Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
620/18.7T9STS.1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: CONCEIÇÃO GOMES
Descritores: RECURSO PER SALTUM
CÚMULO JURÍDICO
CONCURSO DE INFRAÇÕES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
PENA ÚNICA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
MEDIDA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 03/03/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADA A REVISÃO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I -    A medida da pena conjunta deve definir-se entre um mínimo imprescindível à estabilização das expetativas comunitárias e um máximo consentido pela culpa do agente.

II - Em sede de cúmulo jurídico a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstrata aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente.

III - À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.

IV - De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente- exigências de prevenção especial de socialização.

V - No que se refere à proteção de bens jurídicos, que constitui uma das finalidades das penas o bem jurídico protegido no tipo de tráfico de estupefacientes é a saúde pública, sendo as necessidades de prevenção muito elevadas, atendendo que este crime é de grande danosidade social, indutor da prática de outros crimes, e por isso contribui para a degradação da sociedade.

VI - As exigências de prevenção especial, assumem uma intensidade muito elevada, atendendo que as condenações anteriormente sofridas pelo arguido, em pena de prisão suspensa não o dissuadiram de voltar a delinquir neste tipo de ilícito. Por outro lado, o arguido com 27 anos de idade, já sofreu várias condenações por crime de tráfico de estupefacientes, definida como criminalidade altamente organizada (art. 1º, al. m), do CPP).

VII - Partindo da moldura penal abstrata do cúmulo jurídico balizada entre um mínimo de 6 anos de prisão e o limite máximo de 8 anos de prisão, atendendo aos princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, tendo em consideração em conjunto dos factos e a personalidade do agente, as exigências de prevenção geral e especial, mostra-se justa, necessária, proporcional e adequada, fixar ao arguido a pena única de 7 (sete) anos de prisão.

Decisão Texto Integral:
Acordam, na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça


1. RELATÓRIO

1.1. No Juízo Central Criminal ………. - Juiz …. - no processo comum com intervenção do Tribunal Coletivo nº 620/18.7T9STS o arguido AA, solteiro, operário ……, filho de BB e de CC, nascido a …. de setembro de 1993, em………, titular do cartão de cidadão nº…………, residente na Rua……………, atualmente preso no Estabelecimento Prisional……………, por acórdão de 15OUT20 foi condenado em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas no processo 620/18………. e 81/15…………. na pena única de 7 (sete) anos de prisão.

1.2. Inconformado com o acórdão dele interpôs recurso o arguido que motivou, concluindo nos seguintes termos: (transcrição):

«O presente autos, respeitam a cúmulo efectuado, estando em causa apenas de 2 anos e 6 anos de prisão.

Realizado o respectivo cúmulo,

1. Foi-lhe aplicada uma pena única de 7 anos de prisão.

2. Todavia, entende o recorrente que essa pena é manifestamente exagerada desproporcional e violadora de critérios de proporcionalidade.

3. Os crimes, são da mesma natureza.

4. Sendo que uma das penas traduz ilicitude menor.

5. As substâncias transaccionadas eram Haxixe, dentro dos próprios crimes não resultaram circunstâncias agravativas muito pelo contrário

6. O recorrente conta com 27 anos de idade. Veja se que parte dos factos são praticados ainda no regime de transição para a maioridade, traduzindo o processado alguma imaturidade intelectual, mais do que uma vontade da prática criminosa.

7. O arguido manteve postura de inserção mando actividade profissional indiferenciada, em vários sectores mas sempre ativo.

8. O que é revelador de hábitos de trabalho e de inserção social e profissional.

9. Em meio prisional, onde se apresentou para cumprimento de pena tem trilhado um caminho no sentido de interiorizar o desvalor da sua ação.

10. Tem investido na sua formação, porquanto está inscrito na escola, valorizando-se, para que na reintegração na sociedade rapidamente possa trabalhar e auferir rendimentos lícitos

11. Esta ciente das consequências do crime dos efeitos do mesmo na sociedade, revela espírito crítico.

12. Não podemos olvidar que a nossa CRP prevê o princípio da socialização dos condenados, que a jurisprudência constitucional autonomiza, na falta de disposição constitucional expressa, a partir do princípio da dignidade da pessoa humana (artigos 1.º e 25.º, n.º 1) e de outras normas constitucionais escritas (artigos 1.º, 2.º, 9.º, alínea d), e 18.º), concluindo que incumbe ao Estado a tarefa de proporcionar ao condenado as condições necessárias para a sua reintegração na sociedade (Acórdãos n.ºs 43/95, 1/2001, 336/2008 e 427/2009).

13. Ora, a aplicar uma pena de prisão ainda que seja em cúmulo a compressão aplicada não traduz em termos de quantum a modificação que ocorre na personalidade do arguido sendo deveras desproporcional à sua culpa e, em abono da verdade, poderá ter um efeito contrário aos fins da pena.

14. Assim, deverá ocorrer uma diminuição da pena.

15. O tribunal ao decidir como decidiu violou os artigos 40.º, 71.º e 77.º, todos do CP Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá o presente recurso ser procedente e,

consequentemente, a decisão recorrida ser substituída por outra onde opere uma diminuição da pena aplicada em sede de cúmulo.

Assim será feita melhor Justiça!»

1.3. Na 1ª Instância houve Resposta do Ministério Público, o qual se pronunciou pela improcedência do recurso, concluindo nos seguintes termos:

«1 - A pena em que o recorrente foi condenado é equilibrada e justa, não havendo razões para ser reduzida.

2 - A pena aplicada ao recorrente não excede a medida da culpa e as exigências de prevenção.

3 - O acórdão recorrido não violou qualquer preceito legal e nomeadamente o disposto nos art.º 40.º, 71.º e 77.º, n.º 1, do Cód. Penal

Termos em que, Vossas Excelências, negando provimento ao recurso, farão JUSTIÇA».

1.4. Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso nos seguintes termos:

«I. Por acórdão prolatado em 15 de Outubro de 2020 pelo Juízo Central Criminal ........... -J… / Tribunal Judicial da Comarca……, procedeu-se ao cúmulo jurídico englobando os seguintes processos, em que o arguido AA, foi condenado:

- Proc. n º 620 /18.7T9STS.1. S1 (os autos), pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, n º 1, com referência às tabelas anexas I-B e I-C, do DL. N º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de seis (06) anos de prisão;

Proc. n º 81/15.2… (Juízo Central Criminal ...........-J…-) pela comissão de um crime de tráfico de menor gravidade, p.e p. pelo art.º 25º do DL n º 15 / 93, de 22 de Janeiro, na pena de dois (02) anos de prisão;

Na pena única de sete (07) anos de prisão.

II. Com tal decisão não se conformou o arguido, que dela traz recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, circunscrevendo o objecto do recurso à questão da determinação da medida da pena única, que conforme resulta das suas conclusões, tem por fixada em quantum excessivo.

III. O MP na instância na sua resposta refutou o bem fundado de tal posição, concluindo dever o recurso ser julgado improcedente.

IV. O recorrente aduz que «conta com 27 anos de idade» «sendo que parte dos factos são praticados no regime de transição para a maioridade, traduzindo o processado alguma imaturidade intelectual, mais do que uma vontade criminosa» da conclusão 6ª. Estas e outras considerações mostram-se tecidas, na tentativa de fundamentar a impugnação da pena única aplicada -sete anos de prisão, «pena essa manifestamente exagerada desproporcional e violadora de critérios de proporcionalidade», da conclusão 2ª.

Compulsada a factualidade que vem assente, verifica-se, ao demais, que:

“20. Foi ainda condenado na pena de três anos e seis meses de prisão, suspensa por igual período, pelo crime de trafico de estupefacientes, cujo trânsito ocorreu em 26-01-2015 […].

22. AA encontra-se recluído no estabelecimento Prisional …… desde o dia …-04-2020, condenado na pena de 3 anos de prisão, pelo crime de tráfico de estupefacientes.

24. AA verbaliza juízo de censura, tendo consciência crítica da ilicitude dos mesmos, bem como dos danos e das vítimas que os mesmos provocam, mas denota dificuldades em interiorizar a responsabilidade pessoal, desculpabilizando no contexto de grupo de pares e práticas transgressivas”.

Na determinação da medida da pena única, para além da observância dos critérios gerais, da prevenção e da culpa - CP 71º - impõe-se convocar um critério especial, balizado no artigo 77º do CP, sendo que a moldura penal do concurso tem como limite mínimo, a mais elevada das penas (concretamente aplicadas) e como limite máximo a soma das penas das penas aplicadas aos vários crimes, com a restrição, tratando-se de pena de prisão, de não exceder os 25 anos. Contudo o núcleo primacial do referido critério, nos termos do 1 do artigo 77º, in fine do CP, é a que «na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». Vale isto por dizer que, determinada a moldura penal do concurso, que in casu é de 6 a 8 anos, de prisão, compete ao tribunal, ultrapassando uma visão atomística dos factos, efectuar uma ponderação conjunta dos mesmos e da personalidade do agente. Tal consideração, não como factos desligados entre si, interessa à indagação da imagem global dos factos e da sua interligação com a personalidade nela revelada do agente. Como resulta, de um consolidado «acquis» doutrinal (na esteira dos escritos de Eduardo Correia e Figueiredo Dias) e de acordo com a jurisprudência do STJ, decisivamente importará aferir se a pluralidade dos factos criminosos, radica numa tendência da personalidade do agente (ou mesmo numa carreira criminosa, como adverte Figueiredo Dias) ou se reconduz a uma mera pluriocasionalidade, não imputável a essa personalidade. Ou seja, interessa a avaliação do ilícito global e a indagação da existência entre os factos, de uma conexão e de que tipo, «autoris causa».

Tal iter decisório foi manifestamente percorrido pelo tribunal colectivo, como se alcança da leitura do acórdão. Citando Cristina Líbano Monteiro, em sede de detecção da «possível conexão e tipo de conexão que intercede entre os factos concorrentes, tendo em vista a totalidade da actuação do condenado como unidade de sentido, que possibilitará uma avaliação global e a “culpa pelos factos em relação», escreve-se, ao demais:

“Há a considerar ainda o passado criminal do arguido e assim a existência de antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza, de onde resulta uma personalidade com acentuada propensão criminosa quanto ao crime de tráfico de estupefacientes itálico e negrito introduzido.

Na verdade, e ao contrário da imagem que se pretende criar do recorrente, a verdade é que é insofismável ter o mesmo uma personalidade que revela uma clara tendência para a prática de crimes de tráfico de estupefacientes. É o que revelam, na sua fria objectividade, as condenações por crimes de tráfico, cujas penas foram objecto de cúmulo jurídico no acórdão sub judice quer, a condenação sofrida no proc. 216/ 1.0………, por acórdão de 29.04.2014, transitado em julgado em 29.05.2014, pela prática em 10.09.2013 de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, n º 1 do DL n º 15 / 93, de 22.01, na pena de 3 anos de prisão, cuja execução lhe foi suspensa. Também, no âmbito do proc. n º 42/ 13………, por acórdão de 26.05.2015, passado em julgado em 26.05.2015, foi de novo condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, n º 1 do DL n º 15 / 93, de 22.01, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, cuja execução voltou a ser suspensa. Não obstante por despacho de 27.01.2020, foi tal suspensão revogada e determinado o cumprimento da pena.

De resto, no âmbito dos processos cujos crimes se mostram em concurso, registe-se, como bem se pondera no acórdão recorrido:

«[..] o grau da ilicitude dos factos decorre do número de crimes cometidos-2- da sua natureza (tráfico de estupefacientes), do período temporal em que os crimes foram praticados (entre 2015 e 2018), do modo de execução dos mesmos (heterogéneo) e do dolo directo».

Anote-se, ainda que as substâncias traficadas no âmbito do processo principal, para além de derivados de cannabis sativa L compreende cocaína Tabela Anexa I-B, ao contrário do que o recorrente alega. Não deixa de impressionar muito negativamente, também, o facto de nesse processo, terem sido aprendidos ao recorrente - 6. 070,00€- produto da sua -ilegal e lucrativa-actividade.

Por último, se necessário fora, atente-se, também, em qual foi, neste contexto assaz desfavorável ao recorrente- o «factor de compressão» aplicado, para se ver que a pena unitária respeitou na sua determinação os legais critérios, mostrando-se, amplamente justificada.

Somos assim de parecer, que o recurso deve ser julgado improcedente».

1.5. Com dispensa de Vistos, não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência.


***

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:

1. No processo nº 620/18.7T9STS

Desde data não apurada até 20.01.2018, por sentença proferida a 11.07.2019, transitada em julgado em 12.06.2020, foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente p. e p., pelo art.º 21º, do DL 15/93, de 22JAN na pena de 6 anos de prisão.

No processo nº 81/15……… – por factos ocorridos em 05.11.2015, por sentença proferia em 12.09.2017, transitada em julgado, em 23.02.2018, foi o arguido AA, condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 25º, do DL 15/93, na pena de 2 anos de prisão (por decisão transitada em julgado em 20.04.2018, foi decidida a substituição da pena de 2 anos de prisão pela permanência na habitação com fiscalização de meios técnicos de controle à distância- artº 43º, nº 1, do C.P. (a qual foi extinta pelo cumprimento em 19.03.2020) vai-se repercutir na execução da pena.

2. No processo 620/18.7T9STS provou-se que:

Desde data que não foi possível apurar e até dia … de janeiro de 2018, com a vista a ocultar a sua actividade de venda produtos estupefacientes e não ser detectado na posse de droga, o arguido AA utilizava a residência da arguida DD (doravante DD) na Rua………….., para guardar e acondicionar produto estupefaciente, sendo a arguida DD que procedia à entrega de droga a terceiros ou então ao próprio arguido AA sempre da forma e do modo que ele determinasse e a troco de contrapartida não concretamente apurada. Mais ainda o arguido AA utilizou os telemóveis com os cartões ……………04 e ………45, interceptados à ordem destes autos, pela mesma ordem, através dos alvos …………40 e …………40. Para contactar o arguido AA, o arguido EE utilizava o telemóvel com o cartão …………91, interceptado à ordem destes autos através do alvo …………40, usando conversas e expressões codificadas entre ambos, tais como “um jogo dos grandes” e “um jogo de ……”. No dia 30 de Agosto de 2017, cerca das 22h30, no veículo de marca………, matrícula …-QE-…, conduzido por FF, o arguido EE dirigiu-se à ………. No dia 9 de Setembro de 2017, pelas 16h00, utilizando o veículo de marca……, matrícula …-IN-…, conduzido por GG, os arguidos EE e HH dirigiram-se à ………. No dia 16 de Outubro de 2017, pelas 21h30, utilizando o veículo de marca………, matrícula …-…-VN, conduzido por JJ, os arguidos EE e HH dirigiram-se à ......... Ainda no dia 16 de Outubro de 2017, pelas 22h45, o arguido EE dirigiu-se à ......... No dia 26 de Outubro de 2017, cerca das 19h00, os arguidos EE, HH e II, utilizando o veículo de matrícula …-PU-…. conduzido pela arguida II, dirigiram-se à .........

No dia … de Novembro de 2017, cerca das 20h30, o arguido EE, utilizando o veículo de matrícula ...-...-TN, dirigiu-se à ......... No dia … de Janeiro de 2018, por volta das 20h30 na portagem da A…, ………, os arguidos EE e HH foram abordados por elementos do NIC da GNR ……. quando seguiam no veículo de matrícula ...-...-TN, conduzido pelo arguido HH. Na posse do arguido EE foi apreendida 9,910 gramas (peso bruto) de cocaína, com o grau de pureza de 46,1, suficiente para 21 doses que o arguido AA havia vendido momentos antes aos arguidos EE e HH na residência da arguida DD por preço e em condições que não foi possível precisar. Na viatura automóvel encontravam-se ainda cinco placas de um produto vegetal prensado com o logotipo da ……, contendo 495,500 gramas de peso líquido de canábis (resina) com grau de pureza de 7,3 THC, suficiente para 723 doses que o arguido AA havia vendido momentos antes aos arguidos EE e HH na residência da arguida DD por preço e em condições que não foi possível precisar. Ainda na posse do arguido EE foi apreendido o telemóvel de marca Starshine, com o IMEI ……………43, contendo no seu interior o cartão da operadora Vodafone com o número …………91, interceptado nestes autos através do alvo ………..40, utilizado pelo referido arguido, além do mais, para efectuar comunicações referentes à actividade ilícita de compra e venda de produtos estupefacientes.

Na posse do arguido HH foi encontrado e apreendido um produto vegetal prensado com o peso líquido de 1,600 gramas de Canabis (resina) (grau de pureza 9,5 (THC), suficiente para 3 doses). Ao arguido HH foi também apreendido um telemóvel de marca Iphone, com o IMEI …………35, contendo no seu interior um cartão da Vodafone com o número ………64, interceptado nestes autos através do alvo ……40, utilizado pelo referido arguido, além do mais, para efectuar comunicações referentes à actividade ilícita de compra e venda de produtos estupefacientes. Ainda no dia … de Janeiro de 2018, cerca das 22h00, na busca realizada ao veículo de marca ……, modelo ………, cor ………, matrícula …-TS-…, propriedade do arguido AA e por ele utilizado nas suas deslocações foram encontrados e apreendidos: a) Na porta do condutor, no interior da carteira do arguido AA: um papel manuscrito onde constam datas e valores numéricos, embalagem e suporte do cartão SIM referente ao número …………02; b) Na consola, entre os bancos dianteiros: um envelope contendo um produto vegetal prensado com o peso líquido 0,930 gramas de Canabis (grau de pureza 11,5 (THC), suficiente para 2 doses); c) No porta-luvas: um telemóvel da marca ASUS, sem cartão Sim, nem cartão de memória; Ainda no dia … de Janeiro de 2018, cerca das 23h00, na sequência de busca à residência do arguido AA, na Rua……………, em ………., ........, foram encontrados e apreendidos os seguintes objectos e dinheiro: No móvel da televisão, dentro de uma sapatilha: 3 notas de € 50,00, 38 notas de € 20,00 e 40 notas de € 10,00, num total de € 1.325,00 (mil, trezentos e vinte e cinco euros); No mesmo móvel, no interior de outra sapatilha: 4 notas de € 100,00 e 76 notas de € 50,00, num total de € 4.200,00 (quatro mil e duzentos euros); c) Num quarto que não do arguido (no interior da mesinha de cabeceira): uma faca de abertura lateral automática com o comprimento total de 19 cm, composta por um cabo que encerra uma lâmina cortante e perfurante de 7,6 cm, cuja disponibilidade é obtida instantaneamente por acção de um botão (abertura automática). Na posse do arguido AA foram encontradas e aprendidas: a) 17 notas de € 20,00, 19 notas de € 10,00 e 3 notas de € 5,00, num total de € 545,00 (quinhentos e quarenta e cinco euros); b) Um telemóvel de marca Apple, modelo………, cor ………, com um cartão SIM correspondente ao número ………02, interceptado através do alvo ………40; c) Chave cartão do veículo de marca………………, cor ………, matrícula …..-TS-……. O dinheiro apreendido ao arguido AA era proveniente da actividade ilícita de venda de produtos estupefacientes a que o mesmo se dedicava; sendo que os telemóveis apreendidos se destinavam, além do mais, a efectuar comunicações referentes à actividade de compra e venda de produtos estupefacientes. No dia 20 de Janeiro de 2018, cerca das 21h35, na E.N. 104, em ........, quando conduzia o veículo de sua propriedade, marca Seat, modelo Ibiza, matrícula 26-44-TX, a arguida DD foi abordada e fiscalizada por agentes do NIC da GNR………... Nessa ocasião e lugar foram encontrados e apreendidos na posse da arguida DD:

a) Um telemóvel, marca Samsung, com o IMEI ………………82, com o cartão da Vodafone nº ………….00, interceptado através do alvo ……………….60; b) Um plástico com um produto vegetal prensado com o peso líquido de 9,090 gramas de canábis (grau de pureza 11,3 (THC), suficiente para 20 doses); No interior do veículo de matrícula ……-…..-TX, propriedade da arguida DD e por ela habitualmente utilizado: a) Um plástico contendo um produto vegetal com o peso líquido de 177,70 gramas de canábis (grau de pureza 9,1 (THC), suficiente para 323 doses); b) Um pedaço de fita isoladora para acondicionar placas de haxixe. Ainda no dia 20 de Janeiro de 2018, cerca das 22h00, na sequência da busca à residência da arguida DD, na Rua……………………., na ........, foram encontrados e apreendidos os seguintes objectos e dinheiro: - No quarto da arguida: a) Um telemóvel de marca Nokia, sem cartão; b) € 35,00 em notas do Banco Central Europeu, sendo 3 notas de € 10,00 e 1 de € 5,00; c) Um telemóvel de marca Nokia, modelo………..; d) Por cima do guarda-fatos, acondicionada num estojo, a arma de caça com canos paralelos, em razoável estado de conservação e bom funcionamento, apta a efectuar disparos, marca …………, com o número de série……….., espingarda de tiro a tiro, arma de fogo longa da Classe D, tudo conforme melhor consta do auto de exame de fls.3356 e 3357, aqui tido por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, registada a favor de   ....

No hall de acesso aos quartos: a) € 40,00 em notas do Banco Central Europeu, distribuídas em duas notas de € 20,00; - No quarto do filho da arguida: a) Uma munição de arma de fogo, marca………, calibre 6,35mm, destinada a armas calibre B1; b) Um rolo de papel celofane; c) Vários sacos herméticos de cor transparente; d) Uma faca contendo vestígios de canabis; e) Dois frascos contendo no seu interior vestígios de canabis; f) Um pedaço de um produto vegetal com o peso líquido de 0,470 gramas de Cannabis (grau de pureza 7,3 (THC), suficiente para menos de 1 dose); g) Um recipiente de plástico com resíduos no interior de canabis; h) Três sacos plásticos e seis embalagens contendo sementes de canabis com o peso líquido de 6,980 gramas; i) Vários fracos de fertilizante; j) Uma estufa portátil, com armação em metal e lona envolvente na estrutura; k) Um filtro de ar; l) Tubagens e suporte de luz; m) Duas ventoinhas e um balastro; n) Quatro vasos de cor preta contendo, cada um, uma planta de canabis de porte pequeno, em floração; o) Duas lâmpadas; p) Um medidor de PH da marca Hanna; q) Um saco com pipetas; r) Um pedaço de um produto vegetal com o peso líquido de 15,730 gramas de canabis (grau de pureza 1,8 (THC), suficiente para 6 doses);- - Na sala de estar: a) Duzentas e trinta e quatro placas (234) de um produto vegetal prensado, com o logotipo da Harley Davison, idêntico ao logotipo da canábis apreendida aos arguidos EE e HH com o peso líquido de 23.260 gramas de canabis (grau de pureza 7,6 (THC), suficiente para 35.355 doses) b) € 15,00 em notas do BCE, sendo uma nota de € 10,00 e outra de € 5,00; c) Um invólucro em plástico contendo um produto com o peso líquido de 9,110 gramas de cocaína (com um grau de pureza 52,7, suficiente para 23 doses) - No hall de entrada: a) No interior de uma bolsa vários recortes de plásticos, vulgarmente usados para o acondicionamento de produto estupefaciente; b) Um recipiente em plástico com vestígios de cocaína; c) Vários sacos plásticos, tipo invólucros, para acondicionamento de produto estupefaciente, contendo vestígios de cocaína; d) Uma placa de um produto vegetal prensado com o peso líquido de 96,770 gramas de canabis (grau de pureza 7,4 (THC), suficiente para 143 doses); e) Uma balança digital e uma tesoura, ambas com vestígios de cocaína; f) Um frasco de cor preta contendo creatina que se encontrava no interior de uma bolsa; g) Um telemóvel de marca Alcatel, com um cartão da Vodafone nº ……32; O arguido EE vendeu ao LL para consumo deste, quantidade não apurada de canábis, por valor também em concreto não apurado, por duas a três ocasiões, em datas que não foi possível precisar do ano de 2017. O MM utilizou o telemóvel com o nº ……04. Entre Junho de 2017 a Janeiro de 2018, o arguido EE vendeu a NN, pelo menos nos dias 11 de Novembro de 2017 e 8 de Dezembro de 2017, pólen de haxixe (canábis), em quantidades que não foi possível precisar porquanto variavam, tendo o NN chegado a pagar cerca de € 1,00 por grama. As transacções que ocorreram em locais públicos da localidade………, em……………, eram previamente combinadas através de contacto telefónico, utilizando o NN o telemóvel com o nº ………50. A FF utilizou o telemóvel com o nº ……27. O OO utilizou o telemóvel com o nº ……15. O PP utilizou o telemóvel com o nº …………18. O QQ utilizou o telemóvel com o nº ……86. O RR utilizou o telemóvel com o nº ………83. O SS utilizou o telemóvel com o n.º ……83. O TT utilizou o telemóvel com o nº ……91. Entre Junho de 2017 a Janeiro de 2018, o arguido EE vendeu a UU, pelo menos por duas vezes, 1 grama de cocaína, que pagou através da entrega de objectos de valor equivalente, mormente bebidas.

As transacções que ocorreram em locais públicos das localidades de Joane e Vermoim, mormente num bar, em…, foram previamente combinadas através de contacto telefónico, utilizando o UU o telemóvel com o nº ……………14. O VV utilizou o telemóvel com o número …51. O WW utilizou o telemóvel com o número …07.

2. No processo 81/15… provou-se que:

No dia … de novembro de 2015, por volta das 14h56m, o arguido, que se encontrava no interior da sua residência, deslocou-se para o exterior da sua habitação, tendo sido abordado por elementos da PSP. Nessa altura, o arguido atirou para o solo dois sacos de plástico que continham um produto de cor esverdeada, que foi de imediato apreendido e que veio a apurar-se tratar-se de canábis (folhas e sumidades), com o peso líquido de 147,140 gr, com grau de pureza de 7,4%, suficiente para 218 doses individuais. O arguido detinha, ainda, na sua posse e na mesma ocasião, uma porção de canábis (folhas e sumidades), com o peso líquido de 0,360 gr. Tinha ainda consigo a quantia de € 300,00. O arguido destinava parte do produto estupefaciente que lhe foi apreendido ao seu consumo, ao consumo da irmã e de alguns amigos de ambos. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo as características e natureza do produto estupefaciente que detinha e que transportava, sabendo ser proibida a sua detenção, bem como a cedência a terceiros, o que pretendia fazer. O arguido procedeu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Para além das condenações id. em 1. a 3., o arguido tem os seguintes criminais, tendo sido julgado e condenado: no pcc 216/1…………, por decisão de 29.04.2014, transitada em julgado em 29.05.2014 pela prática em 10.09.2013 de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artº 21º, nº 1, do DL 15/93, de 22.01, na pena de 3 anos de prisão, cuja execução foi suspensa na sua execução por igual período de tempo (por decisão transitada em julgado em 27.01.2020, foi revogada a suspensão da execução); no pcc 42/13…………, por decisão de 26.01.2015, transitada em julgado em 26.02.2015 pela prática, em 02.2014 de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artº 21º, nº 1, do DL 15/93, de 22.01, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, cuja execução foi suspensa na sua execução por igual período de tempo (a suspensão da execução veio a ser prorrogada por 1 ano).

4. AA cresceu integrado no agregado de origem composto pela mãe e 6 descendentes.

5. A maior parte dos irmãos foram fruto de diferentes relacionamentos que a progenitora foi estabelecendo ao longo dos anos.

6. Embora com vinculação afectiva, o processo educativo enfermou de dificuldades na delimitação de regras de comportamento.

7. AA integrou o ensino normal em idade própria, registando algumas retenções no decurso do segundo ciclo, muito embora fosse considerado pelos docentes, um jovem com competências para prosseguir os estudos com êxito. Foi, entretanto, orientado para formação profissional tendo concluído o curso … que lhe deu equivalência ao 9º ano de escolaridade.

8. Em paralelo à frequência escolar e formativa dedicava-se à prática desportiva de Futsal, o que lhe permitia a inserção em grupos de pares mais alargados com interesses pró-sociais, prática que acabou por abandonar durante o seu percurso profissional.

9. Iniciou-se laboralmente como ajudante de armazém numa empresa durante alguns meses e posteriormente realizou alguns trabalhos sem vínculo junto de um familiar, mineiro de profissão.

10. Após um período com dificuldades de integração laboral obteve emprego com contrato na Vodafone como vendedor, situação que durou aproximadamente nove meses. Posteriormente foi conseguindo integração laboral nem sempre contínua, através das várias empresas de trabalho temporário em que se inscreveu.

11. Celebrou contrato com a empresa de trabalho temporário A…, tendo desenvolvido atividade laboral na G .... Portugal LDA e posteriormente com vários contratos efetuados na firma F…, encontrando-se ativo laboralmente à data da reclusão em 21.03.2018.

12. AA reside desde criança num andar de tipologia 4 com condições de habitabilidade, denotando cuidados ao nível da higiene e conforto.

13. Está integrado num bloco social de um complexo habitacional da Câmara Municipal ....., zona de características problemáticas.

14. Integram este agregado, a progenitora, companheiro desta e pai do filho mais novo de 16 anos de idade e duas irmãs de 25 e 19 anos de idade.

15. O relacionamento intrafamiliar é avaliado como coeso e pautado por laços de afetividade e entreajuda, revelando o condenado preocupação com o bem-estar de toda a família.

16. AA foi detido em 21 de março de 2018 e condenado a uma pena de prisão de dois anos no processo nº 81/15…… do Tribunal Judicial da Comarca … - Juízo Central Criminal .......- Juiz …….

17. Por decisão transitada em julgado em 20-04-2018 foi alterado o modo de execução da pena de prisão para regime de permanência na habitação fiscalizada por meios eletrónicos de controlo à distância desde 21-04-2018.

18. Durante um período o arguido revelou dificuldades de adesão ao confinamento do espaço habitacional o que deu origem a vários relatos de anomalias.

19. Contudo, a situação evoluiu positivamente tendo cumprido com as normas impostas, sendo considerado no meio residencial um jovem pacato, educado e com competências socioculturais que lhe permitiram uma integração adequada aos diferentes níveis, se assim o pretender.

20. Foi ainda condenado na pena de três anos e seis meses de prisão, suspensa por igual período, pelo crime de tráfico de estupefacientes, cujo trânsito ocorreu em 26-01-2015, tendo comparecido a todas as entrevistas que lhe foram agendadas, revelando preocupação de adesão às atividades proposta, nomeadamente ao nível da integração laboral.

21. Iniciou consumos de haxixe entre os seus 17/18 anos de idade, em grupo de pares, contudo, cessou esses consumos quando beneficiava ainda de OPHVE. 22. AA encontra-se recluído no Estabelecimento Prisional do Porto

desde o dia 30/04/2020, condenado na pena de prisão de 3 anos, pelo crime de tráfico de estupefacientes.

23. O condenado vivencia com preocupação, o seu presente confronto com o sistema de administração penal, receando eventuais consequências que daí possam advir, tendo em conta o seu percurso criminal.

24. AA verbaliza juízo de censura, tendo consciência crítica da ilicitude dos mesmos, bem como dos danos e das vítimas que os mesmos provocam, mas denota dificuldades em interiorizar a responsabilidade pessoal, desculpabilizando no contexto de grupo de pares as práticas transgressivas.

25. O condenado recebe visitas de familiares próximos, pessoas disponíveis para continuar a prestar-lhe todo o apoio, nomeadamente um cunhado a nível profissional, desde que oriente a sua vida por padrões normativos e se afaste do convívio com grupos de pares e práticas transgressivas.

26. No E. P. Porto, mantém comportamento isento de reparos, sem qualquer sanção disciplinar.

27. Encontra-se inscrito na escola para conclusão do 10º, 11º e 12º anos de escolaridade.

28. O processo de desenvolvimento de AA, decorreu no contexto de uma família com dificuldades de orientação e de impor ao condenado regras de disciplina e delimitadoras da sua conduta.

29. A permeabilidade às influências e às oportunidades transgressivas prejudicam o processo de reinserção social de AA.

30. Mostrou arrependimento.


***


3. O DIREITO


3.1. O objeto do presente recurso atentas as conclusões da motivação do recorrente, que delimitam o objeto do recurso, prende-se com a seguinte questão: - A dosimetria da Pena Conjunta aplicada ao Recorrente.

Insurge-se o recorrente quanto à medida da pena única em que foi condenado, defendendo que a pena é exagerada e desproporcionada, porquanto «As substâncias transaccionadas eram Haxixe, O recorrente conta com 27 anos de idade. Veja-se, que parte dos factos são praticados ainda no regime de transição para a maioridade, traduzindo o processado alguma imaturidade intelectual, mais do que uma vontade da pratica criminosa. O arguido manteve postura de inserção mando actividade profissional indiferenciada, em vários sectores mas sempre ativo. O que é revelador de hábitos de trabalho e de inserção social e profissional. Em meio prisional, onde se apresentou para cumprimento de pena tem trilhado um caminho no sentido de interiorizar o desvalor da sua ação. Tem investido na sua formação, porquanto está inscrito na escola, valorizando-se, para que na reintegração na sociedade rapidamente possa trabalhar e auferir rendimentos lícitos. Está ciente das consequências do crime dos efeitos do mesmo na sociedade, revela espírito crítico».

3.1.1. Consagra o art. 77º, nºs 1 e 2, do Código Penal:

«1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes».

O art. 78º, do Código Penal determina que:

«1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

2 - O disposto no número anterior é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado. (…)

Conforme refere o Prof Figueiredo Dias, 1 «Estabelecida a moldura penal do concurso o tribunal ocupar-se-á, finalmente, da determinação, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Nem por isso se dirá com razão, no entanto, que estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais da medida da pena contidos no art. 72º, nº 1, um critério especial «na determinação da medida concreta da pena do concurso, serão considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente (art. 78º, 1- parte]. (…)

Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: no primeiro caso, não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes com efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».

No mesmo sentido o AC do STJ de 27JAN16, em que foi relator o Conselheiro Santos Cabral, 2 a propósito da pena conjunta derivada do concurso de infrações, defende o seguinte:

«Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos pois que a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a recetividade á pena pelo agente deve ser objeto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.”

Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve refletir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou constituem delito ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspetiva de existência de uma pluralidade de ações puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais. Dada a proibição de dupla valoração na formação da pena global não podem operar de novo as considerações sobre a individualização da pena feitas para a determinação das penas individuais.

Em relação ao nosso sistema penal é o Professor Figueiredo Dias quem traça a síntese do “modus operandi” da formação conjunta da pena no concurso de crimes. Refere o mesmo Mestre que a existência de um critério especial fundado nos factos e personalidade do agente obriga desde logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso: a tanto vincula a indispensável conexão entre o disposto nos arts. 78.°-1 e 72.°-3, assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um ato intuitivo - da «arte» do juiz uma vez mais - ou puramente mecânica e, portanto, arbitrária. Sem prejuízo de poder conceder-se que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo art. 72 ° nem por isso um tal dever deixa de surgir como legal e materialmente indeclinável».

No mesmo sentido o AC do STJ de 12FEV14, em que foi relator o Conselheiro Pires da Graça, 3 a propósito da pena conjunta derivada do concurso de infrações, defende o seguinte:

«O sistema de punição do concurso de crimes consagrado no art. 77.º do CP, aplicável ao caso de conhecimento superveniente do concurso, adotando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta, cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa.

Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que esteve na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspetiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido.

Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação. Afinal, a valoração conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o CP.

Por outro lado, afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstrato, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.

Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspetiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objetivos do agente no denominador comum dos atos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a atividade criminosa expressa pelo número de infrações, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela atividade».

Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado. Ac. deste Supremo e desta Secção, de 09-01-2008 in Proc. 3177/07.

Como supra se referiu. o concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza. Por outro lado ainda, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.

Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem pelo da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente: como doutamente diz Figueiredo Dias (Direito Penal Português As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 290-292), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso. Ac. deste Supremo e desta Secção de 06-02-2008, in Proc. n.º 4454/07

Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade unitária do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: no primeiro caso, não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, Acs de 11-10-2006 e de 15-11-2006 deste Supremo e Secção in Proc. n.º 1795/06, e Proc. n.º 3268/04».

Ou seja, quanto à pena única a aplicar ao arguido em sede de cúmulo jurídico, a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstrata aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente.

À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.

Por último, de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e “ a culpa pelos factos em relação”, a qual se refere Cristina Líbano Monteiro em anotação ao acórdão do S.T.J de 12.7.2005 e Figueiredo Dias in “A Pena Unitária do Concurso de Crimes” in RPCC ano 16º, nº 1, pág. 162 e ss.

O Tribunal Coletivo fundamentou da seguinte forma a pena única a aplicar ao arguido:

«Ora, no presente caso, o grau da ilicitude dos factos decorre do de crimes cometidos-2-, da sua natureza (tráfico de estupefacientes), do período temporal em que os crimes foram praticados (entre 2015 e 2018), do modo de execução dos mesmos (heterogéneo) e do dolo directo.

a considerar ainda o passado criminal do arguido e assim a existência de antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza, de onde resulta uma personalidade com acentuada propensão criminosa quanto ao crime de tráfico de estupefacientes.

Não se olvidará o arrependimento demonstrado e a actual situação do condenado, que uma vez que AA verbaliza juízo de censura, tendo consciência crítica da ilicitude dos factos, bem como dos danos e das vítimas que os mesmos provocam, embora denote dificuldades em interiorizar a responsabilidade pessoal, desculpabilizando no contexto de grupo de pares as práticas transgressivas. Mantém comportamento isento de reparos, sem qualquer sanção disciplinar. Encontra-se inscrito na escola para conclusão do 10º, 11º e 12º anos de escolaridade.

Tudo ponderado julga-se adequado condenar AA na pena única de 7 (sete) anos de prisão».

Vejamos:

No processo nº 620/18.7T9STS foi o arguido AA condenado na pena de 6 anos de prisão, por sentença proferida a 11.07.2019, transitada em julgado em 12.06.2020, pela prática por factos ocorridos desde data não apurada, até 20.01.2018, de um crime de tráfico de estupefaciente p. e p., pelo art.º 21º, do DL 15/93, de 23JAN, na pena de 6 anos de prisão.

No processo nº 81/15… – por factos ocorridos em 05.11.2015, por sentença proferida em 12.09.2017, transitada em julgado, em 23.02.2018, foi o arguido AA, condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 25º, do DL 15/93, de 23JAN, na pena de 2 anos de prisão (por decisão transitada em julgado em 20.04.2018, foi decidida a substituição da pena de 2 anos de prisão pela permanência na habitação com fiscalização de meios técnicos de controle à distância- artº 43º, nº 1, do C.P. (a qual foi extinta pelo cumprimento em 19.03.2020) vai-se repercutir na execução da pena.

As penas aplicadas ao arguido reportam-se a crimes que estão em concurso entre si, uma vez que foram cometidos antes do trânsito da decisão condenatória do processo 81/15…, a que de entre elas primeiro transitou – 23.02.2018, – por factos ocorridos em 05.11.2015 - e nenhum deles foi praticado depois da condenação por qualquer dos outros.

O momento determinante em se fixa a data a partir da qual os crimes estão em concurso com os anteriores para efeitos de cúmulo jurídico é o trânsito em julgado da primeira condenação, conforme AC do STJ de Fixação de Jurisprudência nº 09/2016.

Pelo que só podem ser cumuladas entre si penas relativas a crimes que estejam em concurso e tenham sido praticados antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles.

Para além destes o arguido sofreu as seguintes condenações: no pcc 216/1.0 …, por decisão de 29.04.2014, transitada em julgado em 29.05.2014 pela prática em ... .09.2013 de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artº 21º, nº 1, do DL 15/93, de 22.01, na pena de 3 anos de prisão, cuja execução foi suspensa na sua execução por igual período de tempo (por decisão transitada em julgado em 27.01.2020, foi revogada a suspensão da execução); no pcc 42/13……, por decisão de 26.01.2015, transitada em julgado em 26.02.2015 pela prática, em ... .2014 de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artº 21º, nº 1, do DL 15/93, de 22.01, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, cuja execução foi suspensa na sua execução por igual período de tempo (a suspensão da execução veio a ser prorrogada por 1 ano).

Tais condenações levam a concluir que se trata de um delinquente com uma personalidade com tendência para a criminalidade, designadamente por crimes de tráfico de estupefacientes, não sendo possível formular um juízo de prognose positivo que de futuro não mais voltará a reincidir em tais condutas.

As finalidades da aplicação de penas e medidas de segurança visam a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, nºs 1 e 2, do C.P), vista enquanto juízo de censura que lhe é dirigido em virtude do desvalor da ação praticada (arts. 40º e 71º, ambos do Código Penal).

E, na determinação concreta da medida da pena, como impõe o art. 71º, nº 2, do Código Penal, o tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele, designadamente as que a título exemplificativo estão enumeradas naquele preceito, bem como as exigências de prevenção que no caso se façam sentir, incluindo-se tanto exigências de prevenção geral como de prevenção especial.

A primeira dirige-se ao restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, que corresponde ao indispensável para a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada.

A segunda visa a reintegração do arguido na sociedade (prevenção especial positiva) e evitar a prática de novos crimes (prevenção especial negativa) e por isso impõe-se a consideração da conduta e da personalidade do agente.

Conforme salienta o Prof. Figueiredo Dias4, a propósito do critério da prevenção geral positiva, «A necessidade de tutela dos bens jurídicos cuja medida ótima, relembre-se, não tem de coincidir sempre com a medida culpa não é dada como um ponto exato da pena, mas como uma espécie de «moldura de prevenção»; a moldura cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do «quantum» da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias. É esta medida mínima da moldura de prevenção que merece o nome de defesa do ordenamento jurídico. Uma tal medida em nada pode ser influenciada por considerações, seja de culpa, seja de prevenção especial. Decisivo pode ser o quantum da pena indispensável para se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais».

E, relativamente ao critério da prevenção especial, escreve o ilustre mestre, «Dentro da «moldura de prevenção acabada de referir atuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que devem aqui ser valorados todos os fatores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza, seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. (...).

A medida das necessidades de socialização do agente é pois em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial para efeito de medida da pena».


Assim, no caso subjudice, para a determinação da pena conjunta importa considerar o seguinte:

- um grau de ilicitude elevado; o modo de execução; a data dos factos (2015 a 2018) ainda recente; os antecedentes criminais do arguido.

Relativamente à sua conduta anterior e posterior aos factos e as condições pessoais da arguida consta da matéria de facto provada o seguinte:

« 4. AA cresceu integrado no agregado de origem composto pela mãe e 6 descendentes.

5. A maior parte dos irmãos foram fruto de diferentes relacionamentos que a progenitora foi estabelecendo ao longo dos anos.

6. Embora com vinculação afectiva, o processo educativo enfermou de dificuldades na delimitação de regras de comportamento.

7. AA integrou o ensino normal em idade própria, registando algumas retenções no decurso do segundo ciclo, muito embora fosse considerado pelos docentes, um jovem com competências para prosseguir os estudos com êxito. Foi, entretanto, orientado para formação profissional tendo concluído o curso de mecânica que lhe deu equivalência ao 9º ano de escolaridade.

8. Em paralelo à frequência escolar e formativa dedicava-se à prática desportiva de Futsal, o que lhe permitia a inserção em grupos de pares mais alargados com interesses pró-sociais, prática que acabou por abandonar durante o seu percurso profissional.

9. Iniciou-se laboralmente como ajudante de armazém numa empresa durante alguns meses e posteriormente realizou alguns trabalhos sem vínculo junto de um familiar, mineiro de profissão.

10. Após um período com dificuldades de integração laboral obteve emprego com contrato na Vodafone como vendedor, situação que durou aproximadamente nove meses. Posteriormente foi conseguindo integração laboral nem sempre contínua, através das várias empresas de trabalho temporário em que se inscreveu.

11. Celebrou contrato com a empresa de trabalho temporário A………, tendo desenvolvido atividade laboral na G…… Portugal LDA e posteriormente com vários contratos efetuados na firma F…, encontrando-se ativo laboralmente à data da reclusão em 21.03.2018.

12. AA reside desde criança num andar de tipologia 4 com condições de habitabilidade, denotando cuidados ao nível da higiene e conforto.

13. Está integrado num bloco social de um complexo habitacional da Câmara Municipal da ......, zona de características problemáticas.

14. Integram este agregado, a progenitora, companheiro desta e pai do filho mais novo de 16 anos de idade e duas irmãs de 25 e 19 anos de idade.

15. O relacionamento intrafamiliar é avaliado como coeso e pautado por laços de afetividade e entreajuda, revelando o condenado preocupação com o bem-estar de toda a família.

16. AA foi detido em 21 de Março de 2018 e condenado a uma pena de prisão de dois anos no processo nº 81/15…. do Tribunal Judicial da Comarca … - Juízo Central Criminal ......- Juiz ……

17. Por decisão transitada em julgado em 20-04-2018 foi alterado o modo de execução da pena de prisão para regime de permanência na habitação fiscalizada por meios eletrónicos de controlo à distância desde 21-04-2018.

18. Durante um período o arguido revelou dificuldades de adesão ao confinamento do espaço habitacional o que deu origem a vários relatos de anomalias.

19. Contudo, a situação evoluiu positivamente tendo cumprido com as normas impostas, sendo considerado no meio residencial um jovem pacato, educado e com competências socioculturais que lhe permitiram uma integração adequada aos diferentes níveis, se assim o pretender.

20. Foi ainda condenado na pena de três anos e seis meses de prisão, suspensa por igual período, pelo crime de tráfico de estupefacientes, cujo trânsito ocorreu em 26-01-2015, tendo comparecido a todas as entrevistas que lhe foram agendadas, revelando preocupação de adesão às atividades proposta, nomeadamente ao nível da integração laboral.

21. Iniciou consumos de haxixe entre os seus 17/18 anos de idade, em grupo de pares, contudo, cessou esses consumos quando beneficiava ainda de OPHVE.

22. AA encontra-se recluído no Estabelecimento Prisional … desde o dia 30/04/2020, condenado na pena de prisão de 3 anos, pelo crime de tráfico de estupefacientes.

23. O condenado vivencia com preocupação, o seu presente confronto com o sistema de administração penal, receando eventuais consequências que daí possam advir, tendo em conta o seu percurso criminal.

24. AA verbaliza juízo de censura, tendo consciência crítica da ilicitude dos mesmos, bem como dos danos e das vítimas que os mesmos provocam, mas denota dificuldades em interiorizar a responsabilidade pessoal, desculpabilizando no contexto de grupo de pares as práticas transgressivas.

25. O condenado recebe visitas de familiares próximos, pessoas disponíveis para continuar a prestar-lhe todo o apoio, nomeadamente um cunhado a nível profissional, desde que oriente a sua vida por padrões normativos e se afaste do convívio com grupos de pares e práticas transgressivas.

26. No E.P. …, mantém comportamento isento de reparos, sem qualquer sanção disciplinar.

27. Encontra-se inscrito na escola para conclusão do 10º, 11º e 12º anos de escolaridade.

28. O processo de desenvolvimento de AA, decorreu no contexto de uma família com dificuldades de orientação e de impor ao condenado regras de disciplina e delimitadoras da sua conduta.

29. A permeabilidade às influências e às oportunidades transgressivas prejudicam o processo de reinserção social de AA.

30. Mostrou arrependimento.

A culpa do arguido enquanto reflexo da ilicitude, ou seja, como censura por o arguido ter atuado como descrito, é elevada - tendo em atenção a conduta concreta do arguido que ficou descrita na factualidade apurada, não podia desconhecer a gravidade das consequências dos atos por si praticados, considerando que o tráfico de estupefacientes constitui um flagelo da sociedade, com consequências muito nefastas para a saúde pública.


No que se refere à proteção de bens jurídicos, que constitui uma das finalidades das penas (art. 40º, nº 1, do CP), no caso o bem jurídico protegido no tipo de tráfico de estupefacientes é a saúde pública, sendo as necessidades de prevenção muito elevadas, atendendo que este crime é de grande danosidade social, indutor da prática de outros crimes, e por isso contribui para a degradação da sociedade.

As exigências de prevenção especial, em todo este contexto, assumem uma intensidade muito elevada, atendendo que as condenações anteriormente sofridas pelo arguido, em pena de prisão suspensa não o dissuadiram de voltar a delinquir neste tipo de ilícito. E por outro lado, o arguido com 27 anos de idade, já sofreu várias condenações por crime de tráfico de estupefacientes, definida como criminalidade altamente organizada (art. 1º, al. m), do CPP).


Partindo da moldura penal abstrata do cúmulo jurídico balizada entre um mínimo de 6 anos de prisão [correspondente à pena concreta mais elevada das penas a cumular- neste processo nº 620/18.7T9STS - e o limite máximo de 8 anos de prisão, [correspondente à soma das penas de 6 anos de prisão - processo 620/18.7T9STS, e 2 (dois) anos de prisão – processo nº 81/15 ...], aplicável ao caso concreto, deve definir-se um mínimo imprescindível à estabilização das expetativas comunitárias e um máximo consentido pela culpa do agente.

O espaço contido entre esse mínimo imprescindível à prevenção geral positiva e esse máximo consentido pela culpa, configurará o espaço possível de resposta às necessidades de reintegração do agente.

Ponderando todas as circunstâncias acima referidas, a preponderância das circunstâncias agravantes sobre as atenuantes, atendendo às exigências de prevenção geral e especial que assumem especial relevo, de harmonia com os critérios de proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, entendemos que partindo da moldura penal abstrata do cúmulo jurídico balizada entre 6 (seis) anos de prisão e 8 (oito) anos de prisão, atendendo ao critério e princípios supra enunciados, designadamente a consideração em conjunto dos factos e a personalidade do agente, as exigências de prevenção geral e especial, procedendo ao cúmulo jurídico, das penas parcelares nos termos do art. 77º, nºs 1 e 2, do Código Penal mostra-se justa, necessária, proporcional e adequada, a pena única de 7(sete) anos de prisão em que o arguido AA, foi condenado.

Neste sentido improcede na totalidade o recurso.


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4. DECISÃO.

Termos em que acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso da arguida AA.

Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 5 (cinco) UC’s Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP).


Lisboa, 03 de março de 2021


Maria da Conceição Simão Gomes (relatora)

Nuno Gonçalves

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1 Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Ed. 199, páginas 290 a 291.
2 Proc. 178/12.0PAPBL.S2, disponível in dgsi.pt
3 Proc. 1335/12.5JAPRT.S1, disponível in dgsi.pt
4 Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Ed. Notícias, pág., 241-244