Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ALBERTINA PEREIRA | ||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES CORREIO DE DROGA MEDIDA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 11/23/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE. | ||
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Sumário : | I - Tendo o arguido transportado na mala de porão, quatro embrulhos de tecido em napa, de cor preta, fechados com fita adesiva, que continham no seu interior o total de setenta placas de forma retangular, envoltas em pelicula aderente de plástico, contendo uma substância de origem vegetal, resinosa, de cor castanha, sendo canábis - resina, vulgo haxixe; tendo as placas diversos graus de pureza, segundo exame do Laboratório de Polícia Científica, a saber: a) 29 placas com 24.3 % de THC, com o peso total de 2.768.100 gramas, suficientes para 13452 doses individuais para consumo; b) 26 placas com 23.3 % de THC, com o peso total de 2.485.800 gramas, suficientes para 11583 doses individuais para consumo; c) 15 placas com 23.8 % de THC, com o peso total de 1.431.300 gramas, suficientes para 13452 doses individuais para consumo - praticou o mesmo um crime de tráfico de produtos estupefacientes (correio de droga) p.p. no art. 21.º do DL n.º 15/93, de 22-01, com referência à Tabela I-C anexa, com a pena 4 a 12 anos de prisão. II - No presente caso, embora militem a favor do arguido as circunstâncias de ser primário, ter actuado (aparentemente) de modo isolado e desinserido de qualquer tipo de organização criminosa, ter confessado os factos e de se mostrar integrado social e familiarmente, não deve olvidar-se que o mesmo actuou com dolo directo, revelando indiferença face aos malefícios da droga, e às consequências nefastas (muitas vezes dramáticas) decorrentes do seu consumo. Por outro lado, a quantidade de droga apreendida é bastante significativa face às dimensões da ilha a que se destinava, sendo de reputar elevada a ilicitude. Para além disso, o móbil do crime foi apenas a obtenção do lucro (fácil), visto o arguido ter agido com vista a receber € 1 500,00 euros, a troco de transportar o produto estupefaciente em causa de X para Y, conforme lhe foi proposto por um estranho. III - Ponderando o referido circunstancialismo, as exigências de prevenção geral e especial, e tendo em conta as penas concretamente aplicadas em casos similares, considera-se adequado aplicar ao arguido a pena de 5 anos e 6 meses de prisão. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 794/22.2JAPDL.S1 Recurso penal – 5.ª Secção Criminal Acordam na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório 1.1. O Ministério Público apresentou para julgamento, em processo comum e perante Tribunal Colectivo, o arguido AA, pela prática, autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21.º, n.º1, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela Anexa I-C. O arguido não contestou, tendo, contudo, apresentado testemunhas. Procedeu-se à audiência de julgamento, com a observância do formalismo legal, como consta da ata respetiva. Foi proferido acórdão, no qual se finalizou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo: 1. Condenar AA pela prática de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-C anexa, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão. 2. Determinar a recolha de amostra de ADN ao arguido e subsequente inserção na base de dados prevista na Lei nº 5/2008, de 12 de fevereiro. 3. Quanto aos bens apreendidos: a) Declarar perdidas a favor do Estado as substâncias estupefacientes apreendidas e subsequente destruição (artigos 35º, nº1 e 2 e 62º, nº6 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro). b) Declarar perdido a favor do Estado o telemóvel (artigo 35º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro), a ser entregue à Direção de Serviços do Património, da Direção Regional do Orçamento e Tesouro, no âmbito da Vice-Presidência do Governo Regional [artigo 24º, alínea h), § 2º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores]. c) Declarar perdido a favor do Estado as peças de vestuário e mala, porque utlizados na prática do crime, e ordenando-se a sua destruição se não tiverem qualquer valor venal, caso tenham valor venal pertencerão ao domínio privado regional nos termos acima expostos; d) Declarar perdida a favor do Estado a quantia apreendida, a qual terá o destino a que alude o artigo 39º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro; 4. Condenar o arguido no pagamento das custas processuais, as quais se fixam em 3 UCS (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal e 8º, nº9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III.” 1.2. Inconformado com esta decisão dela recorre o arguido, concluindo a sua motivação do seguinte modo: 1- Nos termos do artigo 70.º do C.P. deveria o tribunal a quo ter optado por uma pena não privativa da liberdade, ou melhor, deveria ter aplicado pena de prisão como aplicou, reduzindo a sua duração e ter suspendido os seus efeitos nos termos do artigo 50 do C.P. 2- Dispõe o n.º 1 do artigo 71.º do C.P., que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o juiz, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, atender, para a determinação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele. 3- Ora, o arguido encontra-se inserido a nível familiar e, até ser detido no âmbito dos presentes autos, também a nível profissional. 4- Embora de origens humildes e com pouca escolaridade, cedo se “fez à vida”, tendo emigrado de ... para ..., posteriormente para os E.U.A., acabando por se fixar em Portugal em 2008. 5- Sempre trabalhou, sendo trabalhador efetivo numa empresa de limpezas já há vários anos. 6- Nunca teve comportamentos desviantes e é um homem que preza a família, vivendo maritalmente e providenciando com pagamento de alimentos aos dois filhos menores fruto de anterior relacionamento, com quem mantém excelente relação e convívio ainda aos dias de hoje, inclusive com as mães dos menores. 7- Aliás, a atual companheira e a anterior companheira foram suas testemunhas nos autos e tanto elas como o irmão do ora recorrente manifestaram total surpresa pelos factos pelo qual foi julgado e condenado, não lhe reconhecendo tal tipo de comportamento ou associação, tendo-o como um homem íntegro. 8- Aliás, o arguido não tem antecedentes criminais. 9- A prática dos factos que levaram à sua condenação nos autos e que, aliás, confessou, foi um ato isolado e fruto de desespero. 10- O arguido encontrava-se em dificuldades financeiras às quais não será despiciendo somar a fragilidade emocional que vivia por recente separação conjugal. 11- O arguido não procurou a vida de crime nem começou a frequentar meios que o promovessem. A sua incursão – única – neste mundo – deveu-se a aliciamento por parte de terceiros que se aproveitaram da sua fragilidade circunstancial. 12- Tal não desculpa o comportamento que deve ser punido e que foi confessado pelo arguido, contudo deve relevar para a aplicação da medida da pena. 13- Assim como, o facto de a droga transportada ser haxixe. 14- Isto é, não deve ser desconsiderado o facto de a droga transportada ser socialmente aceite como uma droga menos nociva e mesmo de cariz recreativo, logo representando um dano concreto manifestamente menor do que o da heroína, cocaína ou outra droga com potencial tóxico e viciante cientificamente provado e aceite como mais elevado – as chamadas “drogas duras”. 15- Pelo que, o grau de ilicitude deve ser situado num nível baixo. 16- Ora, ponderados estes circunstancialismos, e salvo o devido respeito, a pena aplicada revela-se desproporcional, por demasiado elevada. 17- De facto, sendo a substância traficada de menor potencial tóxico e viciante, não tendo o arguido cometido o crime no âmbito de atividade da qual tivesse conhecimento ou fizesse parte da organização e com sofisticação de meios, assim como a ausência de antecedentes criminais, as condições pessoais apuradas nos autos, a integração social e a sua estrutura familiar e percurso laboral, tudo aponta para o carácter anómalo da conduta criminosa no percurso de vida do arguido e permitem sustentar um juízo de prognose favorável relativamente à capacidade e à determinação do arguido manter um comportamento conforme ao direito e arredado da prática de crime. 18- E, por conseguinte, concluir pelo efeito dissuasor da simples ameaça da prisão, que realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, que são, como se sabe, e é lembrado pelo AC S.T.J. de 18.10.2007 (processo n.º 2311/07-5), a tutela dos bens jurídicos e a reinserção social do condenado. 19- Acresce, por outro lado, que por muito relevantes que sejam as razões de prevenção geral, dada a gravidade social do crime de tráfico de estupefacientes, e a eventual facilitação do tráfico e do próprio consumo de drogas, as mesmas não podem sobrepor-se às acima referidas finalidades da punição. 20- A simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, que são, como se sabe, e é lembrado pelo AC S.T.J. de 18.10.2007 (processo n.º 2311/07-5), a tutela dos bens jurídicos e a reinserção social do condenado. 21- A aplicação ao arguido de prisão efetiva, a cumprir no estabelecimento prisional, por um período de seis anos e seis meses terá repercussões, na vida do arguido, nefastas, uma vez que o mesmo com esta pena fica impossibilitado de retomar a sua vida em sociedade, ceifando-lhe quaisquer hipóteses de integração laboral e social, a que acresce o sempre nocivo estigma social que o cumprimento de uma pena de prisão inflige no condenado. 22- Assim não restam dúvidas que a douta sentença recorrida não aplicou o artigo 50.º, n.º 1 do C.P. e interpretou e aplicou incorretamente os art.º 70 e 71 do Código Penal, nomeadamente os seus n.ºs 1 e 2, violando por isso estes normativos legais. 23- Assim, a pena a aplicar ao Recorrente não deverá ultrapassar os 4 anos de prisão, a qual deverá ser suspensa nos termos do artigo 50.º do Código Penal. Deverá, pois, em consequência do supra exposto, ser o douto Acórdão recorrido revogado e substituído por outro que determine a aplicação de uma pena de prisão de duração inferior à aplicada, passando de seis anos e seis meses para o limite mínimo, ou seja, quatro anos de prisão, suspensa na sua execução, fazendo-se assim, JUSTIÇA. 1.3. O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo: 1. A prova feita em Tribunal foi devidamente ponderada pelo Tribunal recorrido, que aplicou corretamente ao caso a lei aplicável, e encontrou o sancionamento devido, termos em que nenhuma censura merece o douto acórdão. 2. Ora, é facto conhecido, e com justificação plenamente razoável, que, no âmbito do tráfico de estupefacientes e, para mais, na elevada quantidade apreendida, (70 placas de haxixe) e com o correspondente elevado valor comercial (considerado o valor médio por que é usualmente vendido na Ilha de ...), não é admissível, para quem domina tal prática, que o chamado "correio de droga" - que é patentemente o caso do recorrente (que, a troco de dinheiro), que transportou e seja recebida, com o estupefaciente, ao chegar ao aeroporto, por alguém que não seja da absoluta confiança, pois se assim não fosse quem pretenderia ter tal domínio não conseguiria controlar o destino do estupefaciente por esta transportado, após chegar ao aeroporto, e arriscar-se-ia a sua perda, por qualquer motivo. 3. E por esse motivo se entende que o recorrente revelou fraco juízo crítico, sendo que apenas a debilidade deste juízo explica a invocação, para mais nos termos acríticos em quefoi feita, da realização de umfavor como motivo para a sua adesão ao tráfico, verificando-se ainda, como acima referido, que o recorrente, tendo decidido prestar declarações, apenas admitiu o que se lhe afigurou inegável, tendo negado tudo o mais. 4. Dai entendermos que ao contrário do que alega o recorrente, no caso “sub judice” deve atender-se, em especial, as seguintes circunstâncias para encontrar a pena concreta dentro da moldura penal: o elevado grau de desvalor objetivo e ético-subjetivo demonstrados, sendo o dolo intenso, a natureza e quantidade do estupefaciente apreendido, os propósitos da arguida, nomeadamente, a obtenção de vantagens patrimoniais à custa da saúde de terceiros e a inexistência de passado criminal do recorrente. 5. No acórdão recorrido a situação concreta foi analisada, de forma adequada, tendo referido que o arguido desenvolveu a papel no transporte do produto estupefaciente entre o continente português e a ilha de .... 6. Portanto, a determinação da pena concreta foi feita dentro destes limites legais. A pena concreta não ultrapassou a medida da culpa, e atendeu às exigências da prevenção geral e especial. 7. Este tipo de crime causa gravíssimos problemas de saúde pública e sociais em geral. Estamos perante um facto típico que tutela o bem jurídico – saúde pública, cujo grau de ilicitude se situa num grau elevado (basta considerar a destruição de famílias devido ao consumo de drogas). 8. Assim, tendo em atenção os padrões jurisprudenciais utilizados pelo Supremo Tribunal em matéria de correios de droga, atendendo ao limite definido pela culpa intensa do arguido, ao elevado grau de ilicitude da sua conduta, e às fortesexigências de prevenção geral que sefazem sentir, sendo elevadas também as exigências de prevenção especial, não nos merece censura a pena de 6 anos e 6 meses de prisão fixada pelo Tribunal recorrido, pena que se considera justa e adequada ao crime praticado. 9. O recurso não merece, pois, provimento. 10. Tendo em consideração a pena fixada e o disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, fica prejudicada a questão da suspensão da execução da pena. Contudo sempre se dirá que, no caso “sub judice”, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, subjacentes à suspensão de execução da pena, não tingem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. 11. Como consequência o douto acórdão não viola os preceitos legais invocados pela recorrente. Vossas Excelências, melhor saberão fazendo, JUSTIÇA! 1.3. Remetidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer, subscrevendo na íntegra, os fundamentos exarados no acórdão condenatório colocado em crise, pronunciamo-nos igualmente pela improcedência do recurso interposto e pela manutenção do decidido. 1.4. Foi observado o disposto no art.º 417.º n.º 2, do Código de Processo Penal. 1.5. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência. 2. Objecto do recurso Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da motivação que o recorrente produziu para fundamentar a sua impugnação (artigos 403.º e 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber se a pena que foi fixada ao arguido deve ser reduzida e, neste caso, se a mesma deve ser suspensa na sua execução. 3 – Fundamentação de facto Encontram-se provados os seguintes factos: 1. No dia 17 de agosto de 2022, pelas 08:20 horas, uma mala de bagagem de porão, tipo trólei de cor preta, com a etiqueta nº ........66 S4, proveniente do Aeroporto ..., ..., com destino ao Aeroporto ..., ..., no voo ...21 da companhia SATA, foi assinalada como suspeita, tendo sido abordado o seu dono em ..., o arguido AA, pelas 08:30 horas do mesmo dia. 2. O arguido, que tinha a profissão de repositor, mas também tinha dificuldades económicas, tinha aceite, em ..., e regressar a .... 3. O arguido adquiriu por si o bilhete de avião, só de ida para ..., em dinheiro, numa agência de viagens de Portugal continental, por 170 euros, com a promessa de reembolso pelo estranho; e encontrava-se, naquele dia 17 de agosto de 2022, na zona de desembarque do aeroporto de ..., junto aos tapetes de recolha de bagagem. 4. O arguido foi então sujeito a revista pessoal sumária e de segurança, e após consentimento, foi-lhe efetuada revista, e busca à sua bagagem de porão, na qual se descobriram quatro embrulhos de tecido em napa, de cor preta, fechados com fita adesiva, que continham no seu interior o total de setenta placas de forma retangular, envoltas em pelicula aderente de plástico, contendo uma substância de origem vegetal, resinosa, de cor castanha, sendo canábis - resina, vulgo haxixe; tendo as placas diversos graus de pureza, segundo exame do Laboratório de Polícia Científica, a saber: a) 29 placas com 24.3 % de THC, com o peso total de 2768.100 gramas, suficientes para 13452 doses individuais para consumo; b) 26 placas com 23.3 % de THC, com o peso total de 2485.800 gramas, suficientes para 11583 doses individuais para consumo; c) 15 placas com 23.8 % de THC, com o peso total de 1431.300 gramas, suficientes para 13452 doses individuais para consumo. 5. Foram também encontrados e apreendidos: 4 (quatro) forras de tecido de napa de cor preta envoltas em fita adesiva de cor amarela e castanha, onde vinham dissimuladas as placas referidas e 1 smartphone da marca Samsung, modelo Galaxy A50, com os n.ºs de IMEI .............63 e .............61, contendo no seu interior um cartão SIM da operadora MEO com o n.º ... ... .26, que o arguido tinha usado nos contactos com aquele estranho. 6. O arguido tinha também na sua posse, no interior da sua carteira, trezentos e vinte euros em notas do BCE, repartidos em seis notas com o valor de €50,00 e uma nota com o valor de € 20,00, dinheiro que era destinado ao pagamento da sua estadia em ..., e regresso a .... 7. Mais foram apreendidos ao arguido uma etiqueta relativa à bagagem de porão onde vinha oculto o produto estupefaciente, etiqueta com o apelido AA, indicando o peso de 17kg, voo S4121, com a data de 17-agosto, hora 06:00; uma folha relativa à fatura/recibo ........57, com a data de 14.08.2022, emitida em nome de AA, relativa à passagem aérea ..., com partida no dia 17.08.2022, no valor de 178 euros, uma folha A4 correspondente ao recibo eletrónico emitido em nome de AA/AA, com o nº ...........22, nº de reserva 28V7LT, com data de emissão a 14-8-2022, uma folha A4 correspondente ao cartão de embarque em nome de Cordeiro / AA, relativa ao voo ...21, destino LIS/PDL, com partida a 17-8-2022, pelas 06h00, ticket .............01, tendo aposta o comprovativo de envio de mala para o porão, a mencionada mala de viagem de cor preta, da marca PACK IT, com etiqueta de cor branca com os dizeres “Designed by Pack it” e o nº .......47, código de barras nº . ...... ....78, contendo no seu interior as seguintes peças: uma manta de cor cinzenta e preta, com padrão zebra; e um saco de ginástica, de cor cinzenta e preta, da marca ADIDAS o qual, por sua vez, continha várias peças de vestuário. E quatro forras de tecido de napa de cor preta fechadas e coladas, onde vinham dissimuladas as setenta placas de canábis-resina. 8. O arguido acuou voluntária, livre e conscientemente, conhecendo as características estupefacientes do produto que deteve, transportou e fez transitar, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei penal. Das condições pessoais do arguido: 9. AA é natural de ..., sendo que a mãe faleceu quando o próprio contava 7 anos de idade e o pai, 12 anos. O arguido tem dois irmãos germanos, que residem no continente português e outros, nomeadamente uterinos, que conheceu já maior de idade. 10.Antes do falecimento dos progenitores, o agregado tinha-se mudado para o Arquipélago de ..., passando a residir com os avós paternos. Foi naquele Arquipélago que AA estudou até ao 5º ano de escolaridade, acabando por deixar a frequência do sistema de ensino para trabalhar, devido a dificuldades económicas da família. Começou por trabalhar numa padaria, depois como vigilante e também numa escola. 11.Ainda antes dos 20 anos de idade, viveu maritalmente com uma companheira, da qual tem dois filhos e da qual se veio mais tarde a separar. 12.Em 2006, AA embarcou para os ..., país onde permaneceu e trabalhou durante mais de um ano e no qual reside um irmão. 13.Em 2008, detentor de cartão de cidadão português, AA foi para Portugal continental, onde reside um outro irmão, com o qual se encontrava a viver há uma semana e à data da prática dos factos descritos no presente processo, na sequência de separação recente da atual mulher, BB, mas com quem já reatou a relação. 14.AA tem mais dois filhos, ainda menores de idade, de relacionamentos distintos, estabelecidos em território continental. 15.Desde há quatro anos que estabeleceu relacionamento com BB, com a qual contraiu, entretanto, matrimónio. 16.AA quando chegou ao continente começou por trabalhar numa loja de carpintaria e depois, numa Firma de Limpezas, na qual já se encontrava efetivo. Auferia 640 Euros líquidos mensais e à data dos factos, dividia asdespesas com o irmão com quem partilhava a habitação, sendo a situação económica do arguido pouco desafogada, uma vez que e segundo o próprio, encontrava-se a pagar a instituição bancária uma prestação relativa à aquisição de uma viatura e uma dívida à Autoridade Tributária e Aduaneira. Para além disso, apoiava no sustento dos dois filhos menores. 17.Em meio prisional, AA não se encontra integrado em qualquer programa terapêutico ao nível de tratamento a eventual toxicodependência, nem foi submetido a testes de despiste toxicológico interno. Frequenta o primeiro ciclo do ensino básico, sendo aluno assíduo e empenhado e não regista qualquer infração disciplinar. Não tem apoio do exterior. 18.Não tem antecedentes criminais registados. 4. Fundamentação de Direito 4.1. Da redução da medida da pena aplicada ao arguido AA Por acórdão do tribunal colectivo da comarca dos Açores, foi o arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão. Inconformado, o arguido interpôs recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo no disposto no art.º 432.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal (CPP). Recurso esse circunscrito à medida da pena e à suspensão da sua execução. Pretende o arguido que se lhe aplique a pena de 4 anos de prisão, que deverá ser suspensa na sua execução. Aduz, para tanto, que praticou os factos devido a dificuldades económicas; a droga que lhe foi encontrada é menos nociva e mesmo de cariz recreativo do que as demais; confessou os factos, é primário e mostra-se inserido social e familiarmente. Vejamos, O crime de tráfico de produtos estupefacientes encontra-se previsto no art.º 21.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, cuja redacção é a seguinte: “1- Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”. O bem jurídico protegido por este tipo de crime é, preferencialmente, de ordem sanitária e social: a saúde pública, nas suas componentes física e mental, de modo a garantir o desenvolvimento são, seguro e livre dos cidadãos e da sociedade face aos perigos decorrentes do consumo tráfico de drogas, lesivos da dignidade da pessoa humana. Através desse tipo também se protegem a economia, a segurança dos cidadãos e a do Estado, que podem ser completamente postas em causa devido à economia paralela levada a cabo pelos traficantes e pelos crimes que andam associados ao tráfico de droga. Nesse sentido, consignou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-04-2021, proc. n.º 143/17.1GDEVR.E1, 3.ª Secção, que “a incriminação do tráfico (de estupefacientes e precursores) e outras atividades ilícitas visa proteger a saúde pública, “a segurança e a qualidade de vida dos cidadãos”. Ainda que não seja objeto imediato da proteção penal, visa também proteger “a economia legal, a estabilidade e a segurança do Estado”. De realçar é, ainda, a elevada danosidade social associada ao crime de tráfico de estupefacientes, decorrente, entre o mais, da desestruturação social e familiar da vida dos indivíduos que adquirem os produtos estupefacientes, em particular, quando são toxicodependentes, o que os impele a traficar também e/ou a praticar outro tipo de crimes, normalmente contra o património e contra as pessoas, como modo de sustentar a sua dependência. Como se referiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91 “O escopo do legislador é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia. Assim, o tráfico põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos: a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes; e, demais, afecta a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos.” O crime de tráfico de estupefacientes é classificado como um crime de perigo (abstracto) de trato sucessivo, em que a mera detenção de droga é punida como crime consumado, dada a sua vocação para ser transaccionada. Constituem elementos típicos do crime previsto no citado art.º 21.°, n.° 1, i) o transportar, o importar, o fazer transitar ou a detenção, sem autorização; ii) plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, que não se destinem ao consumo do próprio. Nos termos do art.º 71.º n.º 1, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, não se devendo olvidar que a finalidade da pena é a reinserção social do delinquente. Na determinação concreta da pena deve o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (n.º 2, alíneas a), b), c), d), e) e f)). Em caso algum a pena pode exceder a medida da culpa do agente, sob pena de se pôr em causa o fundamento último de toda e qualquer punição criminal, que é a “dignidade da pessoa humana” (art.º 40.º, n.º 2, do Código Penal). Nas exigências de prevenção, incluem-se tanto as vertentes da prevenção especial como as da prevenção geral, entendida aquela com o sentido de tentar que o agente não volte a cometer novos ilícitos criminais e esta com o sentido da denominada prevenção geral positiva ou de integração, ou seja, de garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada. Apenas aquelas (e não finalidades absolutas de retribuição e expiação) justificam a intervenção do sistema penal e conferem fundamento e sentido às suas reacções específicas. “A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; em suma, na expressão de GÜNTHER JAKOBS, como estabilização contra fáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida finalidades absolutas de retribuição e expiação”. (Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-09-2022, Proc. n.º 176/22.6JELSB.L1.S1) Nessa linha, segundo refere Figueiredo Dias, “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime” Vol. II, Coimbra Editora 1993, págs. 242 e 243, a fixação da medida concreta da pena, “não deve baixar para além do “quantum da pena indispensável para que se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais. Essa medida mínima da moldura de prevenção, denominada de defesa do ordenamento jurídico, em nada pode ser influenciada por considerações seja de culpa seja de prevenção especial”. No caso em apreço, consoante resulta dos factos provados, após busca, constatou-se que na mala de porão do arguido, se encontravam quatro embrulhos de tecido em napa, de cor preta, fechados com fita adesiva, que continham no seu interior o total de setenta placas de forma retangular, envoltas em pelicula aderente de plástico, contendo uma substância de origem vegetal, resinosa, de cor castanha, sendo canábis - resina, vulgo haxixe; tendo as placas diversos graus de pureza, segundo exame do Laboratório de Polícia Científica, a saber: a) 29 placas com 24.3 % de THC, com o peso total de 2.768.100 gramas, suficientes para 13452 doses individuais para consumo; b) 26 placas com 23.3 % de THC, com o peso total de 2.485.800 gramas, suficientes para 11583 doses individuais para consumo; c) 15 placas com 23.8 % de THC, com o peso total de 1.431.300 gramas, suficientes para 13452 doses individuais para consumo. Tendo sido também encontrados, e apreendidos: 4 (quatro) forras de tecido de napa de cor preta envoltas em fita adesiva de cor amarela e castanha, onde vinham dissimuladas as placas referidas e 1 smartphone da marca Samsung, modelo Galaxy A50, com os n.ºs de IMEI .............63 e .............61, contendo no seu interior um cartão SIM da operadora MEO com o n.º ... ... .26, que o arguido tinha usado nos contactos com aquele estranho. Como facilmente se constata, trata-se de quantidade muita significativa de droga (6.685,100 gramas), in casu, canábis – resina (Anexo I C, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro), vulgo haxixe, produto este que não sendo considerado droga dura (como é o caso da heroína ou cocaína), não deixa de produzir nefastos efeitos junto dos consumidores e da comunidade em geral, na medida em que criando dependência e, constituindo, em muitos casos, o patamar para o consumo de outras drogas mais pesadas, contribui para o incremento do tráfico da droga e criminalidade daí decorrente. A este propósito, como bem se consignou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-05-2022, Proc. n.º 41/20.1PJCSC.L1.S1, “a ideia algo generalizada de que o consumo de cannabis não tem efeitos perniciosos, nem gera dependência, não tem fundamento científico. Neste sentido, consigna-se no «Relatório Europeu sobre Drogas – 2020», do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (EMCDDA)», que “a canábis tem hoje um peso significativo nas admissões a tratamento de toxicodependência”. A canábis gera apetências gradativamente mais exigentes, sendo frequentemente referida por consumidores de estupefacientes, como uma fase de acesso ou de iniciação a estupefacientes mais perniciosas para a saúde”. (Itálicos e sublinhados nossos). No caso subjudice, estamos perante um caso comumente classificado como de “correio de droga”. A este respeito, o Supremo Tribunal tem assinalado, que os correios de droga (mules) são “uma peça fundamental no tráfico de estupefacientes, contribuindo, de modo direto e com grande relevo, para a disseminação deste flagelo, à escala global, não merecendo tratamento penal de favor” (Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-09-2023, Proc. n.º 176/22.6JELSB.L1.S1). Para além disso, como tem também sido assinalado, as penas concretas aplicadas em casos com alguma similitude ao presente, têm-se situado entre 5 e os 7 anos de prisão. (Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e de 22-06-2022 Proc. n.º 8/21.2JAPDL.S1). Importa, contudo, na avaliação global da situação de facto ter em consideração a regra da proporcionalidade na apreciação dos factores relevantes, como sucede, entre outros, com a quantidade e a qualidade dos estupefacientes em causa, os lucros obtidos, o modo de vida, a duração e intensidade da atividade desenvolvida. No caso subjudice, ponderando toda a factualidade provada, a gravidade objectiva e subjectiva dos factos, configura-se como acentuada a ilicitude e o grau de culpa do arguido. Com efeito, este actuou com dolo directo, revelando indiferença face aos malefícios da droga, e às consequências nefastas (muitas vezes dramáticas) decorrentes do seu consumo. A quantidade de droga apreendida é bastante significativa face às dimensões da ilha a que se destinava, sendo de reputar elevada a ilicitude. Para além disso, o móbil do crime foi apenas a obtenção do lucro (fácil), visto o arguido ter agido nos termos supra descritos com vista a receber 1500,00 euros, a troco de transportar o produto estupefaciente em causa - setenta placas de haxixe - numa mala de porão de ... para ..., conforme lhe foi proposto por um estranho. A favor do arguido militam, porém, as circunstâncias de ser primário, ter actuado (aparentemente) de modo isolado e desinserido de qualquer tipo de organização criminosa, ter confessado os factos e de se mostrar inserido social e familiarmente. Destarte, ponderando todo este circunstancialismo, à luz do assinalado supra, considera-se justo e adequado aplicar ao arguido a pena de cinco anos seis meses s de prisão. Ficando, assim, prejudicada a apreciação da questão da suspensão da execução da pena colocada pelo arguido, visto que a pena ora aplicada é superior a cinco anos de prisão (art.º 50.º do Código Penal). Termos em que procede, parcialmente, o presente recurso. * Uma vez que o arguido foi condenado em primeira instância, mas não decaiu totalmente no presente recurso, não há lugar ao pagamento da taxa de justiça (art.º 513.º n.º 1, do Código de Processo Penal). 5- Decisão Em face do exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso do arguido AA, fixando-se agora a pena em seis anos de prisão, mantendo-se, no mais, o acórdão recorrido. Sem custas. Notifique e Registe Lisboa, 2023-11-23 Albertina Pereira (Relatora) Orlando Gonçalves (1.º Adjunto) Leonor Furtado (2.ª Adjunta) |