Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3212/21.0T8ALM.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: PRIVAÇÃO DO USO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS FUTUROS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
Merece a tutela do direito a reparação por via de atribuição da indemnização por dano não patrimonial a privação de bem quando, nas circunstâncias do caso, se atende ao tipo de bem em causa (veículo da marca “Volkswagen”, modelo “Transporter Kastenwagen”, vulgarmente conhecido como “pão-de-forma”, do ano 1970), ao cuidado que o A. colocou na sua “reconstituição”, no afecto que o bem lhe pudesse merecer e no sofrimento que é inerente ao desgaste de se ver privado do mesmo e o ver a degradar-se, nas condições apuradas neste autos, pelo período de tempo (longo), que ainda se mantém.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. AA instaurou acção declarativa de condenação contra o Município do Seixal. Para fundar a respectiva pretensão, alegou o autor:

- Em Novembro de 2017, e na sequência de colaborações anteriores, a Ré solicitou, ao Autor, que este lhe disponibilizasse/cedesse, gratuitamente, o uso do veículo de que é proprietário, da marca “Volkswagen”, modelo “Transporter Kastenwagen” (vulgarmente conhecido como “pão-de-forma”), do ano 1970, com a matrícula AG-..-.., para o evento “Aldeia Natal do Seixal”, conforme Documento n.º 1.

- Ficou acordado que a Ré deveria restituir o veículo ao Autor, no mesmo estado em que lhe foi entregue, no dia 23.12.2017, dia em que o supra referido evento (“Aldeia Natal do Seixal”) terminaria;

- Não obstante, em 15.12.2017, a Ré informou, o Autor, que o veículo, no dia 10.12.2017, tinha sofrido alguns danos, de entre os quais “algumas amolgadelas e um farolim partido”, em virtude da queda da estrutura de uma tenda em cima do veículo.

- No dia 04.09.2018, a solicitação da Ré, o Autor deslocou-se com o mecânico BB ao local onde se encontrava a carrinha, no parque exterior dos serviços centrais do Município do Seixal, tendo o mesmo inspeccionado o estado do veículo; Sendo que, no local, foram detectados os seguintes danos visíveis no veículo: estrutura exterior e cantoneiras degradadas com diversas mossas e ferrugem, pintura desgastada e riscada, estrutura do tejadilho danificada/partida, interior degradado (madeira com humidade e deteriorada, forro do chão interior em tecido levantado e rasgado, estofos dos bancos danificados – sendo que o condutor se encontrava rasgado –, interior da porta do passageiro com humidade e deteriorada/lascada, tecto interior degradado/a com sinais de humidade e descolado e luz de presença partida, hidráulico partido), portas danificadas com riscos, amolgadelas e ferrugem e com dificuldade de abertura/fecho, borrachas de isolamento dos vidros laterais degradadas/em decomposição, um dos faróis superiores (instalado no tejadilho) totalmente partido, tudo conforme registo fotográfico efectuado na data e local referidos, que ora se junta como Documento n.º 2.

- Não tendo o réu diligenciado pela efectiva reparação do veículo, embora a tal se tenha comprometido, nem tendo pago o valor da sua reparação, retendo-o, mesmo após todas as diligências encetadas pelo autor no desiderato de obter tal reparação, ficando o autor privado do seu veículo, que usava na sua actividade profissional de ..., bem como em lazer, em consequência do que deve o réu ser responsabilizado pelo ressarcimento dos danos que ocasionou com a sua conduta.

Conclui o autor que a presente acção deve ser julgada procedente, por fundada e provada, e, em consequência, pede seja o réu condenado nos seguintes pedidos:

a) A reparar, por si ou à sua custa, os danos supra identificados provocados no veículo, no prazo de trinta dias após o trânsito em julgado da decisão e, de seguida, a restituí-lo ao autor no mesmo estado em que lhe tinha sido entregue; subsidiariamente, e no caso de o veículo vir a ser entregue pelo réu ao autor e este proceda à sua reparação, em substituição do réu, a pagar-lhe, a título de indemnização, o custo suportado com a reparação (cujo montante não é possível, neste momento, definir com exactidão, embora se estime ronde o montante de € 21.666,86), a liquidar nos termos do disposto no artigo 358.º e seguintes do Código de Processo Civil, acrescido de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contabilizados desde a citação até efectivo e integral pagamento;

b) A pagar ao autor uma indemnização pela privação do uso do veículo, em montante a fixar equitativamente pelo Tribunal, o qual se entende, no entanto, não dever ser inferior a € 30,00 diários, contabilizados desde 23.12.2017 até à data da entrega do veículo ao autor integralmente reparado, liquidando-se, assim, provisoriamente, até à presente data, tal montante indemnizatório, à razão de € 30,00 diários, em € 37.350,00;

c) A pagar ao autor uma indemnização por danos não patrimoniais, em montante a fixar equitativamente pelo Tribunal, o qual se entende não dever ser inferior a € 1.500,00.

2. Contestou o R. invocando a prescrição e impugnando a extensão dos danos alegados pelo autor, invocando ainda o mau funcionamento do veículo e defendendo que foi o autor quem ocasionou a dilação na sua reparação, fazendo exigências infundadas e que excedem o dano sofrido, concluindo o réu pela improcedência da acção,

3. Foi proferido despacho saneador onde se julgou improcedente a excepção de prescrição.

4. Realizou-se o julgamento, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

a) Condeno o réu Município do Seixal a restituir ao autor AA o veículo a este pertencente, com a matrícula AG-..-.., da marca “Volkswagen”, modelo “Transporter Kastenwagen”, vulgarmente conhecido como “pão-de-forma”, do ano 1970, após sua reparação, em conformidade com o relatório pericial de fls. 159 a 169 verso, a realizar no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, após o trânsito em julgado da sentença, ou, em alternativa e para o caso de não cumprir esta última prestação nesse prazo, condeno o réu Município do Seixal a pagar ao autor AA indemnização equivalente ao valor dessa reparação, a liquidar em incidente ulterior à sentença, mas não inferior a € 21.666,86 (vinte e um mil e seiscentos e sessenta e seis euros e oitenta e seis cêntimos);

b) Condeno o réu Município do Seixal a pagar ao autor AA a quantia diária de € 30,00 (trinta euros), desde 23.12.2017 até à restituição do veículo identificado em a) reparado ou até ao pagamento da indemnização fixada em alternativa, bem como o condeno no pagamento da quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais;

c) Condeno o réu Município do Seixal a pagar ao autor AA juros moratórios, à taxa de 4%, contados desde a liquidação e até integral pagamento no tocante à quantia objecto da condenação alternativa constante de a) e desde a citação e até integral pagamento quanto às quantias objecto da condenação exarada em b);

d) Condeno o réu nas custas do processo.”

5. Desta sentença recorreu o R.

6. O recurso foi conhecido pelo Tribunal da Relação, que alterou a matéria de facto e analisou as questões suscitadas na apelação, tendo decidido:

“Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e em consequência altera-se a al.b) do dispositivo que passa a ser:

- b) Condeno o réu Município do Seixal a pagar ao autor AA a quantia de €20.000,00 a título de dano por privação de uso.

- vai o R absolvido do pedido de indemnização por danos não patrimoniais

No mais, confirma-se a decisão recorrida.

Custas por A e R na proporção de 20% e 80% respectivamente.”

7. Não se conformando com o acórdão, veio interposto recurso de revista pelo A. AA, onde se conclui (transcrição):

A. O presente recurso visa submeter à apreciação deste Tribunal Superior a matéria de Direito considerada pelo Douto Acórdão de que ora se recorre, não se conformando o aqui Recorrente com o facto de o Tribunal a quo, da análise de toda a documentação constante dos autos e da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, ter decidido pela procedência parcial da Apelação, alterando, em consequência, a alínea b) do dispositivo da Sentença prolatada em 1ª Instância,

B. Decisão essa que culminou, por um lado, na redução e fixação da indemnização por privação de uso ao aqui Recorrente em € 20.000,00, e, por outro, na absolvição do Município Recorrido no pedido de indemnização por danos não patrimoniais, também peticionados nos presentes autos.

C. No que à aludida privação de uso concerne, esta última decisão, da qual se recorre, importa para o aqui Recorrente uma diminuição acentuada em, sensivelmente, € 46.750,00, do seu direito indemnizatório, na medida em que, primeiramente, havia sido fixado pelo tribunal de 1ª Instância um valor diário, a título de privação de uso da viatura “pão de forma”, de € 30,00, a contabilizar desde 23.12.2017, num total de € 66.750,00,.

D. Razão pela qual deverão ambas as questões – indemnização por privação de uso e danos não patrimoniais - ser revistas e alterada a sua decisão em conformidade com o Direito.

E. O aqui Recorrente não se pode conformar com o facto de o Tribunal a quo, da análise de toda a documentação constante dos autos, da prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento e, mais que isso, da prudente ponderação do caso sub judice, ter considerado como provado o ponto 5., i.e., que a queda da estrutura metálica se ficou a dever a uma intempérie, quando se desconhece e nada foi dito acerca da queda de outras estruturas do evento, igualmente se desconhecendo das diligências assumidas pelo Réu Município para evitar esse mesmo desfecho, inexistindo qualquer confissão do Autor, ora Recorrente, a esse mesmo título.

F. Ora, atendendo ao enquadramento jurídico dado ao dissídio pelo Tribunal a quo, que configurou a obrigação do Município do Seixal-de reparar o veículo AG - como civil, tal alteração da matéria de facto não influi em nada na determinação do quantum indemnizatório a arbitrar pela privação de uso, nem na valoração dos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, ora Recorrente.

G. Como tal, não só não se alcançam os fundamentos do douto Tribunal recorrido para afastar a atribuição de uma condigna indemnização pelos danos morais impostos àquele, em resultado da conduta do Réu Município, como igualmente não se vislumbra qualquer justificação para a redução operada pelo Tribunal da Relação de Lisboa no que respeita ao computo da indemnização pela privação de uso da “pão-de-forma”.

H. O que, por si só, é suficiente para criar convicção do ora Recorrente de que o Douto Acórdão prolatado deverá ser revogado, substituindo-se este Douto Tribunal ad quem ao Tribunal recorrido, nos termos que infra melhor resultarão plasmados, alcançando-se, assim, o fim último da Justiça.

I. Para um cabal escrutínio dos concretos fundamentos de discordância do ora Recorrente face ao douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, torna-se imperioso atentar na factualidade tida como provada e que, salvo melhor opinião, sempre ditaria a manutenção da decisão de 1.ª Instância no que respeita ao computo dos danos.

J. Desde logo porque, como veio a ser referido, a par de, em causa, estar um veículo categorizado como clássico, ao qual o Recorrente dedicou o seu tempo e aplicou o seu dinheiro, era um veículo que estava equipado e preparado para funcionar como “cozinha móvel”, sendo um bem fundamental à promoção e desenvolvimento da imagem do Autor enquanto jovem ..., sendo mesmo a sua imagem de marca.

K. Acresce que, por ocasião da cedência do veículo AG, o que se verificou em Dezembro de 2017, ficou acordado com o Município Recorrido que o veículo seria restituído, no estado em que havia sido entregue a este, a 23-12-2017, cabendo-lhe, naturalmente, zelar pela conservação do mesmo [cfr. factos provados nos pontos 1. e 4.].

L. Mais resulta cristalino que, desde que a ocorrência do sinistro lhe foi comunicada, o Recorrente assumiu todas as diligências que estavam ao seu alcance, à medida que o Município do Seixal as ia solicitando, no sentido da célere reparação da “pão-de-forma”, já que era um veículo que usava diariamente, quer para fins pessoais, quer profissionalmente, o que resulta, entre outros, dos pontos provados 17., 21., 37. e 39..

M. Centrando as atenções na utilização profissional que era dada ao veículo AG, foi possível concluir que o veículo era utilizado pelo ora Recorrente através da “realização de showcookings e workshops de cozinha, em diversos eventos e para diversas marcas, para fixação de publicidade, realização de filmagens, programas de televisão, gravação de anúncios publicitários, serviços de catering e streetfood”, sendo mesmo a sua “imagem de marca”, enquanto jovem ..., [factos provados 37. e 39.].

N. Ficou ainda cabalmente demonstrado que, durante o ano de 2017, a “pão-de-forma” foi utilizada pelo ... AA, ora Recorrente, em diversos eventos, o que bem se entende, já que, a assim não ser, não seria sequer possível que o Município do Seixal a conhecesse, pedindo ao ora Recorrente que a cedesse, conferindo um rendimento médio em cada evento fixado entre os € 1.000,00 e os € 1.500,00, não sendo possível alugar um veículo similar por quantia inferior a € 150,00.

O. Mais se diga que, apesar do custo apurado para o aluguer de um veículo similar, a verdade é que, não era possível ao aqui Recorrente alugar um veículo que lhe permitisse o desenvolvimento da sua actividade enquanto ....

P. Isto porque, conforme resulta dos autos, o veículo AG estava equipado com diversos componentes que lhe permitiam funcionar como “cozinha móvel”, dispondo igualmente de um tejadilho com um sistema de elevação, funcionando como um verdadeiro “palco”.

Q. Perante todos estes circunstancialismos, afigura-se indiscutível que o ora Recorrente viu o seu direito de propriedade agredido pela conduta inadimplente do Réu Município, situação que ainda hoje se mantém, volvidos mais de seis (6) anos desde a data em que cedeu o veículo.

R. Ora, como bem se entenderá, é impossível ao aqui Recorrente fazer prova do valor exacto do concreto número de eventos que teve de recusar e do exacto número de convites que deixou de receber por se encontrar privado da AG ao longo de mais de seis anos.

S. Porém, tal não significa que não seja possível alcançar um valor minimamente justo e apto a compensar o Autor, ora Recorrente, pelo dano que lhe foi causado pelo Recorrido, o qual, salvo melhor opinião, in casu, jamais poderá corresponder a um valor diário de apenas € 8,99, (oito euros e noventa e nova cêntimos), conforme veio a ser decidido pelo Tribunal Recorrido [€ 20.000,00 / 2.225 dias].

T. No ordenamento jurídico português, no que respeita à obrigação de indemnização, vigora o princípio da reconstituição natural, previsto no artigo 562.º do Código Civil, o que, transpondo para o caso dos autos, significa que o Município está obrigado a colocar o ora Recorrente na mesma situação em que o mesmo se encontraria se não se tivesse verificado a eclosão do sinistro e, mais que isso, se a entidade obrigada à reparação dos danos não tivesse optado por adoptar uma conduta inadimplente e manifestamente reprovável.

U. Aqui chegados, importa revisitar a “fundamentação” seguida pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa para operar à redução do montante arbitrado para ressarcimento do dano privação de uso, o qual ter-se-á socorrido de juízos de equidade, nos termos do preceituado no n.º 3, do artigo 566.º do CC.

V. Ora, in casu, apesar da referência às concretas singularidades do caso e dos factos assentes nos autos, relativos às receitas potenciadas pelo veículo AG, a verdade é que não se conseguem sequer apurar os concretos critérios seguidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa para reduzir o valor apurado pelo Tribunal de 1.ª Instância, já que aquele se limitou, com o devido respeito, a reputar de excessivo o valor de € 60.000,00, reduzindo-o para um terço.

W. Ora, renovando o mais elevado respeito por mais douto entendimento, foi precisamente devido a essa ausência de critério, ou, pelo menos, ausência da sua aplicação ao caso dos autos, que andou mal o douto Tribunal da Relação de Lisboa, ao arbitrar um valor absolutamente minimalista, premiando o incumprimento do Réu Município, com o que, para além de não ressarcir condignamente o lesado – ora Recorrente - criou no Réu um sentimento de impunidade, o que jamais se poderá conceber, tornando-se imperioso que este douto Tribunal Superior revogue o Acórdão assim prolatado, substituindo-o por outro, onde sejam considerados os valores arbitrados pela 1.ª Instância.

X. Na verdade, afigura-se ao aqui Recorrente que, a par de não se vislumbrar o concreto critério seguido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a verdade é que, o valor apurado, mais facilmente se aproxima – embora, ainda assim, peque manifestamente por defeito – dos valores arbitrados a título de indemnização pela privação de uso de um qualquer veículo ligeiro, o que não corresponde ao caso dos autos.

Y. Sem prejuízo, do teor da fundamentação seguida pelo douto Tribunal de 1.ª Instância, facilmente se constata que, por este, foram sopesadas as concretas singularidades do caso, como sejam, as concretas receitas que o veículo AG potencia, o facto de ser um clássico, o custo de aluguer de um veículo similar, o facto de potenciar o desenvolvimento da carreira profissional do seu proprietário, entre outras, termos em que se impõe a revogação do douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, substituindo-se este douto Tribunal Superior ao mesmo, mediante arbitramento de indemnização nos termos em que já havia sido na 1.ª Instância, por ser de Direito e de elementar Justiça.

Z. Já quanto aos danos não patrimoniais, de acordo com o preceituado no art. 496.º do CC, são traves mestras do arbitramento de uma indemnização pelos designados danos morais, a gravidade dos danos, por um lado, e o merecimento da tutela do Direito, por outro.

AA. Porém, revisitando o douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, facilmente se conclui pela absoluta inexistência de fundamentação para afastar a aplicação da indemnização pelos danos não patrimoniais, limitando-se o Tribunal da Relação de Lisboa a apontar no sentido de que “Não julgamos que os danos não patrimoniais apurados sejam de gravidade tal que mereçam a tutela do direito, (…)”, o que não sucedeu na decisão que lhe antecedeu.

BB. Com efeito, da douta Sentença do Tribunal de 1ª Instância, é possível alcançar que foram sopesadas todas as singularidades do caso, como sejam, os danos impostos ao ora Recorrente, a culpa do Município, entre outros.

CC. Dali, resultou, inclusive, que o Autor sempre agiu de boa-fé, cedeu o veículo de que é proprietário, que muito estimava e lhe gerava lucro, a uma entidade pública, única e exclusivamente, por dirigir a sua conduta para a prática do bem.

DD. Mais: Quando confrontado com a ocorrência que deu azo aos presentes autos, e perante a garantia do Réu Município de que iria proceder à reparação dos danos, o ora Recorrente fez fé nisso mesmo, funcionando como um elemento activo para a regularização da situação.

EE. Sucede que, contrariamente às legitimas expectativas do ora Recorrente, apesar de tranquilizar o mesmo, o Réu Município nunca terá pretendido cumprir a obrigação prontamente assumida, tendo optado por protelar tal cumprimento, seja alegando dificuldades em localizar entidade que aceitasse reparar, seja colocando em crise os valores apurados, seja, por fim, na tentativa de se furtar ao cumprimento das obrigações que bem sabe serem devidas, o que bem se constata da própria conduta seguida pelo Réu no decurso da tramitação dos presentes autos.

FF. Tais factos, apesar de não se alcançar um qualquer fundamento para a revogação do valor apurado pela 1.ª Instância para reparação dos danos morais impostos ao ora Recorrente, permitem concluir que o Autor vivenciou tristeza, angústia, insegurança, ansiedade e revolta, já que, como resulta dos autos, foi ardilosamente ludibriado por uma entidade na qual depositava elevada confiança, termos em que, ressalvando o devido respeito por mais douto entendimento, a desconsideração de tais danos, nos termos em que o foi pelo douto Tribunal a quo, corresponde a uma incorreta aplicação do preceituado no o n.º 1, do artigo 496.º do CC.

GG. Impõe-se, por isso, e também a este respeito, que o douto Tribunal ad quem, aprecie devidamente as questões suscitadas, modificando e revogando a douta decisão em conformidade com o Direito e a Justiça, o que, in casu, corresponde também à condenação do Réu Município no pagamento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais devidos ao Autor, no montante já doutamente apurado pela 1ª Instância, de € 1.500,00.

HH. Assim, e em jeito de conclusão, salienta-se que esteve mal o douto Tribunal a quo na apreciação e avaliação da prova de que dispunha e na subsunção dos factos ao Direito, o que, inevitavelmente, conduziu a um erro de direito, tomando, por isso mesmo, uma decisão que não só é contrária ao direito, como é injusta e incorreta.”

8. Foram apresentadas contra-alegações, onde se conclui (transcrição).

DA SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA

I - A sentença prolatada pela 1.a Instância julgou a acção procedente, por provada e, em consequência: condenou ou Réu Município do Seixal:

a) A restituir ao autor AA o veículo a este pertencente, com a matrícula AG-..-.., da marca "Volkswagen", modelo "Transporter Kastenwagen", vulgarmente conhecido como "pão-de-forma", do ano 1970, após sua reparação, em conformidade com o relatório pericial de fls. 159 a 169 verso, a realizar no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, após o trânsito em julgado da sentença, ou, em alternativa e para o caso de não cumprir esta última prestação nesse prazo, condeno o réu Município do Seixal a pagar ao autor AA indemnização equivalente ao valor dessa reparação, a liquidar em incidente ulterior à sentença, mas não inferior a € 21.666,86 (vinte e um mil e seiscentos e sessenta e seis euros e oitenta e seis cêntimos);

b) A pagar ao autor AA a quantia diária de € 30,00 (trinta euros), desde 23.12.2017 até à restituição do veículo identificado em a) reparado ou até ao pagamento da indemnização fixada em alternativa, bem como o condeno no pagamento da quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais;

c) A pagar ao autor AA juros moratórios, à taxa de 4%, contados desde a liquidação e até integral pagamento no tocante à quantia objecto da condenação alternativa constante de a) e desde a citação e até integral pagamento quanto às quantias objecto da condenação exarada em b);

DO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

II - Conhecendo do recurso interposto pelo Réu Município do Seixal (com pedido de alteração da decisão de facto, com recurso à reapreciação da prova gravada) o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa julgou a apelação parcialmente procedente e, em consequência, alterou a alínea b) do dispositivo da douta Sentença prolatada, que passou a ser como se transcreve:

- b) Condeno o réu Município do Seixal a pagar ao autor AA a quantia de €20.000,00 a título de dano por privação de uso.

e absolveu o Réu Município do pedido de pedido de indemnização por danos não patrimonial (alínea c) do dispositivo da Sentença.

DA IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO

III- No recurso que interpõe, o Autor AA, ora Recorrente, não se conforma com o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por ter decidido pelo parcial provimento do recurso interposto pelo Réu Município do Seixal, limitando a indemnização pela privação de uso do veículo com a matrícula AG-..-.. ao montante de € 20.000,00 - quando lhe havia sido conferido pela decisão da 1.a Instância o direito a uma indemnização no valor de € 66.750,00, apurada com o valor diário de 30,00€ contabilizados desde 23.12.2017 - e absolvendo o Réu do pedido de indemnização, no quantum de 1.500,00€, pelos danos não patrimoniais sofridos pelo ora Recorrente.

IV - Para tanto, alega respeitosamente e em síntese que, não se alcançam os fundamentos do douto Tribunal recorrido para afastar a atribuição de uma condigna indemnização pelos danos morais impostos àquele, como resultado da conduta do Réu Município, igualmente não se vislumbrando qualquer justificação para a redução operada pelo Tribunal da Relação de Lisboa no que tange ao computo da indemnização pela privação de uso da "pão-de-forma"(...), afigurando-se-lhe que, com a mesma, o Réu Município está a ser como que "premiado", quando a sua conduta impunha precisamente o contrário (...) que andou mal o douto Tribunal da Relação de Lisboa, ao arbitrar um valor absolutamente minimalista, premiando o incumprimento do Réu Município.

V - Pretende o Autor, ora Recorrente, que este douto Tribunal Superior revogue o Acórdão assim prolatado, substituindo-o por outro, onde sejam considerados os valores arbitrados pela 1.a Instância. Ora, como adiante se demonstrará, não assiste razão ao Autor ora Recorrente, no recurso que interpõe, devendo o mesmo improceder. Como Segue:

VI - Considerou a Sentença proferida em 1.a Instância que o Réu Município do Seixal, ora Recorrido, incumpriu o contrato de comodato celebrado com o Autor, ora Recorrente, por não ter restituído o veículo ao Autor na data convencionada para o termo do contrato, isto é, 23.12.2017, e por via deste incumprimento, e à luz do respectivo regime do comodato condenou o Réu como fez nos valores arbitrados nos segmentos decisórios que vieram a ser revogados pelo Acórdão da Relação de Lisboa.

VII - Para tanto, é patente na Sentença proferida pela 1a Instância - e que o Autor, Recorrente, pretende que seja "reposta" - a imputação ao Réu, ora Recorrido, de um comportamento culposo, sob a feição de dolo direto. intencionalmente omisso e retardador, visando como fim a não reparação da carrinha - juízo valorativo com o qual suportou a fundamentação da matéria de facto que materializou e julgou como assente e com o qual fundamentou a decisão de direito, com o que arbitrou os valores constantes nos segmentos decisórios em apreço, isto é, alíneas b) e c) do dispositivo.

VIII - Revisitando a Sentença da 1.a Instância, lê-se, como respeitosamente e em síntese: No caso que nos ocupa e na medida em que foi estipulado um prazo certo para a restituição do bem, o contrato cessou, por denúncia, pelo decurso do prazo estipulado para a sua duração, o que ocorreu no dia 23.12.2017 (art.° 1135.°, alínea h), do Código Civil), data no qual o bem emprestado deveria ter sido restituído (página 26 da Sentença); Em suma, o quadro factual que ficou assente nos autos é bem demonstrativo de ter existido incumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo réu, por conduta que lhe é exclusivamente imputável, a qual é ilícita, porquanto desconforme às obrigações por si assumidas no contrato de comodato que celebrou com o autor, mas também presumidamente culposa, presunção essa que o réu não ilidiu, assim se verificando, naturalmente, a mora e subsequente incumprimento definitivo do contrato, o qual, tendo o contrato cessado, sustenta a obrigação de indemnizar, (página 31 da Sentença).

IX - Ao invés, julgou-se no Acórdão proferido pela Relação de Lisboa e colocado em crise pela Autor, Recorrente, que não se pode imputar ao Réu o incumprimento do contrato de comodato, como respeitosamente e em síntese se transcreve: Provado que o acidente - a queda da tenda - se ficou a dever a uma intempérie - facto 5., alterado por este tribunal - temos que concluir que não estava nos poderes do R. ter evitado o dano que o veículo sofreu. Não pode pois imputar-se ao R. o incumprimento do contrato de comodato, (página 40 do Acórdão) (destacado nosso).

X - E por conseguinte, como se alcança no Acórdão proferido, tendo o Réu Município do Seixal, assumido, logo após o acidente, que iria proceder à reparação do veículo, começando logo a diligenciar para esse efeito, a obrigação de reparação que tinha assim uma natureza de obrigação natural passou, face à assumpção da responsabilidade pelo Réu a ter a natureza de uma obrigação civil - sendo à luz desta obrigação civil que a questão deve ser tratada (cfr. página 41 do Acórdão).

XI - Por via do recurso que interpôs da Sentença proferida pela 1.a Instância, com impugnação da matéria de facto, o Réu, ora Recorrido, alcançou como reconhecido que não estava nos seus poderes ter evitado o dano que o veículo sofreu (alteração obtida ao facto assente sob o ponto 5. do elenco dos factos provados) e logrou ver alterados, concretizados e aditados outros factos omissos do elenco dos factos provados pela 1.a Instância, que são determinantes para, cabalmente, demonstrar todas as diligências que promoveu, e no tempo em que as fez, com vista à reparação do dano que o veículo sofreu e que assumiu reparar - e que infirmam o juízo valorativo da 1.a Instância de imputação ao Réu, ora Recorrido, de um comportamento culposo, sob a feição de dolo direto, intencionalmente omisso e retardador, visando como fim a não reparação da carrinha.

XII - Conforme alegou no recurso que interpôs da sentença, o Réu, que assume as suas responsabilidades na medida dos factos por si praticados, sem olvidar a necessidade de se alcançar uma solução justa do litígio, nela devendo ser ponderada a verdadeira realidade dos factos e aquele que foi, também, o comportamento assumido pelo do Autor, as quais não podem deixar de ser atendidas na decisão final.

XIII - Razão pela qual, não deixou de assumir a sua responsabilidade pela reparação dos danos sofridos pelo veículo - renova-se cuja reparação assumiu não estando para tal obrigado, pois como logrou demonstrar não lhe é imputável qualquer incumprimento do contrato de comodato.

XIV - Releva, portanto, a factualidade, constante do elenco dos factos provados que foi alterada e aditada pela Relação, em sede de impugnação de facto, a qual por facilidade, nas alegações que antecedem, se reproduziu e procedeu-se à sua inserção sistemática na factualidade julgada como assente do elenco dos factos provados pela 1.a Instância,

XV - Atenta a factualidade assente tal como ficou alterada pela Relação, alcança-se que:

Visando reparar a viatura o Réu - conforme assumiu fazer - nos meses seguintes após o acidente, foi transmitindo ao autor que estava a manter contacto com diversas oficinas, para orçamentarem e efectivarem a reparação do veículo sendo que, não conseguia encontrar oficina que apresentasse orçamento uma vez que nenhuma assumia a reparação da carrinha dado tratar-se de um clássico; Dificuldades em encontrar oficinas especializadas que efectuassem a reparação da carrinha que o Autor bem conhecia, dado tratar-se de um clássico; Acrescendo que, o Réu necessitava, ainda, desse orçamento para instruir a participação do sinistro junto da seguradora {cfr. facto assente em 8/alterado e factos aditados); Assim, e a pedido do Réu, em 10.05.2018, o Autor disponibilizou-lhe os contactos de um mecânico, que sabia efectuar trabalhos de reparação/reestruturação de veículos mais antigos / "clássicos" (cfr. acto assente em 9/alterado.);

Tendo o Réu, no imediato, em 11.05.2018, solicitado a esse mecânico a apresentação de orçamento (cfr. facto aditado); Novamente a pedido do Réu - sem que até à data o indicado mecânico tivesse apresentado o solicitado orçamento - no dia 04.09.2018, o Autor deslocou-se com o mecânico ao local onde se encontrava a carrinha com vista à elaboração do orçamento, (cfr. facto assente em 11);

Apenas em 10.11.2018, foi elaborado o solicitado orçamento - com o estimativo de reparação dos danos existentes verificados à data de 04.09.2018 - o qual apenas foi remetido pelo Autor ao Réu, por email, no dia 07.01.2019. (cfr. facto assente sob o ponto 14 /alterado). E no imediato, em 08.01.2019, o Réu remeteu-o à seguradora instruindo a participação do sinistro (cfr. facto assente em 15/alterado); Seguradora que, por comunicação de 17.04.2019, apenas assumiu a reparação do veículo pelos danos que o mesmo tinha decorrentes do acidente e pelo valor de € 619,83 já com IVA (facto assente sob o ponto 16/alterado).

Em 03.06.2019, o Réu informou o autor de que não poder ir mais além que o valor apurado pela seguradora, e solicitou ao autor a indicação de data e local para transporte da carrinha, sendo que seria assegurado o reboque até ao local indicado." (facto assente sob o ponto 20/alterado).

XVI - No decurso do relatado, a carrinha do A. esteve parqueada em ambiente aberto, sujeita aos elementos do clima, o que agravou os danos (cfr. facto assente em 11., 12., 13., 46. e 36.) e aqui como se lê no Acórdão da Relação "A R. foi verdadeiramente negligente, pois em vez de guardar o veículo em lugar resguardado dos elementos naturais (como chuva e sol), manteve-o ao ar livre, em parque aberto." (página 41 do Acórdão).

XVII - Mas e o que dizer do comportamento do Autor. Desde logo, O Autor, após o sinistro, ocorrido em 10.12.2017, (facto assente em 5.), apenas, foi ver a carrinha pela primeira vez em Março de 2018, volvidos 3 meses sobre o acidente, momento em que constatou o local onde a mesma estava parqueada desde o sinistro, no parque exterior dos Serviços Centrais do Município do Seixal, e constatou as condições em que a viatura estava parqueada, isto é, no exterior e exposta aos elementos do clima (facto assente em 46.), (cfr. facto aditado e inserido no contexto sistemático do facto assente em 36).

Assim, conhecedor das condições em que a mesma estava parqueada, o Autor era também conhecedor das dificuldades do Réu (porque este lhe ia transmitindo) em encontrar oficina que orçamentasse e fizesse a reparação de um clássico, e não obstante, apenas por solicitação deste disponibilizou o contacto de um mecânico que sabia efectuar trabalhos de reparação/reestruturação de veículos mais antigos / "clássicos" (cfr. acto assente em 8/ alterado, factos aditados e facto assente em 9/alterado.); Novamente, apenas por solicitação do Réu, o Autor, no dia 04.09.2018, deslocou-se com o indicado mecânico ao local onde se encontrava a carrinha com vista à elaboração do orçamento, (cfr. facto assente em 11); O aludido Orçamento, feito em 10.11.2018, apenas foi remetido pelo Autor ao Réu, por email, em 07.01.2019 (cfr. facto assente sob o ponto 14 /alterado).

XVII - Neste contexto fático - que consubstancia a materialidade assente nos factos dados como provados - perguntar-se-á se o Autor, ora Recorrente, estava verdadeiramente preocupado com a carrinha e com a sua reparação - relativamente à qual alegou ter para ele "valor sentimental" (cfr. facto assente sob o ponto 46.) - e se efectivamente sofreu dano pela privação do seu uso que merecesse reparação e tutela pelo direito. Entende o Réu Município que não.

XVIII - Aqui chegados, no que ao dano por privação do uso diz respeito, decidiu-se no Acórdão, como respeitosamente se transcreve: Fazendo apelo a juízos de equidade considerando a privação do uso da carrinha durante 6 anos, entendemos adequado fixar uma indemnização no valor de € 20.000, mostrando-se exagerada a indemnização fixada na decisão recorrida (superior a €60.000).

XIX - Percorrido o aresto, não vemos, pois, em que medida o mesmo padeça de falta de fundamentação;

XX - Tão pouco se alcança como pretende o Autor, ora Recorrente que com tal decisão, esteja o Réu Município do Seixal a ser como que "premiado", quando a sua conduta impunha precisamente o contrário - pois que a materialidade assente infirma a alegação do Autor/Recorrente.

XXI - Sem olvidar que, como resulta assente, não é imputável ao Réu o incumprimento do contrato de comodato, e tendo o Réu Município do Seixal, assumido, logo após o acidente, que iria proceder à reparação do veículo, a obrigação de reparação que tinha assim uma natureza de obrigação natural passou, face à assumpção da responsabilidade pelo Réu a ter a natureza de uma obrigação civil - sendo à luz desta obrigação civil que a questão deve ser tratada e não à luz do regime decorrente do incumprimento do contrato de comodato.

XXII - E assim, não se pode imputar ao Réu Município do Seixal - para o computo do quanto indemnizável de tal dano - que o seu incumprimento remonta a 23.12.2017, pois esta era a data convencionada no contrato de comodato para a restituição do veículo ao Autor (cfr. factualidade assente em 4. da factualidade provada).

XXIII - Sendo que, na obrigação de reparação que assumiu, apenas entrou em mora após a comunicação do Autor datada de 01.10.2020, pela qual, por intermédio dos seus mandatários, interpelou o réu, comunicando que V/ Exas. dispõem do prazo de 20 (vinte) dias a contar da presente data para proceder à reparação do veículo, bem como à entrega do mesmo reparado ao N/ Constituinte (facto assente sob o ponto 26.)

- dispondo a este propósito o artigo 805.° do Código Civil (Momento da constituição em mora) que, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, ou, independentemente de interpelação:

a) Se a obrigação tiver prazo certo;

b) Se a obrigação provier de facto ilícito;

c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.

XXIV - E, também, por esta via, não pode o Autor, ora Recorrente, lograr obter "reposto" o segmento decisório da sentença sob a alínea b) e o quantitativo ali fixado, bem como a data de computo do mesmo.

XXV - Quanto aos danos morais, decidiu-se no Acórdão que, Não julgamos que os danos não patrimoniais apurados sejam de gravidade tal que mereçam a tutela do direito, pelo que não se confirmará a condenação a tal título, (página 45 do Acórdão).

XXVI - De igual modo, não se alcança em que medida padeça de fundamentação.

Quanto a esta matéria, rege desde logo o art.° 496.°, n.° 1, do Código Civil, de acordo com o qual "Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito."

XXVII - Portanto, não são quaisquer danos não patrimoniais que são susceptíveis de ressarcimento, mas tão só aqueles que assumem especial dignidade ou relevância para efeitos de tutela jurídica.

XXVII - Do que resulta da matéria de facto provada, e como se julgou no Acórdão, os danos de natureza não patrimonial sofridos e alegados pelo Autor, ora Recorrente, não atingem o patamar de gravidade que os faça merecer compensação pecuniária. Razão pela qual, deve também nesta parte ser julgado improcedente o recurso interposto pelo Autor.”

9. O recurso foi admitido no Tribunal recorrido, com o seguinte despacho: “Admito o recurso interposto, que é de revista, a subir ao STJ, imediatamente, com efeito meramente devolutivo.”

Cumpre analisar e decidir

II. Fundamentação

De Facto

10. A matéria de facto provada é a seguinte (com as modificações e aditamentos a negrito):

1. Em Novembro de 2017 e na sequência de colaborações anteriores, o réu solicitou ao autor que este lhe disponibilizasse e cedesse, sem qualquer contrapartida pecuniária ou outra, o uso do veículo de que o autor é o proprietário, da marca “Volkswagen”, modelo “Transporter Kastenwagen”, vulgarmente conhecido como “pão-de-forma”, do ano 1970, com a matrícula AG-..-.., para o evento “Aldeia Natal do Seixal”, conforme consta do documento de fls. 15, 16 e 16 verso (documento n.º 1), cujo teor se considera reproduzido.

2. O réu solicitou que o autor realizasse dois “showcooking” no aludido evento.

3. Tendo o autor acedido a tais pedidos e, nessa sequência, entregue ao réu o veículo, chaves e respectivos documentos, no início de Dezembro de 2017.

4. Nesse seguimento, ficou acordado que o réu deveria restituir o veículo ao autor, no estado em que lhe foi entregue, no dia 23.12.2017, data em que o referido evento “Aldeia Natal do Seixal” terminaria.

5. Não obstante, em 15.12.2017, o réu informou o autor que o mencionado veículo, no dia 10.12.2017, tinha sofrido alguns danos, de entre os quais “algumas amolgadelas e um farolim partido”, em virtude da queda da estrutura de uma tenda em cima do veículo, o que se deveu a uma intempérie (conforme alteração realizada pelo TRL).

6. Na mesma comunicação, foi transmitido ao autor que o réu “assumia toda a responsabilidade pelos danos e os inerentes custos de reparação”, bem como que já estaria a “tratar do processo”.

7. Posteriormente, no dia 20.12.2017, o réu solicitou ao autor diversos dados pessoais, de modo a poder “tratar do processo de arranjo da vossa viatura”.

8. Nos meses seguintes, o réu foi transmitindo ao autor que estava a manter contacto com diversas oficinas, para orçamentarem e efectivarem a reparação do veículo sendo que, não conseguia encontrar oficina que apresentasse orçamento uma vez que nenhuma assumia a reparação da carrinha dado tratar-se de um clássico (conforme alteração realizada pelo TRL).

9. Nessa sequência, em 10.05.2018 e a pedido do réu, o autor disponibilizou-lhe os contactos de um mecânico, que sabia efectuar trabalhos de reparação/reestruturação de veículos mais antigos / “clássicos”.

10. Na ausência de qualquer actualização por parte do réu sobre o estado do processo em questão, o autor foi solicitando que o mesmo o informasse sobre tal, tendo o réu, na pessoa do Dr. CC, informado, em 06.08.2018, que “tenho ideia que, lamentavelmente, o Sr. BB (mecânico que lhe tinha sido indicado pelo autor) ainda não teve a possibilidade de fazer a verificação e posterior orçamento de reparação. Mas vou confirmar com os serviços e informarei com detalhe.”

11. Posteriormente, no dia 04.09.2018, a solicitação do réu, o autor deslocou-se com o mecânico Sr. BB ao local onde se encontrava a carrinha, no parque exterior dos Serviços Centrais do Município do Seixal, tendo o mesmo inspeccionado o estado do veículo.

12. Sendo que, no local, foram detectados os seguintes danos visíveis no veículo: estrutura exterior e cantoneiras degradadas, com diversas mossas e ferrugem, pintura desgastada e riscada, estrutura do tejadilho danificada/partida, interior degradado, apresentando madeira com humidade e deteriorada, forro do chão interior em tecido levantado e rasgado, estofos dos bancos danificados – sendo que o do condutor se encontrava rasgado –, interior da porta do passageiro com humidade e deteriorada/lascada, tecto interior degradado com sinais de humidade e descolado e luz de presença partida, hidráulico partido, portas danificadas com riscos, amolgadelas e ferrugem e com dificuldade de abertura/fecho, borrachas de isolamento dos vidros laterais degradadas/em decomposição, um dos faróis superiores (instalado no tejadilho) totalmente partido.

13. Aquando da entrega do veículo ao réu, pelo autor, o mesmo não apresentava nenhum daqueles danos, estando em perfeitas condições de conservação, conforme registo fotográfico efectuado no decorrer do mencionado evento “Aldeia Natal do Seixal”.

14. Na sequência da aludida vistoria ao veículo [realizada em 09.09.2018, conforme facto assente em 11.], o referido mecânico, Sr. BB, elaborou, em 10.11.2018, o orçamento estimativo de reparação dos danos existentes e que o veículo apresentava naquela data, no montante de € 22.140,00 (vinte e dois mil e cento e quarenta euros), constante de fls. 123 e cujo teor se dá por reproduzido, o qual foi remetido pelo autor ao réu, por email, no dia 07.01.2019 (conforme alteração realizada pelo TRL).

15. Logo após a recepção do aludido orçamento, o Réu remeteu-o à seguradora instruindo a participação do sinistro, o que fez por email datado de 08.01.2019, o que transmitiu ao autor em 09.01.2019 (conforme alteração realizada pelo TRL).

16. Sendo que aquela Seguradora, em 17.04.2019, comunicou à oficina indicada pelo réu, com a firma «J..., Lda», que “assumimos a liquidação da reparação da viatura, conforme acordo condicional entre o nosso perito e essa oficina, pelo valor de € 619,83 já com IVA”, valor apurado pelo perito auto, para os danos decorrentes do sinistro mencionado em 5.” (conforme alteração realizada pelo TRL).

17. Tendo conhecimento de tal comunicação, por a mesma lhe ter sido transmitida pela mediadora do réu, no dia 29.04.2019, o autor, no mesmo dia, transmitiu ao réu a sua preocupação com o valor apresentado, pois que o mesmo não seria certamente suficiente para efectuar a reparação, solicitando uma resolução célere da questão, atendendo ao tempo já decorrido desde a ocorrência e consequente impossibilidade de utilizar o veículo, bem como o facto de a passagem do tempo sem reparação do veículo contribuir ainda mais para a sua deterioração.

18. Em resposta à reclamação referida em 17., a seguradora, em 08.05.2019, comunicou ao autor que: “Em anexo segue relatório de peritagem auto, sendo o valor apurado pelo perito auto, para os danos decorrentes do sinistro, o valor de € 616,83, sendo o valor venal da viatura de € 15.000,00.

O lesado apresentou uma reclamação no valor de € 18.000,00 + IVA, suportada no orçamento.

Analisada a reclamação viemos a apurar que estão a ser reclamados outros danos na carrinha, que em nada têm a ver com o sinistro, nomeadamente de danos face ao estado e uso.

O lesado está a reclamar uma restauração integral na sua carrinha, beneficiando notoriamente, com o sinistro participado, que de forma alguma podemos considerar.”

19. No dia 09.05.2019, o réu informou o autor que se encontrava a aguardar “esclarecimentos sobre a resposta do seguro, e estamos a analisar as alternativas ao nosso alcance para uma compensação justa”.

20. Por e-mail de 03.06.2019, o réu informou o autor de que o processo foi reanalisado, quer pela seguradora, quer pela área jurídica, e as conclusões foram coincidentes, no sentido de não poder ir mais além que o valor apurado pelo perito auto, para os danos decorrentes do sinistro, e solicitou ao autor a indicação de data e local para transporte da carrinha, sendo que seria assegurado o reboque até ao local indicado (conforme alteração realizada pelo TRL).

21. Nos meses seguintes, o autor remeteu ao réu diversas comunicações a solicitar que o informasse sobre o estado do processo e da reparação do veículo, alertando que necessitava do veículo reparado com urgência e que era insustentável continuar a prolongar a resolução da situação.

22. Por e-mail de 04.10.2019, o réu informou o autor da comunicação da Seguradora à entidade J..., Lda pela qual assume “a liquidação da reparação da viatura, conforme acordo condicional entre o nosso perito e essa oficina, pelo valor de €619,83 já com IVA.” e que em face de tal comunicação e na ausência de alternativa “o Município do Seixal irá proceder ao transporte da carrinha para a oficina indicada pela Seguradora, durante a próxima semana (conforme alteração realizada pelo TRL).

23. Não obstante, o tempo decorreu e o veículo em questão nunca foi entregue reparado ao autor.

24. Em meados de 2020, o autor tomou conhecimento que o veículo tinha sido movimentado, por iniciativa do réu, do parque exterior dos serviços centrais do Município do Seixal para o Parque Municipal de Recolha de Viaturas, sito no lugar de ....

25. Sendo tal parque destinado a recolher viaturas que se encontrem abandonadas na via pública, o precedente facto causou preocupação ao autor.

26. Nesse seguimento, em 01.10.2020, o autor, por intermédio dos seus mandatários, interpelou o réu, descrevendo a factualidade acime descrita e advertindo que “(...) embora sem prejuízo do exercício do direito de o N/ Constituinte ser indemnizado por todos os danos, a apurar, causados com esta situação, nomeadamente, mas sem a isso se limitar, pela privação do uso do veículo desde a ocorrência do sinistro, informamos que V/ Exas. dispõem do prazo de 20 (vinte) dias a contar da presente data para proceder à reparação do veículo, bem como à entrega do mesmo reparado ao N/Constituinte, sendo que, findo tal prazo, sem que ocorra a reparação do veículo e a entrega do mesmo ao N/ Constituinte, se considera definitivamente incumprida a obrigação de reparação da responsabilidade de V/ Exas. e, em consequência, não poderá o N/ Constituinte deixar de exercer todos os direitos que legalmente lhe assistem, mormente, com vista a ser ressarcido de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que toda esta situação lhe está a causar”.

27. Na sequência de tal missiva, as partes reuniram-se, no dia 24.11.2020, nas instalações da Câmara Municipal do Seixal, tendo o réu manifestado expressamente a sua intenção de alcançar uma resolução consensual e célere da situação descrita.

28. Tendo em consideração que, até à data, o réu não tinha encontrado nenhuma oficina disponível para proceder à reparação, informando, ademais, que a oficina que tinha acordado com a Seguradora efectuar a reparação se recusou, depois, a efectuá-la, o réu, solicitou ao autor que, caso conhecesse mais alguma oficina/mecânico, além do que anteriormente tinha apresentado um orçamento (o Sr. BB), o indicasse ao réu, de modo a que se deslocasse ao local onde estava o veículo e, nessa sequência, apresentasse um orçamento de reparação.

29. Nesse seguimento, no dia 03.12.2020, o autor, o seu mandatário e um mecânico da oficina «Auto..., Lda», o Sr. DD, deslocaram-se ao Parque Municipal de Recolha de Viaturas, sito no lugar de ..., onde se encontrava o veículo, tendo o réu mostrado o mesmo ao autor, ao seu mandatário e ao mecânico, para que os mesmos pudessem conferir o seu estado de conservação e, o último, aferir se a reparação era possível e elaborar o respectivo orçamento estimativo.

30. O veículo em questão apresentava diversos danos adicionais aos já previamente descritos, denotando um elevado estado de degradação/corrosão exterior, incluindo a pintura estragada e ferrugem, e interior, com elevada humidade e apodrecimento das partes em borracha e revestidas a madeira, bem como de diversos componentes, incluindo pneus, tampões de rodas, sistema de travões, circuitos eléctricos, lâmpadas, tubagens e juntas, fruto, nomeadamente, do facto de o veículo, à guarda da ré, ter estado ao relento, sujeito às diversas alterações climatéricas, durante mais de três anos, sem qualquer manutenção ou protecção, tendo inclusivamente desaparecido a sua bateria, diversa cablagem e outros componentes.

31. Posteriormente e conforme combinado entre o autor, o réu e a oficina precedentemente identificada, no dia 17.12.2020, o autor remeteu ao réu os orçamentos estimativos de reparação elaborados pela oficina, num total de € 21.666,86 (vinte e um mil e seiscentos e sessenta a seis euros e oitenta e seis cêntimos).

32. Após desmontagem do veículo, poderão ser detectadas outras peças/componentes danificadas.

33. Tais orçamentos contemplam os trabalhos de reparação dos danos visíveis na viatura e inexistentes à data da entrega do veículo pelo autor ao réu.

34. Na mesma comunicação de dia 17.12.2020 e na senda do solicitado pelo réu, o autor apresentou também uma proposta do montante de indemnização para os demais danos causados, incluindo os referentes à privação do uso do veículo.

35. Porém, o réu, que, na reunião realizada entres as partes no dia 01.10.2020, tinha manifestado expressamente o seu interesse em resolver de forma célere, consensual e definitiva a situação, só veio a dar uma resposta concreta quase três meses depois, no dia 12.03.2021, informando que não estava, afinal, “em condições de chegar a acordo”.

36. Desde a ocorrência do sinistro, em 10.12.2017, o veículo sempre esteve na posse e à guarda do réu, para que a mesma procedesse à reparação do mesmo, na sequência de ter assumido expressamente essa responsabilidade, que o A anuiu a que o veículo ficasse na posse do R. (conforme alteração realizada pelo TRL).

37. Sendo que, anteriormente àquela data de 10.12.2017, o autor utilizava, diariamente, o veículo, quer para fins pessoais, nas suas deslocações/passeios de lazer, quer para fins profissionais, incluindo a realização de showcookings e workshops de cozinha, em diversos eventos e para diversas marcas, para fixação de publicidade, realização de filmagens, programas de televisão, gravação de anúncios publicitários, serviços de catering e streetfood, tanto mais que o autor é ... de profissão, bem como era alugada para utilização em diversos outros eventos.

38. Em 2017, o autor utilizou o aludido veículo na prestação de serviços profissionais, em diversos eventos, em número não apurado, pelos quais recebia, em média, uma remuneração entre € 1.000,00 (mil euros) a € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), por cada evento.

39. Aquele veículo era um bem essencial para o autor auferir parte dos seus rendimentos, sendo uma das suas “imagens de marca” enquanto ..., tanto mais que as pessoas associavam imediatamente o veículo ao autor e vice-versa.

40. O réu tinha pleno conhecimento desses factos.

41. A contrapartida pecuniária para tomar de aluguer um veículo de características semelhantes às da viatura do autor, seria, no mínimo, de € 150,00 (cento e cinquenta euros) diários.

42. A situação que ficou descrita causou tristeza, angústia, insegurança, ansiedade e revolta ao autor, nomeadamente em virtude de, pese embora as diversas promessas do réu, desde o dia 15.12.2017, no sentido de que assumia a responsabilidade pela reparação dos danos e já estaria a tratar do processo nesse sentido, nunca ter efectivado tal reparação, fazendo, assim, com que o autor viesse a sentir que foi sendo enganado ao longo do tempo e, em consequência de o réu não ter resolvido a situação de forma consensual e com celeridade, o autor ter ficado privado de utilizar livre e plenamente o veículo, reputado uma das suas “imagens de marca”, por um período superior a três anos, tendo que recusar trabalhos por não dispor do veículo, ter tido necessidade de contratar advogados e recorrer, afinal, à via judicial, quando o réu sempre lhe assegurou que tal não seria necessário, tudo isto com os custos daí advenientes para o autor.

43. O veículo em questão, por se tratar de um modelo clássico, que foi adquirido e recuperado/reestruturado pelo autor, com grande esforço e carinho, tem um grande valor sentimental para o mesmo, o que agudiza a tristeza e angústia que sente.

44. Toda a situação em apreço, obrigou o autor a utilizar o seu tempo e recursos, que poderia dedicar a realizar outras coisas, a tentar solucionar a situação, nomeadamente enviando comunicações escritas ao réu, mantendo diversos contactos telefónicos com o réu e com oficinas que pudessem reparar o veículo, por tal ajuda lhe ter sido solicitada pelo réu, deslocando-se, pelo menos, três vezes, fisicamente, às instalações do réu e aos locais onde o veículo se encontrava, o que foi motivo de incómodo e transtorno para o autor.

45. Em Novembro de 2022, a contrapartida pecuniária pela reparação da viatura do autor ascendia a quantia não inferior a € 24.580,06 (vinte e quatro mil e quinhentos e oitenta euros e seis cêntimos), a qual corresponde a uma mera estimativa, que poderá sofrer alterações em função do estado real dos componentes quando o veículo for desmontado, para efeito de seu recondicionamento, nos termos constantes do relatório pericial de fls. 159 a 169 verso, cujo teor se considera reproduzido.

46. Logo após o evento mencionado em 5., a viatura do autor foi colocada no parque exterior dos Serviços Centrais do Município do Seixal, referido em 11..

47. A mesma viatura encontra-se presentemente parqueada no parque municipal de viaturas abandonadas do réu.

48. Em data não apurada, a oficina «J..., Lda» transmitiu, telefonicamente, a EE, do «P..., Lda», que não pretendia realizar a reparação do veículo do autor.

Aditados pelo TRL (sem numeração, o que aditaremos por letras)

48 a). O Réu necessitava do orçamento de reparação, também, para instruir a participação do sinistro junto da seguradora;

48 b). Por email de 11 de Maio de 2018 o Réu solicitou ao mecânico indicado pelo Autor a apresentação de orçamento para a reparação da carrinha, sendo que para o efeito facultou a descrição e fotos da mesma.

48 c). O Autor, após o sinistro, ocorrido em 10.12.2017, o qual lhe foi comunicado a 15.12.2017 (facto assente em 5.), apenas, foi ver a carrinha pela primeira vez em Março de 2018, volvidos 3 meses sobre o acidente, momento em que constatou o local onde a mesma estava parqueada desde o sinistro, o parque exterior dos Serviços Centrais do Município do Seixal (facto assente em 46.)

48 d). O Autor não recolheu o seu veículo do parque exterior dos Serviços Centrais do Município do Seixal onde o mesmo se encontrava em ambiente aberto, sujeita aos elementos do clima, e de modo a resguardá-lo dessa exposição - porque não o quis fazer.

11. Factos Não Provados:

49. No ano de 2017, o autor utilizou o aludido veículo na prestação de serviços profissionais, em cerca de 200 (duzentos) eventos/ocasiões, recebendo, em média, € 500,00 (quinhentos euros) por dia.

50. Quando a viatura do autor foi colocada no interior da tenda tipo “dome” que colapsou em cima da mesma, no dia 02.12.2017, essa colocação ocorreu com dificuldade, tendo sido empurrada para o interior da tenda porque já não funcionava, apresentando-se “envelhecida”, com “defeitos” e desgaste.

51. O autor, durante mais de um ano, descurou a sua viatura, dela não querendo saber, nem cuidar, podendo, logo após o acidente, ter recolhido imediatamente a viatura, mas não o quis fazer, recusando receber o seu veículo e exigindo que lhe fosse entregue “como novo”, assim pretendendo a recuperação total da viatura, relativamente a defeitos que já apresentava aquando da cedência da sua utilização ao réu, conduta essa que contribuiu para a sua deterioração.

52. Mesmo depois de verificar o estado em que se encontrava a viatura no parque privado dos Serviços Centrais da Câmara Municipal do Seixal, o autor nunca mostrou interesse em recolher a viatura, o que fez com o objetivo de peticionar a indemnização reclamada nesta acção contra o réu.

53. O autor não quis receber os equipamentos que, com cuidado, foram retirados pelo réu da viatura e que ainda se encontram à guarda do Município.

54. Foi no dia 11.10.2019, que a oficina «J..., Lda» transmitiu, telefonicamente, a EE, do «P..., Lda», que não pretendia realizar a reparação.

De Direito

12. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

Nos referidos termos, as questões suscitadas são:

- nulidade por falta de fundamentação quanto à questão da indemnização por danos não patrimoniais;

- saber se a questão da indemnização por privação de uso está conforme o direito;

- saber se a questão da indemnização por danos não patrimoniais está conforme o direito.

13. Antes de entrar na análise das questões objecto do recurso, porque foi alterada a matéria de facto pelo tribunal recorrido e essa alteração teve reflexo na decisão, vamos aqui transcrever a nova fundamentação.

Assim, no TRL disse-se:

“Revertendo para o caso dos autos temos por adquirido que, logo após o acidente, o R assumiu a responsabilidade pela reparação do veículo, começando a diligenciar para esse efeito.

Vejam-se os factos provados:

6. Na mesma comunicação, foi transmitido ao autor que o réu “assumia toda a responsabilidade pelos danos e os inerentes custos de reparação”, bem como que já estaria a “tratar do processo”.

7. Posteriormente, no dia 20.12.2017, o réu solicitou ao autor diversos dados pessoais, de modo a poder “tratar do processo de arranjo da vossa viatura”.

8. Nos meses seguintes, o réu foi transmitindo ao autor que estava a manter contacto com diversas oficinas, para efectivar a reparação do veículo sendo que, “por diversas razões”, que não concretizou, nenhuma apresentava orçamento.

9. Nessa sequência, em 10.05.2018, e a pedido do réu, o autor disponibilizou-lhe os contactos de um mecânico, que sabia efectuar trabalhos de reparação/reestruturação de veículos mais antigos / “clássicos”.

Resulta daqui, de forma clara e evidente, a assumpção pelo R da responsabilidade pela reparação dos danos sofridos pelo veículo, enquanto estava na sua posse.

A obrigação que tinha assim uma natureza de obrigação natural passou, face à assumpção da responsabilidade pelo A, a ter a natureza de uma obrigação civil. E como tal a questão terá que ser tratada.

Estão assentes os danos sofridos com o acidente. Mas para além destes acrescem os danos que o veículo foi sofrendo enquanto esteve (e está) sob a guarda da R.

A R. foi verdadeiramente negligente, pois em vez de guardar o veículo em lugar resguardado dos elementos naturais (como chuva e sol), manteve-o ao ar livre, em parque aberto.

E não se diga que o A podia ter recolhido o veículo pois tendo o R assumido a responsabilidade pela reparação era-lhe inerente a obrigação de proceder à respectiva guarda. Enquanto não estivesse reparado não estava o A obrigado a recebê-lo, não se verificando no caso mora do credor –art.º813.º

Provado que está que o veículo entrou na pose do R. em bom estado de conservação - ponto13 - é o R. responsável pela restituição nesse mesmo estado, ou a pagar ao A o respectivo custo de reparação, cabendo-lhe também a responsabilidade por todos os danos ocorridos enquanto o veículo esteve à sua guarda, como decorre do art.º 1136.º CC.

Alega o recorrente que o A não entrou na posse do veículo porque o não quis. Mas este argumento é irrelevante. Tendo o recorrente assumido a responsabilidade pela reparação o veículo haveria de ficar à sua guarda, para que a reparação se realizasse. Aliás, o R logo diligenciou por uma oficina para a reparação, donde decorre que era ele, R, que pretendia assumir o controle da reparação.

Dadas as dificuldades alegadas o R. poderia era ter entregue a carrinha ao A e acordado com este que a reparasse e lhe apresentasse o respectivo custo. Mas, assim não entendeu o R proceder, donde, mantendo a carrinha à sua guarda, é responsável pelos danos que sobrevieram, como sejam os que decorreram pelo facto da carrinha não ter sido resguardada dos elementos climatéricos.

Não tem aqui aplicação o disposto no art.º 1036 do CC, invocado pelo R., pois que se reporta às reparações urgentes, em sede de contrato de locação.”

Vejamos agora as questões objecto do recurso, iniciando pela privação do bem e, só posteriormente, pela questão da indemnização por danos não patrimoniais, incluindo aqui a invocada nulidade do acórdão recorrido.

14. Quanto à questão da privação do bem:

14.1. No que concerne à errada aplicação do direito quanto à indemnização por retenção indevida do veículo, diz o recorrente que a mesma resulta do seguinte (por referência às conclusões):

R. Ora, como bem se entenderá, é impossível ao aqui Recorrente fazer prova do valor exacto do concreto número de eventos que teve de recusar e do exacto número de convites que deixou de receber por se encontrar privado da AG ao longo de mais de seis anos.

S. Porém, tal não significa que não seja possível alcançar um valor minimamente justo e apto a compensar o Autor, ora Recorrente, pelo dano que lhe foi causado pelo Recorrido, o qual, salvo melhor opinião, in casu, jamais poderá corresponder a um valor diário de apenas € 8,99, (oito euros e noventa e nova cêntimos), conforme veio a ser decidido pelo Tribunal Recorrido [€ 20.000,00 / 2.225 dias].

U. Aqui chegados, importa revisitar a “fundamentação” seguida pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa para operar à redução do montante arbitrado para ressarcimento do dano privação de uso, o qual ter-se-á socorrido de juízos de equidade, nos termos do preceituado no n.º 3, do artigo 566.º do CC.

V. Ora, in casu, apesar da referência às concretas singularidades do caso e dos factos assentes nos autos, relativos às receitas potenciadas pelo veículo AG, a verdade é que não se conseguem sequer apurar os concretos critérios seguidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa para reduzir o valor apurado pelo Tribunal de 1.ª Instância, já que aquele se limitou, com o devido respeito, a reputar de excessivo o valor de € 60.000,00, reduzindo-o para um terço.”

14.2. Responde o réu com os seguintes argumentos (por referência às conclusões):

“XXII - E assim, não se pode imputar ao Réu Município do Seixal - para o computo do quanto indemnizável de tal dano - que o seu incumprimento remonta a 23.12.2017, pois esta era a data convencionada no contrato de comodato para a restituição do veículo ao Autor (cfr. factualidade assente em 4. da factualidade provada).

XXIII - Sendo que, na obrigação de reparação que assumiu, apenas entrou em mora após a comunicação do Autor datada de 01.10.2020, pela qual, por intermédio dos seus mandatários, interpelou o réu, comunicando que V/ Exas. dispõem do prazo de 20 (vinte) dias a contar da presente data para proceder à reparação do veículo, bem como à entrega do mesmo reparado ao N/ Constituinte (facto assente sob o ponto 26.)”

14.3. No TRL disse-se:

“Dano por privação do uso

Sobre o dano da privação do uso ver S.T.J. de 08-11-1984 (in BMJ 341º, p. 418) “é ao lesante que incumbe providenciar pela reparação do veículo danificado, desde que o seu dono se não oponha, a menos que ela não seja possível ou se mostre excessivamente onerosa, de conformidade com os artigos 566º, nº 1 e 562º do Código Civil. Se o lesante não é pronto nesse providenciamento e a demora, por desleixo seu, avoluma o prejuízo relativo a gastos com o aluguer de um automóvel para substituir, no seu uso, o que ficou paralisado por força do acidente, será o mesmo lesante que haverá de suportar as consequências daí decorrente, e não o lesado. Se para agravamento de tais danos tiver contribuído o lesado, então terá a situação de ser encarada face ao estatuído no nº 1 do artigo 570º do Código Civil, com base no qual caberá ao tribunal, em atenção à culpa de ambas as partes e as consequências dela resultantes, decidir se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida, mesmo excluída”.

Diz-nos o Ac. SJT 6/3/12, proc. 86/10.0T2SVV.C1, acessível na base de dados da dgsi: não sendo possível quantificá-lo em valores certos face aos factos provados, o tribunal deverá recorrer à equidade para fixar a indemnização, nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil.

Está assente que:

36. Desde a ocorrência do sinistro, em 10.12.2017, o veículo sempre esteve na posse e à guarda do réu, para que a mesma procedesse à reparação do mesmo, na sequência de ter assumido expressamente essa responsabilidade.

37. Sendo que, anteriormente àquela data de 10.12.2017, o autor utilizava, diariamente, o veículo, quer para fins pessoais, nas suas deslocações/passeios de lazer, quer para fins profissionais, incluindo a realização de showcookings e workshops de cozinha, em diversos eventos e para diversas marcas, para fixação de publicidade, realização de filmagens, programas de televisão, gravação de anúncios publicitários, serviços de catering e streetfood, tanto mais que o autor é ... de profissão, bem como era alugada para utilização em diversos outros eventos.

38. Em 2017, o autor utilizou o aludido veículo na prestação de serviços profissionais, em diversos eventos, em número não apurado, pelos quais recebia, em média, uma remuneração entre € 1.000,00 (mil euros) a € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), por cada evento.

39. Aquele veículo era um bem essencial para o autor auferir parte dos seus rendimentos, sendo uma das suas “imagens de marca” enquanto ..., tanto mais que as pessoas associavam imediatamente o veículo ao autor e vice-versa.

40. O réu tinha pleno conhecimento desses factos.

41. A contrapartida pecuniária para tomar de aluguer um veículo de características semelhantes às da viatura do autor, seria, no mínimo, de € 150,00 (cento e cinquenta euros) diários.

Não consta que o A tenha alugado viatura de substituição.

Também não consta que não disponha de outra viatura para se transportar, mas o certo é que deixou de ter a disponibilidade da sua carrinha, que era um carro clássico.

Por outro lado, está assente que o A usava o veículo em eventos pelos quais recebia em média € 1.000/1.500, o que deixou de puder utilizar. Mas não resultou provado que por falta do veículo o A. tenha deixado de realizar os ditos eventos, nem quanto eventuais realizava anualmente. Assim, este segmento dos potenciais danos não será atendido.

Está demonstrado que o A utilizava diariamente o veículo pelo que a sua privação lhe causou os inerentes danos.

E essa privação não pode deixar de ser imputável ao R. pois embora tenha feito diligências para conseguir a reparação, não logrou levá-las a bom porto, tendo deixado a situação protelar-se no tempo, incompreensivelmente.

Alega o R que o A se recusou a receber a carrinha –facto 20. Por e-mail de 03.06.2019, o réu solicitou ao autor a indicação de data e local para transporte da carrinha, sendo que seria assegurado o reboque até ao local indicado. – contudo não se nos afigura que o A estivesse obrigado a aceitar a carrinha, pois esta ainda não se encontrava reparada; o R ainda não havia cumprido a prestação a que se obrigara, pelo que não se pode falar em mora do credor –art.º 813.º CC.

No quadro dos factos provados não vislumbramos que o A tenha contribuído para o atraso na reparação, a não ser pelo período de dois meses em que recebeu o orçamento e só o veio a entregar ao R passados dois meses –facto14 -, donde apenas este grau de culpa lhe é de assacar.

Tendo o R se obrigado a reparar a carrinha e entregá-la reparada ao A. é responsável pelos danos havidos no período em que a carrinha esteve à sua guarda à espera da reparação (que ainda não ocorreu).

Fazendo apelo a juízos de equidade considerando a privação do uso da carrinha durante 6 anos, entendemos adequado fixar uma indemnização no valor de € 20.000, mostrando-se exagerada a indemnização fixada na decisão recorrida (superior a €60.000)

Abuso de Direito

Alega o recorrente:

“ De tudo quanto se alegou em sede da impugnação da matéria de facto assente na sentença, resulta que o Autor, nessa qualidade de lesado, assumiu no decurso temporal dos factos um comportamento censurável e reprovável, distinto daquele que é expectável de um proprietário diligente, que concorreu para o agravamento do dano – cujo ressarcimento peticiona nos presentes autos sob a atribuição de indemnização pela privação do uso e por danos não patrimoniais, o que consubstancia uma situação de abuso de direito.”

O instituto do abuso de direito constitui a concretização mais geral do princípio da boa-fé. É ilegítimo o exercício de qualquer direito sempre que exceda os limites da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico desse direito (artº 334º do CC).

Não podemos concordar com o entendimento do R..

Já se deixou dito que era ao R que cabia a guarda da carrinha até que a mesma fosse reparada.

Tendo o R assumido a obrigação da reparação era obrigação inerente cuidar da carrinha enquanto a reparação não ocorresse.

Temos para nós que ainda que o R. quisesse entregar a carrinha ao A. antes de reparada não estava este obrigado a recebê-la, porque ainda não reparada. Como já se deixou dito não estamos perante um caso de mora do credor. Não se diga que o A foi desleixado ao permitir que a carrinha permanecesse na “rua”, pois era sobre o R que empendia o ónus de recolher condignamente, o que manifestamente não fez.

A partir do momento em que a carrinha se começou a degradar mais uma razão tinha o A para a não receber pois a responsabilidade por tal degradação cabia ao R.

Resumindo: o A tinha o direito de ver a sua carrinha reparada não recaindo sobre si a obrigação de a recolher, enquanto a reparação não fosse feita, tendo o direito a ser indemnizado pela privação do respectivo uso.

Não se mostra assim que o A. tenha actuado fora dos limites da boa-fé, ou seja que esteja a fazer um uso abusivo do seu direito.

Não estamos pois perante um caso de abuso de direito.”

14.4. Analisando.

Os elementos indicados supra não permitem apontar erro de aplicação de direito ao julgamento realizado.

Na verdade, o tribunal considerou que existia dano de privação, ilicitude e nexo de causalidade, mas na quantificação do dano não tinha elementos mais concretos que lhe permitissem chegar a montantes indemnizatórios objectivos, impondo-se o recurso à equidade para decidir a questão suscitada.

E na fixação da indemnização com recurso à equidade não há lugar a uma aplicação estrita do direito, sujeita a validade/infirmação pelo STJ, mas tão só a uma verificação sobre os critérios utilizados.

E, ao contrário do alegado, estes critérios encontram-se na decisão recorrida:

- privação de uso de bem numa utilização diária, mas sem prova de que esse bem fosse o único disponível para a finalidade;

- não utilização da faculdade de utilização/recurso a veículo de substituição, nomeadamente por via do seu aluguer;

- não consideração dos elementos relativos aos rendimentos acrescidos que o uso do bem de que se foi privado poderia ter facultado ao lesado, por falta de prova minimamente quantificada desses rendimentos;

- consideração do período de tempo de privação que não foi da responsabilidade do lesado.

Naturalmente que se compreende a posição do recorrente, face à decisão recorrida, quando comparada com a sentença. Mas não se pode deixar de considerar que a nova decisão não está eivada de erro de julgamento, à luz dos factos provados, e do ónus da prova, sendo que o valor desta indemnização por privação seria certamente muito mais elevada se o A. tivesse conseguido demonstrar com algum elemento objectivo quais foram os proventos que deixou de auferir pela privação do bem, porquanto estando em causa um dano futuro a sua consideração obedece a requisitos legais mais exigentes, mas em que certamente a demonstração dos rendimentos passados não seria factor a desconsiderar pelo tribunal.

Improcede assim a questão.

15. Quanto à questão da indemnização por danos não patrimoniais, onde se incluem duas questões:

15.1. No que concerne à falta de fundamentação – nulidade do acórdão – diz o recorrente que a mesma resulta do facto de o acórdão recorrido se ter limitando “a apontar no sentido de que “Não julgamos que os danos não patrimoniais apurados sejam de gravidade tal que mereçam a tutela do direito, (…)”, o que não sucedeu na decisão que lhe antecedeu.”

15.2. Responde o réu com os seguintes argumentos (por referência às conclusões):

XXV - Quanto aos danos morais, decidiu-se no Acórdão que, Não julgamos que os danos não patrimoniais apurados sejam de gravidade tal que mereçam a tutela do direito, pelo que não se confirmará a condenação a tal título, (página 45 do Acórdão).

XXVI - De igual modo, não se alcança em que medida padeça de fundamentação.

Quanto a esta matéria, rege desde logo o art.° 496.°, n.° 1, do Código Civil, de acordo com o qual "Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito."

XXVII - Portanto, não são quaisquer danos não patrimoniais que são susceptíveis de ressarcimento, mas tão só aqueles que assumem especial dignidade ou relevância para efeitos de tutela jurídica.

XXVII - Do que resulta da matéria de facto provada, e como se julgou no Acórdão, os danos de natureza não patrimonial sofridos e alegados pelo Autor, ora Recorrente, não atingem o patamar de gravidade que os faça merecer compensação pecuniária. Razão pela qual, deve também nesta parte ser julgado improcedente o recurso interposto pelo Autor.”

15.3. No TRL disse-se:

Danos não patrimoniais

Não julgamos que os danos não patrimoniais apurados sejam de gravidade tal que mereçam a tutela do direito, pelo que não se confirmará a condenação a tal título.

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e em consequência altera-se a al.b) do dispositivo que passa a ser:

- b) Condeno o réu Município do Seixal a pagar ao autor AA a quantia de €20.000,00 a título de dano por privação de uso.

- vai o R absolvido do pedido de indemnização por danos não patrimoniais

No mais, confirma-se a decisão recorrida.

Custas por A e R na proporção de 20% e 80% respectivamente.”

16. No que concerne à errada aplicação do direito quanto à indemnização por danos não patrimoniais, diz o recorrente que a mesma resulta do seguinte (por referência às conclusões):

EE. Sucede que, contrariamente às legitimas expectativas do ora Recorrente, apesar de tranquilizar o mesmo, o Réu Município nunca terá pretendido cumprir a obrigação prontamente assumida, tendo optado por protelar tal cumprimento, seja alegando dificuldades em localizar entidade que aceitasse reparar, seja colocando em crise os valores apurados, seja, por fim, na tentativa de se furtar ao cumprimento das obrigações que bem sabe serem devidas, o que bem se constata da própria conduta seguida pelo Réu no decurso da tramitação dos presentes autos.

FF. Tais factos, apesar de não se alcançar um qualquer fundamento para a revogação do valor apurado pela 1.ª Instância para reparação dos danos morais impostos ao ora Recorrente, permitem concluir que o Autor vivenciou tristeza, angústia, insegurança, ansiedade e revolta, já que, como resulta dos autos, foi ardilosamente ludibriado por uma entidade na qual depositava elevada confiança, termos em que, ressalvando o devido respeito por mais douto entendimento, a desconsideração de tais danos, nos termos em que o foi pelo douto Tribunal a quo, corresponde a uma incorreta aplicação do preceituado no o n.º 1, do artigo 496.º do CC.

16.1. Responde o réu com os mesmos argumentos (por referência às conclusões) que já acima se indicaram por referência à invocação de nulidade.

16.2. No TRL disse-se o que acima se transcreveu aquando da questão da invocada nulidade.

16.3. Analisando.

No ponto em análise, estamos em crer que assiste razão ao recorrente, nomeadamente na parte em que se considera estar perante um dano não patrimonial que merece o apoio do legislador, à luz dos factos provados – o tipo de bem em causa; - o cuidado que o A. colocou na sua “reconstituição”; - no afecto que o bem lhe pudesse merecer e no sofrimento que é inerente ao desgaste de se ver privado do mesmo e o ver a degradar-se, nas condições apuradas neste autos, pelo período de tempo (longo), que ainda se mantém.

Quer isto dizer que a atribuição da indemnização por dano não patrimonial arbitrada na sentença deve ser retomada, condenando-se a R. a pagar ao A. o valor ali definido – 1500 euros.

Procede assim a questão, na parte relativa à atribuição da indemnização, sem prejuízo de se afirmar ainda que a invocada nulidade, a existir, perde a sua importância, no contexto da solução encontrada, ainda que, na situação em concreto exista uma fundamentação mínima (por referência aos critérios indicados na lei, que foram transcritos), que permite considerar que a falta de fundamentação invocada não procede.

III. Decisão

Pelos fundamentos indicados, é concedida parcialmente a revista:

- Repristina-se a sentença na parte em que aí se decidiu:

“b) Condeno o réu Município do Seixal a pagar ao autor AA no pagamento da quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais,”

- no demais confirma-se o acórdão recorrido.

Custas da revista pelas partes, na proporção do decaimento.

Lisboa, 18 de Junho de 2024

Relatora: Fátima Gomes

1º adjunto: Barateiro Martins

2º adjunto: Nuno Ataíde das Neves