Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ROSA TCHING | ||
Descritores: | SUB-ROGAÇÃO DÍVIDA DE VALOR PAGAMENTO TERCEIRO IMPOSTO AÇÃO SUB-ROGATÓRIA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA TRIBUNAL COMUM TRIBUNAL TRIBUTÁRIO | ||
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Data do Acordão: | 02/10/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I. O direito de sub-rogação traduz a substituição do credor na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento.
II. Resulta da conjugação do disposto nos artigos 41º da LGT e 91º e 92º , do CPPT, que o terceiro que pretende proceder ao pagamento das dívidas tributárias e beneficiar da sub-rogação nos direitos da administração tributária, tem de requerê-lo ao dirigente do serviço periférico local da administração tributária competente que decidirá no próprio requerimento, caso se prove interesse legítimo ou a autorização do devedor, indicando o montante máximo da dívida a pagar e respetivos juros de mora.
III. Cabe no âmbito da competência dos tribunais judiciais julgar ação proposta pelos autores que, tendo procedido ao pagamento de dívidas tributárias da ré e tendo obtido da administração tributária autorização para ficar sub-rogado nos direitos desta, pretende obter da ré o reembolso dos valores pagos. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2ª SECÇÃO CÍVEL ***
I. Relatório 1. AA e BB intentaram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra Moldihouse – Investimentos Imobiliários e Turísticos, Ldª, pedindo que esta seja condenada a pagar a quantia de €474.235,20 Euros e, bem assim, em juros de mora à taxa legal contados desde 6 de Março de 2019 face ao capital de 414.529,30 Euros e até integral pagamento, alegando serem titulares dos seguintes créditos: i. no valor de 28.456,57 Euros, originários no pagamento pelos autores de prestações de capital e juros ao banco mutuante identificado; ii. no valor de 251.531,31 Euros, originário no pagamento de dívidas de natureza fiscal da sociedade ré; iii. no valor de 2.329,89 Euros, originário no pagamento de dívidas de natureza fiscal da sociedade ré; iv. no valor de 132.211,53 Euros originário na realização de suprimentos à sociedade. 2. Contestou a ré, impugnando os factos, contrariando o efeito jurídico alegado pelos autores e invocando a exceção da prescrição. 3. Os AA responderam. 4. Após julgamento foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, e consequentemente, condenou a ré a pagar às autoras as quantias de € 28.456,57, de € 251.531,31 e de € 2.329,89, acrescidas de juros sobre as quantias referidas, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo a ré do pedido de condenação no pagamento da quantia de € 132.211,53 e do restante pedido quanto a juros. 5. Inconformadas com esta decisão, ambas as partes dela apelaram para o Tribunal da Relação ... que decidiu negar provimento ao recurso interposto pela ré e conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos AA. e, consequentemente, condenou ainda a ré a pagar aos autores os juros sobre todas as quantias em que foi condenada desde 6 de abril de 2016 e até efetivo e integral pagamento. 6. Inconformada com esta decisão, a ré dela interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «(i) Ao contrário do entendimento do Tribunal da Relação ... no acórdão em recurso, o despacho saneador proferido nos autos é meramente tabelar e, portanto, apenas produz caso julgado meramente formal; (ii) Tal é o entendimento generalizado de quase unanimidade da jurisprudência (crê-se com a excepção do Acórdão ora em recurso) e da doutrina; (iii) Ao defender o contrário sem qualquer justificação, o Tribunal da Relação ... violou o disposto no artigo 595.º do Código de Processo Civil; (iv) Isto porque, de forma clara, ainda não tinha sido analisada, porque não invocada, a excepção dilatória de incompetência absoluta dos tribunais comuns para apreciação da questão em causa; (v) Tratando-se de arguição de excepção dilatória de incompetência absoluta, o Tribunal da Relação ... estava obrigado a analisar tal questão e não pode escudar-se num inexistente caso julgado; (vi) A questão material, em torno da exceção, é absolutamente clara; (vii) O Juízo Central Cível ... apreciou, de forma contraditória e ilegítima, questões jurídico-tributárias. (viii) Com efeito, a matéria de facto dada como provada e, depois, a teorização jurídica que sobre ela recaiu, demonstram que as instâncias apreciaram questões relacionadas com a existência, validade, legitimidade de uma sub-rogação de créditos tributários, interpretado e aplicando o regime que consta do artigo 91.º do CPPT. (ix) Depois, assumindo as funções do órgão de execução fiscal, suprindo uma falha de alegação e prova dos Recorridos, deram por verificado o requisito do interesse legitimo, para efeitos de reconhecimento da sub-rogação, exercendo, assim, competências advenientes de normas jurídico-públicas, que estão legalmente cometidas, em exclusivo, à AT, que não as exerceu. (x) Ora, para além do notório erro, estamos perante o exercício de competências que não são atribuídas aos Tribunais da jurisdição comum. (xi) Existe, aliás, em franca contradição, já que, se o seu entendimento estivesse correto, então, estaria, por um lado, a produzir uma sentença, a reconhecer um crédito e a formar um título executivo, no âmbito em que já existia o crédito, o título e a execução. (xii) Por outro lado, no caso em que não houve reconhecimento da sub-rogação, pela AT, o criar um novo título executivo: a sentença cível para a execução de dívidas tributárias (???). (xiii) Estas questões só podem ser aferidas de acordo com o CPPT, na jurisdição competente. (xiv) É, aliás, o que resulta da jurisprudência dos Tribunais superiores, da jurisdição competente, desde logo o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, tirado no processo n.º 07597/14, 2.ª Secção do Contencioso Tributário, de 26-06-2014, relatado pelo Desembargador Jorge Cortez e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, tirado no processo n.º 00049/03, 2.ª Secção de Contencioso Tributário, de 07-04-2005, relatado pela, entretanto, Colenda Conselheira (do STA) Dulce Lopes. (xv) Assim, a sub-rogação não opera uma transfiguração do crédito. O crédito mantém as suas caraterísticas e regime, adjetivo e substantivo (constituindo título para efeitos de execução fiscal ou, mesmo, na execução universal em que se consubstancia o processo falimentar). (xvi) É, assim, inviável o reconhecimento do crédito, para efeitos de formação de título executivo, no seio da jurisdição comum, que, para tanto, é absolutamente incompetente, exceção que deveria ter sido conhecida e julgada procedente pelas instâncias mas que agora se reitera perante o Supremo Tribunal de Justiça; (xvii) Não tendo feito, o Tribunal violou, entre outros, os artigos 209.º e 212.º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, bem como o artigo 91.º e seguintes do CPPT; (xviii) Pelo que deverá ser declarada a incompetência absoluta dos Jurisdição Cível para analisar as questões supra referidas; (xix) Com a necessária absolvição da instância, nos termos do artigo 576.º nº 2 do CPC.» 7. Os autores responderam, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: «1. O presente recurso da ré não deve ser admitido face a qualquer critério de análise processual uma vez que na verdade não está em crise uma questão de competência do Tribunal Cível em razão da matéria mas unicamente a análise da ocorrência do transito em julgado da decisão de 1ª instância como, e bem, ficou declarado pelo Tribunal da Relação ..., formando-se uma “dupla conforme” sem voto de vencido. Subsidiariamente e em sede de ampliação do âmbito do recurso: 2. Acresce que em sede de ampliação do âmbito do recurso deve ser apreciado que o recurso da decisão de 1ª instância junto do Tribunal da Relação ... foi extemporâneo, uma que a decisão sobre a competência em razão da matéria foi doutamente pronunciada no despacho saneador na data de 14 de Fevereiro de 2020; 3. Mesmo que assim não se entenda, também a ré não cumpriu o prazo de 15 dias previsto na conjugação da norma do n. 2 do artigo 644 com a norma do artigo 638, nº 1, ambas do CPC, apresentando a impugnação em resposta muito além desse prazo. 4. E, na eventualidade de ser entender que o prazo para a impugnação em resposta é de 30 dias sempre se concluir que as alegações foram entregues fora deste prazo. Sem conceder, 5. Ainda se conclui que o Digno Tribunal de 1ª instância julgou correctamente ao decidir no douto despacho saneador e, bem assim, na douta sentença recorrida, a sua competência em relação à matéria, fazendo uma correcta aplicação do disposto no Artigo 64 do CPC, face ao disposto no artigo 212, n. 3 da Constituição da República Portuguesa, Artigo 26 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela lei n. 52/2008 de 28 de Agosto e do Artigo 40 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei 62/2013, de 26 de Agosto, uma vez que face às referidas normas não se vislumbra que a presente acção entre dois sujeitos de direito privado, numa relação de direito privado comum, na qual não foram aplicadas normas de direito público, esteja atribuída a outra ordem jurisdicional e, assim, excluída da norma de competência residual do mencionado artigo 64 do CPC. 6. Razão pelas quais o douto acórdão do Tribunal da Relação ... deve ser inteiramente confirmado ou verificada e declarada a competência do Tribunal Cível no âmbito do presente processo». 8. Após os vistos, cumpre apreciar e decidir. *** II. Questão prévia da inadmissibilidade do recurso de revista. Não obstante resultar, do confronto entre a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância e o acórdão da Relação, proferido sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, existir, nos termos do art. 671º, nº3, do CPC, dupla conforme entre estas duas decisões, certo é que, tendo a ré interposto recurso com fundamento na violação das regras de competência em razão da matéria, estamos perante um dos casos em que é sempre admissível recurso, pelo que nos termos das disposições conjugadas do art. 629º, nº 2, al. a) e do art. 671º, nº 3, 1ª parte, do CPC, admite-se o recurso de revista interposto pela ré. *** III. Delimitação do objeto do recurso Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação dos recorrentes, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1]. Assim, a esta luz, a única questão a decidir consiste em saber se os tribunais judiciais são incompetentes, em razão da matéria, para julgar a presente ação.
*** IV. Fundamentação 4.1. Fundamentação de facto Factos provados a) A sociedade ré Moldihouse - Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda tem actualmente dois sócios, a saber: o autor AA, supra identificado, e CC. b) Sendo que o autor AA é casado na comunhão de adquiridos com a autora BB. c) O seu capital social é de 15.000,00 Euros, integralmente realizado e repartido por três quotas iguais de 5.000,00 Euros, sendo o autor titular de uma delas e o referido CC das restantes duas. d) A sede, inicialmente era localizada na Rua da Misericórdia, n. 12 a 20, 1200-147 LISBOA, foi transferida por deliberação tomada na assembleia geral realizada em 6 de Agosto de 2015, com os votos contra do sócio aqui autor AA e a favor do sócio CC, para a Rua..., ... ..., residência habitual deste último sócio. e) Anteriormente e até finais de 2011, havia um terceiro sócio, a saber DD, que veio a ceder em finais de 2011 a sua quota ao dito CC. f) O objecto social da sociedade é a “compra e venda de prédios rústicos e urbanos e a revenda dos adquiridos para esse fim, indústria de construção civil, empreitadas de obras públicas e particulares, urbanizações, concepção, edificação e exploração de empreendimentos imobiliários e turísticos”. g) Eram inicialmente gerentes da sociedade o aqui autor AA, o referido CC e o mencionado DD. h) DD renunciou à gerência em 3 de Novembro de 2011 e o autor foi destituído por deliberação tomada em 20 de Março de 2013 com os votos de CC. i) A gerência da sociedade ré tem sido sempre assegurada pelo sócio CC, sendo que o autor nunca foi gerente de facto da mesma. j) Por escritura pública celebrada em 30 de Outubro de 2006 a sociedade ré comprou à sociedade “F..., SA”, pelo preço total de 2.300.000 Euros, um conjunto de fracções autónomas localizadas no prédio constituído no regime jurídico da propriedade horizontal e sito na Rua ... e Rua..., ..., em ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n. ... da freguesia ..., conjunto de fracções autónomas que constituem uma unidade de exploração comercial de parque de estacionamento aberto ao público em geral. k) Para pagamento do preço a sociedade ré recorreu a um financiamento bancário junto do banco “Caja de Ahorros de Galicia”, tendo para tal celebrado um contrato de mútuo com hipoteca no valor de capital de 2.070.000,00 Euros (dois milhões e setenta mil euros), conforme consta da escritura de fls.32, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. l) A sociedade obrigou-se ao pagamento da quantia mutuada e confessou-se devedora dos juros acordados à taxa anual determinada pela soma do spread de 0,75% à taxa euribor a seis meses, despesas e demais encargos. m) Nos termos contratuais a referidos quantia e juros remuneratórios deveriam ter sido pagos ao banco em 180 prestações mensais, consecutivos e com início em 30 de Novembro de 2006. n) No mesmo acto, a sociedade ré constitui a favor do banco hipoteca voluntária onerando cada uma das fracções, hipoteca que se encontra devidamente registada. o) Paralelamente, os autores AA e BB e os demais sócios CC e DD entregaram ao mencionado banqueiro uma livrança em branco e uma declaração de autorização de preenchimento na qual podemos ler: “Juntamos em anexo a livrança n.º ...76, subscrita pela sociedade "Moldihouse Investimentos Imobiliários e Turísticos, Lda." e avalizada pelos Senhores DD, CC, AA e a cônjuge deste último, BB. A referida livrança destina-se a garantir o cumprimento pontual e integral das obrigações decorrentes do contrato, de mútuo com hipoteca celebrado em 30.10.2006, entre a "Moldihouse – Investimentos Imobiliários: C Turísticos, Lda. com sede na Rua da Misericórdia, número vinte, em Lisboa, matriculada, na Conservatória do Registo Comercial ... - ... Secção, com o número único de matrícula e de pessoa colectiva 507 573 021, e a Caja de Ahorros de Galicia, Sucursal, compreendendo o capital mutuado, juros remuneratórios e de mora, respectivas comissões, despesas e demais encargos, incluindo as despesas judiciais e extrajudiciais em que a CAIXA GALICIA venha a incorrer para cobrança dos seus créditos. Ficam Vossas Exas. irrevogavelmente autorizados a proceder ao preenchimento dos espaços que propositadamente estão em branco no referido título, designadamente no que respeita ao montante e às datas de emissão e de vencimento, bem como para nele inscrever o local de emissão e de pagamento, ficando desde já habilitada a inserir cláusulas "sem despesas" e/ou "sem protesto", e a apresenta-lo a pagamento, quando considerarem oportuno, devendo as despesas de selagem seremnos debitadas Todos os restantes intervenientes dão o seu assentimento à remessa desta livrança, nos termos e condições acima referidos, pelo que também subscrevem a presente carta.” p) O referido documento está assinado pelos punhos dos aqui autores AA e BB e de cada um dos referidos CC e DD e acompanhava o mesmo uma livrança em branco. q) Livrança subscrita pela sociedade ré e na qual consta no verso e após a expressão “por aval à empresa subscritora”, ou equivalente, as assinaturas dos referidos aqui autores e dos CC e DD, feitas pelos próprios. r) Livrança em branco que veio a ser preenchida e reclamada à subscritora e seus avalistas pelo credor bancário, em 20 de Fevereiro de 2015, no valor de 1.292.092,40 Euros. s) Posteriormente, e na sequência de incumprimentos por parte da ré, de modo a evitar a imediata execução da hipoteca referida, os autores constituíram penhor de créditos onerando depósitos bancários seus existentes no banco credor e a favor desta última entidade, conforme consta de fls.139v dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. t) Acontece, porém, que a sociedade ré deixou de pagar pontualmente as prestações de capital e juro mensalmente vencidas. u) Em 24 de Março de 2011 estavam vencidas e não pagas 8 prestações. v) Consequentemente; o banco interpelou cada um dos garantes para se substituírem à devedora sociedade e pagarem as prestações em mora. w) Os autores AA e BB em 24 de Março de 2011 pagaram 55.000,00 Euros (fls.129v). x) Novamente e de imediato a sociedade ré deixou de pagar pontualmente as referidas prestações. y) De novo foram os garantes interpelados e os autores AA e BB procederam ao pagamento: - em 30 de Abril de 2012 pagaram a quantia de 153.000,00 Euros; - em 30 de Julho de 2012 pagaram a quantia de 22.177,29 Euros; - em 26 de Outubro de 2012 pagaram a quantia de 41.967,29 Euros; - e em 20 de Fevereiro de 2013 pagaram a quantia de 28.456,57 Euros; z) Pagamentos que foram realizados após a interpelação do banco credor e, com excepção do primeiro referido no paragrafo anterior, através da mobilização de aplicações financeiras dos autores que foram transferidas da conta destes para a conta da sociedade ré; aa) Entretanto o autor viu o seu nome ser referido na “Central de Responsabilidades de Crédito” do Banco de Portugal como devedor com obrigações em mora. bb) Por cartas enviadas pelo Banco credor a ambos os autores, nas datas de 30 de Abril de 2012, 5 de Novembro de 2012 e 16 de Janeiro de 2013, aquele, após referir que procederam à execução de um penhor ou à transferência de valores financeiros da conta dos autores em benefício do cumprimento do contrato de mútuo, declara que sub-roga expressamente os autores nos direitos do banco, mas unicamente na medida do pagamento (fls. 140, 146 e 147). cc) Por acórdão da ... Secção do Venerando Tribunal da Relação ... de 7 de Julho de 2016, no âmbito do processo 136/13.... que correu termos em 1ª instância pelo J... da Instância Central Cível do Tribunal da Comarca ..., transitado em julgado, os autores obtiveram a condenação da sociedade ré no pagamento dos mencionados valores de 153.000,00 Euros, de 22.177,29 Euros e de 41.967,29 Euros conforme resulta de certidão de fls. 164. dd) A sociedade ré Moldihouse era, em Dezembro de 2013, devedora ao Estado de diversas dívidas fiscais, nomeadamente as resultantes do não pagamento do “IMT -Imposto Municipal sobre Transmissão de Imóveis” e “IMI - Imposto Municipal sobre Imóvel” ee) Estando a correr termos vários processos de execução fiscal, com penhoras registadas desde 26 de Novembro de 2007, que oneraram várias fracções do prédio urbano supra identificado (fls. 187 e seguintes dos autos) ff) Durante o mês de Dezembro de 2013, o autor AA requereu ao Chefe da Repartição de Finanças ... o pagamento das referidas dividas e a sua subrogação nos direitos da Fazenda Nacional, conforme documento de fls. 329 e seguintes, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido: gg) Tendo sido deferido o pedido, os autores AA e BB pagaram a totalidade das dívidas em causa e ficaram titulares do valor calculado pela Fazenda Nacional em 11 de Dezembro de 2013, num total de 251.531,31 Euros, sendo 191.385,71 Euros respeitante à quantia exequenda, 53.508,99 Euros respeitante a juros e 6.636,61 Euros respeitante a custas processuais. hh) Mais foi concedido aos sub-rogados os benefícios previstos no Decreto-lei 151-A/2013, de 31 de Outubro, que previa um regime excepcional de regularização de dívidas fiscais e à segurança social. ii) Os tributos e impostos vencidos e não pagos de que a sociedade ré é devedora dizem respeito ao IMT pela aquisição das fracções autónomas supra referidas, aquisição ocorrida em 2006. jj) E, bem assim, IMI respeitante aos anos de 2006 até 2013 inclusive e referentes às mesmas fracções. kk) Acresce que no primeiro trimestre de 2014 a sociedade ré não pagou o IMI respeitante ao ano de 2013 no valor de 2.329,89 Euros, tendo o autor AA pago o mesmo em 16 de Julho de 2014, conforme consta de fls.336 e 337, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. ll) No balancete geral da sociedade Ré consta uma rubrica com o nº... com a referência “Regularizações anterior Toc – AA” no valor de €132.296,53”; mm) A sociedade ré foi declarada insolvente duas vezes e por duas vezes a sentença declarativa foi revogada por acórdão do Tribunal da Relação ...: - 1ª vez no âmbito do Processo 2218/13...., do ... Juízo de Comercio ..., revogada por acórdão da ... Secção do Tribunal da Relação ... de 21 de Maio de 2015, transitado em julgado; tendo a acção sido proposta pelo referido banco credor em 30 de Dezembro de 2013 e a ré devidamente citada em 25 de Fevereiro de 2014 (fls.340) - E 2ª vez no âmbito do Processo 23635/15...., do Tribunal da Comarca ... - Inst. Central - ... Sec.Comércio - J..., revogada por acórdão do Tribunal da Relação ... de 16 de Novembro de 2016, transitado em julgado em 22 de Junho 2017. Tendo a acção sido proposta entre outras pessoas pelos aqui autores em 2 de Setembro de 2015 e a ré devidamente citada em 25 de Setembro de 2015 apresentou a sua defesa (fls. 348) nn) No âmbito de cada um desses processos foram reclamados pelos AA créditos, não tendo a sociedade ré ou qualquer outra pessoa, impugnado os mesmos, os quais foram reconhecidos pelos Senhores Administradores de cada uma das insolvências (fls. 378). oo) As frações autónomas referidas em j) são exploradas, como parque de estacionamento, pela sociedade Alto Parque – Exploração e Gestão de Parques de Estacionamento, Lda; pp) A Alto Parque – Exploração e Gestão de Parques de Estacionamento, Lda, pessoa coletiva nº 507 492 277, com sede na Rua de Pedrouços, nº 27, freguesia de Santa Maria de Belém, em Lisboa, encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial ... sob o mesmo número, desde 10/10/05; qq) Tem por objeto social a compra e venda de parques de estacionamento, a construção dos mesmos, bem como a sua exploração, manutenção e gestão; rr) Tem o capital social de € 6.000,00, repartido da seguinte forma: - CC – duas quotas de € 2.000,00 cada; - AA – uma quota de € 2.000,00; ss) Eram inicialmente gerentes da sociedade os dois sócios e DD, o qual, no final de 2011 cedeu a sua quota e veio a renunciar à gerência; tt) Mostra-se registada em 06/02/13 a renúncia de CC das funções de gerente da A..., Lda, em 10/01/2013; vv) CC por acórdão Juiz ... do Tribunal Central Criminal desta Comarca ..., processo 1365/13...., ainda não transitado, foi condenado em pena de prisão de 4 anos, com execução suspensa, pela pratica de actos que estão na origem e são causa adequada do incumprimento da sociedade ré que nos ocupa nos presentes autos, nomeadamente pela prática um crime de abuso de confiança, este previsto e punido pelo artigo 205° n. 1 e n. 4 alínea b) do Código Penal e de um outro crime de falsidade informática, previsto no artigo 3° n. 1 da Lei 109/2009, de 15 de Setembro (fls.379). ww) Dias antes da outorga da escritura pública de compra e venda, mais precisamente, em 27 de Outubro de 2006, a sociedade Ré, encontrando-se em situação de beneficiar de isenção, requereu a isenção de IMT, ao abrigo da alínea g) do artigo 6.º e 10.º, ambos do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, doravante abreviadamente designado por “CIMT”, com referência às fracções objecto de transmissão, por estas se encontrarem em prédio classificado como de interesse nacional. xx) Face à ausência de decisão da Administração Tributária ao pedido de isenção apresentado pela sociedade Ré, em 12 de Dezembro de 2017, a MOLDIHOUSE interpôs acção administrativa especial contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública, em que requereu, a final, o reconhecimento da isenção de IMT na aquisição pela Requerente das fracções autónomas referidas, com as demais consequências. yy) A acção foi distribuída, sob o n.º 1001/07...., à Unidade Orgânica ... do Tribunal Tributário ..., foi julgada improcedente, tendo transitado em julgado, conforme certidão que consta de fls.472 e de fls.638, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. zz) Os processos de execução fiscal n.ºs ...97, ...55 (ap. ...70), ...68 (ap. ...10, ...46 e ...54) dizem respeito a tributos não pagos pela sociedade Ré relativos ao: a) IMT devido pela aquisição das fracções pela sociedade Ré, em 30 de Outubro de 2006, à sociedade F...; b) IMI, anterior ao ano de 2013, respeitante às referidas fracções de que a sociedade Ré é proprietária, que tem vindo a ser anualmente liquidado pela Administração Tributária (cfr.certidão de fls.509). aaa) Conforme consta de documento de fls.329 e seguintes, por despacho da Chefe de Finanças de 11.12.2013 foi o A sub-rogado com referência à quantia de €251.531,31, sendo €191.385,71 de quantia exequenda, €53.508,99de juros de mora e 6.636,61 de custas; Factos não provados: - Acontece ainda que nos anos de 2005 e posteriores e para o giro comercial da sociedade, nomeadamente aquisição de bens e serviços e pagamentos a realizar à banca e ao vendedor das mencionadas fracções, foi necessário o recurso a fundos financeiros que a sociedade não disponha. - Por isso, os sócios acordaram a realização de suprimentos à sociedade. - Conforme se verifica pela rúbrica ... no balancete geral da sociedade o autor AA constitui-se ao longo dos anos como credor da sociedade no montante de 132.2 11,53 Euros (rubrica ... do referido balanço), correspondente à soma dos vários montantes que entregou nos cofres da sociedade ao longo dos anos . - Para pagamento das prestações vencidas do empréstimo os sócios entregaram fundos à sociedade Ré que foram registados como suprimentos; - Os sócios das sociedades Moldihouse e Alto Parque acordaram entre si que com as receitas provenientes da exploração do parque de estacionamento a Alto Parque faria as transferências necessárias para a Moldihouse proceder ao pagamento à Caixa Galicia. *** 4.2. Fundamentação de direito Conforme já se deixou dito, o objeto do recurso interposto pela autora prende-se, unicamente, com a questão de saber se é os tribunais judiciais são incompetentes, em razão da matéria, para julgar a presente ação. Sustenta a ré que, estando em causa nos presentes autos questões relacionadas com a existência, validade e legitimidade de uma sub-rogação de créditos tributários, nos termos do disposto no art. 91º do CPPT, era à AT e não às instâncias que competia apreciar e decidir estas questões, pelo que o Tribunal da Relação estava obrigado a conhecer da incompetência absoluta do tribunal de 1ª instância para conhecer desta questão jurídico-tributária e não a escudar-se na afirmação de que ela já tinha sido decidida no despacho sanador, que é meramente tabelar. Vejamos
A competência é um pressuposto processual, isto é, uma condição necessária para que o Tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa através de uma decisão de procedência ou improcedência. E, conforme constitui entendimento desde há muito sedimentado, na doutrina e na jurisprudência, a competência afere-se pelos termos em que a ação é proposta e pela forma como o autor estrutura o pedido e os respetivos fundamentos, importando, para tanto, atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial, ao pedido por ele formulado e à invocada causa de pedir. Por outro lado, consabido que o direito de sub-rogação traduz «a substituição do credor na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento»[2] ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento e porque no caso dos autos, está em causa o pagamento efetuado pelos autores de dívidas fiscais da ré, resultantes do não pagamento do Imposto Municipal sobre Transmissão de Imóveis ( IMT) e Imposto Municipal sobre Imóvel ( IMI) importa, desde logo, ter em conta o regime do pagamento desta dívida por terceiro, previstos nos artigos 41º da LGT e 91º e 92º , do CPPT. Com efeito, sob a epígrafe "Pagamento por Terceiro" dispõe o artigo 41.º da LGT, nº1 que « O pagamento das dívidas tributárias pode ser feito pelo devedor ou por terceiro», estabelecendo, no seu nº 2, que «O terceiro que proceda ao pagamento das dívidas tributárias após o termo do prazo do pagamento voluntário fica sub-rogado nos direitos da administração tributária, desde que tenha previamente requerido a declaração de sub-rogação e obtido autorização do devedor ou prove interesse legítimo». Por sua vez, sob a epígrafe “Condições da sub-rogação”, estatui o art. 91º do CPPT que «1. Para beneficiar da sub-rogação, o terceiro que pretender pagar antes de instaurada a execução requerê-lo-á ao dirigente do serviço periférico local da administração tributária competente, que decidirá no próprio requerimento, caso se prove interesse legítimo ou a autorização do devedor, indicando o montante máximo da dívida a pagar e respetivos juros de mora. 2. Se estiver pendente a execução, o pedido será feito ao órgão competente, e o pagamento quando autorizado, compreenderá a quantia exequenda acrescida de juros de mora e custas. (…).»
Ora, analisando, agora, à luz destas considerações o caso dos autos, diremos que, se é certo resultar das normas acabadas de transcrever que a sub-rogação, no que respeita a dívidas tributárias, tem de ser autorizada pelo dirigente do serviço competente, certo é também terem os autores alegado nos artigos 40 a 55 da petição inicial, para além do mais, que «Estando a correr termos vários processos de execução fiscal (…)», «Durante o mês de Dezembro de 2013, o autor AA requereu ao Chefe da Repartição de Finanças ... o pagamento das referidas dívidas e a sua sub-rogação nos direitos da Fazenda Nacional (documento 9 )» e que «Tendo sido deferido o pedido, os autores AA e BB pagaram a totalidade das dívidas em causa e ficaram titulares do valor calculado pela Fazenda nacional em 11 de Dezembro de 2013, num total de 251.531,31 Euros (…)», pelo que, contrariamente ao sustentado pela ré, não se vê que o Tribunal de 1º Instância se tenha pronunciado sobre questão da competência da Autoridade Tributária. E muito menos se descortina que o presente litígio tenha por objeto questão relativa a relação jurídica fiscal[3], pois da simples leitura da petição inicial resulta claro que o presente litígio insere-se no domínio das relações jurídicas de direito privado, mais concretamente no âmbito de relações entre particulares, regidas pelas normas do Código Civil, da competência residual dos tribunais judiciais. Com efeito, através dos presentes autos, os autores pretendem apenas exercer o direito de sub-rogação que lhes foi reconhecido pela Autoridade Tributária, exigindo da ré o reembolso dos valores que, em substituição dela, pagou à Fazenda Nacional. Daí não se vislumbrar qualquer violação aos arts 209.º e 212.º da Constituição da República Portuguesa, ao art. 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, bem como ao artigo 91.º, do CPPT. Do mesmo modo não colhe o argumento avançado pela ré de que o Tribunal da Relação não conheceu da invocada exceção de incompetência absoluta do tribunal de 1ª instância, escudando-se na afirmação de que ela já tinha sido decidida no despacho sanador. É que se é certo ter o acórdão recorrido julgado improcedente a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância invocada pela ré/apelante, nos termos do disposto no art. 615º, nº1, al. c), do CPC, tendo afirmado quanto a esta matéria, que «em sede de audiência prévia foi definido como objeto do litígio “Da responsabilidade da Ré pela restituição aos Autores dos valores por estes pagos”, tendo sido proferido despacho saneador onde, além do mais, se decidiu “O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.”» , pelo que transitado em julgado, «fixou-se em definitivo a competência absoluta do tribunal», não fazendo, por isso, sentido voltar a conhecer desta questão na sentença, por tal se traduzir na prática «de um ato inútil que é proibido, art.º 130º do CPC », a verdade é que o Tribunal da Relação afirmou também que «A causa de pedir formulada pelos AA, nos presentes autos funda-se na responsabilidade da ré em restituir aos autores os valores por estes pagos. (cf. o objecto do litígio definido no saneador). A relação jurídica controvertida que os AA. trouxeram para estes autos cíveis é uma relação jurídico-privada, pois, diz unicamente respeito a dois particulares». E com base em toda esta argumentação manteve o decidido quanto à competência absoluta do tribunal. Mas sendo assim, evidente se torna que o Tribunal da Relação pronunciou-se expressamente sobre a competência dos tribunais judiciais para julgarem a presente ação, não se vislumbrando que o mesmo tenha violado o disposto no art. 595º do CPC. Por tudo isto e porque, tal como já se deixou dito, o presente litígio insere-se no âmbito da competência dos tribunais judiciais, improcede a ora invocada exceção de incompetência material destes tribunais, carecendo de total fundamento a pretendida absolvição da ré da instância.
Termos em que improcede o recurso, ficando, deste modo, prejudicado o conhecimento das questões suscitada pelos recorridos em sede de ampliação de recurso. *** IV – Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em julgar improcedente o recurso de revista interposto pela ré. As custas da revista ficam a cargo da recorrente. Notifique *** Supremo Tribunal de Justiça, 10 de fevereiro de 2022
Maria Rosa Oliveira Tching (relatora)
Catarina Serra Paulo Rijo Ferreira
_________ [1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente. |