Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
| Relator: | FERNANDES DO VALE | ||
| Descritores: | SEGURO DE VIDA MORTE PAGAMENTO ACERVO HEREDITÁRIO DOAÇÃO LIBERALIDADE REDUÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 06/17/2014 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS SINGULARES - DIREITO DAS SUCESSÕES / SUCESSÃO LEGITIMÁRIA. DIREITO COMERCIAL - CONTRATO DE SEGURO. DIREITO DOS SEGUROS - SEGURO DE VIDA. | ||
| Doutrina: | - A. Varela, Das Obrigações, 6ª Ed., Vol. I, p. 375. - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 10.ª Ed., Vol. I, p. 608 e segs. e R. L. J, Ano 123º, p. 189 e segs., em anotação discordante ao Ac. deste Supremo, de 25.05.85. - I. Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Actualizado, p. 494. - Leite de Campos, Contrato a Favor de Terceiro”, pp. 13, 51 e 79. - Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1980, 1.º, p. 535. - Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 6.ª Ed., Vol. I, p. 264 e segs.. - Vaz Serra, in R. L. J., 112º - 113. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 68.º, N.º1, 2162.º. CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGO 460.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 414.º. D.L. N.º 72/2008, DE 16-04: - ARTIGOS 81.º, 198.º, N.ºS1 E 2, AL. A), 200.º. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 21.03.03 – COL/STJ – 1º/176. | ||
| Sumário : | I - No contrato de seguro de vida em caso de morte previsto nos arts. 183.º e segs. do DL n.º 72/2008, de 16-04, o valor da prestação a que a promitente/seguradora está vinculada ingressa, directa e automaticamente, na esfera jurídico-patrimonial do terceiro/beneficiário designado, não podendo ficcionar-se o respectivo “trânsito” pela esfera jurídico-patrimonial do promissário/tomador do seguro. II - Tal valor não se encontra abarcado pelas disposições relativas à colação, à imputação, redução de liberalidades e impugnação pauliana, cuja aplicabilidade, no caso, se mostra limitada às quantias prestadas pelo tomador do seguro ao segurador. | ||
| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 930/11.4T2AVR.C1.S1[1] (Rel. 166)
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça
1 – AA e José BB instauraram, em 16.05.11, na comarca do Baixo Vouga, (Aveiro – 2º Juízo de Grande Instância Cível), acção declarativa, com processo comum e sob a forma ordinária, contra “Centro Paroquial e Social de CC”, pedindo: --- Que sejam declarados anulados os actos notariais consubstanciados no testamento e na procuração referidos na p. i.; --- Que sejam declarados pertencentes à herança deixada por DD todos os bens, incluindo os valores depositados no Banco EE, na Caixa FF e na GG; --- Que o R. seja condenado a restituir à mesma herança, de que os AA. são os únicos titulares, todos os valores de que se tenha apropriado, por meio dos referidos instrumentos notariais; e --- Que, assim não sendo decidido, seja o legado feito ao R. reduzido para a quantia de € 31 333,33 e o R. condenado a restituir o que, além da quota disponível do testador, se tenha apropriado também por meio dos citados instrumentos notariais. Fundamentando a respectiva pretensão, alegaram, em resumo e essência: / --- São os únicos herdeiros de DD, falecido em 17.05.09, o qual, poucos dias antes de falecer, outorgou testamento, mediante o qual declarou que deixava ao R. os valores que se encontrassem em seu nome em qualquer conta aberta no “Banco EE, S. A.” e, bem assim, os valores referentes à apólice nº … da “GG” e outorgou procuração ao HH, enquanto Presidente da Direcção do Centro-R., em que deu poderes para movimentar qualquer conta bancária dele mandante, a débito ou a crédito, aberta no “Banco EE, S. A.”, ou na “Caixa FF, S. A.”, podendo, além do mais, ordenar a transferência total ou parcial dos respectivos saldos, sendo que, no momento da outorga dos referidos actos notariais, o seu pai se encontrava incapacitado para entender o que lhe era dito e para manifestar a sua vontade, o que os representantes legais do Centro-R. sabiam, pelo que tais actos notariais são inválidos; --- À data da morte, o pai dos AA. tinha, no “Banco EE”, depositada quantia que excedia € 95 000,00, ignorando-se quanto existiria na referida apólice da “GG” e na “Caixa FF”; --- O R. fez suas todas essas quantias depositadas; --- Além dos valores depositados, o testador e pai dos AA. deixou um pequeno prédio rústico, na freguesia de Válega, cujo valor venal não excede € 500,00, pelo que sempre o legado seria inoficioso. A R. apresentou contestação na qual, em resumo, começou por excepcionar a caducidade do direito de redução das alegadas liberalidades inoficiosas, impugnando, de seguida, a essencialidade dos factos em que os AA. fundamentam os seus pedidos, concluindo que deve a acção ser julgada improcedente. Replicaram, ainda, os AA., pugnando pela improcedência da deduzida excepção peremptória da caducidade. Foi proferido despacho saneador em que, além do mais tabelar, foi relegado para final o conhecimento da deduzida excepção peremptória da caducidade, com subsequente enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória (b. i.), de que, em vão, reclamou a R. Prosseguindo os autos a sua tramitação, veio, a final, a ser proferida (em 25.09.12) sentença que, após, julgar improcedente a sobredita excepção e na parcial procedência da acção, decidiu: I – Absolver o R. do pedido formulado, a título principal, de anulação dos actos notariais de testamento e procuração juntos, por cópia, aos autos; II – Declarar reduzido o legado efectuado pelo dito testamento, por inoficiosidade do mesmo, à quantia de € 32 136,28, devendo a R. restituir aos AA. a quantia de € 64 272,57. Por acórdão de 05.03.13, a Relação de Coimbra, julgando procedente a apelação interposta pela R., revogou a sentença na parte recorrida, absolvendo, em consequência, a R. do pedido subsidiário. Daí a presente revista, interposta pelos apelados-AA., visando a revogação do acórdão recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes e relevantes conclusões: / 1ª – Como se alcança e resulta das condições gerais do contrato, presentes nos autos, designadamente das suas cláusulas nºs 9ª, 10ª, 11ª, 12ª, 8ª e 5ª , o seguro em causa não é mais do que uma aplicação de capitais, normalmente mais rentável que os depósitos a prazo, 2ª – Assim, porque o valor do seguro - que o tomador pode levantar no final do prazo, ou quando quiser, total ou parcialmente, no fim de cada trimestre mediante condições, - depende da boa ou má aplicação em fundos, que a seguradora faça do 1º dos prémios recebidos; 3ª – De tais aplicações depende a valorização das unidades de participação em que o prémio de seguro obrigatoriamente se converte, recebendo a seguradora apenas uma comissão que não excede o valor de 1,5% das aplicações; 4ª – No caso, e como se viu pela douta sentença de 1ª instância, o capital aplicado nesse seguro atinge praticamente a totalidade do património do autor da herança; 5ª – Foi por meio de testamento que o autor da herança instituiu o legado da quantia resultante do contrato de seguro a favor do R. O testamento é, por definição do art.º 2179° do C. Civil, "o acto unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os bens ou de parte deles" parece óbvio que, ao contrário do que foi suposto no douto acórdão recorrido, o autor da herança, dito DD, considerava, naturalmente, a soma das unidades de participação integrantes daquele seu contrato de seguro como património seu que, depois da morte se transmitia para o legatário, ora R. Se assim não fosse, não teria feito a deixa por testamento; 6ª – A ter valimento a doutrina do douto acórdão recorrido, estaria encontrada a forma do afastamento do instituto de legítima dos herdeiros legitimários; como parece evidente, o resultado de tal doutrina é absolutamente iníquo e contra a ordem jurídica no seu todo, que sempre deve ser convocada quando se aplica qualquer norma; a doutrina do acórdão recorrido valerá, decerto, mas apenas quando por meio da sua aplicação não resulte objectivo fundamento de inoficiosidade. 7ª – O douto acórdão recorrido não aplicou, e devia ter aplicado ao caso, as regras constantes dos arts. 2156º, 2159°, nº 2, 2162°, 2168° e 2169°, todos do Código Civil. Nestes termos e nos melhores de direito, cujo douto suprimento de V. Exas. se invoca, deve ser revogado o douto acórdão recorrido e substituído por outro que repristine a douta sentença do Tribunal de 1ª instância. Contra-alegando, defende a recorrida a manutenção do julgado. Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
* 2 – A Relação teve por provados os seguintes factos: / 1 – No dia 29 de Abril de 2009, no Hospital Infante D. Pedro, perante o Lic. II, Notário em Aveiro, com Cartório sito na Avenida …, n° …, loja …, Edifício ..., Aveiro, DD outorgou: a) instrumento notarial denominado de “Testamento”, mediante o qual declarou: “Que, pelo presente testamento e por força da sua quota disponível faz o seguinte legado: Deixa ao Centro Paroquial e Social de Santa CC, pessoa colectiva número CCC, com sede no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Estarreja, os valores que se encontrem depositados em seu nome em qualquer conta aberta no Banco EE, S.A. bem assim o referente à Apólice número … da GG; Que o legado é feito em contrapartida do pagamento das mensalidades, assistência médica e medicamentosa que o Centro lhe presta”; b) instrumento notarial denominado de “Procuração”, mediante o qual declarou: Que constitui seu bastante procurador, o Sr. HH, solteiro, maior, natural da freguesia e concelho de Sever do Vouga, residente na Casa Paroquial, freguesia de ..., concelho de Estarreja, enquanto Presidente da Direcção do Centro Paroquial e Social de Santa CC, pessoa colectiva número …, com sede no indicado lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Estarreja, a quem concede poderes para movimentar qualquer conta bancária dele mandante, a débito ou a crédito, aberta no Banco EE, S. A. e na Caixa FF, S. A. podendo ordenar a transferência, total ou parcial dos respectivos saldos, consultar saldos, obter relativamente a essas contas todas as informações que ele procurador entenda necessárias ao cabal desempenho do mandato, requisitar e assinar cheques e de um modo geral, requerer, praticar e assinar tudo o que necessário se torne” (A); 2 – No momento da outorga dos actos notariais referidos em A), o DD estava internado, no Hospital Infante D. Pedro, em Aveiro, padecendo de doença incurável (B); 3 – No dia 17 de Maio de 2009, faleceu DD, no estado de divorciado, tendo deixado como únicos descendentes, seus filhos, os, ora, AA. (C); 4 – O DD deixou um prédio rústico cujo valor não excede € 500,00 (D); 5 – No momento da outorga dos actos notariais referidos em A), o DD tinha dificuldade em assinar, porque a letra lhe tremia e estava acamado (1º a 5º); 6 – À data da sua morte, o DD tinha quantia superior a € 95 000,00 numa apólice da “GG” (7º); 7 – O R. fez sua a quantia resultante do resgate de tal apólice, que, à data – 08.10.09 –, era de € 95 908,86 (8º); 8 – O DD tinha 84 anos, à data do óbito; 9 – A apólice referida em 6, com o nº UL…, denominada “Renda Segura (2 Série)”, é um seguro do tipo Unit Linked, representado por unidades de participação com cotação em função dos rendimentos que forem sendo produzidos pelos activos associados ao respectivo Fundo e da evolução das condições do mercado de capitais, tudo como melhor consta dos documentos de fls. 62 e 148, regendo-se pelas condições gerais plasmadas a fls. 149 a 157 dos autos.
* 3 – Perante o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes e não havendo lugar a qualquer conhecimento oficioso, a questão que, no âmbito da revista, demanda apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso consiste em saber se o pedido subsidiário formulado pelos AA.-recorrentes deve ser julgado procedente, nos moldes fixados pela 1ª instância, com a aquiescência dos AA., ou se, pelo contrário, tal pedido deverá (também) ser julgado improcedente, com a inerente absolvição da R. do mesmo pedido, como, com o aplauso da R., foi decidido no acórdão recorrido. Apreciando:
* 4 – Como emerge da factualidade provada, “à data da sua morte, o DD tinha quantia superior a € 95 000,00 numa apólice da «GG» (Cfr. 6 de 2 supra), sendo certo que tal apólice, com o nº UL…, denominada “Renda Segura (2ª Série)” «é um seguro do tipo “Unit Linked”, representado por unidades de participação com cotação em função dos rendimentos que forem sendo produzidos pelos activos associados ao respectivo Fundo e da evolução das condições do mercado de capitais,…regendo-se pelas “Condições Gerais” plasmadas de fls. 149 a 157 dos autos» (Cfr. 9 de 2 supra). Estamos, assim, confrontados com um seguro de vida em caso de morte, ligado a fundo de investimento a que são aplicáveis as disposições constantes da “Secção I” (Regime Comum) do “Capítulo II” (Seguro de Vida) do DL nº 72/2008, de 16.04 – que aprovou o novo regime jurídico do contrato de seguro, revogando diversa legislação ao mesmo relativa, designadamente, os arts. 425º a 462º do CCom. e com entrada em vigor, em 01.01.09 – com excepção dos arts. 185º e 186º. Trata-se de um contrato a favor de terceiro, o qual é definido pelo Prof. I. Galvão Telles[2] como o “contrato em que uma das partes, promitente, assume perante a outra, promissário, a obrigação de proporcionar a terceiro, estranho ao contrato, uma atribuição patrimonial”, a qual reveste, as mais das vezes, o carácter de uma prestação.[3] E, nos termos preceituados pelo art. 198º, nº 1, em conjugação com o disposto no art. 81º, ambos do DL nº 72/2008, salvo convenção em contrário, “O tomador do seguro, ou quem este indique, designa o beneficiário, podendo a designação ser feita na apólice, em declaração escrita posterior recebida pelo segurador ou em testamento”. Por outro lado, por força da regra supletiva constante do nº2, al. a), do mesmo art. 198º, por falecimento da pessoa segura o capital seguro só é prestado aos seus herdeiros, na hipótese de falta de designação do beneficiário, ou em caso de premoriência deste em relação à pessoa segura. No caso versado nos autos, o tomador do seguro-promissário, DD, designou, através do testamento mencionado em 1 de 2 supra, a R. “Centro Paroquial e Social de CC” como beneficiária do seguro em questão. Tendo-o feito, em 29.04.09, vindo a falecer, em 17.05.09. Certo que tal designação foi acompanhada da expressão “por força da sua quota disponível”. No entanto, como – muito bem – se expende no douto acórdão recorrido e se mostra acolhido, designadamente, no Ac. deste Supremo, de 21.03.03 – COL/STJ – 1º/176 – de que foi relator o Ex. mo Cons. Silva Gonçalves e em que a, ora, 1ª adjunta interveio, em idêntica qualidade –, a prestação da seguradora, no âmbito do mencionado seguro de vida, não integra o acervo hereditário do segurado, porquanto o evento que constitui a génese da correspondente obrigação da seguradora, é, precisamente, o decesso do segurado, ingressando o, assim e então, nascido direito àquela prestação, directa e automaticamente, na esfera jurídica do beneficiário, sem que se possa ficcionar que o mesmo tenha “transitado” pela esfera jurídico-patrimonial do segurado[4] (Cfr. art. 68º, nº1, do CC) Expende-se, com efeito, no douto acórdão recorrido, após se acentuar que a posição que merece a nossa adesão é a perfilhada, “una voce”, pela doutrina: «Por exemplo, o Prof. Oliveira Ascensão ensinava ainda ao tempo da vigência do art. 460º do CCom: “Há certas formas de aquisição por morte que nada têm a ver com a sucessão. Processam-se longe desta, obedecendo a princípios próprios (…) É típico o caso dos seguros de vida, estabelecidos pelo de cujus. Ele paga prémios mas o beneficiário é um terceiro por ele determinado. Morto o segurado, esse beneficiário recebe o valor do seguro: mas não o recebe do de cujus, recebe-o directamente da entidade seguradora como é lógico e resulta da disposição, muito complexa embora, do art. 460º do CCom. (…) Como essa atribuição se faz fora do fenómeno do mecanismo da sucessão, não se rege pelos princípios desta. Portanto, não entra para o cálculo do valor total (da herança), não está sujeita a redução por violação da legítima, etc. Mas no que respeita aos prémios o problema é diverso: o pagamento destes pode efectivamente ser considerado doação indirecta e o beneficiário do seguro que concorrer à sucessão está sujeito à colação pelo seu valor” (“Direito das Sucessões”, AAFDL, 1980, pags. 91/92) (…) E Capelo de Sousa (“Lições de Direito das Sucessões”, I, 4ª Ed., 2000, pags. 34/35), referindo-se aos “seguros de vida em caso de morte durante a vida inteira do segurado”: Neste caso, o segurado tem a obrigação de pagar os prémios até ao fim da sua vida ou de terceiro. Por sua vez, a seguradora aquando da morte do segurado é obrigada a pagar o capital seguro à pessoa designada pelo segurado ou aos seus herdeiros. (…) A este respeito, o art. 460º do CCom. estabelece (…) Não nos parece, pois, que estejamos aqui perante uma doação mortis causa, uma vez que na origem de tal seguro estão os prémios pagos pelos segurados e que o capital segurado não entra no património sucessório do segurado ou de terceiro, transfere-se directamente da seguradora para o beneficiário, pelo que não há lugar aqui ao pagamento do imposto sobre sucessões. Estamos aqui perante uma doação em vida (…) Por isso mesmo, o benefício (o autor quereria dizer “os prémios” ou o “prémio”) está sujeito às regras da colação, da inoficiosidade das liberalidades e da rescisão dos actos praticados em prejuízo dos credores (…) Também Manuel Gomes da Silva (“Lições de Direito das Sucessões”, Vol. I, pags. 62: A lei considera, portanto, as quantias recebidas pelo segurador como doadas, como tal contando para o efeito de inoficiosidade, colação e acção pauliana. Mas já o mesmo não sucede com a quantia que o segurador é obrigado a pagar por morte do segurado (…) No mesmo sentido, a R. L. J. 50º, pags. 391:…o capital segurado (…) não transita pelo património do segurado para passar para o património do beneficiário. Nem poderia passar, não só porque o capital nasce quando o segurado morre (…), mas também porque da morte do segurado depende a aquisição do direito e é evidente que uma pessoa não pode adquirir um direito cuja realização depende da sua morte». Actualmente e face à mencionada revogação do art. 460º do CCom., não pode deixar de atentar-se no preceituado no art. 200º do aludido DL nº 72/2008, onde, sob a epígrafe “Pessoas estranhas ao benefício”, se dispõe que “As relações do tomador do seguro com pessoas estranhas ao benefício não afectam a designação beneficiária, sendo aplicáveis as disposições relativas à colação, à imputação e à redução de liberalidades, assim como à impugnação pauliana, só no que corresponde às quantias prestadas pelo tomador do seguro ao segurador”. Donde, pois, decorre que não pode ter lugar a impetrada redução por inoficiosidade, já porque a prestação efectuada pela seguradora à R. a tal não está sujeita, já porque, reportadamente às quantias mencionadas no art. 200º do DL nº 72/2008, de 16.04, os AA. não alegaram e não se mostram provados factos que permitam determinar o montante a que as mesmas ascenderam, o mesmo sucedendo quanto aos factos que, com referência ao disposto no art. 2162º do CC, habilitem à quantificação da respectiva legítima, em confronto com o sobredito montante (Cfr. art. 414º do aplicável CPC e art. 516º do mesmo Cod. na pregressa redacção). Improcedendo, pois, as conclusões formuladas pelos recorrentes.
* 5 – Sumário (art. 663º, nº7, do CPC): /
I – No contrato de seguro de vida em caso de morte previsto nos arts. 183º e segs. do DL nº 72/2008, de 16.04, o valor da prestação a que a promitente/seguradora está vinculada ingressa, directa e automaticamente, na esfera jurídico-patrimonial do terceiro/beneficiário designado, não podendo ficcionar-se o respectivo “trânsito” pela esfera jurídico-patrimonial do promissário/tomador do seguro. II – Tal valor não se encontra abarcado pelas disposições relativas à colação, à imputação, redução de liberalidades e impugnação pauliana, cuja aplicabilidade, no caso, se mostra limitada às quantias prestadas pelo tomador do seguro ao segurador.
* 6 – Na decorrência do exposto, acorda-se em negar a revista, / Custas pelos recorrentes. / Lx 17 / 06 / 2014 /
Fernandes do Vale (Relator) Ana Paula Boularot Pinto de Almeida
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