Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
081988
Nº Convencional: JSTJ00018218
Relator: CESAR MARQUES
Descritores: COLISÃO DE DIREITOS
DIREITO À INFORMAÇÃO
DANOS MORAIS
JORNALISTA
OFENSAS À HONRA
Nº do Documento: SJ199303170819881
Data do Acordão: 03/17/1993
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N425 ANO1993 PAG491
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 25852/90
Data: 06/20/1991
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL.
DIR INFORMAC.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 729 N1.
CCIV66 ARTIGO 335 N1 ARTIGO 483 N1 ARTIGO 484 ARTIGO 494 ARTIGO 496 N3.
D 85-C/75 DE 1975/02/26 ARTIGO 4 N2.
L 62/79 DE 1979/09/20 ARTIGO 5 N4 ARTIGO 8 N1 ARTIGO 11 A B ARTIGO 24 N2.
Sumário : I - De harmonia com o disposto no artigo 335, n. 1 do Código Civil, havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.
II - O direito de informar não é um direito absoluto que possa conduzir à total impunidade do jornalista.
III - Tendo os réus, como jornalistas, atingido com os seus escritos o bom nome do autor, tal implica a reparação dos danos que causaram - artigo 484 do Código Civil-
- cuja ofensa, por se tratar de um direito pessoal consagrado na Constituição, impõe que se atenda também ao dano não patrimonial - artigo 496 do Código Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A intentou acção com processo ordinário contra o Comércio do Porto, S.A., Dr. B, director do jornal o Comércio do Porto e Dr. C, jornalista do mencionado jornal, pedindo fossem solidariamente condenados a pagar-lhe quinze milhões de escudos (15000000 escudos).
Fundou a sua pretensão em escritos que o Dr. C publicou no Comércio do Porto entre 20 de Dezembro de 1986 e 12 de Março de 1987, que se iniciaram sob o titulo "Corrupção na Judiciária",
Corporação onde o autor exercia funções de subinspector, e dos quais este saiu vilipendiado, humilhado, ofendido, difamado e injuriado, tendo o Dr. B dado, como director do referido periódico, cobertura tácita e expressa a tais escritos e sendo a ré proprietária do indicado jornal.
Os réus contestaram em conjunto. O que foi publicado integrou-se no processo de investigação jornalística conhecido por "Sãobentogate". Actuaram no direito/dever de informar, sem qualquer intenção de injuriar, agravar ou prejudicar o autor, que só identificaram nos escritos depois de ele ter sido preso preventivamente no processo pendente no Tribunal de Instrução Criminal, onde os factos a que os escritos aludiam eram investigados. Pediram a improcedência da acção e o Comércio do Porto, S.A., ainda o benefício da assistência judiciária na modalidade da dispensa total de preparos e do prévio pagamento de custas.
Não resultou a tentativa de conciliação oficiosamente ordenada, apesar das várias diligências efectuadas.
Reclamou o autor, com êxito, do questionário, que viu aditado.
Foi concedido a O Comércio do Porto, S.A., o apoio judiciário, tal como o tinha solicitado.
Não houve reclamação das respostas dadas aos quesitos.
E a sentença, após cuidada e exaustiva análise da matéria de facto e tendo em conta o direito aplicável, avaliou o dano global sofrido pelo autor, causado pelos escritos publicados e pela prisão sofrida, em 10000000 escudos. Considerando, porém, que os réus não respondiam pelos danos resultantes da prisão preventiva mas só pelos resultantes dos textos jornalísticos e, dentre estes, apenas daqueles que expressamente indicou, condenou solidariamente os réus a pagar ao autor a quantia que, em tais condições, viesse a ser apurada em execução de sentença.
Apelaram os réus e, subordinadamente, também recorreu o autor.
Ambos os recursos procederam em parte, pois a Relação alterou as respostas aos quesitos 15 e 43, como o autor pretendia, e condenou os réus a pagar solidariamente ao autor 5000000 escudos.
Apenas os réus interpuseram recurso de revista.
Entretanto, já após ter sido proferido o acórdão da Relação, o autor faleceu, tendo no respectivo processo sido habilitados como seus herdeiros a viúva D e os filhos Dra. E, casada com o Dr. F, e o Dr. G.
Na sua alegação os réus pretendem a absolvição do pedido, concluindo assim as alegações: não se verifica qualquer actuação ilícita dos réus, porquanto actuaram no exercício legítimo do direito de informação; não se verifica, também, uma actuação que lhes possa ser imputada a título de culpa, sendo certo que O Comércio do Porto, como pessoa colectiva, não poderia ser objecto de um juízo de culpa; a utilidade social da informação em causa determina a licitude do comportamento dos jornalistas recorrentes; o seu comportamento não foi causa adequada dos sofrimentos e prejuízos do bom nome do autor; tais sofrimentos e prejuízos não merecem, no transe, a tutela do direito e, logo, não se justifica a fixação de qualquer indemnização; tendo sido violados os artigos 483, 494 e 496 do Código Civil.
Responderam os sucessores do autor defendendo o acórdão recorrido.
Nada requereu o Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal.
Estão assentes os seguintes factos: a) por terem sido levados à especificação: o autor é um quadro intermédio da Polícia Judiciária (subinspector) ao serviço da sua directoria na cidade do Porto; o Dr. B é o director e o Dr. C é um dos jornalistas e o Comércio do Porto, S.A., a proprietária do quotidiano "o Comércio do Porto"; na sua edição de 20 de Dezembro de 1986, O Comércio do Porto titulava, em grandes parangonas, na sua primeira página e com a assinatura do Dr. C:
"Corrupção na Judiciária"; seguiu-se-lhe o texto que consta de fls. 19 a 21 dos presentes autos; no dia seguinte (21 de Dezembro de 1986) publicava, da autoria do Dr. C, o texto que consta a fls. 22 dos autos; em 23 de Dezembro de 1986 publicou, da autoria do mesmo réu, o texto de fls. 23; em 24 de Dezembro de 1986, da autoria do mesmo réu, o texto que consta de fls. 24; em 25 de Dezembro de 1986, da autoria do mesmo réu, publicou o texto que consta de fls. 25; em 30 de Dezembro de 1986 publicou na primeira página o que consta a fls. 26 destes autos e, em páginas interiores, o que consta de fls. 27 e (este da autoria do Dr. C) o texto de fls. 28; em 14 de Janeiro de 1987 publicou, da autoria do mesmo réu, o texto que consta de fls. 29; em 24 de Janeiro de 1987 publicou, da autoria do mesmo réu, o texto que consta de fls. 30; em 7 de Fevereiro de 1987 publicou, na primeira página, o que consta de fls. 31 e em página interior, da autoria do mesmo réu, o texto que consta de fls. 32; em 8 de Fevereiro de 1987, publicou na primeira página, o que consta de fls. 33 e em páginas interiores o que consta de fls. 34; em 14 de Fevereiro de 1987 o que consta de fls. 35; em 12 de Março de 1987 o que consta de fls. 36; em 11 de Janeiro de 1987 o editorial da autoria do Dr. B, que consta de fls. 37; dão-se por integralmente reproduzidos todos os textos e publicações que se mencionaram; os factos relatados no Comércio do Porto, nas edições referidas, integram-se no processo de investigação jornalística, conhecido por "Sãobentogate"; o autor esteve envolvido num processo crime e, designadamente, preso preventivamente à ordem do Processo n. 700/86 (que deu origem aos autos de querela n. 201/87) desde 29 de Dezembro de 1986 até 23 de Janeiro de 1987; o autor não foi acusado nem pronunciado em processo crime; b) devido às respostas dadas ao questionário, considerando a alteração introduzida pela Relação no que respeita às relativas aos quesitos 15 e 43: o autor nasceu em 1 de Janeiro de 1928; passou 32 anos ao serviço da Polícia Judiciária; no exercício das suas funções o autor granjeou, ao longo dos anos, grande prestígio profissional, social e humano, que se projectou junto da Direcção daquela
Polícia, dos seus quadros superiores e dos seus colegas e subordinados e irradiou para a opinião pública; o autor obteve a consideração e o respeito de toda a gente, tendo sido sempre tratado, considerado e havido como homem de bem e honrado, sendo considerado pelos que o conhecem como defensor dos valores e bens morais e sociais da comunidade, e como sempre tendo pautado a sua conduta profissional, familiar e social por valores de elevada ética, designadamente desde o dia do seu ingresso na Polícia Judiciária e até ao da sua aposentação por limite de idade, pois neste momento, já se encontra aposentado; todas as suas classificações de serviço, ao longo da sua carreira, se situaram nas casas do:
Bom - anos de 1960 e 1962;
Muito Bom - anos de 1969, 1982 e 1987, esta última atribuída após a investigação conhecida por "Sãobentogate", mas referida aos anos de 1985 a 1986; ao autor foi cometida a investigação de casos de grande vulto, quer pelos valores envolvidos, quer pela repercussão na opinião pública; o autor foi encarregado, pela ordem de serviço n. 200/80, de efectuar o inventário dos valores apreendidos e em arrecadação, na Directoria da Polícia Judiciária do Porto; tratou-se de serviço de extrema responsabilidade, que lhe mereceu do Director Adjunto o louvor que consta de fls. 78 a 80 dos presentes autos; em 20 de Dezembro de 1986 o Comércio do Porto iniciou a publicação de uma série de textos, que são os referidos na especificação e os que se encontram de fls. 208 a 254 destes autos; em consequência da publicação dos textos jornalísticos referidos, o autor ficou humilhado e ofendido; aquele jornal tem milhares de leitores; o autor nunca foi acusado, em processo crime, de corrupção, fugas de informações, encobrimento, suborno, cedência de habitação para acoitar foragidos com mandados de captura; nem recebeu peixe, marisco, outra dádiva, prebenda, ouro, prata, dinheiro ou quaisquer bens ou valores para proteger a Maria da Graça ou fosse quem fosse; e nunca se viu envolvido, alguma vez na sua vida, em cenas de conivência entre polícias e criminosos, lutas de polícias contra polícias, aventuras de sexo ou inflamadas paixões; o autor nunca foi punido em processo disciplinar, designadamente em função das notícias do Comércio do Porto (Sãobentogate); antes foi mantido em funções pelos seus superiores hierárquicos, de quem continuou a receber provas objectivas de confiança; e foi encarregado de secretariar diversos processos disciplinares já depois do processo crime em que se viu envolvido; o acto de noticiar os factos publicitados pelos Drs. B e C no jornal o Comércio do Porto foi deliberadamente praticado por eles, objectivamente controlado pela sua vontade; os réus nem uma palavra publicaram aquando da não acusação e da não pronúncia do autor; o caso "Sãobentogate" - quer pela gravidade que assumiram os factos em causa, quer pela notoriedade ou posição social ou profissional dos respectivos suspeitos, arguidos ou réus - constituia um caso de manifesto interesse público; uma questão importante para o prestígio da Polícia Judiciária; a opinião pública exigia o esclarecimento da verdade; todas as referências feitas ao autor foram no âmbito desse dito processo "Sãobentogate" e estão com ele exclusivamente relacionadas; os réus limitaram-se a dar notícias e a fazer reportagens sobre um escândalo que se pronunciava e assumia quotidianamente, designadamente com prisões de suspeitos, foros de grande acontecimento na cidade do Porto e no País; o Comércio do Porto só referiu a pessoa do autor, identificando-o, já depois de ele ter sido preso preventivamente no âmbito do processo em que se investigavam os factos pertinentes ao caso "Sãobentogate"; todos os factos e acontecimentos relacionados com o dito caso tinham e mantêm interesse cívico, social e político; salvo quanto à notícia constante do último parágrafo da edição de 12 de Março de 1987 - a fls. 36 destes autos e cujo teor se dá por reproduzido - nunca os réus tiveram a mínima intenção de, através das notícias em causa, injuriar, agravar ou prejudicar o autor; os Drs. B e C sempre admitiram como provável que tais notícias, com ressalva do último parágrafo de 12 de Março de 1987 eram verdadeiras; surgiram indícios da verificação de parte dos factos noticiados, suficientes para o efeito de ser ordenada a prisão preventiva de cinco suspeitos, entre eles o autor, e para o efeito de ser deduzida acusação e pronunciados seis arguidos, entre os quais não se encontra o autor; salvo quanto ao parágrafo de 12 de Março de 1987, os réus actuaram sempre com a consciência de prestarem um serviço à sociedade; com ressalva do último parágrafo da notícia de 12 de Março de 1987, ao darem aquelas notícias todos os réus agiram admitindo como provável a exactidão do que escreviam e com o único intuito de informar a opinião pública sobre um assunto que a apaixonava; os réus fizeram algumas diligências para a actividade informativa em causa; a actividade jornalística exercida quotidianamente exige celeridade, seja na procura, seja na verificação da autenticidade, seja na difusão da informação; o autor foi fortemente afectado pela série de textos publicados no Comércio do Porto, sendo que as notícias publicadas repercutiram profundamente entre os milhares de leitores do jornal e na opinião pública em geral; o autor só não sucumbiu a tal situação devido à solidariedade de sua família - mulher e filhos - também profundamente traumatizados, bem como dos seus numerosos amigos de todos os meios sociais (profissional, forense, judicial); a sua honra, bom nome, foram profundamente afectados e abalados e abaladíssima ficou a sua saúde; desde o início das publicações o autor teve um horroroso sofrimento moral, prolongado por intermináveis dias em que foi referenciado pela prosa dos réus; o sofrimento do autor atingiu a sua mulher e filhos e o sofrimento destes repercutia-se na pessoa do autor, aumentando os seus próprios sofrimentos; enquanto vivo, jamais se apagarão da memória do autor os tormentos tão agudamente sentidos; o autor é uma pessoa bem educada, normalmente sã, sensível, respeitada nos planos familiar, profissional e social; o Dr. B era o director de o Comércio do Porto no período em que este publicou os escritos referenciados, escritos aos quais deu a sua cobertura tácita e expressa; o Dr. C redigiu os escritos com pleno conhecimento e sem oposição do Dr. B, antes com o seu beneplácito e autorização.
Cabe a este Supremo Tribunal aplicar definitivamente o regime jurídico aos factos materiais que se indicaram - artigo 729 n. 1 do Código de Processo Civil.
Dizem os réus que não incorreram em qualquer actuação ilícita porque agiram no exercício de legítimo direito de informação.
Efectivamente a Constituição da República Portuguesa, nos seus artigos 37 e 38, consagra a liberdade de expressão e informação e a liberdade de imprensa. Mas nos seus artigos 25 e 26 consagra, também, o direito à integridade moral, ao bom nome e à reputação das pessoas.
De harmonia com o disposto no artigo 335 n. 1 do Código Civil, havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.
Pelo que o direito de informar não é um direito absoluto que possa conduzir à total impunidade do jornalista.
Tanto assim que o artigo 4 n. 2 do Decreto 85-C/75, de 26 de Fevereiro, (Lei de Imprensa) aponta, entre os limites à liberdade de imprensa, os preceitos que a lei geral impõe em ordem a salvaguardar a integridade moral dos cidadãos e a garantir a objectividade e a verdade da informação.
Refira-se, ainda, por ter interesse para o caso em apreciação: que o jornalista profissional deve respeitar escrupulosamente o rigor e a objectividade da informação e não abusar da boa fé dos leitores, encobrindo ou deturpando a informação - artigo 11 alíneas a) e b) da Lei n. 62/79, de 20 de Setembro (Estatuto do Jornalista); e tem o direito de recusar a revelação das suas fontes de informação, não podendo o seu silêncio sofrer qualquer sanção directa ou indirecta - artigos 5 n. 4 da Lei de Imprensa e 8 n. 1 do Estatuto do Jornalista.
Posto isto, passa-se a salientar e a apreciar determinados pontos da prova produzida.
Em 20 de Dezembro de 1986 iniciou-se, no Comércio do Porto, a publicação de uma série de escritos, com o título em destaque, na primeira página, de "Corrupção na Judiciária".
Compreende-se o destaque, tratando-se de Corporação especialmente vocacionada para a investigação de crimes e instrução dos respectivos processos. E, embora se referisse que havia dois subinspectores e dois agentes da Corporação indiciados da prática de diversos crimes de corrupção, puníveis com pena de prisão maior, não se apontavam os seus nomes.
A corrupção estava relacionada com processos em que eram arguidos H e um irmão desta, I.
Os escritos sobre este tema prolongaram-se, já que se publicaram, também, em 21, 23, 24 e 25 de Dezembro de 1986.
Só em 30 de Dezembro de 1986 o Comércio do Porto publicou os nomes dos elementos acusados de corrupção, por terem sido presos; e, entre eles, figurava o nome do autor que, efectivamente, tinha sido preso, preventivamente, na véspera, e nessa situação se manteve até 23 de Janeiro de 1987, conforme se encontra dado como provado.
Encontra-se nestes autos fotocópia do despacho que ordenou a prisão, além de outros, do autor - ver fls. 156 e segs.. Esse despacho começa por dizer:
"Há indícios, nos autos, da prática, ao longo de vários anos, de múltiplos crimes de corrupção (activa e passiva), favorecimento pessoal, extorsão, não promoção, prevaricação, abuso de poderes, violação de segredo de justiça, tirada de presos, evasão, burla simples e agravada, extorsão de documento, usura e especulação.
A maior parte desses crimes terá sido praticada por funcionários da Polícia Judiciária, havendo, no entanto, elementos que apontam para a intervenção ilícita de pessoas ligadas aos tribunais e não só".
Para além de outros escritos versando o mesmo assunto e que, entretanto, o Comércio do Porto foi publicando - ver fls. 219 a 228 destes autos - o de 14 de Janeiro de 1987 terminava assim:
"A acusação sobre o subinspector Morais parece ser a menos consistente, já que se terá recusado receber cerca de 50 contos enviados por H para "segurar" o processo de um cheque sem cobertura.
Todavia garantem-nos que haverá outras acusações, porventura mais seguras sobre este referenciado no processo" - ver fls. 29.
Em 24 de Janeiro de 1987, o Comércio do Porto publicou um escrito sob o título "Morais libertado saiu pelas traseiras", referindo que assim iludiu a vigilância dos jornalistas que o aguardavam.
Em 7 de Fevereiro de 1987 refere-se, no mesmo jornal, que, além de três subinspectores e dois agentes, haveria, agora, o envolvimento de mais um inspector e três agentes.
Em 8 de Fevereiro de 1987 o Comércio do Porto refere, na primeira página, a publicação do texto integral de um despacho proferido no processo e diz que aí são mencionados com pormenor factos de que são acusados os diversos subinspectores e agentes, entre aqueles o autor.
Não se tratava, porém, de qualquer acusação, mas do despacho, datado de 29 de Dezembro de 1986, cujo início acima se transcreveu e que determinou a prisão preventiva de vários arguidos.
Do escrito de 14 de Fevereiro de 1987 - ver fls. 35 - consta, além do mais:
"Ainda em relação aos primeiros cinco agentes indiciados, podemos adiantar que, se não existem grandes dúvidas quanto à prática dos factos ilícitos, esses factos - sobretudo por parte de alguns - não são tão expressivos quanto chegou a pensar-se".
E em 12 de Março de 1987 - ver fls. 36 - escreveu-se:
"Nesta ordem de ideias, há também quem sustente ser incompreensível a diferença de atitudes adoptada pelo tribunal entre o subinspector Morais e os demais arguidos. E isto, porque, tanto quanto se sabe, este agente judiciário está acusado dos mesmos crimes dos demais. O que tem levado a questionar quais os critérios por que se pautou a decisão de o libertar mediante caução. Há, entretanto, quem vá mais longe e questione qual terá sido a "factura" paga por A. Como há quem garanta que na corporação muitos dos seus colegas o olham de soslaio, como que desconfiados do papel assumido pelo subinspector para garantir a sua libertação a titulo provisório".
Vem, ainda, provado que o autor não foi sequer acusado no processo.
E mais se provou, salvo quanto ao parágrafo publicado em 12 de Março de 1987 que se deixou transcrito: que os réus admitiram sempre que as notícias que publicaram eram verdadeiras e actuaram com a consciência de que prestavam um serviço à sociedade, informando os seus leitores.
Pelo que os réus, nesse ponto, agiram no seu direito de informar o público do que ia ocorrendo. Efectivamente havia um processo, no T.I.C. do Porto, onde o autor foi um dos arguidos e, por indícios da prática de crimes, chegou a ser preso preventivamente, vindo posteriormente a ser solto. Confinando-se a dar, em geral, notícias referentes a tal processo, os réus cumpriram o seu dever de informar, sem haver qualquer campanha visando, em especial, o autor, para destruir o seu bom nome, e chegaram mesmo a noticiar que a acusação contra ele parecia ser a menos consistente, embora acrescentassem que talvez pudesse não ser assim.
O que foi publicado referia-se, também, naturalmente, ao autor e não o abonava em nada. Mas o certo é que este se viu, bem ou mal, com maiores ou menores indícios, envolvido no dito processo, tendo chegado a estar preso, facto de que nenhuma responsabilidade cabe aos réus.
As notícias que estes deram assumiam interesse público e estavam convencidos da sua veracidade.
Mas a questão já se configura de modo completamente diferente quanto ao transcrito parágrafo publicado em 12 de Março de 1987.
É que, relativamente a ele, afirmou a Relação - ver fls. 368 e segs.: os réus não provaram que, ao dá-lo à estampa, não tiveram a intenção de injuriar, agravar ou prejudicar o autor; não conseguiram demonstrar que admitiram como verdadeira a notícia em causa; não provaram, neste caso específico, que actuaram com a consciência de prestar um serviço à sociedade; não provaram que agiram admitindo como provável a exactidão do que escreviam e com o único intuito de informar a opinião pública sobre um assunto que a apaixonava.
Como refere a Relação, a notícia é, também, objectivamente difamatória, amesquinhando e ferindo a honra e dignidade do autor, designadamente aludindo à "factura" que este teria a pagar pela sua libertação o que levaria a que colegas o olhassem de soslaio.
Afinal o autor não veio a ser, sequer, acusado e a primeira razão para que tivesse sido libertado sempre residiria, em princípio, na insubsistência dos indícios que o levaram à prisão.
Ainda, com o devido respeito, a publicação sucessiva de tantos escritos, onde o autor foi visado, implicaria que, noticiando-se com rigor e objectividade, se tivesse publicado, também, depois, que contra o autor não havia sido deduzida qualquer acusação.
Pelo que com o transcrito parágrafo de 12 de Março de 1987, face ao que vem provado, não pretenderam os réus cumprir o seu direito/dever de informar.
E com isso atingiram o bom nome do autor, o que implica a reparação dos danos que lhe causaram - artigo 484 do Código Civil. Trata-se de um direito pessoal consagrado na C.R.P. , cuja ofensa, de extraordinária gravidade, impõe-se atenta, também, ao dano não patrimonial - art. 496 do Código Civil.
De ter em conta, conforme vem provado, que as notícias publicadas advieram de acto deliberadamente praticado pelos réus, objectivamente controlado pela sua vontade.
Donde deriva a obrigação dos réus de indemnizar - artigo 483 n. 1 do Código Civil.
E é irrelevante alegar-se que o Comércio do Porto,
S.A., como pessoa colectiva, não pode ser objecto de um juízo de culpa. É que a sua responsabilidade civil resulta do disposto no artigo 24 n. 2 da Lei da Imprensa que aí a estabelece expressamente.
No tocante ao quantitativo da indemnização.
A primeira instância avaliou o dano global sofrido pelo autor em 10000000 escudos mas relegou para execução de sentença a fixação do montante da indemnização, uma vez que os réus não respondiam pelos danos resultantes nem da prisão preventiva nem da quase totalidade dos escritos.
A Relação, na sequência da alteração das respostas aos quesitos 15 e 43 fixou em 5000000 escudos a indemnização a pagar pelos réus.
Ora a indemnização deve ser equitativamente fixada, tendo-se em atenção o grau de culpa dos réus, a sua situação económica bem como a do autor e demais circunstâncias atendíveis - artigos 496 n. 3 e 494 do Código Civil.
Por isso, tendo em consideração o grau de culpa dos réus, a publicidade do escrito de 12 de Março de 1987 na sequência de todos os outros, as insinuações que nele se fazem com dano no bom nome e reputação do autor, no final da sua carreira na Polícia Judiciária, onde era subinspector com grande prestígio e, apesar do sucedido, continuou a gozar da confiança dos seus superiores, mas tendo, também, em conta que tudo deriva, fundamentalmente, apenas da parte final do referido escrito, considera-se excessiva a indemnização arbitrada, bastante para além do que é norma na jurisprudência nacional, julgando-se ajustada a de
2000000 escudos.
Termos em que, em provimento parcial do recurso, se condenam todos os réus, solidariamente, a pagar, agora aos sucessores do autor, a quantia de 2000000 escudos (dois milhões de escudos).
Custas neste Supremo Tribunal e nas instâncias pelos sucessores do autor e pelos réus, na proporção do vencido, tendo-se em conta o benefício do apoio judiciário de que goza a ré.
Lisboa, 17 de Março de 1993.
César Marques;
Ramiro Vidigal;
Santos Monteiro.
Decisões impugnadas:
I - Sentença do 9 Juízo Cível da Comarca do Porto de 17 de Setembro de 1990;
II - Acórdão de 20 de Junho de 1991 da Relação do Porto.