Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
188/20.4JALRA-C.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO CARMO DA SILVA DIAS
Descritores: RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 06/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

I. O arguido, tal como o assistente (cf. quanto a este o art. 70.º, n.º 1, do CPP e o Ac. STJ/FJ n.º 15/2016), não pode autorepresentar-se em processo penal, particularmente, para praticar atos que são de reserva do advogado.

II. O legislador no próprio art. 62.º do CPP, ao aí consagrar os direitos do defensor, para além de reconhecer o seu lugar, ao lado do arguido (título III), como sujeito do processo (livro I), está, também, a reafirmar o seu papel essencial na administração da justiça (conforme esta­belece o art. 208.º CRP), pois enquanto Advogado assegura a defesa efetiva do arguido, tendo em atenção os interesses deste.

III. Assim, o arguido (tal como os demais sujeitos processuais com legitimidade para interpor recurso de revisão – cf. no que aqui interessa o art. 450.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPP) não pode autorepresentar-se em recurso extraordinário de revisão por si subscrito, antes tem de estar devidamente representado por advogado (art. 64.º, n.º 1, al. e), do CPP).

IV. Ora, uma vez que o recurso extraordinário de revisão que o arguido apresentou nos autos não está subscrito pelo seu defensor, mais não resta senão rejeitá-lo por não cumprir uma das condições necessárias, o mesmo é dizer, por não cumprir um pressuposto processual legalmente exigido para que pudesse ser validamente admitido (arts. 420.º, n.º 1, al. b), 414.º, n.º 2, do CPP).



Decisão Texto Integral: Proc. n.º 188/20.4JALRA-C.S1

Recurso de Revisão

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

I. No processo comum (tribunal coletivo) n.º 188/20.4JALRA, do Juízo Central Criminal ..., ..., da comarca de ..., por acórdão de 23.09.2021, transitado em julgado, o arguido AA foi condenado, além do mais, no que aqui interessa, pela prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio, p. e p. pelos arts. 131.º, 14.º, n.º 1, 22.º e 23.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal e artigo 86º n. 3 do RJAM, na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão, pena essa que por ac. da Relação de Évora de 8.03.2022 foi reduzida para 7 anos e 10 meses de prisão.

II. Em requerimento manuscrito e por si assinado, enviado pelo correio e entrado no tribunal em 28.03.2024, o mesmo arguido/condenado AA, recluso no EP de ..., por si, veio interpor recurso extraordinário de revisão do acórdão condenatório, transitado em julgado, proferido no referido processo n.º 188/20.4JALRA, nos termos do artigo 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, invocando para o efeito os seguintes fundamentos:

I – INTROITO

a. Da Acusação

Após uma investigação que se revelou célere, apesar de complexa e, bem assim, das não menos conturbadas fases de inquérito e instrução, o arguido AA, ora recorrente, foi pronunciado pela prática, em autoria imediata, de 1 (um) crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131º,132º, nº 1 e nº 2, alínea e), 22º e 23º, todos do Código Penal (CP), sujeito à medida de coação mais gravosa, prisão preventiva.

b. Da Decisão Condenatória

O tribunal coletivo julgou a referida acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada e decidiu condenar o ora recorrente pela prática, em autoria material e na forma tentada de 1(um) crime de homicídio, previsto e punido pelos artigos 131º, 14º, nº 1, 22º e 23º, n.ºs 1 e 2 do CP e artigo 86º, nº 3 do RJAM, na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão

II - Motivação da Revisão

Questão prévia

O arguido não matou, nem tentou matar o ofendido

O arguido não se conforma com a chocante e revoltante injustiça, da decisão condenatória proferida no processo e que o privou da liberdade

1. Violação da Cadeia de Custódia

Facto - a investigação não preservou ou periciou o vestuário do ofendido

Facto – a contaminação afeta ao projétil/munição extraído do corpo do ofendido, atente-se que o próprio confessou que, esta seria a terceira vez em que havia sido baleado

1.1. Ainda que se ignore as violações descritas, há algumas questões que se impõem, a suposta arma utilizada pelo arguido, ora recorrente, para a consumação do ato que, o tribunal cuidou de ser este o autor, de notar que à excepção do ofendido, mais ninguém, entenda-se testemunha, declarou de forma esclarecida, aquilo que viria a resultar na convicção do Tribunal que, o recorrente tivesse na sua posse uma qualquer arma - Que arma? Qual calibre? Qual a cor? (O ofendido declara uma cor e a suposta testemunha credível afirma cinzento). Contudo também por isto o tribunal concluiu pela responsabilidade do arguido, ora recorrente, quando a própria perícia se revelou inconclusiva. Diz-se e considera-se provado – “(…) uma vez que é pacífico que utilizou uma arma de fogo.” - Que o arguido teria na sua posse uma arma de fogo. Resulta daqui o Erro Notório na apreciação da prova, como pode o tribunal conhecer, ainda que, oficiosamente da arma de fogo? Vício que o tribunal deveria invocar, em sede de audiência de julgamento e por se considerar Prova Proibida, não deveria aproveitar como meio de prova para a livre apreciação do julgador e da decisão da causa.

2. Produção de Prova

“Por seu lado, BB conseguiu conduzir a sua viatura até a sua residência, onde veio a ser assistido pelo INEM e posteriormente transportado para o hospital de ...”, isto o tribunal considerou provado, quando a justificação em audiência de julgamento, apontava para a morosidade dos Serviços de assistência médica, contudo tal, não foi impedimento (apesar de baleado) para que aguardasse na sua habitação pela chegada do INEM

2.1. De notar e com especial relevo o apontamento do Tribunal “As suas declarações não mereceram reparo apesar das várias altercações entre arguido e ofendido (em concreto desconhecidas) pelo que a nossa convicção positiva estribou-se nas mesmas”, foi assim o entendimento do tribunal, por aqui se pode determinar a vontade do tribunal em ficcionar uma narrativa, já antes exposta pelo Ministério Público, no sentido da condenação do recorrente, ignorando, até por via do histórico entre ofendido e recorrente, que as declarações do ofendido teriam de ser parciais e tendenciosas, não devendo por maioria de razões, mas em particular a motivação referida (convicção), considerar-se.

2.2. De qualquer modo e concedendo, sem admitir, o entendimento dos Meritíssimos Juízes, aprecie-se as declarações do ofendido, “Quando ouviu o arguido, na sua direção, dizer “eu mato-te, é agora” (duas vezes), o seu reflexo foi virar-se, o que impediu de ser atingido no peito por aquele que empunhava, ostensivamente, uma arma (fez inclusive o gesto).” Como pode alguém formar convicção, da vontade do arguido, com o fim de matar alguém? Que garantias existem, que sustentem aquilo que o ofendido testemunhou e que até poderão levar no sentido oposto do que foi a convicção do tribunal, não teria sido um movimento deste que determinou o resultado da ação, uma vez que a arma poderia não estar apontada na sua direção e só o seu movimento permitiu o desfecho indicado.

2.3. Na mesma senda, qual a velocidade de um projétil disparado por uma arma de fogo, à “queima-roupa”, qual o tempo de reação necessário para que se consiga “esquivar” ao disparo? Poderá questionar-se a relevância das interrogações enunciadas, mas considerando o depoimento do ofendido (uma vez que foi credível!!!) e que afirma que tudo sucedeu de forma muito rápida e, acredita que efetivamente assim sucedeu, é do senso comum que, a dinâmica dos eventos impossibilitaria qualquer reação, em tempo útil, do ofendido, a menos que se julguem as evidências à luz de uma qualquer ficção ao estilo “Matrix.". Como pode o tribunal estribar a sua convicção nas declarações do ofendido?

2.4. O tribunal considerou a intenção de matar, pelas motivações plasmadas e referidas no Douto Acórdão de Sentença, não se acrescenta os, supostos, dizeres do arguido “eu mato-te (duas vezes )”, o Código Penal, ainda, não prevê a punição por anúncios, pelo que, salvo melhor opinião, não se afigura qualquer indício criminal na verbalização da frase em crise, pelo que, se esta for retirada da narrativa construída não tem qualquer valor jurídico e no caso em concreto, apenas permite suportar a história que o ofendido construiu.

2.5. Mais bizarro é o facto de mais nenhuma das testemunhas, ter referido a frase repetida (“eu mato-te (duas vezes)”), terá esta sido proferida em segredo? Não seria mais natural que fosse projetada em som bem audível? Mas também isso foi ignorado, não contribuía para a narrativa pretendida.

2.6 O senhor CC alega numa primeira fase do depoimento, não ter visto a “pistola”, para depois alegar “ver cano preto nas mãos”, por agora ignore-se a falta de credibilidade das declarações, atente-se na descrição da arma, cano preto, o que contraria aquilo que é a acusação, que remete para “um revólver, de cor cinzento”… será só contradição? E, tomando agora em atenção a incoerência do depoimento da testemunha indicada, só uma questão se impõe: terá a segunda afirmação surgido, pela forma como foi conduzida a inquirição, sendo sugestiva da resposta pretendida, em clara violação do artigo 138º, nº 2 do CPP.

2.7. Como se concede que a acusação/prova aduzida da investigação e do inquérito, indica que o revólver foi apontado à zona da cabeça e depois em tribunal se afirme que o ato foi praticado ao nível do peito, como acabou por determinar o Coletivo de Juízes, como se permite sem questionar? O conhecimento da anatomia humana, a este nível, não deverá carecer de opinião científica ou será que segundo as regras da experiência será plausível que se confunda o peito com a “zona” da cabeça? Terá o tribunal contribuído e auxiliado, mais uma vez, para a narrativa ficcionada ou estamos perante uma extensão abusiva da interpretação do artigo 127º do CPP.

2.8. Alguém crê que um qualquer indivíduo, depois de baleado, vai primeiro para a sua habitação e, só aí chegado aciona os meios de socorro, para de seguida ser transportado ao hospital - no mínimo, esta situação tem de se classificar como rebuscada, no limite será legítimo interpretar-se que se tratou de uma encenação, para aquilo que se seguiria. O que pretendeu omitir ou esconder, no sentido de sustentar a sua história. Não seria legítimo e razoável que o tribunal, ao invés de valorar a “mímica” dos testemunhos, procurar perceber por que razão nenhuma testemunha indica ou refere o ofendido a sangrar, como resultado de ter sido baleado, algo evidente à luz dos eventos relatados. Duvidoso, é o mínimo que se nos oferece acrescentar.

2.9. Intenção de matar, ou mesmo a tentativa, como resulta da acusação e da sentença. Será credível, para alguém que, uma qualquer pessoa com intenção de matar ou tentar e que, com um revólver em “punho” dispara uma única vez, depois de verificar que não alcançou os seus intentos? Facto e dinâmica que não aparenta respaldar a decisão do coletivo e merecia outra sustentação na forma como este entendeu o ato.

3. Decisão

Se a revisão, aqui assente não merecer o mérito de V. Exas., sempre se acrescenta que:

3.1. A medida da pena aplicada ao recorrente, relativamente aos factos em apreço, ainda que o tribunal não exclua a ilicitude da participação do recorrente, por ser essa a sua convicção, sempre se deve considerar uma menor penalização deste, porque e, conforme se consegue perceber pela prova carreada para os autos (aquela que se devia considerar) a “intensidade” com que se classifica e qualifica a conduta do arguido, ora recorrente é desproporcional, não se acautelando a atenuação que a lei prevê, em particular naquilo que foi o resultado

3.2. Como já referenciado, a pena aplicada ao recorrente é manifestamente desproporcional e exagerada, violando o disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal, no que concerne aos critérios que regem a sua determinação. Sendo que se deveria ter atendido, nos termos e para os efeitos do nº 2 do artigo indicado, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, “porque estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto”, acabaram por depor a favor do agente ou contra ele. O tribunal “a quo” valorou desfavoravelmente, circunstâncias que deveriam ser objetivamente consideradas para efeitos da atenuação da pena que foi aplicada ao recorrente. Pode-se ainda aferir do resultado da Douta Sentença que, os relatórios sociais e clínicos do recorrente, depuseram contra este, não servindo como vínculo a redução da moldura penal, mas consentânea com o relatório social.

3.3. A prova produzida em audiência de julgamento e bem como a que foi carreada para os autos não permite, não deveria permitir ao tribunal concluir, com o mínimo de certeza e segurança jurídica que, a participação do recorrente nos factos plasmados na acusação e confirmados pelo Douto acórdão de sentença. Da prova produzida em audiência de julgamento e aquela que se apurou para os autos, desta última podemos questionar e arguir a legalidade - violação da cadeia de custódia, aquisição de prova proibida e interpretação abusiva do artigo 127º do CPP, há a acrescentar ainda a falta de perícia capaz de indicar e determinar a dinâmica do ato em crise - não se pode inferir, ainda que, por meios que causam a violação da lei, a censura do ato atribuído ao recorrente, deveria o coletivo declarar as dúvidas quanto à participação deste na ilicitude e pugnar pela aplicação do princípio “in dubio pro reo”, tal impunha-se quanto ao preenchimento de elementos subjetivos e apreciados pelo coletivo, devendo concluir pela absolvição do arguido, ora recorrente e a sua imediata libertação.

III – Conclusões

I - O arguido, ora recorrente, foi condenado pela prática em autoria material e na forma tentada, de 1 (um) crime de homicídio, previsto e punido pelos artigos 131º, 14º, nº 1, 22º e 23º, nºs 1 e 2 do CP e artigo 86º, nº 3 do RJAM, na pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão. Decisão corrigida pelo Tribunal da Relação de Évora, apenas quanto à extensão da pena, para 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de prisão, mantendo no mais o acórdão recorrido.

II - Não entende o recorrente como pode o tribunal ter concluído pela verificação do elemento subjetivo na apreciação da prova produzida em audiência de julgamento, bem como aquela vertida para os autos, por meio da investigação e do inquérito, promovendo em contrário uma “narrativa” ao “serviço” do Ministério Público e ao menos não se ter deparado com a dúvida, porque ao apreciar a prova de modo seletivo (essencialmente a prova testemunhal), contrariou de forma recorrente a “Regra da Experiência” em claro prejuízo do princípio “in dubio pro reo” e em contradição com o que determina o artigo 127º do Código de Processo Penal.

III - Determina a Constituição da República Portuguesa (CRP) através do artigo 20º, nº 4 “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”, e, é o aspeto equitativo que o recorrente equaciona. No âmbito dos indícios probatórios, como os quesitos enunciados pelo Ministério Público, por meio da Acusação, foram contrariados pela prova produzida em audiência de julgamento, o que deveria concorrer para contrariar a convicção formada pelo coletivo, o que não sucedeu, como ditam as boas práticas, contudo o tribunal não se serviu na mesma proporcionalidade do que seriam e foram os elementos subjetivos valorados. Uma dúvida, vive com o recorrente: eu que não matei, nem tencionei matar… como provo que sou inocente? E, outra dúvida se impõe, não deveria, por oposição à dúvida do recorrente, o Ministério Público “provar” a culpa. A nossa Constituição não salvaguarda o princípio da presunção da inocência? Não é deste pressuposto que procede o funcionamento da Justiça Portuguesa? Para que não restem dúvidas, é sentimento do recorrente que, houve uma manifesta manipulação da prova, essencialmente, testemunhal, muitas vezes em clara contradição com aquilo que resultou na acusação… contudo também isto não foi valorado pelo tribunal. Mas na Constituição consagra se: Equitativo…?

IV - Do princípio “in dubio pro reo”, resulta da Constituição da República Portuguesa o artigo 32º, nº 2 da 1ª parte - presunção de inocência - constitui uma imposição dirigida ao julgador, e da qual não se pode demitir, no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa, o que no caso concreto não sucedeu.

V - Ainda que não se entenda, por tudo antes enunciado, o que se admite, sem conceder, sempre se diga que a pena de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de prisão, corrigida da pena inicial, pelo Tribunal da Relação de Évora, no que foi o claro reconhecimento do desmesuramento do Tribunal de 1ª Instância, permanece, na opinião do recorrente, o manifesto exagero e desproporcionalidade, violando o disposto no artigo 71º do Código Penal (CP), no que concerne, como demonstrado, aos critérios que regem a sua determinação.

VI - Ponderada a ilicitude dos factos, a culpa do recorrente e as exigências de prevenção, considerou o tribunal adequada a aplicação da pena corrigida pelo tribunal superior (Tribunal da Relação de Évora) 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de prisão efetiva. Nos termos do artigo 40º, nº 1 do Código Penal, a aplicação de penas e de medidas de Segurança visam a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Por sua vez, a determinação da medida concreta da pena, é em conformidade com o preceituado no artigo 71º, nº 1 do Código Penal (CP), feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção.

VII - Devendo atender-se, nos termos e para os efeitos do nº 2 do acima referido artigo, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (porque estes já foram tomados em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), depuseram a favor do agente ou contra ele, nomeadamente:

“a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deve ser censurada através da aplicação da pena.”

VIII - A enumeração das acima referidas circunstâncias não deverão ser taxativas, pelo que se encontram abrangidas quaisquer outras que deponham a favor ou contra o autor do crime. Em suma, a pena aplicar será, assim, fixada em função da culpa, da ilicitude, e das circunstâncias agravantes e atenuantes que ocorram, tendo sempre presente o objetivo da reinserção social do agente. A função da culpa, no sistema punitivo assume-se “numa incondicional proibição do excesso”, constituindo o limite inultrapassável de quaisquer exigências punitivas. (cfr. Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pág. 109 e ss.)

IX - Importa, pois, analisar os fundamentos da aplicação ao arguido, ora recorrente da pena de prisão que lhe foi em concreto, a aplicada. Mais precisamente, a aplicação dos critérios enunciados no nº 2 do artigo 71º do CP, uma vez que as necessidades de prevenção geral são, quanto ao tipo de crime praticado pelo arguido que não aquele em que foi condenado, são indiscutivelmente elevadas. Entendeu o tribunal que “resulta contra o arguido o elevado grau de censurabilidade da sua conduta (temperado pela inegável sorte do ofendido ao movimentar-se ser atingido em local do corpo que não colocou a sua vida em risco)…” Entende o recorrente que, o tribunal valorou desfavoravelmente circunstâncias que deveriam ser objetivamente consideradas para efeitos de atenuação da pena aplicada ao recorrente. A conduta, anterior aos factos, do arguido, ora recorrente não deveria ter sido valorado pelo tribunal de forma negativa, como se encontra plasmado no acórdão de sentença, em particular “(…) apesar das várias altercações entre arguido e ofendido (em concreto desconhecidas) (…)” (acórdão de sentença), também isto concorreu contra o recorrente e por último: qual a razão por que o recorrente não concretizou as suas intenções depois do primeiro disparo não atingir a sua pretensão, porque não repetiu os disparos, concluindo com sucesso aquilo que o tribunal acredita seria a sua vontade, isto também o tribunal não valorou.

X - O recorrente encontrava-se do ponto de vista social e familiar, perfeitamente inserido, sendo de salientar da, à muito, sua companheira com quem partilha as suas filhas. Desde que se encontra sujeito ao cumprimento da pena de prisão, o comportamento do recorrente tem sido adequado e convergente com as regras da instituição prisional, não se assinalando a instauração, sobre a sua pessoa, de processos de averiguação de foro disciplinar. Por outro lado tem-se mantido ativo em termos laborais, mantendo no presente as funções de faxina na ala do estabelecimento prisional a que se encontra alocado. A reconhecer que, no caso concreto a permanência do recorrente, por vários anos, em meio prisional, poderá inviabilizar a sua reinserção social e até mesmo contribuir para a sua exclusão e ou marginalização. As circunstâncias indicadas deveriam ter sido positivamente valoradas para efeitos da aplicação ao recorrente de uma pena de prisão próxima do limite mínimo e inferior ao meio da pena abstratamente aplicável aos tipos de crimes pelos quais foi condenado, e não superior a cinco anos de prisão, suspensa na sua execução.

XI - A legitimidade do acórdão de sentença promovido pelo coletivo e avaliado pelo Tribunal superior de recurso (Tribunal da Relação de Évora), é posto em causa, não só pelas motivações antes enunciadas, prova proibida, omissão de elementos da investigação (ignorados de forma seletiva pelo Tribunal), são pressupostos legais que têm de ser indicados e que permitiriam pugnar pela decisão favorável ao recorrente “in dubio pro reo”, o que efetivamente não se verificou, pelo contrário funcionou em desfavor do recorrente.

XII - A admissão do projétil, sem que se tivesse sido respeitada a cadeia de custódia, a concordância quanto à utilização da arma de fogo, a falta de perícia ao vestuário do ofendido, não constante qualquer coisa nos autos que contribuam para a factualidade apontada pelo Douto acórdão de sentença. Assim, estas nulidades devem considerar-se insanáveis. A situação cai assim sob alçada dos disposto pelo artigo 410º nº 3, do Código de Processo Penal e tem como consequência a repetição da decisão pelo mesmo tribunal, mas desta feita sem a ponderação da prova proibida cfr. a este respeito, Paulo Pinto de Albuquerque, comentário ao Código de Processo Penal, uc, 2ª Edição atualizada, pág. 320, nota 4 e pág. 322, nota 10 (transcrição efetuada do acórdão do processo nº 849/20.8PBCSC.L1-9, promovido pelo Tribunal da Relação de Lisboa - 9ª Secção).

Por todo o exposto e por tudo o que concorre para o que foi o resultado da sentença do coletivo, o recorrente nos termos já antes explicados e nos demais de direito, com o Douto Suprimento de V. Exas. apela-se:

- A revogação da decisão de condenação do arguido, ora recorrente AA, e a sua substituição por outra que o absolva da prática dos crimes pelos quais foi condenado, ou

- Nos termos do artigo 126º, nº 3 do Código de Processo Penal e pelo que foi a sua violação, ordenar a repetição do julgamento, pelo mesmo tribunal, nos termos do artigo 410º, nº 3 do mesmo diploma legal, sem a ponderação da prova proibida.

- Ou, se assim não se entender o que se admite, sem conceder, que a pena de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses que lhe foi aplicada seja, por via da aplicação dos critérios do artigo 71º, nº 2 do Código Penal, reduzida em 2 (dois) anos e 10 (dez) meses.”

III. Na 1ª instância o Sr. juiz proferiu o seguinte despacho:

§1- AA foi condenado, por acórdão transitado em julgado, pela prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio, p. e p. pelos arts. 131.º, 14.º, n.º 1, 22.º e 23.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal e artigo 86º n. 3 do RJAM, na pena de 7 anos e 10 meses de prisão.

E vem, agora, interpor recurso, o qual apelida de revisão, mas sem que ao longo da motivação ou conclusões explicite qualquer um dos fundamentos em que radica a possibilidade de revisão do acórdão.

Não requer a produção de prova.

§2- Cumprido o disposto no artigo 454.º, do Código de Processo Penal, o Ministério Público apresentou douta resposta ao recurso, concluindo, em síntese, o seguinte: “Na sua substância, a impugnação apresentada por AA não se subsume a qualquer uma das alíneas do artigo 449.º do CPPenal. Não pode entender-se a referência avulsa à “ponderação da prova proibida”, sem concretizar de que prova se trata - pelo condenado naturalmente porque ela não existe , como fundamento de revisão do acórdão condenatório e, designadamente, o previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 449.º do CPPenal. O recorrente limita-se “a atacar a apreciação da prova feita pelo tribunal e, subsidiariamente, a fixação da medida concreta da pena de prisão e a opção pela sua não substituição, ou seja, a apresentar argumentos próprios de um recurso ordinário, de resto, semelhantes àqueles que, nesse contexto, foram já esgrimidos pela sua Ilustre Defensora e apreciados pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora. Não está, pois, em causa verdadeiro e próprio recurso extraordinário de revisão. .

§3- Tudo compulsado e sopesado, o Tribunal partilha do entendimento que ao juiz da primeira instância caberá uma função meramente recetora do processo, limitando-se a admitir o recurso interposto, pois que lhe está vedado rejeitar ou determinar o seu aperfeiçoamento, atento o impedimento resultante do disposto no artigo 40.º, do Código de Processo Penal conferir acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12.03.2009, ECLI:PT:STJ:2009:09P316.AC, relator: SIMAS SANTOS, disponível eletronicamente.

E logo se antolha pelas sobreditas razões, salvo melhor e mais douta decisão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça, não estarem reunidos os pressupostos e fundamentos para a revisão do acórdão condenatório.

Com a devida deferência, sendo este o parecer da primeira instância sobre o mérito do pedido, subam os autos ao Colendo Supremo Tribunal de Justiça, para mais douta apreciação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 454.º, do Código de Processo Penal.

Junte cópia dos acórdãos proferidos, notifique e diligências necessárias.

IV. Respondeu o Ministério Público, sustentando que deverá ser negado provimento ao recurso extraordinário de revisão, apresentando para o efeito as seguintes conclusões:

“1. Na sua substância, a impugnação apresentada por AA não se subsume a qualquer uma das alíneas do artigo 449.º do CPPenal.

2. Não pode entender-se a referência avulsa pelo condenado à “ponderação da prova proibida”, sem concretizar de que prova se trata – naturalmente porque ela não existe –, como fundamento de revisão do acórdão condenatório e, designadamente, o previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 449.º do CPPenal.

3. O recorrente “limita-se” a atacar a apreciação da prova feita pelo tribunal e, subsidiariamente, a fixação da medida concreta da pena de prisão e a opção pela sua não substituição, ou seja, a apresentar argumentos próprios de um recurso ordinário, de resto, semelhantes àqueles que, nesse contexto, foram já esgrimidos pela sua Ilustre Defensora e apreciados pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora.

4. Não está, pois, em causa verdadeiro e próprio recurso extraordinário de revisão.”

V. Neste Tribunal o Sr. PGA pronunciou-se no sentido do recurso dever ser julgado manifestamente improcedente, pelos motivos indicados na resposta ao recurso pelo MP, com os quais concorda inteiramente, dado não estar em causa um verdadeiro e próprio recurso de revisão.

VI. No exame preliminar a Relatora ordenou que fossem cumpridos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

Fundamentação

VII. O recurso extraordinário de revisão, previsto nos artigos 449.º a 466.º CPP, é um meio processual (que se aplica às sentenças transitadas em julgado, bem como aos despachos que tiverem posto fim ao processo – art. 449.º, n.º 1 e n.º 2 do CPP – também transitados) que visa alcançar a possibilidade da reapreciação, através de novo julgamento, de decisão anterior (condenatória ou absolutória ou que ponha fim ao processo), desde que se verifiquem determinadas situações (art. 449.º, n.º 1, do CPP) que o legislador considerou deverem ser atendíveis e, por isso, nesses casos deu prevalência ao princípio da justiça sobre a regra geral da segurança do direito e da força do caso julgado (daí podendo dizer-se, com Germano Marques da Silva1, que do “trânsito em julgado da decisão a ordem jurídica considera em regra sanados os vícios que porventura nela existissem.”).

O art. 450.º, n.º 1, al. c), do CPP, atribui ao condenado ou ao seu defensor legitimidade para requerer a revisão, relativamente a sentença condenatória, o que significa, em relação ao arguido, que tal disposição legal tem de ser articulada com o estabelecido no art. 64.º, n.º 1, al. e), do CPP, segundo o qual “É obrigatória a assistência de defensor oficioso nos recursos ordinários ou extraordinários.”

Ou seja, o arguido, tal como o assistente (cf quanto a este o art. 70.º, n.º 1, do CPP e o Ac. STJ/FJ n.º 15/2016), não pode autorepresentar-se em processo penal, particularmente, para praticar atos que são de reserva do advogado.

Com efeito, no referido Ac. STJ/FJ n.º 15/2016, uniformizou-se jurisprudência no sentido de “nos termos do artigo 70.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o ofendido que seja advogado e pretenda constituir-se assistente, em processo penal, tem de estar representado nos autos por outro advogado”.

Assim, como se refere no ac. do STJ de 26.05.2021 (Nuno Gonçalves) - igualmente referenciado no ac. STJ, 23.06.2021 (Ana Barata de Brito) - com esse ac. de fixação de jurisprudência n.º 15/2016 reitera-se que “o exercício do direito ao recurso em processo penal pelo arguido, pelo assistente ou por qualquer interveniente ou pessoa que aí seja condenada a qualquer título, só pode efetivar-se através de advogado constituído ou nomeado defensor”, dando-se ainda nota de que o “Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, confrontado com a proibição legal da autorepresentação e a obrigatoriedade de constituição ou nomeação de defensor decidiu, no acórdão de 4 de abril de 2018, que não viola o artigo 6 §§ 1 e 3 c) da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.”

De resto, o legislador no próprio art. 62.º do CPP, ao aí consagrar os direitos do defensor, para além de reconhecer o seu lugar, ao lado do arguido (título III), como sujeito do processo (livro I), está, também, a reafirmar o seu papel essencial na administração da justiça (conforme esta­belece o art. 208.º CRP), pois enquanto Advogado assegura a defesa efetiva do arguido, tendo em atenção os interesses deste.

Aliás, como diz Germano Marques da Silva2, “No âmbito da função defensiva, o defensor exerce a defesa técnico-jurídica. A defesa consiste na actividade destinada a fazer valer no processo os direitos subjectivos e outros interesses jurídicos do arguido. É uma actividade complexa e unitária que abrange a autodefesa pelo próprio arguido e a defesa técnica exer­cida pelo defensor. Deve anotar-se que o defensor do arguido não é defensor do crime, mas da Justiça e dos direitos e interesses jurídicos do arguido. (...) A actividade da defesa é a actuação processual que tem por fim favorecer o arguido.”

Ora, tudo isto evidencia que, tendo sido o requerimento acima referenciado, intitulado de “revisão de sentença transitada em julgado”, manuscrito pelo próprio arguido, sem se fazer representar por defensor oficioso, não pode o mesmo ser admitido.

O arguido (tal como os demais sujeitos processuais com legitimidade para interpor recurso de revisão – cf. no que aqui interessa o art. 450.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPC) não pode autorepresentar-se, antes tem de estar devidamente representado por advogado (art. 64.º, n.º 1, al. e), do CPP).

Com efeito, é essa a jurisprudência praticamente uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça, como se pode ver, entre outros, nos acórdãos de 3.04.2024 (Maria do Carmo Silva Dias), de 27.09.2023 (Ernesto Vaz Pereira), de 8.06.2022 (Ana Brito), de 26.05.2021 (Nuno Gonçalves), de 29.03.2017 (Oliveira Mendes) e de 14.01.2015 (João Miguel).

E, assim, porque o recurso extraordinário de revisão que o arguido apresentou nos autos não está subscrito pelo seu defensor, mais não resta senão rejeitá-lo por manifestamente não cumprir uma das condições necessárias, o mesmo é dizer, por não cumprir flagrantemente um pressuposto processual legalmente exigido para que pudesse ser validamente admitido (arts. 420.º, n.º 1, al. b), 414.º, n.º 2, do CPP).

Dispositivo

Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso extraordinário de revisão do arguido, nos termos dos arts. 420.º, n.º 1, al. b), 414.º, n.º 2, do CPP, por não se mostrar subscrito por defensor (art. 64.º, n.º 1, al. e), do CPP).

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça individual em 4 (quatro) UC`s e sendo ainda condenado no pagamento da soma de 6 UC`s, nos termos do art. 420.º, n.º 3, do CPP.

Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo depois assinado.

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Supremo Tribunal de Justiça, 19.06.2024

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Antero Luís (Adjunto)

Maria Teresa Féria de Almeida (Adjunta)

Nuno Gonçalves (Presidente da Secção)

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1. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo: Lisboa, 1994, p. 359, acrescentando o seguinte: “Há, porém, certos casos em que o vício assume tal gravidade que faz com que a lei entenda ser insuportável a manutenção da decisão. O princípio da justiça exige que a verificação de determinadas circunstâncias anormais permita sacrificar a segurança e a intangibilidade do caso julgado exprime, quando dessas circunstâncias puder resultar um prejuízo maior do que aquele que resulta da preterição do caso julgado, o que é praticamente sensível no domínio penal em que as ficções de segurança dificilmente se acomodam ao sacrifício de valores morais essenciais.”

2. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. I, 4.º ed., Lisboa: Editorial Verbo, 2000, I, pp. 306 e ss.