supracitado acórdão de 14 de Janeiro de 2016, uma derradeira razão aponta, determinantemente, para o não reconhecimento ao A do direito reclamado.        

Efectivamente,

“[O]s institutos públicos integram a administração indirecta do Estado, sendo o INAC um instituto público sujeito à tutela governamental.

A aprovação do respectivo regime retributivo está dependente dos Ministros da tutela e das Finanças (artigos 1.º e 2º, dos estatutos do INAC aprovados pela Lei 133/98).

Do mesmo modo, a autorização das despesas do INAC (que são todas as que forem necessárias à prossecução das suas atribuições, ao funcionamento dos seus serviços e à gestão dos bens que lhe estão confiados) depende de adequada inscrição no orçamento do INAC (art. 27.º, dos estatutos do INAC aprovados pela Lei 133/98), carecendo igualmente este orçamento de aprovação do membro do Governo da tutela (art. 41.º, n.º 1 e 2, a), da Lei n.º 3/2004).

Também o art. 22.º, do DL 155/92, de 28.07, diploma que contém as normas legais de desenvolvimento do regime de administração financeira do Estado, prevê que a autorização de despesas está sujeita aos requisitos da conformidade legal (prévia existência de lei que autorize a despesa) e da regularidade financeira (inscrição orçamental, correspondente cabimento e adequada classificação da despesa).

Reportando-nos à situação em apreço, o suplemento remuneratório em causa não pode deixar de ser considerado como uma despesa referente ao funcionamento dos serviços do INAC, despesa que sempre dependeria de lei que a autorizasse, de aprovação governamental e ainda da respectiva inscrição e cabimento orçamental, pressupostos que, no caso vertente, não se mostram verificados.” (fim de citação).

Face ao exposto, temos de concluir que procede a revista, pelo que, e sendo de revogar o acórdão recorrido, fica prejudicado o conhecimento da questão da prescrição dos juros de mora também suscitada no recurso.

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Termos em que se acorda nesta Secção Social em conceder a revista, pelo que, revogando-se o acórdão o acórdão recorrido se absolve o R do pedido.
As custas da revista e nas instâncias ficam a cargo do A.


Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 15 de Setembro de 2016

Gonçalves Rocha (Relator) 

António Leones Dantas

Ana Luísa Geraldes