Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | SÉNIO ALVES | ||
Descritores: | RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA JURISPRUDÊNCIA OBRIGATÓRIA | ||
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Data do Acordão: | 09/08/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL) | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
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Sumário : | I - O recurso extraordinário de fixação de jurisprudência tem por função uniformizar a resposta jurisprudencial a situações de facto idênticas, contribuindo para uma interpretação e aplicação uniformes do direito pelos tribunais. II - Nos termos do disposto no artº 445º, nº 3 do CPP, tal acórdão “não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão”. III - As razões que podem levar um tribunal judicial a afastar-se da jurisprudência fixada são, apenas, aquelas que levam à conclusão de que a mesma está ultrapassada. IV - E isso sucederá quando (i) o tribunal judicial em causa tiver desenvolvido um argumento novo e de grande valor, não ponderado no acórdão uniformizador, (ii) quando se registar evolução doutrinal e jurisprudencial em ordem a alterar significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados, ou quando (iii) a alteração da composição do Supremo Tribunal de Justiça torne claro que a maioria dos juízes das Secções Criminais deixaram de partilhar fundadamente da posição fixada. | ||
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Decisão Texto Integral: |
I. A Exmª Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de Execução de Penas …., considerando que a decisão aí proferida em 25/11/2020 contraria o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 7/2019 (publicado no DR de 29/11/2019), veio interpor o presente recurso, ao abrigo do disposto nos artºs 406º, 407º, n.º 1, e 446º, nº 1 do Cod. Proc. Penal e 242º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, desta forma concluindo: «1. Pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2019, publicado no diário da república n.º 230/2019, série I, de 29/11/2019, foi fixada a seguinte jurisprudência: "Havendo lugar à execução sucessiva de várias penas pelo mesmo condenado, caso seja revogada a liberdade condicional de uma pena com fundamento na prática de um crime pelo qual o arguido foi condenado em pena de prisão, o arguido terá de cumprir o remanescente dessa pena por inteiro por força do disposto no artigo 63.º n.º 4 do CP, não podendo quanto a ela beneficiar de nova liberdade condicional". 2. O tribunal de execução de penas considerou que a interpretação dos correspondentes normativos é violadora do princípio da proporcionalidade - artigo 18º nº 2º da constituição da república portuguesa -, na vertente, segundo a qual, a privação da liberdade assume sempre natureza excepcional, e do princípio da socialização, na decorrência do princípio da dignidade humana - artigo 1º da constituição da república portuguesa -, e recusou aplicar a jurisprudência fixada. 3. O Ministério Público junto do tribunal de execução de penas, apesar de ter promovido no processo a aplicação da jurisprudência fixada, adere aos fundamentos do despacho recorrido, que entende acertados. 4. Efectivamente, não se descortina fundamento legal para distinguir os casos de revogação da liberdade condicional por incumprimento de regras de conduta dos casos de revogação por cometimento de novo crime - ainda que se perceba que o cometimento de um crime em liberdade condicional intensifique as exigências de prevenção geral e/ou especial -, e, por essa via, se obstar ou não à aplicação do instituto da liberdade condicional. 5. A jurisprudência fixada vai implicar que condenados que se encontrem a cumprir uma pena remanescente por revogação da liberdade condicional e/ou a cumprir penas sucessivas - remanescente por revogação da liberdade condicional acrescido de novas penas – possam estar cinco e mais anos em reclusão sem verem a sua situação apreciada para as finalidades da liberdade condicional, o que vai claramente ao arrepio do espírito do legislador, subjacente ao código da execução das penas e medidas privativas da liberdade - que, por exemplo, no seu artigo 180º veio estabelecer a exigência de renovação de instância de doze em doze meses, nos casos em que a liberdade condicional não tenha sido concedida e a prisão haja de prosseguir por mais de um ano, tudo sem prejuízo do disposto no artigo 61º do código penal - e aos princípios da reinserção social dos condenados. 6. Apesar da acertada fundamentação, o despacho recorrido viola o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2019, publicado no diário da república n.º 230/2019, série I, de 29/11/2019, e a jurisprudência nele fixada, que deve ser atendida e aplicada”. O arguido/condenado não respondeu. II. Um esclarecimento: Do despacho mencionado foi inicialmente interposto recurso para fixação de jurisprudência, por banda do Exmº Magistrado do MºPº, dirigido a este Supremo Tribunal que, contudo, o rejeitou por extemporâneo, ordenando a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Coimbra, para aí ser tramitado como recurso ordinário. No Tribunal da Relação de Coimbra foi proferida decisão sumária, rejeitando o recurso por falta de fundamentação. E a Exmª Magistrada do MºPº interpõe, agora, este recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada, concluindo da forma supra referida. III. Neste Supremo Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, que se transcreve: «1 - A Magistrada do Mº Pº no Tribunal de Execução de Penas de ..., na sequência da decisão sumária proferida a 16/04/2021 pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que rejeitou o recurso por falta de motivação, vem, por requerimento de 14/06/2021, interpor novo recurso da decisão proferida por aquele Tribunal a 25/11/2020, para este Supremo Tribunal, invocando o disposto no art. 446, do CPP e art. 242, nº 1, al. a), do CEPMPL, por considerar que a mesma contraria a jurisprudência fixada pelo Acórdão do STJ nº 7/2019, publicado no D. R. 230/2019, série I, de 29/11/2019. Nesse despacho, proferido na sequência da promoção do MºPº de 30/09/2020 (fl.141 da certidão que deu origem aos presentes autos) em que não procedeu ao cômputo das penas em cumprimento sucessivo invocando a jurisprudência decorrente daquele acórdão de fixação de jurisprudência, consignou-se que: - “a impossibilidade de apreciação da liberdade condicional relativamente à pena remanescente decorrente da revogação da liberdade condicional, quando a revogação decorre, como é o caso dos autos, da prática de um crime, e a consequente impossibilidade de formulação do cômputo a que alude o art. 185º nº 8 do CEP e o art. 63º do CP, não se poderá ter, pois, como constitucionalmente tolerável. Sendo, no nosso entendimento, tal interpretação violadora do princípio da proporcionalidade (art. 18º nº 2º da CRP), na vertente, segundo a qual, a privação da liberdade assume sempre natureza excepcional, e do princípio da socialização, na decorrência do princípio da dignidade humana (art. 1º da CRP), só resta a desaplicação da norma prevista no art. 63º nº 4 do CP, quando interpretada nesse sentido, em obediência ao disposto no art. 204º da Lei Fundamental, com a consequente formulação do cômputo alternativo”. Concluindo: “Nestas circunstâncias, entendemos que por ser igualmente admissível a liberdade condicional no que tange a pena remanescente, o cumprimento da mesma por inteiro não deverá ser exigido para a apreciação da liberdade condicional, pelo que, em consequência, julgamos que a liberdade condicional deverá ser apreciada no dia 25/1/2023, data em que é atingido o ½ da soma das penas, ocorrendo os 2/3 das penas em 15/5/2024, os 5/6 em 27/3/2026 e o seu termo em 27/6/2027, assim se divergindo do entendimento plasmado no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 7/2019.” E, na sequência de tal entendimento, determinou: “Em consequência, a apreciação da liberdade condicional, relativamente a todas as penas em execução terá lugar por referência ao dia 25/1/2023, data em que será atingido o ½ do somatório. Assim, e tendo em conta tal data, cumpra, com 90 dias de antecedência, e com 30 dias de prazo de execução, o disposto no art. 173º nº 1, als. a) e b) do CEP. Notifique Comunique aos serviços prisionais e de reinserção social. Com referência ao dia 18/3/2021, emita mandados de desligamento do condenado do proc. 339/08…, à ordem do qual cumpre pena e ligamento à ordem do proc. 12/19…, para cumprimento da pena nesses autos aplicada.” 2 - A Magistrada recorrente refere que interpõe o recurso «por dever de ofício», uma vez que, “ainda que com acertada fundamentação, o despacho recorrido viola o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2019, publicado no diário da república n.º 230/2019, série I, de 29/11/2019, e a jurisprudência nele fixada”. Renova e faz seus os argumentos expressos no despacho recorrido para fundamentar a interpretação do art. 63, nº 4, do Código Penal, em sentido discordante da jurisprudência fixada naquele acórdão de fixação de jurisprudência, apesar de ter promovido no processo a aplicação da jurisprudência fixada no acórdão uniformizador em causa. 3 - O art. 446, do CPP dispõe o seguinte: “1 - É admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo correspondentemente aplicáveis as disposições do presente capítulo. 2 - O recurso pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público. 3 - O Supremo Tribunal de Justiça pode limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada, apenas devendo proceder ao seu reexame se entender que está ultrapassada.” Como decorre do disposto nos artigos 439, nº 1, 441º, nº 1 e 442º, n.º 1, todos do CPP, aplicáveis por força do disposto no nº 1, do art. 446, do mesmo código, a pronúncia neste momento processual deve incidir apenas sobre os pressupostos processuais comuns aos recursos ordinários, tais como a competência, legitimidade, tempestividade, regime e efeito, e sobre os pressupostos próprios deste recurso – a efectiva oposição de soluções sobre a mesma questão de direito. Assim, o Mº Pº tem legitimidade para recorrer, tem até uma legitimidade vinculada, como refere Pereira Madeira em anotação ao art. 446, no CPP comentado, de que é coautor, ed.2016. O recurso é tempestivo, uma vez que foi interposto a 14/06/2021, ou seja, dentro dos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado do despacho recorrido, que ocorreu com o trânsito em julgado da decisão sumária que rejeitou o recurso, interposto pelo Mº Pº, daquele despacho e que ocorreu a 24/05/2021, como consta certificado a fls 116 do processo físico (o processo electrónico não contém esta certificação nem qualquer outro elemento que permita aferir da data do trânsito em julgado da decisão recorrida). E o Supremo Tribunal de Justiça tem competência para conhecer do recurso nos termos do disposto no art 446, atrás citado. 4 - No que respeita ao requisito substantivo, a efectiva oposição de julgados, que no caso configura uma recusa de aplicação da jurisprudência fixada no acórdão uniformizador, afigura-se-nos ser de concluir pelo seu preenchimento. O acórdão de fixação de jurisprudência nº 7/2019 fixou jurisprudência no sentido de que: «Havendo lugar à execução sucessiva de várias penas pelo mesmo condenado, caso seja revogada a liberdade condicional de uma pena com fundamento na prática de um crime pelo qual o arguido foi condenado em pena de prisão, o arguido terá de cumprir o remanescente dessa pena por inteiro por força do disposto no artigo 63.º, n.º 4, do CP, não podendo quanto a ela beneficiar de nova liberdade condicional.» A decisão recorrida, depois de concluir pela inconstitucionalidade da interpretação do art. 63, nº 4, do Código Penal adoptada naquele acórdão de fixação de jurisprudência, recusou, expressamente, a aplicação daquela norma com essa interpretação, procedeu ao cômputo das penas, incluindo a pena residual decorrente da revogação da liberdade condicional e fixou as datas para a apreciação da liberdade condicional, relativamente a todas as penas em execução sucessiva. Assim, do confronto da jurisprudência fixada pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 7/2019 com o despacho recorrido e a situação que lhe está subjacente, ressalta como evidente a violação daquela jurisprudência. 5 - O art. 445, nº 3 dispõe que a «decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judicias, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada». A decisão recorrida fundamentou essa decisão, mas fê-lo com recurso a argumentos já considerados no próprio acórdão de fixação de jurisprudência, alguns deles constantes de votos de vencido que o integram. O nº 3, do art 446, do CPP, dispõe que: o “Supremo Tribunal de Justiça pode limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada, apenas devendo proceder ao seu reexame se entender que está ultrapassada”. No caso dos autos, há que considerar, para além de que o recurso e a decisão recorrida não aventam argumentos novos e ponderosos que devam ser analisados e discutidos, o acórdão em causa foi publicado há menos de 2 anos (29/11/2019) e não houve qualquer alteração do quadro legislativo subjacente à sua fundamentação. Desta forma, não se vê qualquer justificação para que se proceda ao reexame da jurisprudência fixada naquele acórdão uniformizador. Assim, sendo evidente a violação dessa jurisprudência pelo despacho recorrido, mas não se verificando quaisquer circunstâncias que a ponham em causa, deve este Supremo Tribunal, tendo em consideração o que dispõe o nº 3, do art. 446, do CPP, limitar-se a reconhecer o conflito entre as decisões e aplicar a jurisprudência fixada, decorrente do acórdão nº 7/2019, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 29/11/2019, sem necessidade de se proceder ao seu reexame». IV. Realizado exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência. O presente recurso foi interposto, como se disse, ao abrigo do disposto no artº 446º, nº 1 do CPP, por ser entendimento do Ministério Público que a decisão recorrida foi proferida contra jurisprudência fixada no Ac. Fixação Jurisprudência nº 7/2019, proferido em 4 de Julho de 2019 e publicado no DR 1ª série, nº 230, de 29/11/2019. A decisão recorrida é do seguinte teor: «Não obstante ter o recluso a cumprir uma pluralidade de penas, sendo uma delas decorrente da revogação da anterior liberdade condicional, com fundamento na prática de crime no respectivo período, promoveu o Ministério Público, na sequência do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 7/2019, seja determinado o cumprimento da referida pena remanescente por inteiro, não tendo realizado, por isso, o cômputo de todas as penas em execução. Coloca-se assim no presente caso a aplicação do entendimento preconizado pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 7/2019 (publicado no Diário da República, 1ª série, a 29/11/2019), segundo o qual “havendo lugar à execução sucessiva de várias penas pelo mesmo condenado, caso seja revogada a liberdade condicional de uma pena com fundamento na prática de um crime pelo qual o arguido foi condenado em pena de prisão, o arguido terá de cumprir o remanescente dessa pena por inteiro por força do disposto no artigo 63º nº 4 do CP, não podendo quanto a ela beneficiar de nova liberdade condicional”. Nos termos do disposto no art. 42º nº 1 do CP, “a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”. Da expressa remissão do nº 2 desse mesmo artigo para o regime da execução da pena consagrado no CEP, constata-se que, de acordo com art. 2º deste diploma, “a execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade visa a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a protecção dos bens jurídicos e a defesa da sociedade”. Incidente ou medida de execução da pena de prisão, “a liberdade condicional tem como escopo criar um período de transição entre a reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, de forma equilibrada, não brusca, recobrar o sentido de orientação social necessariamente enfraquecido por efeito do afastamento da vida em meio livre e, nesta medida, a sua finalidade primária é a reinserção social do cidadão recluso” (Anabela Rodrigues, A Fase de Execução das Penas e Medidas de Segurança no Direito Português, BMJ, 380, pág. 26). A compreensão da liberdade condicional no seu actual figurino e finalidades, impõe que se deva considerar que tal instituto serve, no fundo, o propósito de adequar a execução da pena de prisão ao estádio de evolução do processo de socialização do condenado, devendo a mesma ser concedida – desde que a tal não se oponham considerações de prevenção geral – logo que o condenado se mostre preparado para conduzir a sua vida de forma socialmente responsável, sem cometer outros crimes. Isto porque quer a aplicação da pena de prisão, quer a sua efectiva execução são, no nosso ordenamento jurídico, medidas de último recurso, de ultima ratio, em obediência a critérios constitucionais de estrita proporcionalidade quando se trata de restringir direitos, como é o direito à liberdade. Decorre expressa e literalmente do nº 3 do art. 64º do CP, cuja epígrafe é absolutamente clara quanto à matéria que regula - “regime da liberdade condicional” -, que “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61º”, visto que, de acordo com o nº 2, “a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida”. Em inteira consonância com o que aí está estatuído, dispõe, por sua vez, o art. 185º nº 8 do CEP que “em caso de revogação, o Ministério Público junto do tribunal de execução de penas efectua o cômputo da pena de prisão que vier a ser cumprida, para efeitos do nº 3 do art. 64º do Código Penal, sendo o cômputo, depois de homologado pelo juiz, comunicado ao condenado”. Por via da expressa remissão operada, precipitam-se desde logo duas conclusões. De um lado, nesse cômputo importa considerar, não a pena inicialmente aplicada, cuja liberdade condicional veio a ser revogada, mas antes a que vier a ser cumprida, em resultado dessa revogação. De outro, relativamente à pena que vier a ser cumprida, há lugar à determinação, se a sua duração o consentir, dos marcos temporais a que alude o art. 61º do CP, sem quaisquer restrições, incluindo, se for o caso, o dos 5/6. Aliás, este é o entendimento defendido por Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pág. 550), quando sublinha que “esta doutrina está político-criminalmente justificada: se o resto da pena a cumprir é ainda por tempo que, se se tratasse de pena privativa da liberdade autónoma, justificaria a eventual concessão da liberdade condicional, não há qualquer razão para que esta esteja excluída, tudo devendo depender do novo juízo de prognose que o Tribunal haverá de efectuar”, entendimento reiterado na Comissão Revisora do Código Penal de 1982 (Actas e Projecto, Ministério da Justiça, 1993, pág.157), quando, a propósito da determinação de qual a pena a cumprir insistiu que “nunca pode ter como pressuposto o cumprimento da pena inicial, mas sim o resto desta. Quanto à questão de nova liberdade condicional, é uma verdadeira e importante questão de política criminal que aqui está em jogo”. Note-se, também, que a expressão utilizada pelo legislador, quer no art. 64º nº 3 do CP, quer no art. 185º nº 8 do CEP é de sentido unívoco: “pena que vier a ser cumprida” é a pena que remanesce após a revogação da liberdade condicional. Assim como deveria ser incontestado que relativamente a esta pena pode haver lugar à concessão de nova liberdade condicional, nos termos do art. 61º do CP [1]. O regime que se acabou sumariamente de descrever é, no entanto, colocado em crise quando se parte para análise da regulamentação da “liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas”, prevenido no art. 63º do CP, exactamente com essa epígrafe. Pressupondo-se que a liberdade condicional só deve ser apreciada quando se encontrarem reunidos os pressupostos para tal relativamente a todas as penas, com adopção da tese da soma, e estatuindo-se a possibilidade da concessão da denominada liberdade condicional ope legis mesmo para penas que, se individualmente consideradas (por terem duração igual ou inferior a 6 anos de prisão), dela individualizadamente não beneficiariam, o legislador excluiu, expressamente, no nº 3 dessa mesma norma, tal possibilidade quando uma das penas resulte da revogação da liberdade condicional antes concedida. Esse é o sentido da preposição “se dela antes não tiver aproveitado” ali introduzido. Contraditoriamente, porém, no nº 4, afastou o regime acabado de regular para os 5/6, ao estatuir que “o disposto nos números anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional.” Numa das interpretações do quanto é regulado para a “liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas”, se se considerar apenas o disposto no nº 4 do art. 63º, nunca a liberdade condicional seria admissível se uma das penas resultasse da revogação da anterior liberdade condicional. Sucede, no entanto, que tal interpretação sempre esbarraria na norma constante do nº 3, onde se exclui, de forma directa, a possibilidade de concessão da liberdade condicional pelos 5/6 a quem dela antes tiver aproveitado, regra esta directa e expressamente afastada, afinal, pela previsão do nº 4. Na conjugação das referidas normas, a Jurisprudência Fixada aponta, para além da acima primeiramente transcrita conclusão, mas agora no corpo da fundamentação, uma segunda: a possibilidade de concessão de nova liberdade condicional relativamente à pena resultante da revogação só é admissível quando “a revogação tem lugar com fundamento na violação das condições impostas à liberdade condicional – artigos 187º do CEPMPL e 57, nº 1 al. a) do CP” (pág. 61, 6º parágrafo, parte final, do acórdão), defendendo, em suma, que entre as normas previstas no art. 63º nº 4 e 64º nº 3 do CP intercede uma relação de especialidade, na medida em que a primeira delas regulamenta a revogação da liberdade condicional na execução sucessiva, ao passo que a segunda é apenas aplicável às situações de revogação da liberdade condicional sem que outras penas existam para cumprir (pág. 57, último parágrafo e 58 do acórdão). Ou seja, preconiza uma interpretação restritiva da aplicabilidade de um instituto legal que dispõe sobre matéria relacionada com a liberdade, assente em razões que transcendem, no nosso modesto entendimento, as finalidades da liberdade condicional, os princípios subjacentes à execução da pena de prisão e a própria natureza jurídica do instituto, já que lhe faz associar considerações atinentes ao “merecimento” da medida ou ao injustificado “benefício do infractor” em que se traduzira a sua eventual concessão. Não atendendo, assim, a dois aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, que ao incumprimento da liberdade condicional já está associada uma grave sanção, que consiste, precisamente, na sua revogação (caso seja essa, entre as medidas aplicáveis, aquela que se justifica no caso concreto). Depois, por desconsiderar que a possibilidade de apreciação de nova liberdade condicional não equivale, nem nunca pode equivaler, à sua efectiva concessão, sendo certo que nestas condições, por ter existido uma anterior defraudação do juízo de prognose favorável, necessariamente um novo juízo (jurisdicional) a formular não poderá nunca deixar de ser mais exigente, mais rigoroso e mais cauteloso. Disso, de resto, dá conta o legislador ao utilizar, no acima referido art. 64º nº 3 a expressão “pode”, quando é incontestado que a concessão da liberdade condicional não é um poder discricionário do juiz, mas um verdadeiro poder-dever (como se extrai da formulação imperativa utilizada nos nºs 2 e 3 do art. 61º “o tribunal coloca o condenado…”, o que inculca, precisamente, essa diferença). A possibilidade de concessão da liberdade condicional não depende, estamos em crer, das vicissitudes antecedentes ao cumprimento da pena, nem estas podem obstar à sua eventual concessão, sob pena da desfiguração do instituto. E nem se argumente com a impossibilidade da coexistência de penas que admitem apreciação de liberdade condicional com penas que não a admitem, visto que se há algo que é claro é que a norma que estabelece o regime da liberdade condicional (e a sua revogação) – art. 64º -, dispõe expressamente quanto à possibilidade de nova concessão, independentemente das causas que originaram a revogação, nova concessão essa à qual não é ligada qualquer restrição que não a que decorre do regime geral, prevenido no art. 61º. Ou seja: não associa o legislador qualquer outra consequência ao incumprimento para além daquele ali enunciado no nº 2 do referido art. 64º. Na relação que a norma do nº 3 do art. 64º estabelece com as previstas nos vários números do art. 63º, julgamos que só pode ser surpreendido um único sentido: impossibilitar a concessão da liberdade condicional ope legis nos casos em que o condenado dela tiver antes aproveitado, por ficar vedada a soma da pena remanescente às demais para cálculo dos 5/6. Pois se as novas penas por si só (ou somadas entre si) tiverem duração superior, a liberdade condicional deverá ser concedida logo que cumpridos os 5/6 da soma das mesmas e a totalidade da pena remanescente ou se a própria pena remanescente for de duração superior a 6 anos, pelos 5/6 de todas elas (em sentido próximo, Joaquim Boavida, A Flexibilização da Prisão, Almedina, 2018, pág. 197). Atentemos, agora, ao caso dos autos, do qual resulta que o condenado tem a cumprir as seguintes penas: - 11 meses e 2 dias de prisão, decorrente da revogação da anterior liberdade condicional, respeitante ao proc. 339/08…; - 1 anos e 6 meses de prisão, referente ao proc. 29/15…; - 6 anos de prisão, respeitante ao proc. 12/19…. O condenado tem a cumprir um total de 8 anos, 5 meses e 2 dias de prisão (somatório de todas as referidas penas), pelo que o que está verdadeiramente em causa é saber a partir de que momento do cumprimento desse somatório poderá ver a liberdade condicional apreciada e, se for o caso, concedida [2]. No caso, o condenado está ininterruptamente privado da liberdade desde 25/1/2019, inicialmente em prisão preventiva à ordem do proc. 12/19…, detenção esta objecto de desconto no âmbito da liquidação da pena realizada no proc. 29/15… (fls. 106). Foi ligado para cumprimento da pena remanescente respeitante ao proc. 339/… em 16/4/2020, com termo previsto para 18/3/2021, como resulta de fls. 130 e 131. Realizado o cômputo como protagonizamos, ou seja – sem que se exija o cumprimento integral da pena remanescente -, os marcos temporais a considerar, para apreciação da liberdade condicional, serão os seguintes, com excepção dos 5/6 e do termo, que são idênticos (5/6 em 27/3/2026, correspondentes aos 5/6 da soma das novas penas com a integralidade da pena remanescente; termo da soma em 27/6/2027): - ½ da soma novas penas, acrescido do mínimo legal de 6 meses referente à pena remanescente (por imposição do cumprimento de 6 meses previsto no art. 61º nº 2) –25/1/2023; - 2/3 de todas as penas – 5/9/2024 Formulado o cômputo em conformidade com a Jurisprudência Fixada, e como protagonizado pelo Ministério Público, por considerar que a pena remanescente deverá ser integralmente cumprida, serão os seguintes os marcos temporais a atender: - cumprimento integral da pena remanescente e ½ da soma das novas penas – 27/9/2023; - cumprimento integral da pena remanescente e dos 2/3 das novas penas – 27/12/2024. Se é certo que no caso em apreciação, face aos seus concretos dados, não se perscruta uma assinalável diferença nos marcos temporais para apreciação da liberdade condicional, nem por isso a situação em análise deixa de merecer ponderação [3]. É que servindo a execução da pena de prisão a socialização do condenado, e visando a liberdade condicional assistir tal princípio, não nos parece admissível que a possibilidade de aplicação do instituto esteja afivelada a considerações que claramente são alheias aos pressupostos materiais de que depende a sua concessão (als. a) e b) do nº 2 do art. 61º do CP) e aos princípios que lhe estão subjacentes. Mais ainda: não se descortina, pela ausência de qualquer fundamento em que pudesse, razoavelmente, tal diferenciação ancorar, a razão pela qual a possibilidade de nova liberdade condicional seja inviabilizada consoante a origem do incumprimento anterior, já que, a final, esse incumprimento há-de sempre e imperativamente encontrar fundamento na definitiva defraudação do juízo de prognose antes realizado, nos termos das als. a) e b) do nº 1 do art. 56º, aplicável ex vi do disposto no art. 64º nº 1, todos do CP (além do mais, em exercício crítico sobre o regime anterior e a automaticidade nele prevista nos casos de revogação da suspensão da execução da pena por cometimento de crime, cfr. Figueiredo Dias, Velhas e Novas Questões Sobre a Pena de Suspensão da Execução da Prisão, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 124, págs. 205 e 206). Nestas circunstâncias, afigura-se que a inadmissibilidade da apreciação da liberdade condicional quanto à pena remanescente, e consequentemente, a sua eventual concessão – por efeito da exigência do seu cumprimento integral, com o protelamento da apreciação – colocará claramente em crise o princípio da socialização que preside à execução da pena, na medida em que poderá eventualmente redundar na manutenção da reclusão de um condenado, mesmo que todos os pressupostos materiais previstos para a concessão da liberdade condicional se verificassem ao ponto de não ser mais justificada a continuação da privação da liberdade, obstando, injustificadamente, à sua reintegração em meio livre. Por outro lado, não nos parece que fique salvaguardada a cláusula de ultima ratio em que consiste a privação da liberdade, se a persistência desta não encontrar fundamento na subsistência de exigências de prevenção, o que indisputadamente sucede caso se negue, ab initio, a possibilidade de apreciação ope judicis da liberdade condicional também para os casos em que a revogação tenha tido na sua origem a prática de um crime. Se execução da pena de prisão só encontra justificação na verificação e subsistência de razões de prevenção, afigura-se manifestamente desproporcional, por desadequada, que à possibilidade de concessão da liberdade condicional sejam associadas considerações relacionadas com as vicissitudes que antecederam a reclusão, a qual, a assim se entender, poderá mesmo persistir para lá daquilo a que, na justa medida, seria exigível para satisfação do que verdadeiramente a fundamenta e legitima. Com efeito, ao ser negada a possibilidade de apreciação da liberdade condicional, mais a mais com base em considerações que não contendem nem sequer indirectamente com os princípios orientadores da execução da pena de prisão, e muito menos ainda com as finalidades da execução da pena, fica claramente maculado o princípio da proporcionalidade (art. 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, CRP, daqui em diante), na vertente, segundo a qual, a privação da liberdade assume sempre carácter de último recurso (e seus subprincípios da adequação, exigibilidade e justa medida, a cujos testes certamente sucumbirá), como fica indelevelmente tocado o princípio da socialização, nos termos do qual, incumbe ao Estado promover a socialização do condenado, na decorrência do princípio da dignidade humana (art. 1º, também da CRP). Pelo que, e em conclusão, a impossibilidade de apreciação da liberdade condicional relativamente à pena remanescente decorrente da revogação da liberdade condicional, quando a revogação decorre, como é o caso dos autos, da prática de um crime, e a consequente impossibilidade de formulação do cômputo a que alude o art. 185º nº 8 do CEP e o art. 63º do CP, não se poderá ter, pois, como constitucionalmente tolerável. Sendo, no nosso entendimento, tal interpretação violadora do princípio da proporcionalidade (art. 18º nº 2º da CRP), na vertente, segundo a qual, a privação da liberdade assume sempre natureza excepcional, e do princípio da socialização, na decorrência do princípio da dignidade humana (art. 1º da CRP), só resta a desaplicação da norma prevista no art. 63º nº 4 do CP, quando interpretada nesse sentido, em obediência ao disposto no art. 204º da Lei Fundamental, com a consequente formulação do cômputo alternativo. Nestas circunstâncias, entendemos que por ser igualmente admissível a liberdade condicional no que tange a pena remanescente, o cumprimento da mesma por inteiro não deverá ser exigido para a apreciação da liberdade condicional, pelo que, em consequência, julgamos que a liberdade condicional deverá ser apreciada no dia 25/1/2023, data em que é atingido o ½ da soma das penas, ocorrendo os 2/3 das penas em 15/5/2024, os 5/6 em 27/3/2026 e o seu termo em 27/6/2027, assim se divergindo do entendimento plasmado no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 7/2019. Notifique. Em consequência, a apreciação da liberdade condicional, relativamente a todas as penas em execução terá lugar por referência ao dia 25/1/2023, data em que será atingido o ½ do somatório. Assim, e tendo em conta tal data, cumpra, com 90 dias de antecedência, e com 30 dias de prazo de execução, o disposto no art. 173º nº 1, als. a) e b) do CEP. Notifique Comunique aos serviços prisionais e de reinserção social. Com referência ao dia 18/3/2021, emita mandados de desligamento do condenado do proc. 339/…, à ordem do qual cumpre pena e ligamento à ordem do proc. 12/..., para cumprimento da pena nesses autos aplicada». De seu turno, o STJ fixou jurisprudência (AFJ nº 7/2019) no seguinte sentido: “Havendo lugar à execução sucessiva de várias penas pelo mesmo condenado, caso seja revogada a liberdade condicional de uma pena com fundamento na prática de um crime pelo qual o arguido foi condenado em pena de prisão, o arguido terá de cumprir o remanescente dessa pena por inteiro por força do disposto no artigo 63.º n.º 4 do CP, não podendo quanto a ela beneficiar de nova liberdade condicional”. A questão de direito subjacente (saber se, havendo lugar à execução sucessiva de várias penas pelo mesmo condenado, caso seja revogada a liberdade condicional de uma das penas com fundamento na prática de um crime pelo qual o arguido foi condenado em pena de prisão, o arguido terá de cumprir o remanescente dessa pena por inteiro por força do disposto no artigo 63.º, n.º 4, do CP, ou se poderá ainda beneficiar de nova liberdade condicional quanto à pena no âmbito da qual ocorreu a revogação, nos termos do artigo 64.º, n.º 3, do CP) era, como é sabido e disso se dá nota, com particular clareza, no referido AFJ, objecto de opiniões desencontradas na jurisprudência e na doutrina. Esse desencontro de opiniões é, aliás, patente no modo como tal AFJ foi aprovado: num total de 17 votos, a posição que fez vencimento obteve a concordância de 10 Juízes Conselheiros e a discordância expressa dos restantes 7. Que a decisão recorrida foi proferida contra jurisprudência fixada é algo que não oferece dúvida ou contestação: é a Mª juíza subscritora quem expressamente o afirma, assumindo a divergência; e é o que resulta claramente do confronto das duas decisões: na decisão recorrida, em evidente desencontro com a jurisprudência fixada no AFJ nº 7/2019, a Mª juíza, numa situação em tudo idêntica à que foi apreciada neste aresto do STJ, entendeu que “por ser igualmente admissível a liberdade condicional no que tange a pena remanescente, o cumprimento da mesma por inteiro não deverá ser exigido para a apreciação da liberdade condicional, pelo que, em consequência, julgamos que a liberdade condicional deverá ser apreciada no dia 30/9/2021, data em que é atingido o ½ da soma das penas, ocorrendo os 2/3 das penas em 5/9/2022 e o seu termo em 19/7/2024, assim se divergindo do entendimento plasmado no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 7/2019” (subl. nosso). Ora, a questão de direito abordada no AFJ nº 7/2019 é, naturalmente, delicada e controversa. Como referido, as posições sustentadas nos acórdãos em oposição (recorrido e fundamento) dividiam a jurisprudência e a doutrina nacionais e estavam na base de decisões díspares e, por isso, geradoras de incerteza e insegurança jurídicas [4]. Mas a verdade é que o recurso extraordinário de jurisprudência tem exactamente por função “a uniformização da resposta jurisprudencial, contribuindo para uma interpretação e aplicação uniformes do direito pelos tribunais, a igualdade, a certeza e a segurança jurídica no momento de aplicar o mesmo direito a situações da vida que são idênticas” [5]. E foi com esse exato sentido e finalidade que foi proferido o AFJ 7/2019: uniformizar a resposta jurisprudencial numa matéria em que os nossos tribunais superiores estavam profundamente divididos, desta forma criando alguma certeza e segurança jurídica. Ora, como se afirma no Ac. RE de 24/5/2011, Proc. 409/08.1TAVRS.E1, relatado pelo aqui também relator, «Nos termos do disposto no artº 445º, nº 3 do CPP, tal acórdão “não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão”. Com esta norma não se quis, como bem observa o STJ, no seu Ac. de 27/02/2003, relatado pelo Cons. Simas Santos, www.dgsi.pt, “referir o dever geral de fundamentação das decisões judiciais (artºs 97º, nº 4, 374º do CPP), antes postular um dever especial de fundamentação destinado a explicitar e explicar as razões de divergência em relação à jurisprudência fixada”. Mais: havendo recurso obrigatório das decisões proferidas contra jurisprudência fixada pelo STJ e limitando-se este Tribunal a aplicar a jurisprudência fixada, “apenas devendo proceder ao seu reexame se entender que está ultrapassada” - artº 446º, nº 3 do CPP - as únicas razões que podem levar um tribunal judicial a afastar-se da jurisprudência fixada são, então, aquelas que levam à conclusão de que a mesma está ultrapassada. Ainda segundo o entendimento perfilhado no Ac. STJ de 27/02/2003 supra referido, isso sucederá quando: “- o tribunal judicial em causa tiver desenvolvido um argumento novo e de grande valor, não ponderado no acórdão uniformizador (no seu texto ou em eventuais votos de vencido), susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada; - se tornar patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados, por forma a que, na actualidade, a sua ponderação conduziria a resultado diverso; ou, finalmente, - a alteração da composição do Supremo Tribunal de Justiça torne claro que a maioria dos juízes das Secções Criminais deixaram de partilhar fundadamente da posição fixada”» [6]. Ora, nenhuma destas três situações se verifica no caso em apreço. De um lado, os argumentos sustentados na douta decisão recorrida não vão além daqueles que constavam do acórdão fundamento (proferido pelo TRP em 24/11/2017, no Pr. 441/13.3.TXPRT-L.P1) e, também, nas declarações de voto de vencido lavradas no citado AFJ, particularmente (ao menos no que respeita à pretensa violação do princípio da proporcionalidade previsto no artº 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa) na declaração de voto do Exmº Cons. Santos Cabral, argumentos que foram detalhadamente analisados no AFJ nº 7/2019. De outro lado, o escasso tempo de vigência do AFJ nº 7/2019 do STJ não permitiu evolução doutrinal e jurisprudencial sobre o tema em apreço com argumentação em sentido diverso, a sustentar a suposição de que hoje, poucos meses decorridos, a sua ponderação conduziria a resultado diverso do alcançado. Note-se, aliás, que o AFJ em questão foi publicado em DR no dia 29 de Novembro de 2019 e a douta decisão recorrida foi proferida menos de 1 ano depois. Por fim (e como dispensa grandes considerações) não se registou alteração significativa da composição do STJ, a evidenciar que os seus juízes, na sua maioria, deixaram de partilhar a posição que subscreveram há tão pouco tempo. V. Por tudo quanto exposto fica, acordam os juízes deste Supremo Tribunal de Justiça - 3ª Secção – em dar provimento ao presente recurso extraordinário, e consequentemente revogam a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra em conformidade com a jurisprudência fixada pelo supra citado Acórdão nº 7/2009, do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República, Série I, de 29 de Novembro de 2019. Sem custas. Lisboa, 8 de Setembro de 2021(processado e revisto pelo relator) Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator) Atesto o voto de conformidade da Exmª Srª Juíza Conselheira Ana Maria Barata de Brito _______ [1] Tomem-se em linha de conta os seguintes exemplos práticos, consoante o entendimento do que é a pena remanescente, com as necessárias consequências no que tange a possibilidade de apreciação e concessão de nova liberdade condicional: |