Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
14/10.2YFLSB
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
VÍCIOS DA COISA
OBJECTO NEGOCIAL
ERRO
PERDA DE INTERESSE DO CREDOR
RESOLUÇÃO DE NEGÓCIO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
NEXO DE CAUSALIDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/29/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Doutrina: - Antunes Varela, Obrigações em Geral, volume II, 4ª ed., 121.
- Antunes Varela, parecer publicado no C.J. 1987-4º-30.
- Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas.
- Pereira Coelho, Obrigações – Sumário das lições 1966/67, 163.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 563.º, 799.º, N.º1, 909.º, 911.º, 913.º, 914.º, 1221.º, 1222.º, 1223.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 07/11/2006, PROCESSO N.º 06A3623; PROCESSO N.º 1700/08, DA 1.ª SECÇÃO.
Sumário :

I - Se as qualidades da coisa objecto do contrato de compra e venda foram negociadas entre as partes, fazendo parte integrante do conteúdo do contrato, nele ingressando e, uma vez realizada a prestação, se vem a averiguar que a coisa não possui as qualidades acordadas há que concluir que o devedor não efectuou a prestação acordada, tal como estava vinculado contratualmente, verificando-se uma situação de pura inadimplência, na modalidade de cumprimento imperfeito, cumprimento defeituoso ou violação contratual positiva.
II - O Código Civil não determina directamente os efeitos do cumprimento defeituoso, sendo necessário recorrer à disciplina de certos contratos nominados, como o de compra e venda ou de empreitada. Por recurso a tais regras pode inferir-se que i cumprimento defeituoso pode conferir ao credor o direito de exigir a reparação ou substituição da coisa (arts. 914.º e 1221.º), o direito a indemnização decorrente dos prejuízos sofridos (arts. 909.º e 1223.º), o direito à redução da contraprestação ou à resolução do contrato (arts. 911.º e 1222.º).
III - Se os vícios ou falta de qualidade da coisa prestada se afastam de tal modo da prestação convencionada que é o próprio programa negocial que fica colocado em crise, pela insusceptibilidade de satisfazer o interesse do credor, apreciado objectivamente, é pacífica a doutrina e jurisprudência em fazer equivaler o cumprimento defeituoso ao puro incumprimento ou mora (consoante os casos), com as consequências que lhe são próprias.
IV - Diferentemente, se a interpretação do contrato levar a concluir que certas qualidades da coisa vendida não fazem parte do conteúdo do contrato (i.e., se não foram objecto de negociação e acordo das partes, não integrando o contrato), estaremos perante um problema de erro – arts. 913.º e segs. do CC –, justificando-se, então, a acção de anulação por erro, verificados os respectivos pressupostos.
V - No caso concreto, se as qualidades ou requisitos que os expositores deveriam possuir foram negociadas entre as partes, sendo certo que a autora sabia exactamente os fins pretendidos pela ré, conhecendo, designadamente, o tipo de produto, dimensão e quantidades a expor em cada expositor, essas qualidades ingressaram no conteúdo vinculativo do contrato, pelo que tendo a autora fornecido à ré expositores sem as referidas qualidades, violou o contrato, cumprindo-o defeituosamente.
VI - Nessa perspectiva, se é manifesto – perante os factos provados – que os vícios ou deficiências dos expositores eram de tal modo graves que os tornaram imprestáveis para os fins específicos tidos em vista pela ré, regista-se uma situação de incumprimento definitivo, porquanto, apesar de a ré ter denunciado à autora os vícios dos expositores, que esta constatou, a autora não conseguiu remediá-los com as soluções que propôs, visto que as mesmas ou não resultaram ou não eram minimamente compatíveis com o acordado contratualmente. Não tendo a autora provado que esse incumprimento não resultou de culpa sua, só a ela pode ser imputado o incumprimento a título de culpa – art. 799.º, n.º 1, do CC.
VII - Consequentemente, a ré podia resolver o contrato, como de facto fez, ao devolver à autora a factura e os expositores fornecidos, alegando a sua falta de adequação aos fins a que se destinavam e fora convencionado, recusando o pagamento do preço; se não se vir em tal conduta uma declaração expressa da resolução do contrato (como parece ser prática corrente na actividade comercial), então sempre existira uma resolução tácita do contrato, tal a sua concludência.
VIII - Para além do direito de resolver o negócio que se reconheceu à ré, tem esta direito a ser indemnizada pelos prejuízos que lhe advieram do incumprimento da autora, sendo esse prejuízo correspondente ao interesse contratual negativo ou de confiança, que pretende colocar o credor na situação em que se encontraria se não tivesse celebrado o contrato.
IX - É jurisprudência assente que o nexo causal, quando na sua sequência naturalística, é insindicável pelo STJ; porém, apurado o nexo naturalístico, resta proceder à sua inserção legal, sendo que, neste plano, estamos perante matéria de direito sobre a qual o STJ pode e deve pronunciar-se, alterando, se for caso disso, a decisão da Relação.

Decisão Texto Integral: Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, AA-L... Comunicações de Marketing.S.A. intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB-G...IMPORTAÇÕES e EXPORTAÇÕES, S.A.
*
Pede a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 22.958.66€, acrescida de juros, correspondente ao preço de 100 expositores com interior em cartão, impressão em papel 4/0, com encapsulamento, no formato 89x121.80, com biadesiva, que, sob encomenda da Ré lhe forneceu e ela não pagou apesar de interpelada para o efeito.
*
Contestou a Ré.
Alegou em síntese que efectivamente não pagou o preço dos expositores, porque o material vendido não era adequado para os fins a que se destinava, tendo, por isso, prejuízos que computa em 62.285,61€ e que reclama da A., em sede reconvencional.
*
Replicou a A. reafirmando a boa qualidade dos expositores vendidos à Ré, nada lhe devendo.
*
Em sede de audiência preliminar suscitou-se a excepção da caducidade da indemnização pedida na reconvenção, excepção que foi julgada improcedente. Desse despacho agravou a A., agravo que, posteriormente, foi julgado improcedente por decisão transitada e que aqui não interessa considerar.
*
Proferiu-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.
*
Instruídos os autos realizou-se o julgamento após o que foi elaborada sentença final que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.
Julgou, porém, procedente a reconvenção, condenando a A. a pagar à Ré a indemnização de 62.285.61€.
*
Inconformado recorreu a A. e com êxito, visto que a Relação julgou a apelação procedente, condenando a Ré a pagar à A. o preço do material fornecido, absolvendo a A. do pedido reconvencional.
*
*
*
É que agora a Ré que recorre de revista para este S.T.J.
*
*
*
Conclusões
*
Apresentadas tempestivas alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões:
1. A ora Recorrida, Autora e anteriormente Apelante, instaurou acção de condenação contra a ora Recorrente, Ré e anteriormente Apelada, com vista ao pagamento de €23.186,26, referente à não liquidação da factura emitida na sequência do fornecimento de 100 expositores, que haviam sido encomendados por esta.
2. A ora Recorrente, ao apresentar a sua contestação, deduziu pedido reconvencional, referente aos prejuízos que teve de suportar, em virtude do não cumprimento do contrato por parte da Autora, os quais ascendem ao valor de € 62.285,61.
3. No âmbito do processo supra referido, o Tribunal de primeira instância julgou a acção improcedente e o pedido reconvencional deduzido pela Ré (ora Recorrente) totalmente procedente, condenando-se,"" assim,"' a "Autora " (ora " Recorrida)" a pagar" o montante peticionado.
4. Na sequência da Apelação interposta pela ora Recorrida, veio o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa julgar procedente o recurso de Apelação, condenando a ora Recorrente (ali Apelada), no pagamento da quantia peticionada pela Autora (ali Apelante) e absolvendo esta do pedido reconvencional formulado pela Ré (ali Apelada).
5. Não pode a ora Recorrida (Ré e ali Apelada) conformar-se com o sentido da decisão expressa no Acórdão de que ora se recorre, no que concerne à decisão do recurso de Apelação.
6. Em sede de recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou toda a matéria de facto julgada como provada pelo Tribunal de primeira instância.
7. Não obstante, partindo, aparentemente, das mesmas premissas de facto que o Tribunal de primeira instância e dando como boa a factualidade por este assente, conclui o Venerando Tribunal de Lisboa em sentido diametralmente oposto ao dessa decisão.
8. O Acórdão ora recorrido violou desta forma a lei substantiva aplicável ao caso sub judice, já que o sentido da sua decisão padece de erro de aplicação das normas legais invocadas e bem assim de erro na determinação das normas a aplicar (cfr. n.° 2 do artigo 721.° do Código Processo Civil (doravante "CPC")).
9. Por outro lado, é também causa de nulidade da decisão de que ora se recorre, a circunstância de existir uma clara contradição entre os fundamentos de facto em que a mesma se estriba e o sentido da decisão final proferida, o que configura fundamento acessório da presente revista (cfr. ai. c) do n.° 1 do art. 668° e n.° 2 in fine do art. 721° do CPC).
10.Ora, de acordo com os factos provados constantes dos Pontos 2, 7, 9 e 10, resulta claramente dos autos que foi celebrado um contrato entre as Partes, no âmbito do qual seriam fornecidos 100 expositores pela Recorrida à Recorrente,
11.Sendo que os referidos expositores não se revelaram adequados ao fim a que se destinavam (conforme ponto 26 dos factos provados), o que foi, desde logo, denunciado à Recorrida (conforme pontos 15 e 30 dos factos provados).
12.Por causa disso, a Recorrente recusou-se a pagar a factura, que devolveu (Ponto 5), e que, inclusivamente, restituiu os expositores que tinha na sua posse à Recorrida, que os não aceitou (Pontos 25, 43 e 44).
13.0 facto de a Recorrente ter devolvido a factura, recusando-se a pagar os expositores que não tinha utilizado e que procurou devolver à Recorrida deve pois ser considerada como uma verdadeira declaração de anulação parcial do contrato celebrado.
14.Nada mais havendo a restituir entre as partes e, obviamente, nada a pagar por parte da Recorrente.
15.É esta a prática comum no comércio, não sendo exigível em concreto às partes contratantes determinados preciosismos jurídicos que escapam ao quotidiano e à fluidez das relações comerciais.
16.Pelo que seria naturalmente inexigível à Recorrente que pagasse algo que não lhe foi fornecido em conformidade com o que se pretendia e que nem sequer fora utilizado para o efeito e durante o tempo que estava planeado (também provado, cfr. Pontos 26 e 30 da matéria assente).
17.Assim, parece vítreo ter andado mal o Tribunal a quo, ao entender, sem mais considerações, que, apesar de assistir à Recorrente o direito à anulação do contrato, ela não o exerceu.
18. Violou, pois, neste ponto lei substantiva ao lavrar em erro na aplicação da norma legal.
19.Não obstante, porque a anulabilidade é invocável a todo o tempo enquanto o negócio não estiver cumprido (cfr. n.° 2 do art. 287°, aplicável por remissão dos arts. 905° e 913° todos do CC), vem a Recorrente invocar a referida anulabilidade parcial do contrato e pedir o seu reconhecimento, judicial.
20. que faz por mera cautela de patrocínio, porquanto, conforme entendeu e bem o Tribunal da primeira. instância, a factualidade dada como provada permitia ir mais longe ao equacionar as especificidades do caso concreto, nomeadamente analisando e ponderando as características e consequências dos "defeitos" dos expositores.
21.Efectivamente, considerou o Tribunal de primeira instância que "face aos defeitos existentes nos referido expositores, podemos considerar que estamos não perante uma venda de coisas defeituosas mas antes de um verdadeiro incumprimento definitivo, por parte da autora, tal como vem definido no art. 798° C. Civil".
22.0 juízo casuístico que necessariamente o Tribunal terá de efectuar para aferir da gravidade do defeito da coisa no caso dos autos passa, nomeadamente, pela ponderação dos seguintes factos provados nos Pontos 12, 13, 16,26,27, 29 e 30.
23.A referida ponderação leva necessariamente à conclusão de que não estamos perante um simples vício ou defeito do bem em causa, mas antes perante a sua total incapacidade de satisfazer o interesse do credor - expor convenientemente os produtos.
24.De facto, estamos perante um defeito tal que não poderá ser considerado apenas cumprimento defeituoso ou simples mora do devedor - existe sim um verdadeiro incumprimento total e definitivo, em virtude de a prestação *da devedora, ora Recorrida, (fornecimento dos expositores para aquele propósito concreto) não satisfazer minimamente o fim para o qual aqueles foram encomendados.
25.Ainda que assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, é defensável que, estando o devedor em mora é atenta a incapacidade de reparar os defeitos em tempo útil, ocorreu a perda do interesse do credor na prestação, acarretando, assim, a responsabilidade daquele pelos danos causados ao credor por força do incumprimento.
26.De facto, era do conhecimento da Recorrida que a sua obrigação tinha que ter sido cumprida de forma atempada, tendo em vista o evento a que se destinava, a "Feira de Lácteos", a realizar em data pré-definida, onde se procederia ao lançamento do novo produto.
27.Ultrapassado esse momento temporal, a Recorrente perdeu, assim, todo o interesse na realização da prestação, reforçando a fundamentação de que estamos, efectivamente, perante o incumprimento definitivo da Recorrida.
28.Assim, nos termos do 808.°, n.° 1 do CC, outro não poderá ser o entendimento que considerar a obrigação não cumprida.
29.Em ambos os cenários ora equacionados, existindo, assim, incumprimento definitivo, cabia à devedora, ora Recorrida, a prova de que tal incumprimento não era da sua responsabilidade (conforme artigo 799.° do CC), o que não se verificou.
30.Entende assim a Recorrente ter a decisão recorrida violado lei substantiva, consistindo tal violação na errada determinação do regime legal adequado ao caso concreto que, como vimos, seria o do incumprimento definitivo da obrigação que impendia sobre a devedora.
31.Relativamente ao pedido reconvencional, a ora Recorrente requereu que a ora Recorrida fosse condenada no pagamento de uma indemnização a título de responsabilidade civil contratual, em consequência dos prejuízos que teve pelo incumprimento definitivo por parte da Recorrida ou, caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, pelo cumprimento defeituoso daquela (conforme artigos 483.°, n.° 1, 562.", 563.°, 798.°, 799.° e 909° ex vi do 913° todos do CC).
32.Tal como expendido no Acórdão de que ora se recorre, cabe à Recorrente o ónus da prova de que os pressupostos da referida responsabilidade estão efectivamente verificados - acção ou omissão ilícita, o dano, o nexo de causalidade entre este e aquele e a culpa.
33.Com o devido respeito, que é muito, entende a Recorrente ter feito prova exaustiva do referido nexo de causalidade entre a (não) prestação da Recorrida e os danos que essa omissão lhe causou, conforme resulta da matéria dada como provada,
34.Pelo que o Tribunal a quo julgou mal ao considerar que aquele - nexo de causalidade adequada (cfr. artigo 563.° do CC) - não ficou demonstrado na prova produzida nos presentes autos.
35.Na verdade, em face do que resulta da factualidade assente nos Pontos 16 e 17, 26 e 27, 29 e 30, 39 a 41, 44 a 46 e 48, não pode colher a conclusão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa de que a Recorrente "não provou nos autos que o facto de os expositores não terem suportado os produtos determinou os prejuízos que sofreu".
36.Esse nexo de causalidade entre a ineptidão dos expositores para a exibição do produto, o que determinou a fraca rotação e escoamento do produto, e os danos patrimoniais que, por causa disso a Recorrente teve de suportar está bem patente na factualidade dada com provada.
37.Tal incongruência configura uma verdadeira contradição entre os fundamentos de facto em que a decisão se alicerça e a conclusão que a final é retirada - o que é fundamento para a nulidade da mesma.
38.Na verdade, foi justamente em consequência da impossibilidade de montar e usar os expositores como havia planeado para a campanha de lançamento na feira promocional -"Feira de Lácteos" - que a Recorrente se viu impossibilitada de expor o produto como pretendia e, por isso, de lhe dar a visibilidade desejada, isto ê, de o dar a conhecer aos consumidores.
39.Ura, a Recorrente alegou e provou ter suportado um prejuízo global de € 62.285,61, em consequência directa e indirecta desses factos (dados como assentes) e imputáveis à Recorrida.
40.Não tendo a ora Recorrida conseguido fornecer expositores capazes de expor os produtos em causa, é razoável dizer que, tal omissão de entrega dos expositores é uma causa adequada a produzir o dano (patrimonial) que corresponde à despesa com a aquisição de outro equipamento, minimizando, aliás outros danos que poderiam advir da falta de entrega de expositores e da possível promoção do produto, o que determinou para a Recorrente o prejuízo de € 10.068.81 - montante dispendido com a aquisição de novos expositores (cfr. Pontos 39 a 41 dos factos provados)
41.Também o facto de os expositores entregues à Recorrente não serem aptos ao fim a que se destinavam - logo inúteis - é, igualmente, uma causa adequada a produzir o custo inerente com a devolução daqueles à Recorrida, computado em € 96,80: montante dispendido no serviço de transporte e entrega dos expositores com defeito à Recorrida.
42.No que respeita ao valor que não se conseguirá recuperar ou cujo retorno não será possível em virtude de o fornecedor se ter recusado a comparticipar no investimento efectuado, tendo em conta a forma como decorreu a feira promocional, ou seja, à fraca necessidade de fornecimento do produto, por incapacidade de escoamento e promoção do mesmo, o mesmo orça em €46.120,00,
43.Uma vez que a não entrega dos expositores adequados ao fim pretendido foi causa adequada & produzir a diminuição do nível de fornecimento do produto, cuja promoção e exposição ficou assim gravemente afectada, o que causou a impossibilidade de retorno do capital investido por parte do fornecedor do produto
44.A não entrega dos expositores adequados foi ainda causa adequada a produzir a diminuição do nível de venda do produto e da rotação dos mesmos, tendo levado a que a validade de alguns dos produtos expirasse e estes fossem desperdiçados, o que veio a constituir um encargo suportado pela Recorrente no valor de € 6.000,00. relativo ao montante reclamado pela CC-S...(excluído de IVA), a título de responsabilidade daquela pela quebra de vendas registada no produto cuja exposição se pretendia.
45.Deste modo, em relação a todos os danos invocados e peticionados e tendo em conta a conduta da ora Recorrida, é forçoso considerar que se não fosse o incumprimento do contrato ou, sem conceder, não fora o cumprimento defeituoso da prestação devida pela Recorrida, os danos invocados e peticionados pela Recorrente nunca se teriam verificado.
46. A matéria dada como provada a este propósito é bastante para reconhecer a obrigação de a Recorrida indemnizar pelos danos sofridos pela Recorrente.
47.Efectivamente, todos os montantes supra referidos foram integralmente suportados pela Recorrente, quer porque deixou de os receber, quer porque os custeou, sendo por isso, como bem julgou o Tribunal de primeira instância devidos a título de indemnização pelos prejuízos sofridos - artigos 801°, 798° e 799°, 562°, 563°, 564° e 566° do Código Civil.
48. Sendo o incumprimento imputável à Recorrida, presume-se a sua culpa, que a mesma não logrou ilidir, e, consequentemente, impende sobre si o dever de compensar a Recorrente pelas perdas e danos sofridos (arts. 798° e 799° do Código Civil).
49.Também aqui julgou mal o Tribunal a quo, por erro na aplicação da norma, designadamente do disposto nó"art.º563° do CC.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas., Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se o Acórdão recorrido, o que é de inteira JUSTIÇA.
*
Nas contra-alegações que ofereceu, defende a A, ora recorrida a confirmação do acórdão sob censura.
*
*
*
OS FACTOS
*
Está fixada pela Relação a seguinte matéria de facto:
*
*
*
1- A Autora é uma sociedade comercial que, entre outras, se dedica à prestação de serviços e execução de acções de "marketing " e promoções, (alínea A da matéria assente).
2- No desenvolvimento da sua actividade e mediante encomenda prévia, a Autora forneceu à Ré 100 expositores com interior em cartão ,impressão em papel 4/0 com encapsulamento , no formato 89 xl 21.80 com biadesiva , destinados ao produto M... L -no valor de € 22.958,66 , conforme factura n.° ... que constitui fls.5. (alínea B da matéria assente).
3- Os referidos expositores foram efectivamente entregues à Ré . (alínea C da matéria assente).
4- Em conformidade com às condições acordadas , a Ré devia ter pago o preço indicado na factura até 30 de Abril de 2006 . (alínea D da matéria assente).
5- A Ré ,alegando que não tinha utilizado os expositores ,devolveu a factura recusando a sua liquidação, (alínea E da matéria assente ).
6- A CC-S..."propôs .à ora Ré a participação na " Feira de Lácteos" a realizar nas suas lojas C..., de 30.01.2006 a 12.02.2006, sendo o espaço da feira atribuído às propostas mais criativas . (alínea F da matéria assente ).
7- A R. contactou então a A., anteriormente designada N..., no sentido de esta desenvolver e lhe apresentar um conceito total para o lançamento da nova marca e produto"M..., L" com materiais diferenciadores e apelativos, (alínea G da matéria assente).
8- A R. contactou a A. por esta ser conhecida no mercado como tendo grande experiência no desenvolvimento de materiais de loja — expositores, material publicitário, decoração, etc.- especificamente para a CC-"S...". (alínea H da matéria assente).
9- Para o projecto em causa seria necessário desenvolver um espaço no centro do corredor das lojas para toda a gama dos produtos da marca, respeitando as características dos produtos: arcas refrigeradoras para os produtos com necessidade de refrigeração e os expositores para os produtos U... (leites e natas), (alínea I da matéria assente).
. 10- Para além disso, foi ainda solicitada a criação de decors para aquele espaço e de simulação do mesmo, bem como de outros materiais para apoiar o produto colocado nas prateleiras (linear), menos apelativo para o consumidor, antes e depois da feira, (alínea J da matéria assente).
11- Após reunião conjunta, ficaram definidos os objectivos a atingir com o projecto e todas as vertentes do conceito a apresentar pela A (alínea K da matéria assente).
12- Os expositores tinham por fim sustentar diversos pacotes de leite normal, leite com chocolate e natas, naqueles espaços comerciais, com o propósito de se divulgar a nova marca e produto junto do maior número de consumidores possível, (alínea L da matéria assente).
13- Os referidos expositores, de modelo único, tinham, pois, que ter capacidade e estrutura para suportar o peso daqueles produtos durante todo o tempo de exibição dos mesmos, (alínea M da matéria assente).
14- A Autora sabia a que se destinavam os ditos expositores e tinha perfeito conhecimento do tipo de produto, dimensão e quantidades a expor em cada um deles, (alínea N da matéria assente).
15- Logo após os expositores terem caído ,a Ré chamou representantes da A. para que confirmassem in loco que os expositores não resistiam ao peso das embalagens, (alínea O da matéria assente).
16- Constatada a impossibilidade de colocar os produtos nos expositores, parte das embalagens teve que ser arrumada nas prateleiras, entre outras marcas e sem qualquer destaque, e o restante guardado em armazém, (alínea P da matéria assente ).
17- Em alguns espaços, a R. nem sequer chegou a expor o referido produto, (alínea Q da matéria assente )..
18- A referida "Feira de Lácteos" teve lugar nas 18 lojas C..., estando porém previsto, para depois da sua conclusão, um alargamento a 70 lojas M..., do mesmo, cliente, (alínea R da matéria assente ).
19- A A. só conseguiu um protótipo do expositor já depois das 12h00 do dia 17 de Janeiro de 2006, pedindo à R. que o testasse e aprovasse nessa mesma tarde para dar seguimento à encomenda na manhã seguinte . (alínea S da matéria assente ).
20- O que comprometeu a possibilidade de a R, aprovar o protótipo, dado o curto espaço de tempo concedido, sendo certo, porém, que essa aprovação se limitaria tão-somente à vertente estética e de branding e nunca passaria por questões de estrutura, sustentabilidade, funcionalidade e resistência, (alínea T da matéria assente ).
21- Sem que a R. tivesse testado e aprovado o modelo em causa, a A-. avançou com a sua produção, (alínea U da matéria assente ).
22- Em momento algum, a R. aprovou ou ordenou que se avançasse com a produção dos referidos expositores, (alínea V da matéria assente).
23- A Autora, confrontada com o facto de os expositores se desmancharem sugeriu à Ré a colocação de cruzetas no seu interior para suportar as prateleiras dos expositores e de uma base onde os mesmos fossem encaixados, por forma a prevenir que tombassem e se desmontassem . (alínea X da matéria assente ).
24- Outra solução apresentada pela A., foi a de fornecer expositores de madeira(alínea Z da matéria assente).
25- A devolução dos expositores foi recusada pela Autora, (alínea Z 1 da matéria assente).
26- Os expositores fornecidos pela Autora não se revelaram adequados ao fim a que se destinavam, (resposta ao ponto 1 da base instrutória)
27- Alguns dos expositores quando montados na feira dos lácteos cederam ao peso dos pacotes e alguns caíram, (resposta ao ponto 3 da base instrutória)
28- No Continente de Matosinhos o expositor cedia mesmo só com uma embalagem colocada, (resposta ao ponto 4 da base instrutória)
29- Em virtude de alguns expositores terem caído a Ré não conseguiu expor o produto durante aquela campanha como planeara (resposta ao ponto 5 da base instrutória).
30- Em alguns casos os expositores resistiram só um dia, noutros 2/3 dias. (resposta ao ponto 6 da base instrutória)
31- Só algumas lojas "modelo", cerca de 20, expuseram o produto, sendo que a CC-S...possui cerca de 40 lojas "modelo", (resposta ao ponto 8 da base instrutória)
32- Atenta a incapacidade de se atingir o volume de vendas esperado a DD-O...B...G..., recusou-se a pagar à Ré a "contribuição de marketing" acordada no valor de € 46.120,00. (resposta aos pontos 9 e 10 da base instrutória)
33- Num teste efectuado com a colocação da cruzeta no interior de um expositor constatou-se que o material não aguentava o peso do produto, entortando ao fim de uns dias. (resposta aoponto 11 da base instrutória)
34- A Ré entendeu que os expositores em madeira não constituíam alternativa ao efeito pretendido, atendendo ao preço, ao peso e ao facto de os mesmos não serem desmontáveis. (resposta ao ponto 12 da base instrutória)
35- Pretendia-se que os expositores fossem leves e desmontáveis por forma a possibilitar aos vendedores o seu transporte e colocação nos espaços visados, (resposta ao ponto 13 da base instrutória)
36- Outra hipótese adiantada pela Autora foi ainda a de fornecer expositores "normais" em plástico e com medidas standartizadas pelo preço dos inicialmente orçamentados, (resposta ao ponto 14 da base instrutória)
37- Esta sugestão também não pode colher o assentimento da Ré já que havia aceite o fornecimento de um modelo exclusivo de design único de expositor que ficaria assim associado à marca/produto.(resposta ao ponto 15 da base instrutória)
38- A própria Ré, no intuito de minimizar a perda de ambas as partes e encontrar uma solução de compromisso, propôs à Autora que esta cortasse os crowners dos expositores (cartazes de topo com a marca) que seriam pagos por aquela e aproveitados para os novos expositores "normais", (resposta ao ponto 16 da base instrutória)
38- A Autora apesar de se dispor a cortar esses cartões, só os entregaria à Ré pelo preço equivalente ao do orçamento inicial (€ 22.958,66) com uma redução de apenas € 4.505,90 e por isso não foi aceite pela Ré. (resposta ao ponto 17 da base instrutória)
39- A Ré avançou já no final da feira dos lácteos nas lojas C... com a aquisição de novos expositores ainda que comuns, junto de outros fornecedores. (resposta ao ponto 18 da base instrutória)
40- A Ré comprou mesmo alguns expositores existentes em stock noutros fornecedores, com um custo superior, atenta a urgência na obtenção do material, (resposta ao ponto 19 da base instrutória)
41- O que representou um encargo total de € 10.068,81. (resposta ao ponto 20 da base instrutória)
42- Os expositores fornecidos pela Autora nunca foram utilizados, para além dos 18 exemplares que foram montados na feira, (resposta ao ponto 21 da base instrutória)
43- Os expositores foram armazenados nas instalações da Ré tendo sido posteriormente destruídos, (resposta ao ponto 22 da base instrutória)
44- O serviço de transporte e entrega dos expositores à Autora, embora recusados, importou para a Ré um encargo de € 96,80. (resposta ao ponto 23 da base instrutória)
45- Na medida em que se viu impedida de exibir o produto em divulgação pela forma e durante o tempo planeado, houve uma diminuição da rotação do produto e consequente queda do volume de vendas, (resposta ao ponto 24 da base instrutória)
46- As circunstâncias descritas acarretaram para a Ré efeitos nocivos para a sua imagem junto do seu fornecedor e do seu cliente CC-S...por não ter cumprido com o planeado, (resposta ao ponto 25 da base instrutória)
47- Dada a forma como decorreu a feira, mormente devido ao malogro dos expositores, a credibilidade da Ré junto do cliente ficou comprometida tal como o sucesso do lançamento da marca M... L. (resposta ao ponto 26 da base instrutória)
48- A CC-S...imputou à Ré a quebra registada nas vendas do produto M... L, que cifra em € 7.170,00, correspondente ao valor do produto que, devido à pouca rotação verificada, expirou a sua validade e, por isso, teve que ser desperdiçado, (resposta ao ponto 27 da base instrutória)
49- A Ré não forneceu sequer à Autora uma simples embalagem dos produtos para que fossem testados - teste-real. (resposta ao ponto 28 da base instrutória)
50- A colocação dos expositores nas lojas, o transporte e a montagem não foram da responsabilidade da Autora mas da Ré e dos seus colaboradores, (resposta ao ponto 29 da base instrutória)
51-0 facto de a Autora só ter conseguido um protótipo de expositor no dia 17 de Janeiro de 2006 (terça-feira) ficou a dever-se ao facto de a Ré só ter dado a sua aprovação para avançar no dia 13 de Janeiro de 2006 (sexta-feira).(resposta ao ponto 30 da base instrutória)
52- A Autora enviou no dia 16.01 um mail a comunicar que teria um expositor no dia seguinte, enviando entretanto uma série de mails a solicitar a presença de um representante da Autora para que o protótipo fosse visto e aprovado, (resposta ao ponto 31 da base instrutória)
53- Era fundamental iniciar a produção no dia 18 de Janeiro, por forma a cumprir as datas inicialmente previstas para a entrega, (resposta ao ponto 32 da base instrutória)
54- A Autora ficou desta forma sem qualquer margem de manobra para conseguir resolver um ou outro problema que surgisse, (resposta ao ponto 33 da base instrutória)
*
*
*

Fundamentação
*
No essencial, a questão suscitada na revista consiste em saber se, no caso concreto, não se estará perante uma hipótese de verdadeiro incumprimento definitivo, tal como decidiu a 1ª instância e pretende a recorrente.
Subsidiariamente, coloca a recorrente a questão da anulação do contrato, ao abrigo do regime da venda de coisa defeituosa.
*
Está descrita a factualidade provada, que a Relação fixou definitivamente e que aqui não pode ser discutida.
Não vamos agora repetir tal descrição, mas convém, no entanto, salientar parte dessa matéria de facto, por ser essencial à respectiva qualificação jurídica.
*
- Sabemos, assim, que a Ré encomendou à A. e esta forneceu-lhe 100 expositores com interior de cartão conforme factura junta aos autos.
- Tais expositores destinavam-se à participação da Ré na Feira de Lácteos a realizar nas lojas c... no período de 30/1/2006 a 12/2/2006 e depois nas lojas modelo.
- Para o efeito, a Ré contactou a A., no sentido de esta desenvolver um conceito total para o lançamento da nova marca e produto “M...” L”, com materiais diferenciadores e apelativos.
- E fê-lo por esta ser conhecida no mercado como tendo grande experiência no desenvolvimento de materiais de loja – expositores, material publicitário, decoração etc- especificadamente para a CC-S... .
- O referido produto a lançar devia ser exposto nos referidos expositores.
- Após reunião conjunta entre a A. e a Ré, ficaram definidos os objectivos a atingir com o produto e todas as vertentes do conceito a apresentar pela A.
- Os ditos expositores eram de modelo único e exclusivo e tinham que ter capacidade e estrutura para suportar o peso daqueles produtos durante todo o tempo da exibição dos mesmos, sendo certo que a A. sabia a que se destinavam os expositores e tinha perfeito conhecimento do tipo de produto, dimensão e quantidades a expor em cada um deles.
-Porém os expositores fornecidos pela A. não se revelaram adequados ao fim a que se destinavam.
- De facto, alguns expositores, quando montados na Feira dos Lácteos, cederam ao peso dos pacotes do produto, tendo alguns caído.
- Designadamente, o expositor montado no C... de Matosinhos cedeu mesmo só com uma embalagem colocada e outros expositores montados resistiam só um dia, enquanto outros se mantinham dois ou três dias.
- Assim, constatada a impossibilidade de colocar os produtos nos expositores, parte das embalagens teve que ser arrumada nas prateleiras, entre outras marcas e sem qualquer destaque, e a restante guardada em armazém.
- E, em alguns espaços, a Ré nem sequer chegou a expor o referido produto.
- Por virtude de alguns expositores terem caído a Ré não conseguiu expor o produto durante a campanha como planeara.
-A Ré não utilizou os expositores fornecidos pela A, para além dos 18 exemplares que foram montados na Feira. (embora não se diga directamente na matéria de facto está implícito no contexto de toda a matéria provada, que foram nesses 18 expositores ou em parte deles, que ocorreram as deficiências apontadas com as consequências referidas, como aliás a A. reconhece nas alegações da sua apelação – cof. p ex. fls.401-), tendo armazenado os restantes nas suas instalações.
- Logo após os expositores terem caído, a Ré chamou representantes da A. para que confirmassem in loco que os expositores não resistiam ao peso das embalagens.
- Ora, a A., confrontada com o facto de os expositores se desmancharem sugeriu à Ré a colocação de cruzetas no seu interior para suportar as prateleiras dos expositores e de uma base onde os mesmos fossem encaixados, por forma a prevenir que tombassem e se desmontassem.
- Porém, num teste efectuado com a colocação das cruzetas no interior de um expositor, constatou-se que o material não aguentava o peso do produto, entortando ao fim de uns dias.
- Outra solução apresentada pela A., foi a de fornecer expositores em madeira mas a Ré não aceitou tal alternativa atendendo ao preço, ao peso e ao facto de não serem desmontáveis, pois pretendia expositores que fossem leves e desmontáveis por forma a possibilitar aos vendedores o seu transporte e colocação nos espaços visados.
-A A. adiantou ainda outra solução que passava por fornecer expositores normais, em plástico e com medidas estandartizadas, mas tal solução, não podia ser aceite pela Ré, já que o acordado fora o fornecimento de um modelo exclusivo, de design único, que assim ficaria associado à marca/produto
- A Ré propôs ainda à A. que esta cortasse os crowners dos expositores (cartazes de topo com a marca) que seriam pagos por aquela e aproveitados para os novos expositores normais.
- Mas a A, apesar de se dispor a cortar esses cartazes, só os entregaria a Ré pelo preço equivalente ao do orçamento inicial, com uma redução de apenas 4.505.90€, e por isso não foi aceite pela Ré.
- Dado o impasse criado e o circunstancialismo descrito, a Ré avançou, já no final da Feira nas lojas C..., com a aquisição de novos expositores, ainda que comuns, junto de outros fornecedores, atenta a urgência da obtenção do material.
- A Ré devolveu à A. os expositores por ela fornecidos, mas a A. recusou-se a recebê-los, devolvendo igualmente a respectiva factura.
*
*
*
Perante este quadro factual a Relação, sem fundamentação relevante, aplicou ao caso o regime jurídico da venda de coisa defeituosa previsto nos Art.ºs 913 e seg. , e, apesar de reconhecer que os expositores fornecidos em cumprimento do contrato de compra e venda não se mostraram adequados ao fim a que se destinavam, condenou a Ré a pagar à A. o respectivo preço, porquanto, embora a Ré pudesse ter requerida a anulação do negócio, o certo é que não o fez.
Por isso deve o preço do material fornecido.
*
Não pode ser assim tão simples a solução do caso.
*
Salvo o devido respeito, não se estará perante um caso de venda de coisa defeituosa sujeita ao regime do Art.º 913 e seg. do C.C.
*
Vejamos melhor
*
Como é sabido para além do incumprimento definitivo (total ou parcial) e da mora existe uma outra forma de violação do dever de prestar.
Referimo-nos, é claro, à figura do incumprimento defeituoso ou violação contratual positiva.
*
Como ensina A. Varela “o aspecto patológico de tais situações de facto não consiste numa violação negativa do dever de prestar (na sua omissão definitiva ou irremovível, ou na sua omissão temporária ou remediável). Estará antes num defeito da prestação realizada, numa violação positiva da lex contractus por que ela se regulava, e nos danos provenientes dessa irregularidade (Obrig. em Geral-II- 4ª ed. – 121-).
*
Mas, desta terceira situação de inadimplência, à qual designadamente se refere o Art.º 799 nº1 do C.C. (localizado na secção II sob a epígrafe do Não Cumprimento), distingue-se claramente o instituto da venda de coisa defeituosa.
Na verdade, recorrendo de novo àquele ilustre mestre (Parecer publicado no C.J. 1987-4º-30) “Há... venda de coisa defeituosa sempre que no contrato de compra e venda, tendo por objecto a transmissão da propriedade de uma coisa, a coisa vendida sofre de vícios ou carece das qualidades abrangidas no Art.º 913 do C.C. ...”.
Já “o cumprimento defeituoso da obrigação verifica-se não apenas em relação à obrigação de entrega da coisa proveniente da compra e venda, mas quanto a toda e qualquer outra obrigação proveniente do contrato ou qualquer outra fonte.
E apenas se dá quando a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidade ou requisitos dela, ao objecto da obrigação a que ele estava adstrito”.
*
Por outras palavras, se as qualidades da coisa objecto do contrato de compra e venda foram negociadas entre as pares e, por isso, fazem parte integrante do conteúdo do contrato, nele ingressando e, uma vez realizada a prestação, se vem a averiguar que ela não possui as qualidades acordados, então teremos de convir que o devedor não efectuou a prestação acordada, tal como estava vinculado contratualmente.
Como observa Calvão da Silva (Compra e Venda de Coisas Defeituosas)” o vício ou não-conformidade reside na discrepância entre a qualidade real ou existencial e a qualidade devida ex contractu...” e, por isso, “a inexactidão qualitativa da prestação respeita à fase executiva do negócio e será um caso de incumprimento parcial ou cumprimento imperfeito: o vendedor não cumpre exactamente a prestação devida ao comprador segundo a interpretação objectiva do contrato ....
Verificando-se uma desconformidade entre a coisa na sua constituição real.... e a coisa na sua configuração representada e acordada pelas partes”.
Quando assim for, caímos na pura inadimplência, na modalidade de cumprimento imperfeito, cumprimento defeituoso ou violação contratual positiva.
*
Ora, é sabido que o nosso C.C. não determina directamente os efeitos do cumprimento defeituoso, daí a necessidade de recorrer à disciplina de certos contratos nominados, como o da compra e venda ou de empreitada para encontrar a regulamentação adequada a tais situações.
Por recurso a tais regras pode inferir-se que o cumprimento defeituoso pode conferir ao credor o direito de exigir a reparação ou substituição da coisa (Art.ºs 914 e 1221 do C.C.) o direito a indemnização decorrente dos prejuízos sofridos (Art.ºs 909 e 1223), o direito à redução da contraprestação ou à resolução do contrato (Art.ºs 911 e 1222).
*
Pode, porém acontecer e acontece com frequência que, em casos que, em princípio, cairiam no conceito de cumprimento defeituoso ou inexacto da prestação, já que esta foi entregue ao credor, os vícios de que esta padece são de tal forma graves “ que desqualificam irremediavelmente a prestação e, então, já não é lícito falar de cumprimento defeituoso, mas sim em incumprimento com todas as suas consequências, ou seja, resolução pura e simples do contrato e direito a indemnização pelo interesse contratual negativo” (cof. Ac. do STJ. nº 06 A 3623 de 7/11/2006, citado na sentença de 1ª instância).
São situações em que os vícios ou falta de qualidade da coisa prestada se afastam de tal modo da prestação convencionada que é o próprio programa negocial que fica colocado em crise, pela insusceptibilidade de satisfazer o interesse do credor, apreciado objectivamente.
Ora, quando assim seja, é pacífica a doutrina e jurisprudência em fazer equivaler o cumprimento defeituoso ao puro incumprimento ou mora (consoante os casos) com as consequências que lhe são próprias.
*
*
*
Diferentemente do que acaba de se expor, se a interpretação do contrato levar a concluir que certas qualidades da coisa vendida não fazem parte do conteúdo do contrato (isto é, se não foram objecto de negociação e acordo das partes e por isso mesmo não integram o contrato) “assumindo tão só a natureza de elemento extra-negocial da motivação” do comprador, então estaremos perante um problema de erro (Art.ºs 913 e seg. do C.C.).
Quer dizer “a qualidade pretendida pelo comprador não faz parte integrante do conteúdo contratual vinculante para o vendedor, razão por que não pode pôr-se um problema de cumprimento imperfeito, mas tão-só de erro sobre as qualidades do objecto, integrado na fase estipulativa” (cof. Calvão da Silva – obra citada);
Uma situação deste género ocorrerá, por exemplo, se alguém compra determinado objecto na convicção errada de que ele é de platina, quando, na realidade é de ouro branco, sem que, no entanto, tenha feito incluir essa suposta qualidade no conteúdo do contrato.
É certo que a qualidade suposta erroneamente foi a motivação determinante da compra. Todavia, porque essa qualidade não ingressou no conteúdo contratual, não se trata de uma qualidade devida pelo vendedor.
*
Justifica-se, então, a acção de anulação por erro, verificados os respectivos pressupostos.
O caso dos autos
*
No caso concreto, tal como correctamente decidiu a sentença de 1ª instância, configura uma verdadeira situação de incumprimento definitivo, como resulta claramente da situação de facto provada.
Na verdade, a Ré não comprou à A. uns quaisquer expositores que ela tinha expostos para venda ao público, cujas qualidades não negociou.
Como se viu da factualidade provada, a Ré negociou pormenorizadamente com a A. a aquisição dos expositores, que deviam ter características únicas e exclusivas de modo a promover o lançamento de uma marca de produtos lácteos específicos.
Tais expositores, além do seu design exclusivo e apelativo, tinham por fim sustentar diversos pacotes do produto em causa – a promover -, com o propósito de se divulgar a nova marca junto do maior número possível de consumidores e por isso tinham de ter capacidade e estrutura para suportar o peso do produto em causa durante todo o período das feiras, visto que se destinavam, exactamente, a exibi-lo durante as 2 semanas nas lojas C... e depois nas lojas modelo.
É, portanto evidente que as ditas qualidades ou requisitos que os expositores deveriam possuir foram negociados entre as partes, sendo certo que a A. sabia exactamente os fins pretendidos pela Ré, conhecendo, designadamente, o tipo de produto, dimensão e quantidades a expor em cada expositor.
Essas qualidades, ingressaram, portanto, no conteúdo vinculativo do contrato, pelo que tendo a A. fornecido à Ré expositores sem as referidas qualidades, violou o contrato, cumprindo-o defeituosamente.
*
Só que, como se viu, os expositores, quando montados cederam ao peso das embalagens do produto ou então aguentavam de 1 a 3 dias, desmanchando-se ou cedendo depois.
É certo que na matéria de facto se fala em “alguns” expositores, daí que a A. se tenha espraiado sobre a deficiência da prova por se ignorar o que aconteceria com os outros expositores (os não utilizados).
É claro que não passe de mera especulação tal tipo de argumentação.
De facto a Ré não tinha qualquer obrigação de experimentar todos e cada um dos expositores fornecidos, para averiguar se algum ou alguns deles resistiam ao peso do produto a que se destinavam, quando vários dos que montou cederam, um deles até com o peso de uma simples embalagem.
Todos os expositores, mesmo sendo de cartão, foram concebidos e produzidos pela A. para uma finalidade perfeitamente determinada e que a A. conhecia perfeitamente. Eram, ao que resulta dos autos, todos iguais e de fabrico idêntico, de modo que, perante a experiência desastrosa de alguns deles, muito concretamente descrita nos factos provados, fazia prever, com toda a legitimidade, idêntico comportamento dos restantes.
Aliás, é o que a própria A. aceita implicitamente ao propor-se reforçar com cruzetas interiores os expositores (todos eles, como resulta do contexto da prova), o que, testado pela A. não resultou.
E também a sua substituição por outros em madeira ou plástico, se refere a todo o material fornecido (expositores) e não a um ou outro expositor ocasionalmente deficiente.
Por assim ser é que se explica a resposta ao quesito 1º, segundo o qual os expositores fornecidos pela A. não se revelaram adequados ao fim a que se destinavam, que apesar da argumentação da A. a Relação manteve inalterada.
Ora, não há aqui que censurar a matéria de facto fixada pelo Tribunal recorrido, como reconhece a A., mas também não há qualquer razão para ampliar a matéria de facto, como vagamente sugere....
A interpretação da factualidade provada há-de fazer-se perante toda ela, globalmente considerada e contextualizada.
*
E, nessa perspectiva, é manifesto que os vícios ou deficiências dos expositores eram de tal modo graves que os tornaram imprestáveis para os fins específicos tidos em vista pela Ré, como ficou exuberantemente provado.
Caímos, assim, numa situação de incumprimento puro e simples como acima se explicou.
E, em incumprimento definitivo, porquanto, apesar de a Ré ter denunciado à A. os vícios dos expositores, que a A. constatou, não conseguiu remediá-los com as soluções que propôs, visto que estas, ou não resultaram ou não eram minimamente compatíveis com o acordado contratualmente.
E assim, não podendo os expositores serem aproveitados para as campanhas específicas para que tinham sido concebidos, é claro que se tornaram totalmente inúteis para a Ré, razão porque neles perdeu todo o interesse.
No fundo, a prestação da A., melhor dizendo, a prestação correcta da A., tornou-se impossível, pois que findaram as feiras ou as campanhas a que exclusivamente se destinavam os expositores que a Ré encomendara à A., o que equivale a incumprimento definitivo.
E, não tendo a A. provado que esse incumprimento não resultou de culpa sua, é claro que só a ela pode ser imputado a título de culpa (Art.º 799º nº1 do C.C.).
*
Podia, consequentemente, a Ré resolver o contrato, como de facto fez, ao devolver à A. a factura e os expositores fornecidos, alegando a sua falta de adequação aos fins a que se destinavam e fora convencionado, recusando o pagamento do preço (a recusa da A. em receber a mercadoria é irrelevante para este efeito).
Mas, se não se vir em tal conduta a declaração expressa da resolução do contrato, (como parece ser prática corrente na actividade comercial), então, sempre estaríamos perante uma resolução tácita do contrato, tal a concludência da conduta, reforçada por todo o circunstancialismo de facto provado que antecedeu a devolução da factura e do material.
(Note-se que a circunstância da declaração de resolução ser uma declaração recipienda, pode ser efectuada tacitamente, visto que a lei não exige qualquer forma especial).
*
Não é, pois, devido o preço, pelo que a acção deve improceder, como decidiu a sentença de 1ª instância.
*
*
*
Quanto às indemnizações
Pedidas pela Ré em sede
reconvencional.

*
Mas, além do direito de resolver o negócio que se reconheceu à Ré, tem esta direito a ser indemnizada pelos prejuízos que lhe advieram do incumprimento da A.
Tal prejuízo indemnizável corresponde ao chamado interesse negativo ou de confiança, que pretende colocar o credor na situação em que se encontraria se não tivesse celebrado o contrato.
*
Ora, em via reconvencional, a Ré pretende exercer esse direito à indemnização, pedindo a condenação da A. a pagar-lhe a quantia global de 62.285.61€, assim discriminados:
- 10.068.81, correspondentes ao preço de outros expositores comuns, que teve de comprar junto de outras empresas;
- 96,80, correspondentes ao preço do serviço de transporte para a devolução dos expositores à A. (apesar de a A. se recusar a recebê-los);
- 6.000€, correspondentes à importância que lhe foi debitada pela CC-S..., resultante da quebra registada nas vendas do produto e que corresponde ao valor desse produto, que, devido à pouca rotação verificada, expirou a sua validade e, por isso, teve de ser desperdiçado, e
- 46.120€, pela impossibilidade de retorno quanto ao capital investido, atenta a recusa do fornecedor (DD-O... B... M...) em participar na campanha da Ré, como fora acordado, por não ter sido atingido o volume de vendas esperado.
*
A 1ª instância condenou a A. no pedido reconvencional, mas, em sede de apelação, a Relação revogou, também nesta parte, a sentença, igualmente sem fundamentação relevante, limitando-se a afirmar que a BB-“G... – Importações e Exportações, S.A., não provou nos autos que o facto de os expositores não terem suportado os produtos determinou os prejuízos que sofreu”.
*
Porém, a Relação não alterou qualquer dos pontos da matéria de facto provenientes da 1ª instância, pelo que a afirmação(não fundamentada) de não ter sido demonstrado o nexo causal só pode ter a ver com uma questão de direito, no caso, com a integração da matéria de facto provada (e não alterada) no âmbito do Art.º 563 do C.C.
Quer dizer, segundo o acórdão recorrido, tal factualidade não integraria o conceito de causalidade adequado como ele é configurado no referido dispositivo.
*
Sendo assim, como nos parece, salvo melhor opinião, estará errada aquela pura conclusão jurídica.
*
Vejamos.
*
A este respeito ficou provada, além da matéria já atrás referida, a seguinte factualidade:
- Em virtude de alguns expositores terem caído a Ré não conseguiu expor o produto durante aquela campanha como planeara (e era do conhecimento da A. o plano desenhado pela Ré e a finalidade dele, como já acima se aludiu);
- Na medida em que se viu impedida de exibir o produto em divulgação pela forma, e durante o tempo planeado, houve uma diminuição da rotação do produto e consequente queda do volume de vendas, o que tudo acarretou para a Ré efeitos nocivos para a sua imagem junto do seu fornecedor (a DD-O...) e do seu cliente CC-S...por não ter cumprido com o planeado;
-Aliás, dada a forma como decorreu a feira, mormente devido ao malogro dos expositores, a credibilidade da Ré junto do cliente ficou comprometida, tal como o sucesso do lançamento da marca M... L.
- A CC-S...imputou à Ré a quebra registada nas vendas do produto M... L, que cifra em 7.170.€, correspondente ao valor do produto que, devido à pouca rotação verificada , expirou a validade e, por isso, teve de ser desperdiçada;
- Por outro lado, atenta a incapacidade de se atingir o volume de vendas esperado, a DD-O... recusou-se a pagar à Ré a “contribuição de marketing” acordada, no valor de 46.120€;
- Perante a ineptidão dos expositores fornecidos pela A. à Ré, esta, já no final da feira, avançou com a aquisição de novos expositores, ainda que comuns, junto de outros fornecedores, comprando mesmo alguns deles existentes em stock, atenta a urgência na alteração do material, com o que despendeu 10.068.81 €;
- Face à inadequação dos expositores fornecidos pela A. para o fim que fora convencionado, a Ré devolveu-os à A., juntamente com a respectiva factura, sendo certo que no transporte a Ré gastou 96.80.
*
Ora, salvo o devido respeito por diferente opinião, afigura-se-nos que a simples leitura da factualidade descrita, integrada, de resto, no contexto da restante prova, não permite duvidar que as instâncias tiveram por provado o nexo naturalístico existente entre o incumprimento da A. e os prejuízos peticionados reconvencionalmente, pois que, resulta inequivocamente dos factos provados, devidamente contextualizados, que foi na sequência da ineptidão dos expositores fornecidos pela A. à Ré que esta não conseguiu expor o produto que se propunha divulgar, em termos apelativos, como planeara e incumbira a A. de concretizar. Por essa razão ocorreu uma diminuição na rotação do produto e quebra nas vendas, o que provocou efeitos nocivos à imagem da Ré, quer junto da sua cliente, CC-S..., quer junto do seu fornecedor, DD-O..., por não ter cumprido com o plano.
E, como também resulta da prova, foi por causa da pouca rotação do produto que parte dele se inutilizou, tendo de ser desperdiçado, razão porque a CC-S...exigiu da Ré pagamento do respectivo valor – 7.170€-.
E também, por causa da quebra nas vendas, que seria esperada em situação de normalidade, a fornecedora deixou de pagar à Ré a contribuição de marketing acordada – 46.120 €-
- Como é óbvio, resulta ainda da prova que, não solucionando a A. o problema surgido durante a feira com os expositores, teve a Ré de adquirir outros, embora sem as características que pretendia e tinha acordado com a A, a outros fornecedores gastando 10.068.81 €.
- Foram, finalmente, as deficiências dos expositores que determinaram a Ré a devolvê-los à A., apesar de esta os não ter aceitado (problema que só a ela, A., diz respeito, visto que, dadas as circunstâncias, os expositores perderam toda a utilidade a que se destinavam, em consequência de acto culposo da A.).
*
Como é jurisprudência assente, o nexo causal quando na sua sequência naturalística, ou seja, quando se trate de “averiguar se o processo sequencial foi ou não, factor desencadeador, do dano, situa-se num plano de facto (cof. Ac. do S.T.J. proferido no processo 1700/08 desta 1ª secção, relatado pelo Exm.º Cons. Sebastião Povoas e no qual tiveram intervenção como adjuntos o aqui relator e o 1º adjunto) e, portanto, é insindicável pelo Supremo.
Todavia, como se viu, não é do nexo naturalístico que se trata. Esse está, como se disse, fixado pelas instâncias.
*
Ora, apurado o referido nexo naturalístico, como no caso foi, face à matéria de facto provada considerada na sua globalidade e contexto, resta “proceder à sua inserção nos princípios do Art.º 563 do C.C.”, sendo que, neste plano, estamos perante matéria de direito sobre o qual este S.T.J., pode e deve pronunciar-se, alterando, se for caso disso, a decisão da Relação.
*
Para alguns autores, o facto só é causa adequada do dano sempre que, uma vez verificado se possa ver o dano como uma sua consequência natural típica ou normal ou como um efeito provável dessa verificação.
É a chamada formulação positiva da teoria, devida a Traeger, segundo o qual de modo mais adaptável às circunstâncias da vida concreta, a condição s.q.n. só se torna causa do dano quando, pelo menos, favorecer a sua produção.
*
Para outros autores, procurando uma maior abrangência “o facto que, actuou como condição do dano só deixará de ser considerado causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto” (cof. A. Varela – ob.cit.).
Trata-se, aqui, da formulação negativa de Enneccerus – Lebmann.
*
Por outro lado, é necessário ter presente que, em qualquer das formulações referidas há que desconsiderar diversas circunstâncias que interferem no processo causal que conduziu àquele dano concreto, mas que não afectam o juízo de adequação, isto é, não interrompem o processo causal iniciado pelo facto considerado.
*
Assim e seguindo o ensinamento de A. Varela, podem retirar-se do conceito de causalidade adequada os seguintes corolários.
*
- Para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a cooperação de outros, tenha produzido o dano.
Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada impede... que ele seja apenas uma das condições desse dano”.
*
- “Para que um dano seja considerado como efeito adequado de certo facto, não é necessário que ele seja previsível para o autor desse facto”.
*
- “A causalidade, adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano.
É esse processo concreto que há-de caber na aptidão geral ou abstracta do facto para produzir o dano”.
*
Como resulta dos trabalhos preparatórios do C.C. foi exactamente a teoria da causalidade adequada a adoptada pelo legislador e expressa no actual Art.º 563º do C.C. – “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
*
A propósito deste preceito legal, observa Pereira Coelho (Obrigações – Sumário das lições 1966/67 – 163-).
“É certamente o pensamento fundamental da doutrina da causalidade adequada que aqui se quer consagrar, apelando-se para a ideia, tão vaga, mas ao mesmo tempo tão maleável de “probabilidade”.
Para melhor compreensão da fórmula do artigo 563, haverá interesse em o relacionar com o artigo anterior, no qual se assinala à obrigação de indemnizar a função de “reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
A reconstituição da situação hipotética do lesado... é o objectivo que deve propor-se a indemnização.
E a questão do nexo de causalidade será a de saber que danos teria ou não sofrido o lesado se não fosse a lesão, que danos estariam ou não contidos na tal situação hipotética.
Tratando-se aqui de uma situação hipotética, tem de jogar-se com suposições, com conjecturas, com probabilidades.
Ora, só é legítimo supor que o lesado não teria sofrido aqueles danos que eram consequências adequadas ou prováveis de facto, segundo as regras da experiência....”
*
Mas, sendo seguro que o C.C. optou pela referida teoria da causalidade adequada, já não será tão pacífico saber se optou pela formulação positiva ou pela negativa.
De facto, como alerta A. Varela (ob. Cit.) não existem elementos seguros nem na letra da lei nem no seu espírito que indiquem uma opção firme por uma ou outra formulação.
Entende, por isso, o ilustre mestre que, sendo assim, o intérprete goza da liberdade necessária para optar por aquela solução que, em tese geral se mostra a mais defensável (Art.º 10 nº3) dentro do espírito do sistema.
“E, como a doutrina mais criteriosa, quando a lesão proceda de facto ilícito (contratual ou extracontratual) é a da formulação negativa correspondente ao ensinamento de Enneccerus – Lehmann, será essa a posição que, em princípio, deve reputar-se adoptada no nosso direito constituído”.
*
E é, de facto, a orientação para que vem tendendo a doutrina e a jurisprudência .
*
*
*
Mas definidos os conceitos e aplicando-os ao caso concreto é agora fácil concluir que o incumprimento do contrato pela A. foi a causa adequada dos prejuízos ou danos sofridos pela Ré;
Não só no plano fáctico está encontrado o nexo existente entre as deficiências dos expositores e os ditos danos, como, naturalmente, se verifica que existe igualmente o nexo legal de adequação entre o facto do incumprimento e os danos reclamados em sede de reconvenção, o que significa ser evidente a adequação do nexo naturalístico à produção dos danos concretos em causa.
*
De facto foi por causa das deficiências dos expositores que a A. forneceu à Ré que não suportavam o produto que esta pretendia lançar no mercado ou divulgar, que a Ré não conseguiu expor esse produto durante a campanha, tal como planeara, sendo certo que a A. sabia bem que se pretendia lançar no mercado uma nova marca e divulgá-lo junto do maior número possível de consumidores.
Por isso mesmo a Ré encomendou à A. expositores de design único e exclusivo, diferenciados, em suma, de modo a terem um poder apelativo perante o consumidor.
Ora, todo este plano saiu frustrado quando os expositores cederam ao peso das embalagens que se destinavam a exibir, expor e divulgar, de tal modo que a Ré se viu impossibilitada de colocar os produtos nos expositores, tendo de expor parte das embalagens em prateleiras normais, entre outras marcas e sem qualquer desta que e guardar os restantes em armazém, sendo que em alguns espaços nem sequer expôs o produto.
Por isso, naturalmente, ocorreu uma diminuição da rotação do produto e quebra de vendas, ficando comprometido o sucesso do lançamento da marca M... L, com consequências nocivas para a Ré junto da CC-S...e do seu fornecedor, tendo a primeira exigido da Ré o valor dos produtos que se desperdiçaram por causa da pouca rotação dos mesmos e a segunda recusou-se a pagar a contribuição de marketing acordada, dada a quebra de vendas verificada.
Isto para além do preço de novos expositores normais, que, face à urgência, a Ré teve de comprar a outros fornecedores e da despesa que fez com a devolução dos expositores à A.
*
Portanto, foi o facto concreto do incumprimento da A. que provocou os danos ou prejuízos em causa, sendo certo que, em geral ou abstractamente considerado, tal incumprimento era adequado, segundo as regras da experiência comum, a produzir aqueles danos concretos, não podendo, de modo nenhum, concluir-se que o incumprimento da A., foi de todo indiferente indiferente para a verificação daqueles danos, assim como não se vislumbra da factualidade provada, qualquer circunstância excepcional, extraordinária ou anómala que tenha provocado tais prejuízos no caso concreto.
*
E ao mesmo juízo de adequação se chegaria com a aplicação ao caso da formulação positiva da teoria da causalidade adequada, dado que, nas circunstancias concretas em que se verificou o dano, o facto do incumprimento era, em geral ou em abstracto, causa normal ou adequada para a verificação dos danos sofridos pela Ré.
*
Portanto, existe nexo causal adequado, tal como se verificam os restantes pressupostos da obrigação de indemnizar, pelo que a Ré tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos que não teria tido, com toda a probabilidade, se não fosse o incumprimento do contrato.
*
Assim, terá a reconvenção que proceder , tal como decidiu a 1ª instância.


*
*
Decisão
*
Termos em que acordam neste S.T.J. em conceder revista e, consequentemente:
- Revogam o acórdão recorrido;
- Julgam a acção improcedente absolvendo a Ré do pedido;
- Julgam procedente o pedido reconvencional, condenando-se a A. a pagar à Ré a quantia de 62.285.61€, tal como vinha peticionado.
*
Custas pela recorrida (A.).
*

Supremo Tribunal de Justiça

Lisboa, 29 de Abril de 2010

Moreira Alves (Relator)
Alves Velho
Moreira Camilo