Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
14526/20.6T8SNT.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
JUROS DE MORA
VENCIMENTO
Data do Acordão: 05/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :

I - Tendo-se concluído pela aplicação da presunção de laboralidade do artigo 12.º do Código de Trabalho ao vínculo jurídico-profissional do Autor da presente ação, atenta a data do início da respetiva relação profissional com a Ré [30/08/2011] e cruzando os factos dados como provados - com os diversos indícios de laboralidade que constam daquela disposição legal, pode afirmar-se, sem grande margem para dúvidas, que tais índices ou sinais da existência de uma relação de trabalho subordinada se mostram, quanto às quatro primeiras alíneas do seu número 1, todos eles clara ou suficientemente preenchidos, dado a atividade profissional desenvolvida consecutivamente pelo Autor ser realizada nas instalações da empresa demandada ou em locais determinados pela Ré [alínea a)], com equipamentos, instrumentos de trabalho e outros materiais ou documentos à mesma pertencentes ou por ela adquiridos [alínea b)], observando o Recorrido períodos e horários semanais e normais de trabalho fixados pela empregadora [alínea c)] e auferindo uma remuneração liquidada mensalmente [alínea d)].


II - Existem sinais óbvios e claros de que o Autor estava perfeitamente integrado na estrutura organizacional da recorrente e sujeito, ainda que sem prejuízo da sua autonomia técnica, da sua experiência profissional e da sua específica formação em medicina de trabalho a autorizações, ordens, controlo e fiscalização da Ré, numa situação que qualificamos de subordinação jurídica.


III - A indemnização em substituição da reintegração que foi atribuída ao trabalhador pelo Tribunal da Relação de Lisboa [20 dias, quando o limite mínimo é de 15 dias] revela-se proporcional e adequada, face à ilicitude do despedimento [alínea c) do artigo 381.º do CT/2009] e ao valor da retribuição mensal auferida pelo Recorrido [€ 2.880,00 x 12 meses].


IV - Os factos agora invocados nas alegações da Ré não foram oportunamente alegados pela mesma na sua contestação e devidamente considerados pelas instâncias [sendo certo que a factualidade dada como assente e não assente nada refere a esse respeito] tednoi, por tal motivo, já se precludido, em termos da sua articulação e prova nestes autos e num hipotético e futuro incidente de liquidação, por possuírem uma natureza modificativa, impeditiva ou extintiva dos direitos reclamados pelo Autor e, nessa medida, revestirem a natureza de exceções perentórias, que, perentoriamente, deveriam ter sido invocadas na contestação desta ação [cf. artigos 60.º do CPT e 571.º, 572.º, 573.º, 576.º e 579.º do NCPC] ou em eventual articulado superveniente, desde que cumpridos os requisitos dos artigos 588.º e 589.º deste último diploma legal].


V - Nessa medida, só factos supervenientes à audiência final em 1.ª instância é que, em regra, poderão ser processualmente considerados em tal incidente de liquidação ou até em sede da oposição à execução, ainda que condicionados à prova por documentos [cf. artigo 729.º, alínea g) do NCPC].


VI - O facto de se exigir que o direito à perceção de juros sobre os créditos laborais previstos no artigo 390.º do CT/2009, só nasça na esfera jurídica do trabalhador com a declaração definitiva da ilicitude do seu despedimento – o que implica a proferição nesse preciso sentido de uma sentença judicial e o seu trânsito em julgado, com a formação do inerente caso julgado material – é perfeitamente compreensível, dado o número 1 do artigo 387.º do CT/2009 determinar que «a regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial».


VII - Tal não significa, contudo, que a partir da dita declaração judicial e da extração das inevitáveis consequências derivadas do regime jurídico aplicável [desde que pedidas pelo Autor], não se possam [melhor dizendo, devam] contabilizar juros de mora [desde que igual e oportunamente reclamados pelo credor, como é o caso dos autos] a partir da data de vencimento de cada uma das prestações laborais de índole pecuniária que o trabalhador, normal e sucessivamente, auferiria, no quadro da regular e válida manutenção da sua relação laboral, como forma de restauração, até onde for materialmente possível, da situação existente, caso não se tivesse dado o facto danoso [cf., a este respeito, o disposto nos artigos 562.º a 564.º e 804.º a 806.º do Código Civil].


VIII - A Ré, não obstante ter mantido com o Autor um vero e substancial vínculo de natureza laboral, acabou por não dar satisfação, em tempo oportuno, às obrigações que decorriam de tal relação de trabalho subordinado, como foi o caso do pagamento dos subsídios de férias e de Natal que se foram vencendo entre 30/8/2011 e 30/08/2019, o que fez incorrer a Recorrente em mora e a obriga agora a liquidar os juros de mora vencidos e devidos desde aquelas datas de vencimento até ao integral pagamento das correspondentes prestações.


IX – Tendo o anos de formação [2011 a 2019] que não foram cumpridos pela Ré sofrido a conversão na correspondente retribuição pecuniária, conforme previsto no artigo 134.º do CT/2009, conversão essa que ocorreu no dia 30/8/2019, com a cessação do vínculo laboral, ainda que promovida ilicitamente pela Recorrente, devem os juros de mora que são devidos ao Autor contarem-se apenas desde 31/8/2019 em diante e até ao seu efetivo e integral pagamento.

Decisão Texto Integral:

Revista n.º 14526/20.6T8SNT.L1.S1 (4.ª Secção)


Recorrente: U..., S.A.


Recorrida: AA


(Processo n.º 14526/20.6T8SNT.L1 – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo do Trabalho ... - Juiz ...)


ACORDAM OS JUÍZES NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I.RELATÓRIO


1. AA, com os sinais constantes dos autos, intentou, em 27/10/2020, a presente ação declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra U..., S.A., com os sinais constantes dos autos, pedindo que:


«Seja declarado que entre Autor e Ré vigorou um contrato de trabalho e que a extinção unilateral do mesmo por parte da Ré é ilícita, sendo esta condenada a pagar ao Autor:


a) O valor das retribuições devidas desde os 30 dias anteriores à data de propositura da presente ação e a data do trânsito em julgado da decisão que declare a sua ilicitude, no valor atual de 2.880,00 €;


b) Indemnização por antiguidade, correspondente a 45 dias por cada ano de serviço entre Agosto de 2011 e Agosto de 2019, no montante de 34.560,00 €;


c) Subsídios de Natal e de Férias desde Agosto de 2011 a Agosto de 2019 no valor de 44.160,00 €;


d) Horas de formação não gozadas, no montante de 10.170,00 €;


e) Juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias referidas nas alíneas a), c) e d), desde as datas do inicio da mora até à de integral pagamento, sendo os juros de mora vencidos sobre as quantias referidas nas alíneas c) e d), nesta data, de 17.385,60 €»


*


2. Para tanto invocou, em síntese, o seguinte:


- O Autor encontra-se inscrito na Ordem dos Médicos desde ...-...-2003, tendo como especialidade “Medicina do Trabalho”;


- Em 30 de Agosto de 2011, na sequência de convite que lhe foi efetuado pela Dra. BB, médica, então Diretora de Saúde, Higiene e Segurança no Trabalho (SHST) da Ré, foi admitido ao serviço desta.


- A Ré remeteu ao Autor, para que o assinasse a fim de iniciar o exercício de funções, o texto que constitui o documento n.º 2, integralmente elaborado pelos seus serviços jurídicos, nos termos do qual o Autor obrigava-se a exercer funções como médico do trabalho, “de acordo com os princípios determinados pela legislação em vigor, pelas recomendações científicas e práticas da U, aos clientes desta”;


- A Ré é inteiramente controlada pela T..., constituindo-se como a empresa que presta serviços de Medicina do Trabalho ao pessoal da T... e de empresas do seu grupo, bem como aos respetivos familiares;


- O Autor exercia funções no serviço de “Medicina do Trabalho,” inserido na Direção de Saúde, Higiene e Segurança (SHST), da Ré, da qual eram Diretoras a Sra. Dra. BB e, posteriormente, a Sra. Dra. CC;


- A Ré designou ao Autor um horário posteriormente alterado em 2014, em 2016 e em 2018;


- O Autor estava obrigado a comparecer a reuniões de coordenação que a Ré promovia, através da Diretora da SHST, com todos os médicos do trabalho ao seu serviço, e que geralmente marcava para as quartas-feiras, durante as quais eram dadas instruções quanto à forma como deveriam desempenhar as suas funções, às quais o Autor comparecia;


- O Autor estava obrigado a seguir as determinações da Ré, quanto à organização e execução do trabalho e designadamente e também em matérias de discricionariedade médica, impondo ao Autor que seguisse protocolos rígidos quanto ao exercício da medicina, pela mesma elaborados;


- Caso, no exercício da medicina, o Autor entendesse ser preferível, ou mais aconselhável, algo que não estivesse protocolado ou que extravasasse o âmbito do que estava protocolado, não o poderia executar sem antes obter a autorização por parte da Direção de SHST da Ré;


- A Ré condicionava as visitas aos postos de trabalho dos trabalhadores pelo Autor à sua prévia autorização e que ela calendarizava;


- Era imposto que atos médicos referentes a admissões de trabalhadores, declarações de inaptidão e declarações de aptidão condicional de longa data fossem submetidos à validação da Diretora de SHST;


- A Ré determinava que o Autor cumprisse índices de produtividade através do estabelecimento de metas que lhe impunha e que o mesmo devia cumprir, exigia ao Autor que mantivesse uma ocupação plena dos horários de consultas e efetuava um controlo das “taxas de ocupação” das mesmas;


- Responsabilizando, designadamente o Autor por situações de faltas de utentes a consultas marcadas ou por gastar mais tempo do que, no entendimento da Ré, devia gastar com utentes;


- Impondo-lhe tempos máximos de execução de tarefas e designadamente de consultas cuja duração controlava através de programa informático;


- Quer a assiduidade, quer a pontualidade, quer o número de consultas dadas durante o horário de trabalho e respetiva duração era verificada pela Ré ao segundo e em tempo real por via informática, através de um programa de computador adaptado à medicina do trabalho e no qual estavam insertas as identificações dos trabalhadores a consultar em cada data e outros dados exigidos;


- A Ré também forneceu ao Autor um endereço de E-mail;


- No exercício das suas funções, o Autor atendia exclusivamente trabalhadores da Ré ou pela mesma indicados, cuja marcação de consulta era efetuada através de uma receção existente no sector onde funcionavam as instalações da medicina do trabalho nas instalações da Ré;


- No exercício das suas funções utilizada papel e carimbo da Ré, sendo a Ré quem adquiria e custeava as vinhetas com o nome e número de cédula profissional do Autor, usava bata com a indicação “U” na qual era colocada uma placa com os dizeres “AA” - Médico do Trabalho;


- Usava aparelhos fornecidos pela Ré;


- A Ré diligenciou junto da A... pelo fornecimento ao Autor de um cartão de ingresso nas instalações do ..., igual aos cartões em uso pelos demais trabalhadores;


- A Ré também fornecia ao Autor um cartão informático para registar as refeições tomadas no seu refeitório, igual ao dos restantes trabalhadores ao seu serviço, sendo debitado por cada refeição a quantia de 0.51 €, sendo o valor mensal descontado na respetiva retribuição e assumindo a Ré o restante custo da refeição como sucedia com os demais trabalhadores ao seu serviço;


- O Autor bem como a sua cônjuge e descendentes tinham, também, o direito de aceder aos serviços de saúde da U nas mesmas condições dos restantes trabalhadores;


- E tinha, ainda, acesso às lojas francas no interior do ... como sucedia com os demais trabalhadores da Ré;


- Era disponibilizado ao Autor um lugar de estacionamento gratuito no parqueamento privativo da Ré, como sucedia aos demais trabalhadores;


- E beneficiava dos descontos no Ginásio da Ré, nos mesmos termos dos demais trabalhadores desta;


- No exercício das suas funções era determinado que o Autor participasse em programas de formação profissional de estudantes de medicina durante o seu horário de trabalho, tendo-lhe sido atribuída a responsabilidade de efetuar a formação de médicos de Medicina do Trabalho, Drs. DD e EE;


- A Ré usava o nome, a fotografa do Autor e os seus dados curriculares no seu site na parte em que identificava o seu “Corpo Clínico”;


- Quando o Autor faltava era-lhe descontada a falta na retribuição;


- O Autor trabalhava onze meses e gozava um mês de férias;


- O período de férias era determinado mediante pedido efetuado pelo Autor à Diretora dos SHST e por esta aprovado;


- O Autor tinha uma retribuição mensal fixa;


- A Ré não pagava ao Autor subsídio de férias nem subsídio de Natal e nunca prestou formação profissional ao Autor;


- Os factos descritos inserem-se nas alíneas a) a d) do n.º 2, do artigo 12.º do Código do Trabalho configurando a existência de um contrato de trabalho;


- Por carta recebida em 9 de Agosto de 2019, a Ré comunicou ao Autor a denúncia do seu contrato de trabalho com efeitos a 30 de Agosto de 2019;


- A declaração unilateral da Ré configura um despedimento ilícito por destituído de justa causa e não ter sido precedido de processo disciplinar;


- E são devidas ao Autor as retribuições intercalares desde os 30 dias anteriores à propositura da ação até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, a indemnização de antiguidade, pela qual opta, a calcular com base em 45 dias, os subsídios de férias e de Natal desde a data do início e termo do contrato nos termos que indica e os valores por formação profissional não ministrada.»


*


3. Realizou-se a Audiência de Partes sem se conseguir a conciliação entre Autor e Ré.


4. Regularmente notificada, a Ré contestou por exceção, invocando que, mesmo que o contrato que celebrou com o Autor seja considerado como de trabalho, prescreveram os créditos decorrentes do putativo contrato de trabalho e, por impugnação, defendendo, em suma:


- Que o Autor nunca esteve ligado à Ré por contrato de trabalho, antes tendo prestado serviços ao abrigo de um contrato de prestação de serviços;


- Que o Autor sempre prestou os serviços acordados com total liberdade e autonomia, quer técnica quer jurídica, sem estar sujeito a horário de trabalho e ao regime que a esse propósito rege o trabalho subordinado, sem ter que justificar ou cumprir os procedimentos a que estavam sujeitos os trabalhadores da Ré, por exemplo, quanto à marcação de férias, ou à comunicação e à justificação das faltas, sem estar inserido no mapa de pessoal da Ré, sem estar sujeito ao dever de exclusividade, trabalhando e exercendo a sua profissão para outras entidades, sem estar sujeito a qualquer processo de avaliação de desempenho, como estão os trabalhadores da Ré, e de acordo com regras pré-definidas, sem estar sujeito à realização dos exames médicos periódicos ou abrangido pela medicina do trabalho da Ré, nem pelo Seguro de Acidentes de Trabalho celebrado pela Ré para os seus trabalhadores, sem receber subsídio de férias ou de Natal, ou estar sujeito ao regime fiscal e de Segurança Social dos trabalhadores subordinados da Ré, sem receber ordens da Ré, sem prejuízo das instruções técnicas, por exemplo, ao nível das Certificações de Qualidade da Ré enquanto Unidade de Prestação de Serviços de Saúde, ou do relacionamento com seguradoras com que tem acordos e sem estar sujeito ao poder disciplinar da Ré.


Acrescentou que o Autor é médico, possui pelo menos o grau académico de licenciatura tendo, por isso, um grau de instrução elevado, sendo pessoa esclarecida que celebrou de forma expressa, clara e consciente, o contrato de prestação de serviços em causa, contrato esse que assinou livremente, sem que alguma vez tivesse colocado em causa a sua natureza, contrato que cessou por carta datada de 29.07.2019 para produzir efeitos extintivos no dia 30.08.2019, não sendo devidas ao Autor as quantias que reclama na presente ação.


Terminou pedindo que seja declarada procedente a exceção de prescrição, absolvendo-se a Ré do pedido e que, em qualquer caso, a ação seja julgada improcedente, por não provada, tudo com as legais consequências.


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O Autor respondeu pugnando pela improcedência da exceção de prescrição.


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5. Foi dispensada a convocação da Audiência Prévia, fixado o valor da causa em € 109.155,60 e proferido despacho saneador, conhecendo-se da exceção de prescrição de créditos que foi julgada improcedente e de cuja decisão a Ré não interpôs oportunamente recurso de Apelação dentro do prazo legal.


O Tribunal absteve-se de identificar o objeto do litígio e de enunciar os temas da prova [despacho de 2/11/2021].


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6. Procedeu-se a Audiência Final com observância do legal formalismo tendo sido proferida, com data de 9 de janeiro de 2023, sentença judicial que absolveu a Ré de todos os pedidos.


Inconformado com a sentença, o Autor recorreu de Apelação, tendo apresentado as competentes alegações e Ré as respetivas contra-alegações, vindo os autos a subir ao Tribunal da Relação de Lisboa, onde seguiram a sua norma tramitação.


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7. O Tribunal da Relação de Lisboa acordou:


«Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revogando a sentença recorrida:


1 - Declarar que entre o Autor e a Ré vigorou um contrato de trabalho com início em 30.08.2011;


2 - Declarar que a comunicação de extinção do contrato endereçada pela Ré ao Autor constitui um despedimento ilícito por não ter sido precedido de procedimento disciplinar e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor:


a) O valor das retribuições devidas desde os 30 dias anteriores à data da propositura da ação e até à data do trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento a apurar em incidente de liquidação, caso se revele necessário, acrescido de juros de mora à taxa legal devidos desde a data do vencimento das prestações e até integral pagamento;


b) A indemnização de antiguidade, a calcular com base em 20 dias de retribuição por cada ano ou fração de ano, a apurar em incidente de liquidação, caso se revele necessário, totalizando na presente data o valor de € 24.960,00 (vinte e quatro mil novecentos e sessenta euros), a que acrescem os juros de mora devidos desde a data do trânsito em julgado da decisão até integral pagamento;


c) Os subsídios de Natal e de férias desde Agosto de 2011 a Agosto de 2019 no valor total de € 44.160,00 € (quarenta e quatro mil cento e sessenta euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal devidos desde a data do vencimento das prestações até integral pagamento;


d) Horas de formação não ministradas, no montante de 10.170,00 € (dez mil cento e setenta euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal devidos desde o vencimento das prestações até integral pagamento.


Custas da ação e do recurso pelas partes na proporção do respetivo decaimento (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).


Registe e notifique.


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8. - A Ré interpôs recurso de revista, concluindo, em síntese:


«A. Apreciando os factos provados 33, 35, 35-A, 48 a 50, 51 a 54, 19, 23 e 24, bem como a demais prova produzida nos presentes autos e tendo em conta a repartição do ónus probatório – no entender do Tribunal a quo, uma vez verificados os indícios da presunção de laboralidade (artigo 12.º do CT), recaía sobre a Recorrente o ónus de ilidir a presunção (artigo 350.º n.º 2 do CC) –, o Tribunal a quo considerou que a Recorrente não havia logrado fazer prova bastante de factos que permitissem ilidir a presunção de laboralidade, entendimento esse que, salvo o devido respeito, assenta numa incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto;


B. No que respeita à Ocupação plena de horários e controlo estatístico das taxas de ocupação (facto provado 33), atendendo ao alegado pela Recorrente nos artigos 136.º a 142.º da Contestação, não é possível concluir, sem mais, que “(…) a Recorrida determinava o quantum da prestação do Recorrente, gerindo a sua agenda de modo a mantê-la sempre ocupada. Tal equivale a dizer que, não só a produtividade do Recorrente era controlada, como a Recorrida também determinava o serviço, mediante a ocupação das agendas.”, conforme o Tribunal a quo fez no Acórdão recorrido;


C. Tal conclusão extravasa, de forma evidente, as premissas nas quais assenta: o alegado acordo entre as partes quanto à matéria em causa, vertido nos respetivos articulados, dos quais não resulta minimamente que a Recorrente geria a agenda do Recorrido ou determinava o serviço, mediante a ocupação das agendas;


D. Assim, diversamente da conclusão extraída pelo Tribunal a quo a propósito do facto provado 33, resultou provado nos presentes autos (cfr. factos provados 14, 15, 16 e 17) que a Recorrente não determinava os horários, serviço e/ou geria a agenda do Recorrido, o qual alegadamente cumpria os horários acordados em função da sua disponibilidade e tinha ampla margem para, sem qualquer justificação ou consequência negativa (mormente, disciplinar ou sancionatória, lato sensu), bloquear a sua agenda e impedir novos agendamentos por motivos pessoais, que a Recorrente não conhecia nem exigia conhecer, não sendo o Recorrido sequer obrigado a compensar tais ausências;


E. Em consequência, não poderia o Tribunal a quo, após extrair de um facto provado (n.º 33) uma conclusão inverídica, diretamente contraditada pelos demais factos provados (n.ºs 14 a 17), utilizar tal conclusão inverídica para, a final, considerar que entre a Recorrente e o Recorrido existiu um contrato de trabalho, ao invés de um contrato de prestação de serviço, ainda para mais quando, na verdade, existem factos provados que rebatem, expressamente, a interpretação errónea feita pelo Tribunal a quo;


F. Relativamente ao Registo das consultas dadas durante o horário de trabalho e respetiva duração (factos provados 35 e 35-A), entendeu o Tribunal a quo que, pela circunstância de a Recorrente deter um programa de computador registava o número de consultas dadas durante o período de execução dos serviços e respetiva duração (factos provados 35 e 35-A), a Recorrente podia, se quisesse, controlar a assiduidade do Recorrido, sem que este picasse o ponto, como os demais trabalhadores e que tal circunstância indicia, igualmente, a existência de uma relação laboral entre a Recorrente e o Recorrido;


G. Em primeiro lugar, a mera suscetibilidade de a Recorrente poder, se quisesse, controlar a assiduidade do Recorrente não equivale a um controlo efetivo da assiduidade, o que, aliás, o Tribunal a quo não refere existir; em segundo lugar, não resulta de parte alguma da matéria de facto provada nos presentes autos que a Recorrente fazia um controlo efetivo da assiduidade do Recorrido, donde não se pode extrair qualquer conclusão ou ilação de factualidade não provada;


H. A mera hipótese – abstrata e absolutamente carecida de prova – de a Recorrente o poder fazer não poderá, de modo algum, ser utilizada como mais um indício da existência de uma relação laboral entre a Recorrente e o Recorrido;


131. Do ponto de vista jurídico, os comportamentos hipotéticos ou virtuais são, salvo melhor opinião, irrelevantes, principalmente quando não suportados factualmente, pois reitera-se, uma vez mais, que não ficou provado que, em algum momento, a Recorrente tenha, efetivamente, controlado a atividade do Recorrido, nos termos em que o Tribunal a quo considerou para caracterizar a relação entre ambos como laboral/subordinada;


I. Mais, a aplicação do direito pelo Tribunal a quo à matéria de facto provada sob os n.ºs 35 e 35-A - no sentido de tais factos serem indiciadores da existência de um vínculo laboral entre a Recorrente e o Recorrido – não é congruente, uma vez mais, com a matéria de facto provada sob os n.ºs 15, 16 e 17;


J. Se ficou demonstrado, nos factos provados sob os n.ºs 15, 16 e 17, que Recorrente não exigia o cumprimento da “assiduidade” acordada, que sentido faz dizer-se que, pela circunstância de a Recorrente poder, em teoria, controlar a assiduidade, se está perante um contrato de trabalho ao invés de um contrato de prestação de serviços?


K. Esta ausência de controlo da assiduidade do Recorrido resultou cabalmente provada dos factos provados n.ºs 15, 16 e 17, pelo que não poderia o Tribunal a quo ter considerado, como fez, que dos factos provados n.ºs 35 e 35-A (i) se extrai um potencial ou eventual controlo da assiduidade pela Recorrente; e, mais ainda, que (ii) desse potencial ou eventual controlo da assiduidade pela Recorrente se deve concluir, no plano jurídico, pela existência de subordinação jurídica e, em consequência, pela requalificação do vínculo estabelecido entre a Recorrente e o Recorrido como um vínculo laboral;


L. Relativamente às Refeições (factos provados 48 a 50) e benefícios (factos provados 51 a 54), em face do alegado nos artigos 170.º e ss. da Contestação, é forçoso concluir que, a serem considerados benefícios, as refeições e o acesso ao parque de estacionamento encontram-se plenamente justificadas por motivos de conveniência e/ou de escassez de alternativas e que foi negociado entre as partes como parte da prestação de serviços;


132. Para além do mais, os “benefícios” não são exclusivos de trabalhadores, com vínculo subordinado, da ora Recorrente, mas antes são alargados a um leque mais extenso de colaboradores da zona aeroportuária, onde se insere a Recorrente e tantas outras empresas e instituições, pertencentes ou não ao Grupo T...;


M. Em qualquer caso, não se pode deixar de evidenciar que estes “indícios” são, na realidade, meros elementos externos face à prestação principal do contrato – quer se considere como um contrato de prestação de serviço, quer como um contrato de trabalho -, os quais não têm peso para se qualificar um vínculo como laboral ou não;


N. Caso assim não se entenda, há que considerar todos os elementos externos que resultaram provados (não apenas aqueles que depõem no sentido favorável à qualificação do vínculo estabelecido entre as Partes como um vínculo laboral), e considerar igualmente relevantes os elementos externos face à prestação principal do contrato permitiriam qualificar o vínculo contratual estabelecido entre as partes como um verdadeiro contrato de prestação de serviço, mais concretamente os factos provados 3, 5, 7, 8, 9, 10, 60, 61 e 62;


O. Resulta inequívoco da matéria de facto provada que a grande maioria dos factos principais que concretizavam a relação profissional entre Recorrente e Recorrido, apontavam para uma relação de prestação de serviços, com autonomia técnica e profissional e, por conseguinte, sem subordinação.


P. Relativamente à Autonomia técnica (factos provados 19, 23, 24), atendendo a esta factualidade provada, o Tribunal recorrido entendeu que a Recorrente não provou em que se materializava a autonomia técnica do Recorrido, mais tendo entendido que a possibilidade de o Recorrido solicitar a realização de exames extra protocolo (factos provados 25 e 26) não era suficiente para demonstrar autonomia técnica do Recorrido;


Q. Não resulta da matéria de facto provada que o Recorrido não tivesse autonomia técnica(entre outros, vide factos provados 19, 20, 23 e 24), nem tão-pouco poderia resultar, porquanto a autonomia técnica é condição essencial do exercício de certas profissões altamente especializadas, como seja a de médico, advogado, engenheiro, arquiteto, entre outros, é uma característica intrínseca às designadas profissões liberais;


R. Com efeito, apenas resulta da matéria de facto provada (factos provados 19, 23 e 24) que o Recorrido deveria seguir regras e protocolos próprios da medicina no trabalho, enquanto ciência médica, de acordo com a legislação em vigor a cada momento, a qual tem, evidentemente, natureza imperativa, bem como das boas práticas do setor, as quais também seriam, evidentemente, de considerar na prestação de cuidados de saúde;


S. A mera circunstância de a Recorrente realizar reuniões semanais nas quais transmitia aos médicos do trabalho que tinha ao seu serviço – independentemente do vínculo contratual - as orientações e/ou boas práticas da medicina do trabalho as quais estes se encontravam, em qualquer caso, obrigados a cumprir não significa que tais orientações e/ou boas práticas eram, na realidade, instruções ou ordens da Recorrente, decorrentes de um alegado poder diretivo e conformador da prestação;


T. No entanto, sempre se dirá que já há muito que a Doutrina defende, de forma unânime, que a mera circunstância de a beneficiária da atividade poder dar orientações ao prestador de como a prestação de serviços deve ser prestada, mais não seja para garantia da qualidade e uniformização do serviço, não é incompatível com a autonomia técnica e natureza autónoma do vínculo de prestação de serviços e, portanto, não decorre, per se, numa qualificação como relação laboral, isto é, subordinada.


U. Por outro lado, e mesmo que assim não fosse (o que não se concede e por mero dever de patrocínio se equaciona), a eventual ausência de autonomia técnica do Recorrido não significaria e/ou poderia ter como consequência direta a qualificação do vínculo como laboral, ao invés de prestação de serviços, na medida em que pode haver autonomia técnica num vínculo com subordinação jurídica), assim como pode não haver autonomia técnica num vínculo sem subordinação jurídica (prestação de serviços), não existindo qualquer conexão necessária entre os dois conceitos, conforme resulta desde logo da norma do artigo 116.º do Código do Trabalho;


V. O Tribunal a quo parece interpretar a alegada ausência de autonomia técnica como uma espécie de “subordinação técnica” (do Recorrido à Recorrente), da qual retira uma suposta subordinação jurídica, o que não resulta, expressa ou implicitamente, das normas dos artigos 11.º e 12.º do Código do Trabalho;


W. Assim, andou mal o Tribunal a quo na apreciação que fez da alegada ausência de autonomia técnica do Recorrido, bem como na consequência que daí extraiu para efeitos de caracterização da natureza do vínculo estabelecido entre a Recorrente e o Recorrido, e, ainda, quando refere que a Recorrente não logrou provar em que se materializa a autonomia técnica do Recorrido;


133. A subordinação jurídica infere-se da prova de factos definidores da relação laboral e não de factos como aqueles que se reconduzem à autonomia técnica, pelo que não recaía sobre a Recorrente o ónus de provar a existência de autonomia técnica do Recorrido, a qual já se encontra, aliás, cabalmente provada pelo mero facto de o Recorrido ser médico habilitado a exercer funções de prestação de cuidados médicos, pela Ordem dos Médicos, sendo um facto notório;


X. Só a subordinação jurídica permite caracterizar a relação de trabalho enquanto tal. A presença de elementos externos à relação laboral, que criam uma aparência de laboralidade, não determina a existência de laboralidade. Somente a presença de subordinação jurídica, enquanto elemento intrínseco à laboralidade, permite caracterizar o vínculo contratual como laboral;


Y. No caso sub judice, a ausência de subordinação jurídica do Recorrido face à Recorrente é patente em face da seguinte factualidade provada: factos provados 15, 16, 17, 20, 21, 25, 26 e 27;


Z. No que concerne aos factos provados 15, 16 e 17: conforme o próprio Tribunal a quo considerou na fundamentação do Acórdão recorrido, “Liberdade de faltar sem justificação aponta no sentido de que o vínculo contratual não será laboral;


AA. Tal conclusão resulta, igualmente, de inúmera jurisprudência a este propósito – vide, a título exemplificativo, os seguintes Acórdãos deste Supremo Tribunal: Acórdão proferido a 13.11.2023, no âmbito do processo n.º 20930/20.2T8PRT.P1, Acórdão proferido a 12.10.2017, proferido no âmbito do processo n.º 1333/14.4TTLSB.L2.S2, o Acórdão de 16.03.2004, proferido no âmbito do processo n.º 04S4754 e o Acórdão proferido a 04.07.2018, no âmbito do processo n.º 1272/16.4T8SNT.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt;


BB. No que concerne aos factos provados 20 e 21: o próprio Tribunal a quo considerou na fundamentação do Acórdão recorrido, “Tais factos também apontam para a existência de uma relação contratual de prestação de serviços. Neste mesmo sentido, vide o Acórdão deste Supremo Tribunal de 16.09.2008, proferido no âmbito do processo n.º 08S321, disponível em www.dgsi.pt;”


CC. No que concerne aos factos provados 25, 26 e 27: diversamente do considerado pelo Tribunal a quo, estes factos são bem demonstrativos da autonomia funcional do Recorrido face à Recorrente, pois dos mesmos resulta que a Recorrente não dava ordens ou instruções ao Recorrido quanto ao número e tipologia de exames que este podia solicitar, nem tão-pouco exigia qualquer tipo de validação ou autorização prévia;


DD. Tal liberdade para definir o modo de prestação da atividade é característica de vínculos não subordinados. Como é consabido, nas relações laborais o empregador não só é titular do poder de direção (artigo 97.º do CT), como sujeita os trabalhadores à disciplina da empresa, o que se verifica não ser manifestamente o caso nos presentes autos;


EE. Não obstante a Recorrente ter feito prova de todos estes elementos internos (factos provados 15, 16, 17, 20, 21, 25, 26 e 27), que permitem caracterizar a relação contratual estabelecida entre a Recorrente e o Recorrido como um verdadeiro contrato de prestação de serviços, o Tribunal a quo parece ter-se socorrido de uma lógica puramente aritmética, consistindo numa mera contagem dos factos “contra” e dos factos “a favor” da qualificação do contrato como de trabalho;


FF. Ora, a apreciação da presunção de laboralidade, prevista no artigo 12.º do CT, não assenta num critério puramente matemático ou aritmético, exigindo-se ao Julgador que avalie e meça o peso de cada indício na concreta relação estabelecida entre as Partes;


GG. Assim, e conforme já referido, andou mal o Tribunal a quo ao qualificar o contrato celebrado entre a Recorrente e o Recorrido com base em elementos externos à prestação, acima elencados, que deporiam nesse sentido, os quais são meramente aparentes e sem qualquer caráter definidor da natureza do vínculo contratual, sem considerar os elementos internos à prestação (factos provados 15, 16, 17, 20, 21, 25, 26, 27) dos quais resulta inequívoco que o aludido contrato se trata de um verdadeiro contrato de serviço;


HH. Para além do mais, não resultou provado nos presentes autos o derradeiro critério para a determinação da existência de subordinação jurídica, ou seja, a existência de poder disciplinar, na sua vertente prescritiva e na vertente sancionatória;


II. Quanto ao poder de direção, e conforme supra adiantado, não resultou provado dos presentes autos que o Recorrido estivesse sujeito a ordens e instruções da Recorrente – vide factos provados 22, 23 e 24, dos quais resulta, em particular da fundamentação dos mesmos constante da Sentença proferida em sede de 1.ª instância;


JJ. Ainda que o Recorrido estivesse sujeito a um poder orientador da Recorrente, tal poder não é incompatível com a natureza autónoma da prestação de serviços, como também já se referiu, desde logo que, no caso dos autos, qualquer eventual orientação dada era feita no contexto da legislação e das boas práticas em vigor e não era assegurada pelo poder disciplinar, esse sim caracterizador de uma relação laboral;


KK. No que concerne ao poder disciplinar, também não resultou provado que o Recorrido estivesse sujeito, abstrata ou concretamente, à aplicação de quaisquer sanções disciplinares pela Recorrente - vide facto provado 21;


LL. Assim, não se tendo provado factos que se subsumam ao exercício do poder de direção e/ou do poder disciplinar pela Recorrente – quer porque nenhuma prova foi feita a esse propósito, quer porque a Recorrente fez contraprova bastante dos mesmos – não poderia o Tribunal a quo ter considerado, como considerou, que a Recorrente não provou factos bastantes suscetíveis de ilidir a presunção de laboralidade (artigo 12.º do CT);


MM. O Tribunal a quo, no seguimento da decisão de reconhecimento de contrato de trabalho entre Recorrido e Recorrente, condenou esta última ao pagamento de uma indemnização por antiguidade equivalente a 20 dias por cada ano de trabalho ou fração e ao pagamento de montantes definidos de créditos laborais, nomeadamente subsídio de férias e Natal e créditos de formação;


NN. Ora, a Recorrente rejeita a condenação de pagamento de qualquer indemnização e/ou créditos laborais, mormente porque considera que entre si e o Recorrido nunca existiu qualquer relação laboral subordinada e, portanto, a decisão do Tribunal a quo deverá ser revogada;


OO. Sem prejuízo do exposto, e por mera cautela de patrocínio, sem conceder, caso o douto Supremo Tribunal de Justiça entenda manter a decisão do Tribunal a quo no que concerne à qualificação do contrato, a Recorrente entende que o montante fixado para a indemnização, de 20 dias por cada ano de antiguidade ou fração é excessivo face aos factos em causa, desde logo porque não existe nenhuma conduta censurável da Recorrente ou culpa manifesta, pelo que requer a sua redução para o mínimo legal, ou seja, para 15 dias por cada ano de contrato ou fração, atendendo à inexistência de culpa da Recorrente e qualquer fundamento factual e jurídico para uma fixação em montante superior; e que se relegue para incidente de execução de sentença o apuramento dos créditos laborais devidos ao Recorrido, os quais terão de atender, necessariamente, a factos que não foram tidos em consideração nos autos, desde logo, ausências, períodos de férias, e até enquadramento salarial atendendo à regulamentação coletiva aplicável aos trabalhadores da Recorrente;


PP. Nas alíneas a), c) e d) do excerto decisório do Acórdão em crise, o Tribunal a quo condenou a Recorrente a pagar juros de mora, à taxa legal (4%), devidos desde a data do vencimento das prestações e até integral pagamento, porém, não são devidos juros de mora no pagamento das «prestações», conforme entendimento de PEDRO FURTADO MARTINS E DE MONTEIRO FERNANDES, o qual se deve aplicar, por maioria de razão, e considerando que inexistem quaisquer razões do ponto de vista material que imponham uma diferenciação, aos subsídios de férias e de Natal e às horas de formação não ministradas, pelo que, em caso de manutenção da decisão recorrida – o que apenas se equaciona, sem conceder - sobre estes créditos salariais não podem incidir quaisquer juros de mora;


QQ. Ainda que assim não se entendesse, no que não se concede, nunca poderia o Tribunal a quo ter condenado a Recorrente a pagar – como condenou – juros de mora “desde a data de vencimento das prestações”, uma vez que o termo inicial do vencimento dos juros de mora será a data do trânsito em julgado da decisão que declara a ilicitude do despedimento;


RR. A obrigação de juros é uma obrigação acessória face à obrigação principal (cfr. artigo 561.º do Código Civil), in casu, a obrigação de pagamento dos valores das retribuições devidas, dos subsídios de Natal e de férias e das horas de formação não ministradas, decorrendo da natureza acessória da aludida obrigação que a mesma só nasce aquando do nascimento da obrigação principal, isto é, com o trânsito em julgado da decisão que declara a ilicitude do despedimento;


SS. Assim, não pode a obrigação de juros repristinar os seus efeitos e/ou termo inicial a data anterior à data do vencimento da obrigação principal, da qual depende e à qual se encontra intrinsecamente ligada, por força da acessoriedade que a caracteriza;


TT. Por tudo quanto se expôs, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 11.º, 12.º e 116.º do Código do Trabalho, e 350.º n.ºs 1 e 2 e 561.º do Código Civil, pelo que o Acórdão em crise merece reparo.


Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser o Acórdão em crise revogado e substituído por outro que absolva integralmente a Recorrente dos pedidos formulados pelo Recorrido, só assim se fazendo o que é de Justiça.»


*


9. - O Autor respondeu a tais alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:


«(A) A atividade de medicina no trabalho, designadamente a prestada por serviço de natureza externa, como é o caso da Recorrente U, e a da execução da própria função de médico do trabalho encontra-se prevista no REGIME JURÍDICO DE PROMOÇÃO DA SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO, aprovado pela Lei n.º 102/2009, de 10/09 e suas alterações;


(B) Que, nos seus artigos 73.º, n.º 1, 74.º, n.º 1, 83.º, n.ºs 1 e 3, 85.º, n.ºs 1 e 3, alíneas c) a j), 103.º, n.ºs 1 e 2, 104.º, 105.º, 106.º, 108.º, n.ºs 2, 3, 4 e 5, e 110.º, impõe uma estrutura e uma forma de desempenho específicas às entidades que prestam serviços externos de medicina no trabalho, a qual necessariamente determina, condiciona e orienta os termos e a forma como a função de medico do trabalho é executada pelos profissionais vinculados às mesmas, reduzindo sobremaneira o espaço para o exercício independente da função;


(C) O que releva desde logo tendo em conta que a subordinação se determina pelo elemento organizacional concebido, ordenado e gerido pela empresa – no caso, desde logo, atento o especifico enquadramento legal - implicando que o prestador de trabalho esteja adstrito a observar os parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário, submetendo-se, nesse sentido, à autoridade que ele exerce no âmbito da organização de trabalho, ainda que execute a sua atividade sem que, de facto, tenha de receber qualquer indicação conformativa que possa corresponder a “ordens ou instruções”;


(D) O STJ conhece apenas de direito, designadamente em matéria de recurso de revista – artigos 46.º da LOSJ e 674.º do CPC - pelo que não pode o julgamento do ponto 33) dos factos provados ser alterado;


(E) Acrescendo que o julgamento do ponto 33) em nada é prejudicado pelo julgamento dos pontos 14), 15), 16) e 17) porque uma coisa é obrigar a ocupação plena do horário e controlar essa ocupação e outra, dela diversa, são os termos da fixação dos horários e as formas de compensar situações de falta ao serviço;


(F) Os pontos 35 e 35-A dos factos provados têm a seguinte redação: “A Ré usa um programa de computador adaptado à medicina do trabalho e no qual estavam insertas as identificações dos trabalhadores a consultar em cada data e outros dados exigidos” e “Este programa de computador também registava o numero de consultas dadas durante o horário de trabalho e a respetiva duração e fixava a hora a que os dados eram inseridos”;


(G) A que acresce o ponto 64-A dos factos provados ter como redação, “A Ré impunha tempos máximos de duração de consultas”;


(H) Atento o exposto, e ao contrário do alegado pela Recorrente (alíneas E) a K) das suas conclusões) estão demonstrados factos que evidenciam a conformação da prestação do Recorrido e, por consequência, consubstanciam a subordinação, dado que segundo regras da experiência comum, tais programas permitem controlar o desempenho da prestação(servindo, aliás, para isso mesmo), sendo que, de facto, até o faziam, já que as situações dadas como provadas nos pontos 14.º, 15.º, 16.º e 17.º dos factos provados não seriam possíveis sem se aceder ao registo informático;


(I) Quanto às alíneas L) e M) das conclusões, a concessão de benefícios em matéria de circulação no interior da empresa, e sobretudo, de possibilidade de acesso a refeitório para consumo de refeições a preços baixos – indiciando a respetiva “subsidiação” por parte da empresa – nos exatos termos dos restantes trabalhadores; acesso aos serviços de saúde da U para si e para o seu agregado familiar; o acesso ao ginásio, nos exatos termos dos restantes trabalhadores; o acesso às lojas de FREE SHOP do ... nas mesmas condições dos restantes trabalhadores; constituem regalias que, segundo a experiência comum são dadas pelos empregadores aos seus trabalhadores – não a meros prestadores de serviços – sendo certo que a concessão destas regalas era feita, como se sublinhou nos mesmos termos dos demais trabalhadores da Recorrente;


(J) No que diz respeito às alíneas N) e O), das conclusões, o texto do contrato que constitui o documento n.º 1, não releva para a qualificação da relação jurídica nos termos pretendidos demonstrado pela Recorrente, que o referido, desde logo, porque foi texto foi elaborado pela Recorrente e entregue ao Recorrido mais de um mês depois de este ter começado a trabalhar; porque a prática da Recorrente era determinar com os médicos horários e retribuições e remeter-lhes contratos por si elaborados, por vezes vários meses após o início do trabalho; porque a materialidade dos factos que caracterizaram a prestação do Recorrido ao longo do tempo, profusamente descritos e provados nos “factos provados” atesta que a Recorrente determinava o quando e o como da prestação, o que configura subordinação jurídica;


(K) Quanto às alíneas P) a X) das conclusões, a necessidade de coordenação é um forte indício da direção do trabalho, porquanto só quem dirige uma prestação, necessita de fixar os termos em que a mesma deve ser prestada, e quando o faz para o conjunto dos profissionais que a realizam, em reunião conjunta, pretende, naturalmente uma uniformização;


(L) .Se o exercício da prestação de forma unívoca se bastasse com a aplicação das técnicas referentes à profissão, nenhuma necessidade existiria de coordenar os profissionais – é, precisamente, porque de entre várias possibilidades de exercer uma mesma prestação com o mesmo fim se entende dever ser apenas uma delas a escolhida pela empresa, como forma de a praticar, que se torna necessário determiná-lo e fazê-lo no conjunto dos profissionais;


(M) No que diz respeito às alíneas Y) a LL) e ao contrário do que sustenta a Recorrente a subordinação assenta no vasto conjunto de factos dado como provado e que configuram a relação ente ambos, designadamente os que estão provados sob os números 12), 13), 14), 18), 19), 23) 24), 27), 31) a 35-A), 39) a 46), 48), 49), 51) a 59);


(N) De onde resulta que o Tribunal a quo aplicou corretamente os artigos 1152.º do Código Civil e 11.º e 12.º do Código do Trabalho;


(O) E, por consequência, que improcedem os argumentos expendidos nas alíneas MM) a TT) das conclusões do Recorrente;


Nestes termos e nos melhores de direito, deve o recurso de revista ser julgado improcedente, com as legais consequências.»


*


10. - O Ministério Público, em 22/3/2024, emitiu Parecer no sentido da improcedência da revista, não tendo as partes se pronunciado sobre o mesmo, dentro do prazo legal.


*


11. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir.


II. - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO


12. - Os Tribunais da 1.ª e da 2.ª Instância consideraram PROVADOS e NÃO PROVADOS os seguintes factos:


“A sentença considerou provados os seguintes factos:


1. O Autor encontra-se inscrito na Ordem dos Médicos desde ...-...-2003, tendo como especialidade “Medicina do Trabalho”.


2. Em 30 de Agosto de 2011, na sequência de convite que lhe foi efetuado pela Dra. BB, médica então Diretora de Saúde, Higiene e Segurança no Trabalho (SHST) da Ré, foi admitido ao serviço desta.


3. Para tanto Autor e Ré celebraram um contrato, que denominaram “Contrato de Prestação de Serviços” ao abrigo do qual o Autor se obrigou “a prestar os seus serviços profissionais no âmbito da especialidade da Medicina do Trabalho, de acordo com os princípios determinados pela legislação em vigor, pelas recomendações cientificas e práticas da U, aos clientes desta”.


*


Aditado o ponto 3-A pelo Tribunal da Relação de Lisboa, com a seguinte redação:


3-A - A Ré remeteu ao Autor, para que o assinasse, o texto que constitui o documento n.º 2, integralmente elaborado pelos seus serviços jurídicos.


*


4. Nos termos da Clausula 2.ª, n.º 3 do referido contrato “o segundo outorgante compromete-se ainda, nos casos aplicáveis, a participar nas restantes atividades, no âmbito da Saúde e Segurança do Trabalho, desenvolvida na U, incluindo ações de informação e formação, interna ou dirigida a clientes da U”.


5. Nos termos da Cláusula 4.ª do contrato:


1. “A U assegurará plena independência funcional e autonomia técnica ao 2.º outorgante.


2. A U proporcionará as instalações, equipamento e material adequados para que o 2.º outorgante preste os serviços referidos na cláusula 2.ª.


3. O 2.º Outorgante não fica obrigado ao cumprimento de quaisquer diretivas ou instruções da U, prestando a sua atividade com total independência, mas deverá prestar-lhe a si e a quem esta designar, quando a tal solicitada, todas as informações relativas ao estado e execução da prestação de serviços.”


6. De acordo com a clausula 5.ª “a prestação de serviços abrangida pelo presente contrato será desenvolvida de acordo com um planeamento/carga horária de 18 horas semanais (dezoito horas) conforme o outorgado pelas partes outorgantes.


7. Quanto à remuneração dos serviços prestados foi fixado o regime de avença mensal, 12 meses por ano, no valor de € 2.520,00 (Cláusula 6.ª), passando depois para € 2.880,00, por adenda de 01.09.2017.


8. Nos termos da Clausula 7.ª do contrato cabia ao Autor celebrar um Contrato de Seguro de Acidentes de Trabalho, devendo fazer prova disso, bem como realizar exames periódicos de vigilância de saúde.


9. Nos termos da Clausula 9.ª do contrato este era livremente revogável por qualquer das partes com uma antecedência mínima de 30 dias relativamente à data da produção de efeitos.


Alterado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos seguintes termos:


10 - Nos termos da cláusula 10.ª do denominado “Contrato de prestação de Serviços”, “No omisso o presente contrato reger-se-á pelo disposto na Lei Civil sobre contratos de prestação de serviços


Redação original: «10. As partes estipularam como regime supletivo, o disposto no Código Civil sobre Contratos de Prestação de Serviços.»


*


11. A Ré presta serviços de Medicina do Trabalho às empresas do Grupo T... e a diversas outras empresas, para além de Serviços de Medicina Curativa e Certificação de ..., tanto aos trabalhadores como a prestadores de serviços e familiares de empresas clientes, e a utentes particulares.


12. O Autor exercia funções no serviço de “Medicina do Trabalho,” inserido na Direção de Saúde, Higiene e Segurança (SHST), da Ré, da qual eram Diretoras a Sra. Dra. BB e, posteriormente, a Sra. Dra. CC.


13. O qual funcionava nas instalações da Ré, sitas no ...,


*


Alterado o proémio, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos seguintes termos:


14 - Tendo em conta o número de horas contratadas, as necessidades da Ré e as disponibilidades manifestadas pelo Autor, as partes acordaram um horário assim distribuído:


• Terça Feira: 8.00 horas – 18.00 horas (com uma hora para almoço entre as 13 horas e as 14 horas); -


• Sexta Feira: 8.00 horas – 18.00 horas (com uma hora de almoço entre as 13.00 horas e as 14.00 horas);


Em 3 de Novembro de 2014, o horário foi alterado para o seguinte:


• Segunda Feira: 13.30 horas – 18.30 horas;


• Terça-Feira: 8.00 horas – 18.00 horas (com uma hora de almoço entre as 13.00 horas e as 14.00 horas);


• Sexta Feira: 14.00 horas – 18.00 horas;


Tal horário durou até 3 de Junho de 2016, tendo sido alterado para o seguinte:


• Segunda Feira: 8.00 horas – 09.30 horas - 13.30 às 18.30 horas;


• Terça-Feira: 8.00 horas – 18.30 horas (com uma hora de almoço entre as 13.00 horas e as 14.00 horas);


• Sexta Feira: 16.30 horas – 18.30 horas;


Em 14 de Maio de 2018, foi fixado ao Autor o seguinte horário de trabalho:


• Segunda Feira: 13.30 horas - 18.30 horas;


• Terça-Feira: 8.00 horas – 18.00 horas (com uma hora de almoço entre as 13.00 horas e as 14.00 horas);


• Sexta Feira: 14.00 horas – 18.00 horas;


Redação original do proémio: «14. Tendo em conta o número de horas contratadas e as disponibilidades manifestadas pelo Autor, as partes acordaram um horário assim distribuído:»


*


15. O Autor podia solicitar, sem justificação, o bloqueio das suas agendas por motivos pessoais.


16. O Autor podia compensar ou não as ausências, sendo que se não compensasse era descontado o valor respetivo no montante da avença.


*


Alterado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos seguintes termos:


17. Para compensar algumas das ausências do Autor, eram criados, a seu pedido, horários extra, dentro do período de funcionamento da Ré.”


Redação original: “17. Para compensar algumas das ausências do Autor, eram criados, a seu pedido, horários extra.”


*


18. A Direção de Serviços de Medicina do Trabalho também solicitava bloqueios de agenda para resposta aos clientes e formações internas.


*


Alterado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos seguintes termos:


19. A Ré promovia, através da Diretora do SHST, com todos os médicos do trabalho ao seu serviço, reuniões, geralmente à quarta-feira, onde eram passadas informações sobre os protocolos e procedimentos existentes e orientações sobre a execução dos mesmos, sobre boas práticas, uniformização de critérios e de linguagem nos pareceres médicos, uniformização de discussão de casos clínicos, discussão de procedimentos, análise estatística do trabalho realizado.”


Redação original:19. A Ré promovia, com todos os médicos do trabalho ao seu serviço, reuniões, geralmente à quarta-feira, onde eram passadas informações sobre os protocolos existentes, boas práticas, uniformização de critérios e de linguagem, discussão de casos clínicos.”


*


Alterado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos seguintes termos:


20. O Autor era convidado a participar nessas reuniões.”


Redação original:20. Os prestadores de serviços, como o Autor, eram convidados a participar.”


*


21. Caso não comparecesse não havia consequências disciplinares [1].


[21. Caso não comparecessem não havia consequências disciplinares]


*


Eliminado pelo Tribunal da Relação de Lisboa


[22. No exercício das suas funções o Autor estava obrigado a seguir as determinações da Ré, quanto à organização e execução do trabalho.]


*


23. O Autor deveria seguir os protocolos existentes relativos à medicina do trabalho.


24. Os protocolos de exames de vigilância de saúde dos trabalhadores são definidos de acordo com a legislação e os riscos profissionais.


25. O Autor tinha autonomia para requisição de exames, incluindo extra-protocolo, cujos custos eram assumidos pela Ré.


26. O Autor prescreveu vários atos clínicos extra-protocolo sem necessidade de autorização prévia da Ré.


27. Apenas os exames extra-protocolo, que tinham de ser realizados fora da U, careciam de ser autorizados pela Direção Clinica.


28. Uma das atribuições dos médicos de medicina do trabalho é a visita aos postos de trabalho dos trabalhadores.


29. A Ré tem de fazer o planeamento das visitas aos locais de trabalho, pois tais visitas devem ser feitas de forma multidisciplinar, nomeadamente com técnicos de segurança no trabalho, e depois de obtida autorização para acesso a locais reservados ou restritos do ...


30. Para serem realizadas visitas aos locais de trabalho é necessário um cartão de acesso que tem de ser solicitado à Segurança do chamado “C...” e, por vezes, também à A..., S.A., quando as visitas sejam efetuadas a áreas reservadas e/ou de acesso restrito (v.g. a placa do ...).


31. Os atos médicos referentes a admissões de trabalhadores, declarações de inaptidão e declarações de aptidão condicional de longa data eram submetidos à validação da Diretora de SHST.


32. A Ré tem índices de produtividade.


33. A Ré pretendia que o Autor mantivesse uma ocupação plena dos horários de consultas e efetuava um controlo estatístico das “taxas de ocupação” das mesmas.


34. As marcações de consultas eram feitas pela Ré através dos seus serviços.


35. A Ré usa um programa de computador adaptado à medicina do trabalho e no qual estavam insertas as identificações dos trabalhadores a consultar em cada data e outros dados exigidos.


*


Aditado o ponto 35-A pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos seguintes termos:


35-A. Este programa de computador também registava o número de consultas dadas durante o horário de trabalho e respetiva duração e fixava a hora a que os dados eram preenchidos.”


*


36. O acesso ao sistema informático é feito por um código informático, fornecido pela Ré.


37. Tal programa dava, acesso direto ao programa informático da COMPANHIA DE SEGUROS FIDELIDADE.


38. A Ré forneceu ao Autor um endereço de e-mail:....pt.


39. No exercício das suas funções, o Autor atendia exclusivamente trabalhadores da Ré ou pela mesma indicados.


40. No exercício das suas funções o Autor usava papel timbrado da Ré com o logotipo “U”.


41. Autenticando a sua assinatura com um carimbo com os dizeres “DR. AA – MEDICINA DO TRABALHO – U, SA”.


42. O papel timbrado e o carimbo eram custeados pela Ré.


43. Era a Ré quem adquiria e custeava as vinhetas necessárias à autenticação dos atos médicos do Autor, bem como o receituário e as vinhetas com o nome e número de cédula profissional do Autor, usadas para autenticar as receitas que o mesmo passava.


44. No exercício das suas funções o Autor usava uma bata com a indicação “U” e uma placa com os seguintes dizeres: “AA – MÉDICO DO TRABALHO”.


45. Tendo a bata e a placa sido fornecidas pela Ré, a qual também se encarregava da limpeza e manutenção da bata.


46. O Autor usava estetoscópio, aparelho medidor de tensão, computador e receituário, tudo propriedade da Ré.


47. O Autor tinha um cartão de ingresso nas instalações do ..., igual aos cartões em uso pelos demais trabalhadores.


48. O Autor tinha um cartão informático para registar as refeições tomadas no seu refeitório, igual ao dos restantes trabalhadores ao seu serviço.


49. Por cada refeição, composta por sopa, um prato principal, sobremesa, bebida e pão era debitado a cada trabalhador a quantia de 0.51 €, assinalada no aludido cartão.


50. Sendo o valor mensal descontado na respetiva retribuição.


51. O Autor, bem como a sua cônjuge e descendentes, tinham, também, o direito de aceder aos serviços de saúde da U nas mesmas condições dos restantes trabalhadores.


52. O Autor tinha acesso às lojas francas no interior do ..., como sucedia com os demais trabalhadores da Ré.


53. O Autor podia parquear no estacionamento privativo da Ré, como sucedia aos demais trabalhadores.


54. E beneficiava dos descontos no Ginásio da Ré, nos mesmos termos dos demais trabalhadores desta.


*


Alterado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos seguintes termos:


55. O Autor, no âmbito das suas funções e a solicitação da Ré, participava em programas de formação profissional de estudantes de medicina durante o seu horário de trabalho.”


Redação original: 55. O Autor participasse em programas de formação profissional de estudantes de medicina durante o seu horário de trabalho.”


*


Alterado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos seguintes termos:


56. E no âmbito das suas funções, o Autor deu formação de Medicina do Trabalho, aos Srs. Drs. DD e EE.”


Redação original: “56. O Autor deu formação de Medicina do Trabalho, aos Srs. Drs. DD e EE.”


*


57. O Autor fazia parte de grupos de trabalho organizados pela Ré, no sentido de propor novas técnicas médicas e de elaborar NOS (Normas de Observação Clínica) a implementar pela mesma.


58. A Ré usava o nome, a fotografia do Autor e os seus dados curriculares no seu site na parte em que identificava o seu “Corpo Clínico”.


59. O Autor trabalhava onze meses por ano, acordando com a Ré o período em que pretendia ir de férias.


60. O Autor dava quitação das quantias recebidas através dos recibos fiscais dos prestadores de serviços, conhecidos por “recibos verdes”.


61. A Ré não pagava ao Autor nem Subsídio de Férias nem Subsídio de Natal.


62. A Ré nunca prestou formação profissional ao Autor.


63. Por carta recebida em 9 de Agosto de 2019, a Ré comunicou ao Autor a denúncia do seu contrato de trabalho com efeitos a 30 de Agosto de 2019.


*


Aditado o facto 64-A, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, nos seguintes termos:


64-A. Ré impunha tempos máximos de duração de consultas.”


*


FORAM CONSIDERADOS NÃO PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS:


a) O Autor estava obrigado a justificar, perante a Direção, as suas ausências ou os pedidos de bloqueio de agenda que efetuava.


b) Os pedidos de bloqueio de agenda do Autor ficavam sujeitos à aceitação da Direção Clinica da Ré.


c) O Autor era obrigado a comparecer a reuniões de coordenação que a Ré promovia.


d) A Ré impunha ao Autor que seguisse opções médicas menos dispendiosas.


e) Se o Autor quisesse pedir exames não protocolados tinha sempre de pedir autorização à Direção Clínica.


f) A Diretora Clinica da Ré dava instruções de cariz médico ao Autor;


g) A Ré responsabilizava o Autor, por situações de faltas de utentes a consultas marcadas.


h) Ou por gastar mais tempo do que, no entendimento da Ré, devia gastar com utentes.


i) Impondo-lhe, ademais, tempos máximos de execução de tarefas e designadamente de consultas cuja duração, aliás, controlava através de programa informático.


*


Alterado conforme decisão infra.


j) A Ré usa o programa informático para controlar a assiduidade, a pontualidade e o numero de consultas dadas pelo Autor durante o horário de trabalho e respetiva duração.


*


k) A Ré impunha ao Autor a participação em programas de formação profissional de estudantes de medicina durante o seu horário de trabalho.»


III. - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.


É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º, n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).


**


A – REGIME ADJETIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEL


Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação ter dado entrada em tribunal em 27/10/2020, ou seja, depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, datada de 4/9/2019 e que começou a produzir efeitos em 9/10/2019.


Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada também muito após a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.


Será, portanto, e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.


Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.


Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem todos ocorrido na vigência do Código do Trabalho de 2009, que entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime derivado desse diploma legal que aqui irá ser chamado essencialmente à colação, em função da factualidade considerada [tudo sem prejuízo de outra legislação de natureza laboral que o litígio dos autos demande, em termos de aplicação, dado o Autor desenvolver a sua atividade na área da saúde e medicina do trabalho].


B – OBJETO DA REVISTA


Neste recurso de revista estão em causa as seguinte questões:


a) Se o contrato celebrado entre o Autor e a Ré deve ser qualificado como contrato de trabalho ou como contrato de prestação de serviços;


Caso o contrato seja considerado como contrato de trabalho, importa ainda saber:


b) Se a indemnização prevista no artigo 391.º do Código do Trabalho deve ser fixada em 15 dias;


c) Determinação obrigatória do incidente de liquidação;


d) Se são devidos juros de mora sobre os subsídios de férias e de Natal e sobre as horas de formação não ministradas e


e) Qual o termo inicial do vencimento dos juros de mora.


C – ARTIGO 12.º DO CÓDIGO DO TRABALHO E PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE


Socorreram-se as instâncias, para efetuar tal qualificação jurídica, da presunção ilidível constante do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009 [tendo o Tribunal da Relação de Lisboa o feito de uma forma mais impressiva, aprofundada e motivada], o que, face à aludida data de início da atividade profissional pelo Autor [30/8/2011], se mostra absolutamente correto, dado a mesma estar ativa e em vigor desde 12/2/2009.


Tal presunção de laboralidade conhecia então, antes da alteração introduzida pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril, que entrou em vigor a 1 de maio de 2023, a seguinte previsão legal:


Artigo 12.º


Presunção de contrato de trabalho


1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:


a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;


b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;


c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;


d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;


e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.


2 - Constitui contraordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de atividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.


3 - Em caso de reincidência, é aplicada a sanção acessória de privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, por período até dois anos.


4 - Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou diretor, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o n.º 2 do artigo 335.º


A nossa doutrina e jurisprudência estão essencialmente de acordo quanto ao facto de se tratar de uma presunção legal ilidível, que implica a inversão do ónus da prova no que toca à demonstração da existência [2] de um contrato de trabalho, cabendo unicamente ao trabalhador a alegação e posterior demonstração cumulativa de dois ou mais dos elementos, índices ou características elencados nas diversas alíneas do número 1 do artigo 12.º do C.T./2009 [3], para fazer funcionar a mesma.


D – FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


Ouça-se, quanto à aplicação da presunção do número 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009 aos factos dados como assentes nos autos e à sua não elisão por parte da recorrente, o que sustentou o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa:


«Da factualidade provada resulta que o Recorrente é Médico, tendo como especialidade “Medicina do Trabalho” (facto provado 1) e que, em 30 de Agosto de 2011, na sequência de convite que lhe foi endereçado pela então Diretora de Saúde, Higiene e Segurança no Trabalho da Ré, Dra. BB, foi admitido ao serviço da Ré (facto provado 2). Para tanto, Autor e Ré celebraram um contrato que denominaram “Contrato de Prestação de Serviços” ao abrigo do qual o Autor se obrigou “a prestar os seus serviços profissionais no âmbito da especialidade da Medicina do Trabalho, de acordo com os princípios determinados pela legislação em vigor, pelas recomendações cientificas e práticas da U, aos clientes desta” (facto provado 3), documento que foi elaborado pelos serviços jurídicos da Ré. E consta do denominado “Contrato de Prestação de Serviços” que este foi “livremente e de boa-fé acordado” entre as partes contratantes.


Mais acordaram as partes, além do mais, que, pelos serviços prestados pelo Recorrente, a Recorrida pagaria uma avença e que, “no omisso o contrato reger-se-á pelo disposto na Lei civil sobre contratos de prestação de serviços.


Por conseguinte, sendo o Recorrente pessoa com formação universitária e não tendo sido invocado, nem tendo ficado provado qualquer vício na formação da vontade dos outorgantes do contrato, tudo levaria à conclusão de que duas pessoas, minimamente esclarecidas, escolheram e quiseram, dentro do âmbito da liberdade contratual (art.405.º do Código Civil), contratar entre si um contrato de prestação de serviços.


Sucede, porém, que, como escreve João Leal Amado na obra citada, pag.72, “ «Os contratos são o que são, não o que as partes dizem que são», eis um princípio geral de Direito que encontra intensa aplicação em sede juslaboral.


(…).


Destarte, apurando-se a existência de uma prestação de atividade em regime de heterodeterminação e a troco de uma retribuição, toparemos com um contrato de trabalho e não com um qualquer contrato de prestação de serviço, ainda que esta seja a designação contratual adotada pelas partes e independentemente da cor do recibo passado pelo prestador da atividade. Trata-se, afinal, de dar prevalência à vontade real das partes, desvelada pela execução contratual sobre a vontade declarada.


Donde, a denominação que o Recorrente e a Recorrida deram ao contrato que celebraram poderá não ser decisiva para a qualificação da relação contratual se, da forma como se desenvolveu o contrato, resultar realidade jurídica diversa.


Dos factos provados ainda resultou que: Quanto à remuneração dos serviços prestados foi fixado o regime de avença mensal, 12 meses por ano, no valor de € 2.520,00 (Cláusula 6.ª), passando depois para € 2.880,00, por adenda de 01.09.2017 (facto provado 7). Ou seja, Recorrente e Recorrida acordaram que seria paga, com uma determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador da atividade e como contrapartida da mesma, o que equivale a dizer que se mostra preenchida a circunstância a que alude a al. d) do n.º 1 do artigo 12.º do CT.


Mais se provou que: o Autor exercia funções no serviço de “Medicina do Trabalho”, inserido na Direção de Saúde, Higiene e Segurança (SHST), da Ré, da qual eram Diretoras a Sra. Dra. BB e, posteriormente, a Sra. Dra. CC (facto provado 12); o qual funcionava nas instalações da Ré, sitas no ... (facto provado 13); No exercício das suas funções o Autor usava papel timbrado da Ré com o logotipo “U” (facto provado 40); Autenticando a sua assinatura com um carimbo com os dizeres “Dr. AA – 42615 – Medicina do Trabalho – U, SA” (facto provado 41); O papel timbrado e o carimbo eram custeados pela Ré (facto provado 42); Era a Ré quem adquiria e custeava as vinhetas necessárias à autenticação dos atos médicos do Autor, bem como o receituário e as vinhetas com o nome e número de cédula profissional do Autor, usadas para autenticar as receitas que o mesmo passava (facto provado 43); No exercício das suas funções o Autor usava uma bata com a indicação “U” e uma placa com os seguintes dizeres: “AA – MÉDICO DO TRABALHO” (facto provado 44); Tendo a bata e a placa sido fornecidas pela Ré, a qual também se encarregava da limpeza e manutenção da bata (facto provado 45); e o Autor usava estetoscópio, aparelho medidor de tensão, computador e receituário, tudo propriedade da Ré (facto provado 46). Da referida factualidade resulta, pois, que, no caso, também se mostram verificadas as circunstâncias a que aludem as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho.


Sustenta o Recorrente que também se provou a circunstância prevista na al. c) do n.º 1 do CT - o prestador da atividade observar um horário determinado ou imposto pelo empregador.


Salvo o devido respeito, não acompanhamos o seu entendimento na medida em que ficou provado que o horário do Recorrente foi fixado por acordo resultando, por um lado, das necessidades da Ré e, por outro, da disponibilidade do Recorrente (cfr. a nova redação do proémio do facto provado 14). Isto é, o horário de trabalho não foi determinado nem foi imposto unilateralmente pela empregadora, como exige aquela norma.


De qualquer modo, dúvidas não existem de que estão verificadas três das características a que alude o n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho, pelo que, no caso, presume-se a existência de contrato de trabalho.


E sendo assim, resta apurar se a Recorrida, conforme lhe competia, ilidiu a dita presunção provando factos que qualifiquem a relação contratual como laboral.


Do quadro factual resulta que o Autor podia solicitar, sem justificação, o bloqueio das suas agendas por motivos pessoais (facto provado 15), que o Autor podia compensar ou não as ausências, sendo que se não compensasse era descontado o valor respetivo no montante da avença (facto provado 16) e que para compensar algumas das ausências do Autor, eram criados, a seu pedido, horários extra dentro do período de funcionamento da Ré (facto provado 17). Ou seja, o Autor era livre de faltar sem que tivesse de apresentar justificação, embora tivesse de solicitar à Ré o bloqueio das suas agendas, o que bem se compreende, posto que se tratava de consultas previamente marcadas. E podia compensar os dias em que se ausentava, pedindo a criação de horários extra, obviamente dentro dos horário de funcionamento dos serviços da Ré.


Ora, esta liberdade de faltar sem justificação aponta no sentido de que o vinculo contratual não será laboral.


Provou-se ainda que o Recorrente era convidado a participar nas reuniões promovidas pela Ré, ou seja, o Recorrente não era obrigado a comparecer a reuniões de coordenação que a Ré promovia (facto provado 20) e caso não comparecesse não havia consequências disciplinares (facto provado 21). Tais factos também apontam para existência de uma relação contratual de prestação de serviços.


Mais se provou que o Autor tinha autonomia para requisição de exames, incluindo extra protocolo, cujos custos eram assumidos pela Ré (facto provado 25), que o Autor prescreveu vários atos clínicos extra-protocolo sem necessidade de autorização prévia da Ré (facto provado 26) e que apenas os exames extra-protocolo, que tinham de ser realizados fora da U careciam de ser autorizados pela Direção Clinica (facto provado 27), factualidade que aponta para a autonomia técnica do Recorrente no que respeita à decisão de prescrever, ou não, exames extra-protocolo e, consequentemente, para um contrato de prestação de serviços.


E da factualidade provada ainda resulta que o Autor dava quitação das quantias recebidas através dos recibos fiscais dos prestadores de serviços, conhecidos por “recibos verdes” (facto provado 60); A Ré não pagava ao Autor nem Subsídio de Férias nem Subsídio de Natal (facto provado 61); A Ré nunca prestou formação profissional ao Autor (facto provado 62). Quanto a este conjunto de factos, podemos concluir que, à partida, apontam para a existência de um contrato de prestação de serviços. Contudo, perante os mesmos, também podemos concluir que, tendo as partes denominado o contrato como sendo de prestação de serviços, obviamente que a Recorrida não iria pagar ao Autor os subsídios de férias e de Natal, nem iria inscrevê-lo na Segurança Social, nem deduzir o IRS. Por isso, esta factualidade pouco peso representa na qualificação do contrato celebrado.


Aqui chegados impõe-se questionar se a mencionada factualidade é suficiente para ilidir a presunção de laboralidade. Entendemos que a resposta é negativa. E é negativa porque também resultaram provados os seguintes factos:


A Ré pretendia que o Autor mantivesse uma ocupação plena dos horários de consultas e efetuava um controlo estatístico das “taxas de ocupação” das mesmas (facto provado 33), o que leva a concluir que a Recorrida determinava o quantum da prestação do Recorrente, gerindo a sua agenda de modo a mantê-la sempre ocupada. Tal equivale a dizer que, não só a produtividade do Recorrente era controlada, como a Recorrida também determinava o serviço, mediante a ocupação das agendas.


Provou-se ainda que o programa de computador usado pela Ré e adaptado à medicina do trabalho, além de outras funções, também registava o número de consultas dadas durante o horário de trabalho e respetiva duração e fixava a hora a que os dados eram preenchidos (factos provados 35 e 35-A), donde, se a Recorrida quisesse podia controlar a assiduidade do Recorrente, sem que picasse o ponto, como os demais trabalhadores.


Também se provou que: O Autor tinha um cartão informático para registar as refeições tomadas no seu refeitório, igual ao dos restantes trabalhadores ao seu serviço (facto provado 48), por cada refeição, composta por sopa, um prato principal, sobremesa, bebida e pão era debitado a cada trabalhador a quantia de 0.51€, assinalada no aludido cartão (facto provado 49), Sendo o valor mensal descontado na respetiva retribuição (facto provado 50). Desta factualidade decorre que a Recorrida apenas descontava da retribuição do Recorrente o valor de 0,51 €, o que significa que a Recorrida custeava o valor restante das refeições, posto que resulta do senso comum que, sendo a refeição composta por sopa, prato principal e sobremesa, bebida e pão, o seu valor excederia em muito os 0,51 € pagos pelo Recorrente.


O Autor bem como a sua cônjuge e descendentes tinham, também, o direito de aceder aos serviços de saúde da U nas mesmas condições dos restantes trabalhadores (facto provado 51), o Autor tinha acesso às lojas francas no interior do ..., como sucedia com os demais trabalhadores da Ré (facto provado 52), o Autor podia parquear no estacionamento privativo da Ré, como sucedia aos demais trabalhadores (facto provado 53), e beneficiava dos descontos no Ginásio da Ré, nos mesmos termos dos demais trabalhadores desta (facto provado 54). Ou seja, a Recorrida concedia ao Recorrente um conjunto de privilégios habitualmente atribuídos aos trabalhadores subordinados suscetível de integrar a denominada retribuição em espécie (cfr. art.º 259.º do CT), sem que se tenha provado a razão para tanto já que o considerava um prestador de serviços.


O Autor fazia parte de grupos de trabalho organizados pela Ré, no sentido de propor novas técnicas médicas e de elaborar NOS (Normas de Observação Clínica) a implementar pela mesma (facto provado 57), o que significa que o Autor não se limitava a cumprir as agendas de consultas da Recorrida, integrando a organização da Ré com o fito de, de modo cativo, propor novas técnicas médicas e de elaboração de normas.


A Ré usava o nome, a fotografa do Autor e os seus dados curriculares no seu site na parte em que identificava o seu “Corpo Clínico” (facto provado 58), passando, assim, para o exterior, a ideia de que o Autor era um dos seus elementos e que estava integrado na sua organização como outro qualquer trabalhador e não como um mero prestador de serviços.


Também resultou provado que o Autor trabalhava onze meses por ano, acordando com a Ré o período em que pretendia ir de férias (facto provado 59). Ou seja, o Autor não se limitava a comunicar os dias em que ia de férias, sendo necessário haver acordo da parte da Recorrida, o que ultrapassa a mera prestação de serviços.


Por fim, ficou provado que a Ré promovia, através da Diretora do SHST, com todos os médicos do trabalho ao seu serviço, reuniões, geralmente à quarta feira, onde eram passadas informações sobre os protocolos e procedimentos existentes e orientações sobre a execução dos mesmos, sobre boas práticas, uniformização de critérios e de linguagem nos pareceres médicos, uniformização de discussão de casos clínicos, discussão de procedimentos, análise estatística do trabalho realizado (facto provado 19), que o Autor deveria seguir os protocolos existentes relativos à medicina do trabalho (facto provado 23) e os protocolos de exames de vigilância de saúde dos trabalhadores são definidos de acordo com a legislação e os riscos profissionais (facto provado 24). Se é verdade que, como resulta dos autos, a atividade da Recorrida é altamente protocolizada e regulamentada, o que exige a uniformização de critérios e a emissão de orientações e instruções, por outro lado, a Recorrida não provou, afinal, em que se materializava a autonomia técnica do Recorrente.


E entendemos que a circunstância de o Recorrente poder solicitar exames extra-protocolo não é suficiente para que se conclua que, na organização da Recorrida e dentro dos protocolos e procedimentos por ela instituídos, o Recorrente gozava de autonomia técnica, donde, é de afirmar que o Recorrente limitava-se a exercer as suas funções de acordo com os comandos emanados da Ré, o que significa, retas contas, que a Ré conformava a sua prestação.


Em suma, é de concluir que a Recorrida não provou factos suficientes para ilidir a presunção de laboralidade, pelo que se impõe concluir que entre Recorrente e Recorrida vigorou um contrato de trabalho.


Nessa sequência, a comunicação de denúncia do contrato de trabalho com efeitos a 30 de Agosto de 2019, endereçada pela Recorrida ao Recorrente, configura um despedimento que é ilícito por não ter sido precedido de procedimento disciplinar, conforme determina o artigo 381.º al. c) do Código do Trabalho.»


E – SITUAÇÃO VIVIDA NOS AUTOS


Dir-se-á, desde já, que, nesta matéria, estamos de acordo, em regra, com a análise efetuada pelo tribunal recorrido quanto ao preenchimento necessário, suficiente e efetivo dos índices de laboralidade que se acham elencados nas cinco alíneas do número 1 do citado artigo 12.º.


Muito embora o exercício da atividade de medicina seja, as mais das vezes, como é do conhecimento geral, concretizado ao abrigo de veros e genuínos contratos de prestação de serviços que os médicos celebram com as entidades onde depois se deslocam e desenvolvem as suas funções, nos moldes acordados, de forma liberal e independente [que não se confunde nem se esgota na inevitável autonomia técnica que sempre possuem], definindo ou alterando, por sua conveniência pessoal e/ou profissional alguns dos principais aspetos de tal relação – modo, tempo, lugar, preço, etc. -, também é verdade que a concretização dessa atividade é igualmente compatível com a existência de um contrato de trabalho, a tempo integral ou parcial, com essas mesmas entidades.


Impõe-se igualmente frisar que, quer esses serviços de medicina sejam desenvolvidos de forma autónoma [em regime de recibos verdes ou “avença”], quer de forma juridicamente subordinada, há um conjunto de elementos e sinais que podem ser comuns a um e a outro cenário jurídico, o que significa que a sua singela ocorrência e verificação não é, em geral, suficiente para qualificar com objetividade, rigor e segurança, o vínculo concreto em presença como sendo de trabalho ou de prestação de serviços.


Chegados aqui e tendo-se concluído pela aplicação da presunção de laboralidade do artigo 12.º do Código de Trabalho ao vínculo jurídico-profissional do Autor da presente ação, atenta a data do início da respetiva relação profissional com a Ré U..., S.A. [30/08/2011] e cruzando os factos dados como provados - de onde se destacam os que se acham descritos nos Pontos da Factualidade dada como Provada com os números 1., 2., 2., 13., 14., 18., 28., 29., 30., 31., 32., 33., 34., 35., 35-A., 36., 37., 38., 39., 40., 41., 42., 43., 44., 45., 46., 47., 48., 49., 50., 51., 52., 53., 54., 55., 56., 57., 58., 59. e 64-A. [4] - com os diversos indícios de laboralidade que constam do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009, pode afirmar-se, sem grande margem para dúvidas, que tais índices ou sinais da existência de uma relação de trabalho subordinada se mostram, quanto às quatro primeiras alíneas do seu número 1, todos eles clara ou suficientemente preenchidos, dado a atividade profissional desenvolvida consecutivamente pelo Autor ser realizada nas instalações da empresa demandada ou em locais determinados pela Ré [alínea a)], com equipamentos, instrumentos de trabalho e outros materiais ou documentos à mesma pertencentes ou por ela adquiridos [alínea b)], observando o Recorrido períodos e horários semanais e normais de trabalho fixados pela empregadora [alínea c), dado se nos afigurar que a argumentação desenvolvida pelo Tribunal da Relação de Lisboa quanto a esta matéria não pondera devidamente e salvo melhor opinião, as circunstâncias particulares evidenciadas nos autos] e auferindo uma remuneração liquidada mensalmente [alínea d)].


Diremos que há sinais óbvios e claros de que o Autor estava perfeitamente integrado na estrutura organizacional da recorrente [cf., designadamente, os Pontos 3., 12., 13., 27., 31., 32., 34., 35., 35-A., 36., 37., 38., 40., 41., 42., 43., 44., 45., 46., 47., 48., 49., 50., 51., 52., 53., 54., 55., 56., 57., 58. e 59.] e sujeito, ainda que sem prejuízo da sua autonomia técnica, da sua experiência profissional e da sua específica formação em medicina de trabalho [cf., por exemplo, Pontos 25. e 26.], a autorizações, ordens, controlo e fiscalização da U..., S.A.., numa situação que qualificamos de subordinação jurídica [cf., por exemplo, Pontos 23., 24., 32., 33. e 64-A.] [5]].


Dir-se-á que, quanto ao cumprimento de protocolos existentes relativos ao exercício da medicina do trabalho por parte do recorrido, não ressalta, com clareza, desses dois Pontos da Matéria de Facto de onde emergiam os mesmos e se a sua origem era interna ou externa [ou seja, se eram emitidos pela Ré ou impostos a esta por entidades terceiras ou se, simplesmente, resultavam dos diplomas legais e regulamentos específicos em vigor e aplicáveis a essa área médica], mas há que não olvidar, a este propósito, o que foi acordado por escrito entre as partes no «contrato de prestação de serviços» e que se mostra sumariado no Ponto 3. [3. Para tanto Autor e Ré celebraram um contrato, que denominaram “Contrato de Prestação de Serviços” ao abrigo do qual o Autor se obrigou “a prestar os seus serviços profissionais no âmbito da especialidade da Medicina do Trabalho, de acordo com os princípios determinados pela legislação em vigor, pelas recomendações cientificas e práticas da U, aos clientes desta”.]


Logo, numa interpretação conjugada do texto dos três Pontos em presença, parece evidente que tais protocolos passavam necessariamente pela recorrente, em termos da sua elaboração, atualização e aperfeiçoamento [o Ponto 31. diz-nos mesmo que «Os atos médicos referentes a admissões de trabalhadores, declarações de inaptidão e declarações de aptidão condicional de longa data eram submetidos à validação da Diretora de SHST»]


Não podemos deixar de destacar ainda, nesta matéria, que a Ré só permitia ao Autor, segundo o Ponto 39., que, no exercício das suas funções, atendesse exclusivamente trabalhadores da mesma ou por ela indicados [cf., aliás, os Pontos 28. a 30. da Factualidade dada como Provada], não obstante a mesma, de acordo com o Ponto 11., prestar serviços de Medicina do Trabalho às empresas do Grupo T... e a diversas outras empresas, para além de Serviços de Medicina Curativa e Certificação de ..., tanto aos trabalhadores como a prestadores de serviços e familiares de empresas clientes, e a utentes particulares.


Convirá, por outro lado, desenvolver a nossa perspetiva quanto à satisfação, no caso concreto dos autos, do mencionado na alínea c) do número 1 do artigo 12.º - O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma –, dado nos movermos, desde logo, no âmbito de um acordo para o desenvolvimento das funções a tempo parcial [com a prévia combinação de um período normal de trabalho de 18 horas semanais obrigatórias, a distribuir por alguns dias da semana, segundo horários de trabalho antecipadamente fixados e com uma duração temporal prolongada e estável], com vista à prestação, como atividade contratada com a Recorrente, de cuidados de saúde na área da medicina do trabalho por parte de um médico [inscrito na Ordem dos Médicos desde .../.../2003 – Ponto 1.].


Ora, a ser assim, é de presumir que o Recorrido não terá limitado a sua vida profissional ao cumprimento deste contrato firmado com a U – CUIDADOS CONTINUADOS DE SAÚDE mas terá tido outros compromissos da mesma natureza, o que, de acordo com as regras da experiência e do senso comum, implicará uma compatibilização entre os mesmos e as funções a que se obrigou perante a Ré, de maneira a se conseguir conciliar os diversos interesses em presença – os do recorrido mas também as da recorrente -, o que originou que, ao longo dos 8 anos de desenvolvimento da dia atividade, tivessem sido estabelecidos, por acordo, diversos horários de trabalho que vigoraram em períodos largos de tempo [30/6/2011 a 2/11/2014, 3/11/2014 a 2/6/2016, 3/6/2016 a 13/5/2018, «tendo em conta o número de horas contratadas, as necessidades da Ré e as disponibilidades manifestadas pelo Autor».


Não é despiciendo recordar aqui que o Tribunal da Relação de Lisboa alterou o proémio do Ponto 14., tendo aditado a expressão acima sublinhada: «as necessidades da Ré».


Ora, muito embora o Aresto recorrido não tenha retirado de tal modificação factual quaisquer consequências práticas e jurídicas, não é possível ignorar que se originalmente, em sede de sentença da 1.ª instância, só eram consideradas as 18 horas semanais consensualizadas e as disponibilidades manifestadas pelo recorrido para efeitos da fixação dos horários de trabalho dados como demonstrados [o que fazia tal fixação depender apenas das possibilidades profissionais do Autor], com a entrada em cena das necessidades da Ré, esta realidade modifica-se, dando prevalência a tais conveniências de funcionamento da empresa e predominância à posição desta última na economia do contrato dos autos.


Tal acontece com muitos trabalhadores [designadamente, do setor da saúde] que estão vinculados por diversos contratos de trabalho a tempo parcial, que procuram adaptar, ajustar e coordenar todos eles, de maneira a não haver sobreposições temporais e, nessa medida e como consequência de tal coincidência de tempos de trabalho, a ocorrência de dificuldades ou até mesmo a verificação de uma impossibilidade de cumprimento de qualquer um deles, em toda a sua extensão funcional.


As pontuais alterações de dias e/ou horas e as eventuais e mais perenes mudanças de horários e períodos de trabalho não retiram a nenhum desses acordos nem à atividade que lhes está subjacente a natureza de trabalho juridicamente subordinado.


Não ignoramos, naturalmente, o teor dos Pontos 15., 16. e 17. [6], mas não apenas temos de cruzar tais factos com os do Ponto seguinte, quando afirma que «8. A Direção de Serviços de Medicina do Trabalho também solicitava bloqueios de agenda para resposta aos clientes e formações internas.», ou seja, que a Ré, de forma unilateral e sem consultar o Autor, procedia a alterações nos referidos horários de trabalho, como temos de atentar devidamente à circunstância do recorrido só poder proceder aos aludidos bloqueios por motivos pessoais [ignorando-se se aí se incluem apenas razões de carácter particular ou privado ou se também se abarcam igialmente causas de teor profissional], como o Autor podia compensar as suas ausências dentro das 18 horas semanais acordadas e, em caso de tais compensações não serem possíveis, estava sujeito a ser-lhe descontada a remuneração correspondente a tais períodos funcionais que não haviam sido cumpridos [à imagem do que, normalmente, acontece com os trabalhadores juridicamente subordinados].


Há que também olhar para o texto dos Pontos de Facto com os números 19. a 21. [7] e tentar perceber se o mero convite – e não a obrigatoriedade - para o Autor estar presente nas reuniões que a Ré promovia geralmente à quarta-feira e que eram de carácter técnico, dado que faziam uma análise crítica do que havia sido feito e buscavam, em termos das futuras práticas, uma melhor organização, uma mais eficaz gestão e uma maior eficiência na prestação dos serviços por parte dos seus trabalhadores e colaboradores, deve ser interpretado no sentido perseguido pela recorrente, a saber, de que o recorrido era um profissional liberal, que estava dispensado de quaisquer compromissos, que não os consensualizados no referido «contrato de prestação de serviços».


Dir-se-á que se o Autor era meramente convidado para tais reuniões, mal se compreenderia que, da ausência do mesmo, resultassem para ele quaisquer consequências disciplinares [a não ser assim, estávamos face a um convite “envenenado” ou a uma “ordem encapotada”].


Importa também realçar que nada ficou provado ou não provado quanto à concreta satisfação de tais convites por parte do Autor e quanto à muita ou pouca frequência com o que fazia.


Afigura-se-nos que a presença do recorrido em tais reuniões, independentemente da natureza jurídica do vínculo que ligava as partes, era da conveniência de ambas, pois à Ré e ao Autor certamente importava que este último tivesse devidamente informado e atualizado relativamente aos protocolos e outras regras internas que interessassem à sua atividade de médico da medicina do trabalho.


A única explicação que encontramos para a inexistência de uma situação de obrigatoriedade por parte do recorrido quanto à comparência nessas reuniões de coordenação era de que estas se realizavam, habitualmente, às quartas-feiras, dia da semana em que o recorrido nunca prestava serviços médicos para a Ré, segundo os diversos horários de trabalho sucessivamente fixados dados como assentes e de que, por tal razão, o mesmo seria depois informado pela sua Diretora do que em tais reuniões havia sido decidido com interesse para a atividade profissional do recorrido.


Finalmente, não se pode ignorar aqui estes factos, que ainda têm a ver com a distribuição no tempo – neste caso, no espaço de cada ano - dos serviços médicos do Autor, no que nos parece muito relevante e significativo: o Recorrido tinha direito a gozar um mês de férias em cada 12 meses de trabalho executado, em período a acordar com a Ré, férias essas que eram, no entanto, remuneradas, não obstante o Autor não desenvolver quaisquer funções para a Recorrente durante esses 30 dias de descanso e lazer [8].


No que respeita à requisição de exames e não obstante o que foi dado como assente nos Pontos 25. e 26. [9] - e que reflete simplesmente a existência de autonomia técnica por banda do Autor e que não é incompatível com uma relação de trabalho subordinada [cf. artigo 116.º do Código do Trabalho] -, há que atentar nos factos descritos no Ponto 27. [27. Apenas os exames extra-protocolo, que tinham de ser realizados fora da U, careciam de ser autorizados pela Direção Clinica.] e que traduzem uma restrição à livre decisão do Autor, nesse estrito campo do exercício clínico da sua profissão, o que não pode deixar de ser também aqui ponderado.


No que concerne aos factos elencados nos Pontos 48., 49., 50. e 5. [10], estes, em si mesmos, quando encarados de uma forma isolada, desgarrados dos demais que constituem, conjuntamente com eles, a realidade complexa em que o Autor prestava a sua atividade profissional, podem conviver, eventualmente, com qualquer um dos cenários jurídicos que aqui se acham em confronto [ou seja, com a indistinta existência de uma relação de prestação de serviços ou de trabalho subordinado], mas quando conjugados com os demais, perdem essa neutralidade ou indiferença contratual e pendem, por arrasto, para o estabelecimento de um vínculo laboral entre as partes [o mesmo se pode dizer dos factos constantes do ponto 53., quanto ao parqueamento por parte do Autor no estacionamento privativo da Ré].


Quanto aos factos dos Pontos 51. [51. O Autor, bem como a sua cônjuge e descendentes, tinham, também, o direito de aceder aos serviços de saúde da U nas mesmas condições dos restantes trabalhadores.] parecem-nos os mesmos, manifestamente, fora do habitual e normal contexto de um contrato a recibos verdes ou de avença, muito embora já encontrem cobertura e justificação suficientes ao abrigo de um vínculo de trabalho subordinado [temos também o mesmo tipo de perplexidades quantos aos factos dos Pontos 52. e 54. – acesso às lojas francas e aos descontos do Ginásio da Ré, numa clara equiparação de benefícios com os demais trabalhadores da recorrente].


Importa finalmente abordar os Pontos 60., 61., 62. e 63. [11] – a que se pode aditar a designação dada ao acordo firmado entre as partes de «contrato de prestação de serviços», assim como parte do seu clausulado, que consta do respetivo documento escrito que se encontra junto aos autos e se mostra descrito em parte nos Pontos 3. a 10. -, para dizer que não nos impressiona particularmente qualquer um desses aparentes sinais de que entre as partes existiria, afinal, uma relação de profisisonal independente.


Realce-se, por um lado, que não é o mero nome dado ao negócio jurídico em questão, nem sequer o seu inerente clausulado, que caracteriza nesses mesmos moldes o vínculo estabelecido [tendo, para o efeito, o texto integral do contrato sido da autoria dos serviços jurídicos da Ré, limitando-se o Autor a apor no mesmo a sua assinatura – Ponto 3-A.] que têm a últiuma palavra nesta matéria da qualificação jurídica da relação firmada entre Autor e Ré, pois em caso de contradição entre o que ficou redigido e a sua execução prática e quotidiana, prevalece esta sobre aquele [que é precisamente o que, como já antes deixámos analisado, aconteceu na situação concreta vivenciada nestes autos].


Importa, nessa medida, encarar os demais factos dos Pontos 60., 61., 62. e 63. em conformidade com essa classificação e conteúdo meramente formais, constantes de tal documento escrito, dado ser normal que num «contrato de prestação de serviços» como o [pretensamente] existente nesta ação, a Ré não pagasse quaisquer subsídios de férias e de Natal ao Autor, nem lhe desse qualquer formação profissional [aqui referenciada à que se acha prevista nos artigos 130.º e seguintes do Código do Trabalho de 2009] e finalmente entendesse que o podia denunciar de forma livre e sem justificação para o facto, emitindo, por seu turno, este último «recibos verdes» como contrapartida dos «serviços médicos» executados de forma independente [profissional liberal].


Logo, a Recorrente, pelo deixado acima exposto e ao contrário do que estava legalmente obrigada, não logrou ilidir a presunção legal do número 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009, dado não ter alegado e provado factos suficientes e suscetíveis de demonstrar, em termos materiais e jurídicos, um cenário alternativo, em que as funções de medicina de trabalho, mesmo na prática quotidiana da execução do «contrato de prestação de serviços» dos autos, fossem exercidas pelo Autor de uma forma independente, autónoma, despojada de qualquer regulação, controlo e supervisão externas e intrusivas.


Sendo assim, temos de encarar como possuindo natureza laboral o período temporal de trabalho que mediou entre 30 de agosto de 2011 a 30 de agosto de 2019, em que o aqui Recorrido desenvolveu, como médico, a atividade de medicina de trabalho e outras tarefas [designadamente, de formação] de maneira continuada e integrada na organização e atividade prosseguida pelo U – CUIDADOS CONTINUADOS DE SAÚDE e em benefício desta, contra o recebimento de uma contrapartida pecuniária regular e periódica.


F – VALOR DA INDEMNIZAÇÃO


A Ré, nesta parte da sua Revista, defende que a indemnização de antiguidade fixada em substituição da reintegração do Autor e que se mostra prevista nos artigos 389.º, número 1, alínea b) e 391.º do Código do Trabalho deve ser fixada em 15 dias, ao invés dos 20 dias de retribuição por cada ano de antiguidade que o Acórdão do TRL estabeleceu, por referência à moldura mínima e máxima de 15 dias e 45 dias e contada desde o início da relação laboral firmada entre as partes [30/8/2011] e o trânsito em julgado do presente Aresto [12].


Ora, considerando os factos dados como assentes e que deixámos anteriormente escalpelizados em termos factuais e jurídicos, afigura-se-nos manifesto que a Ré firmou com o Autor um contrato de trabalho a tempo parcial, desde o início do desempenho profissional por parte deste, situação que a Recorrente [possuidora, aliás, para o efeito, de serviços jurídicos] não podia, objetiva e honestamente ignorar, não tendo, apesar de tal cenário evidente de subordinação jurídica por parte do Recorrido, que durou, aliás, temporalmente oito anos, se coibido de colocar termo a tal relação laboral mediante o simples envio de uma singela carta escrita de denúncia e não mediante um dos quaisquer procedimentos legalmente consentidos e enumerados no artigo 340.º do Código do Trabalho de 2009.


Face a um tal despedimento ilícito, operado sem prévia instauração de um procedimento disciplinar ou administrativo e sem a invocação de uma qualquer causa subjetiva ou objetiva, entendemos que, face à ilicitude do mesmo [alínea c) do artigo 381.º do CT/2009] e ao valor da retribuição mensal auferida pelo Recorrido, a indemnização em substituição da reintegração que foi atribuída ao trabalhador pelo Tribunal da Relação de Lisboa [20 dias, quando o limite mínimo é de 15 dias] revela-se proporcional e adequada [13].


Sendo assim, este recurso de Revista tem de ser mais uma vez julgado improcedente por este Supremo Tribunal de Justiça.


G – INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO


A Ré, para o caso de se manter a qualificação jurídica do vínculo profissional provado nos autos como emergente de um contrato de trabalho, entende que este Supremo Tribunal de Justiça deverá relegar «para incidente de execução de sentença o apuramento dos créditos laborais devidos ao Recorrido, os quais terão de atender, necessariamente, a factos que não foram tidos em consideração nos autos, desde logo, ausências, períodos de férias, e até enquadramento salarial atendendo à regulamentação coletiva aplicável aos trabalhadores da Recorrente».


Recorde-se que a Ré foi condenada nos moldes seguintes pelo Tribunal da Relação de Lisboa:


«Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revogando a sentença recorrida:


1 - Declarar que entre o Autor e a Ré vigorou um contrato de trabalho com início em 30.08.2011;


2 - Declarar que a comunicação de extinção do contrato endereçada pela Ré ao Autor constitui um despedimento ilícito por não ter sido precedido de procedimento disciplinar e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor:


a) O valor das retribuições devidas desde os 30 dias anteriores à data da propositura da ação e até à data do trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento a apurar em incidente de liquidação, caso se revele necessário, acrescido de juros de mora à taxa legal devidos desde a data do vencimento das prestações e até integral pagamento;


b) A indemnização de antiguidade, a calcular com base em 20 dias de retribuição por cada ano ou fração de ano, a apurar em incidente de liquidação, caso se revele necessário, totalizando na presente data o valor de € 24.960,00 (vinte e quatro mil novecentos e sessenta euros), a que acrescem os juros de mora devidos desde a data do trânsito em julgado da decisão até integral pagamento;


c) Os subsídios de Natal e de férias desde Agosto de 2011 a Agosto de 2019 no valor total de € 44.160,00 € (quarenta e quatro mil cento e sessenta euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal devidos desde a data do vencimento das prestações até integral pagamento;


d) Horas de formação não ministradas, no montante de 10.170,00 € (dez mil cento e setenta euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal devidos desde o vencimento das prestações até integral pagamento.


Custas da ação e do recurso pelas partes na proporção do respetivo decaimento (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).


Registe e notifique.


Ora, se bem percebemos a pretensão da Ré, a quantificação dos créditos laborais que são devidos nos termos do número 1 do artigo 390.º do Código do Trabalho e a que o legislador designa de «compensação» devem ser apurados em prévio incidente de liquidação, conforme previsto no artigo 609.º, número 2 e 358.º a 361.º do Código de Processo Civil de 2013.


Dir-se-á que tal pedido já está devidamente considerado na parte decisória do Aresto recorrido, conforme resulta da alínea a) da mesma e que sublinhámos a negrito, mas há que atender a que enquanto aqui se admite que esse incidente de liquidação pode não se revelar de instauração necessária, ali pugna-se pela sua dedução obrigatória, dado que o «apuramento dos créditos laborais devidos ao Recorrido […] terão de atender, necessariamente, a factos que não foram tidos em consideração nos autos, desde logo, ausências, períodos de férias, e até enquadramento salarial atendendo à regulamentação coletiva aplicável aos trabalhadores da Recorrente».


Ora, das duas uma: ou tais factos foram oportunamente alegados pela Ré na sua contestação e devidamente considerados pelas instâncias [sendo certo que a factualidade dada como assente e não assente nada refere a esse respeito] ou se não o foram, como é manifestamente o caso, já se precludiram, em termos da sua articulação e prova nestes autos e num hipotético e futuro incidente de liquidação, por possuírem uma natureza modificativa, impeditiva ou extintiva dos direitos reclamados pelo Autor e, nessa medida, revestirem a natureza de exceções perentórias, que, perentoriamente, deveriam ter sido invocadas na contestação desta ação [cf. artigos 60.º do CPT e 571.º, 572.º, 573.º, 576.º e 579.º do NCPC] ou em eventual articulado superveniente, desde que cumpridos os requisitos substantivos e formais dos artigos 588.º e 589.º deste último diploma legal [o que também não aconteceu].


Nessa medida, só factos supervenientes à audiência final em 1.ª instância é que, em regra, poderão ser processualmente considerados em tal incidente de liquidação ou até em sede da oposição à execução, ainda que, aqui, condicionados à prova por documentos [cf. artigo 729.º, alínea g) do NCPC].


Não é o caso dos factos enumerados pela Ré nesta segunda parte da sua conclusão recursória, o que implica que - sem prejuízo do já ordenado pelo Tribunal da Relação de Lisboa no seu Acórdão e que se deve manter nos seus precisos termos [por referir tal incidente de liquidação ao trânsito em julgado da respetiva condenação e à eventual necessidade de lançar mão do mesmo para fazer a correta e exata quantificação de tais créditos laborais, reconduzíveis à compensação do número 1 do artigo 390.º do CT e às deduções de conhecimento oficioso do seu número 2 [alíneas b) e c)] -, não haja lugar ao atendimento desta terceira pretensão recursória da Ré, por falta de fundamentação fáctica e jurídica mínima.


H - JUROS DE MORA


A recorrente, como outra questão convocada para este seu recurso de revista, entende que não são por ela devidos juros de mora sobre os subsídios de férias e de Natal a pagar ao recorrido e sobre as horas de formação não ministradas pela mesma ao Autor, dado defender que «PP. Nas alíneas a), c) e d) do excerto decisório do Acórdão em crise, o Tribunal a quo condenou a Recorrente a pagar juros de mora, à taxa legal (4%), devidos desde a data do vencimento das prestações e até integral pagamento, porém, não são devidos juros de mora no pagamento das «prestações», conforme entendimento de PEDRO FURTADO MARTINS e de MONTEIRO FERNANDES, o qual se deve aplicar, por maioria de razão, e considerando que inexistem quaisquer razões do ponto de vista material que imponham uma diferenciação, aos subsídios de férias e de Natal e às horas de formação não ministradas, pelo que, em caso de manutenção da decisão recorrida – o que apenas se equaciona, sem conceder - sobre estes créditos salariais não podem incidir quaisquer juros de mora».


Importa trazer à colação a doutrina referenciada pela Recorrente no que respeita à sustentação jurídica desta sua posição:


«118. Veja-se o entendimento de PEDRO FURTADO MARTINS [14] a este propósito: “Temos sustentado que a obrigação de pagamento dos salários intercalares se explica pela conjugação do regime geral da invalidade com as regras sobre o incumprimento das obrigações. Declarada a invalidade e uma vez que essa declaração tem eficácia retroativa, tudo se passa como se o vínculo existente entre as partes sempre tivesse produzido os seus efeitos, maxime a constituição do empregador no dever de pagar a remuneração e do trabalhador na obrigação de prestar a atividade prometida.


A execução da prestação laboral foi impossibilitada pelo empregador que, ao afastar o trabalhador da empresa, o impediu de prestar o trabalho. Este impedimento, mercê da natureza da prestação em causa, gerou a impossibilidade (definitiva) da prestação, com a consequente exoneração do devedor-trabalhador (exoneração que, evidentemente, respeita apenas ao período temporal que medeia entre o despedimento e o trânsito em julgado da sentença).


Mas a exoneração do trabalhador não significa que ele deixe de ter direito à contraprestação, sendo o trabalhador condenado a pagar «o valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à sentença».


Verifica-se uma situação de impossibilidade imputável ao credor e, como estamos perante um contrato bilateral, segue-se a regra do artigo 795.º do Código Civil, nos termos da qual o credor não fica desobrigado da contraprestação. No fundo, o problema em análise é uma questão de responsabilidade pela contraprestação: tornada a prestação impossível por um ato de iniciativa do credor, não fica este desobrigado de cumprir a sua prestação. Por isso dizemos que «o direito do trabalhador a auferir as retribuições vencidas desde a data do despedimento até à data da sentença não é mais do que a consequência normal ou natural do funcionamento conjunto das regras próprias da invalidade dos atos jurídicos e das normas sobre a impossibilidade».” (realces nossos).


119. A esta luz: “O que antecede não obsta a que se reconheça que a obrigação retributiva correspondente aos salários intercalares só nasce (ou melhor: renasce) após a declaração judicial da ilicitude do despedimento, como assinala Monteiro Fernandes a propósito do não-vencimento de juros de mora em relação a essas quantias, explicando que tal decorre da eficácia provisória do despedimento, de que “a cessação dos débitos retributivos é sua consequência adequada e natural”.


Assim, os “correspondentes valores não são, pois, juridicamente exigíveis enquanto não surgir a declaração judicial de ilicitude do despedimento. O não pagamento dos salários, nesse contexto, não é equivalente ao incumprimento de uma obrigação” (…)” (realces e sublinhados nossos).


Diremos, desde logo e no que respeita aos excertos doutrinários transcritos, que a leitura que a Recorrente deles faz não nos parece corresponder exatamente ao que aí se explica e sustenta, pois, em rigor, não se afirma aí a inexistência de um direito por parte de um trabalhador que foi alvo de um despedimento ilícito em receber os juros de mora relativos às prestações laborais de natureza pecuniária que deveria ter auferido durante a vigência do vínculo laboral e que não percebeu por força da ilegal cessação do mesmo, promovida pelo empregador.


Se a declaração de ilicitude de um despedimento obriga o empregador, nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 389.º do Código de Trabalho de 2009, a indemnizar o assalariado visado por aquele de todos os prejuízos de índole patrimonial e não patrimonial que lhe foram causados por tal ato unilateral e desconforme com o regime jurídico aplicável, mal se compreende que o Autor desta ação - que se acha privado, ao longo do tempo que medeia entre o aludido despedimento ilícito e o pagamento efetivo por parte da entidade patronal, na sua dupla qualidade de responsável pelos danos causados e devedora da correspondente indemnização pela sua reparação [15] -, não veja constituir na sua esfera jurídica o direito ao recebimento dos juros de mora constituídos sobre o vencimento de cada um dos créditos laborais que deveria ter percebido atempadamente [a título de compensação], não fosse a interrupção contra legem do inerente vínculo de trabalho provocada pelo seu empregador.


O facto de se exigir que tal direito à perceção de juros só nasça na esfera jurídica do trabalhador com a declaração definitiva da ilicitude do seu despedimento – o que implica a proferição nesse preciso sentido de uma sentença judicial e o seu trânsito em julgado, com a formação do inerente caso julgado material – é perfeitamente compreensível, dado o número 1 do artigo 387.º do CT/2009 determinar que «a regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial».


Um trabalhador pode ter sido ilegalmente despedido por uma dada empresa, mas por ter conseguido, logo no imediato, um outro emprego mais bem remunerado e com melhores condições de trabalho e ascensão na carreira, que o leva a não acionar judicialmente a sua anterior empregadora dentro dos prazos legais dos 60 dias, 6 meses ou 1 ano sobre o referido termo do primeiro vínculo laboral, não tem qualquer direito ao recebimento da indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais prevista na alínea a) do número 1 do artigo 387.º do CT/2009 e aos respetivos juros de mora, por falta de título judicial que funde e justifique a perceção de qualquer uma dessas prestações principais ou acessórias.


Tal não significa, contudo, que a partir da dita declaração judicial e da extração das inevitáveis consequências derivadas do regime jurídico aplicável [desde que pedidas pelo Autor], não se possam [melhor dizendo, devam] contabilizar juros de mora [desde que igual e oportunamente reclamados pelo credor, como é o caso dos autos] a partir da data de vencimento de cada uma das prestações laborais de índole pecuniária que o trabalhador, normal e sucessivamente, auferiria, no quadro da regular e válida manutenção da sua relação laboral, como forma de restauração, até onde for materialmente possível, da situação existente, caso não se tivesse dado o facto danoso [cf., a este respeito, o disposto nos artigos 562.º a 564.º e 804.º a 806.º do Código Civil].


Logo, por este conjunto de razões, não vemos fundamento para julgar procedente o presente recurso de Revista, nesta sua outra vertente.


I – VENCIMENTO DOS JUROS DE MORA


A Ré, finalmente, coloca em crise o momento inicial do vencimento dos juros de mora em que foi condenada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa recorrido, por «QQ. Ainda que assim não se entendesse, no que não se concede, nunca poderia o Tribunal a quo ter condenado a Recorrente a pagar – como condenou – juros de mora “desde a data de vencimento das prestações”, uma vez que o termo inicial do vencimento dos juros de mora será a data do trânsito em julgado da decisão que declara a ilicitude do despedimento;


RR. A obrigação de juros é uma obrigação acessória face à obrigação principal (cfr. artigo 561.º do Código Civil), in casu, a obrigação de pagamento dos valores das retribuições devidas, dos subsídios de Natal e de férias e das horas de formação não ministradas, decorrendo da natureza acessória da aludida obrigação que a mesma só nasce aquando do nascimento da obrigação principal, isto é, com o trânsito em julgado da decisão que declara a ilicitude do despedimento;


SS. Assim, não pode a obrigação de juros repristinar os seus efeitos e/ou termo inicial a data anterior à data do vencimento da obrigação principal, da qual depende e à qual se encontra intrinsecamente ligada, por força da acessoriedade que a caracteriza».


Já abordámos, pelo menos em parte e no Ponto anterior, a questão relativa à quantificação dos juros de mora apenas desde o trânsito em julgado da decisão judicial condenatória ou desde a data do seu oportuno e normal vencimento, tendo aí já sido realçada a circunstância da entidade empregadora ter provocado, de forma voluntária e culposa, o evento danoso [no caso do despedimento ilícito] ou o incumprimento dos deveres jurídicos emergentes do contrato de trabalho firmado entre aquela e o «falso prestador de serviços», em função das normas legais constantes do Código do Trabalho de 2009 que ao mesmo eram aplicáveis.


A Ré, não obstante ter mantido com o Autor um vero e substancial vínculo de natureza laboral, acabou por não dar satisfação, em tempo oportuno, às obrigações que decorriam de tal relação de trabalho subordinado, como foi o caso do pagamento dos subsídios de férias e de Natal que se foram vencendo entre 30/8/2011 e 30/8/2019, o que fez incorrer a Recorrente em mora e a obriga agora a liquidar os juros de mora vencidos e devidos desde aquelas datas de vencimento até ao integral pagamento das correspondentes prestações.


Neste sentido vão os dois seguintes Arestos deste Supremo Tribunal de Justiça:


- o já antes referido, de 26/5/015, Recurso n.º 373/10.7TTPRT.P1.S1, Relator: Fernandes da Silva, com o seguinte Sumário Parcial:


XI - Dispondo o empregador de todos os elementos necessários à liquidação das retribuições intercalares (ou de tramitação) são devidos juros de mora desde o vencimento das componentes retributivas que integram a respetiva compensação.


- de 20/5/2020, Proc.º n.º 27559/16.8T8LSB.E1.S1, Relatora: Paula Sá Fernandes, publicado em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:27559.16.8T8LSB.E1.S1/, com o seguinte Sumário:


I. Numa situação de iliquidez aparente, na medida em que o réu tem forma de conhecer e liquidar os quantitativos peticionados e já vencidos, deve considerar-se que o réu se encontra em mora desde a data em que os montantes retributivos, que foi condenado a pagar, deviam ter sido colocados à disposição do autor/trabalhador, até ao seu pagamento.


II. Embora se trata de uma situação de responsabilidade por facto ilícito - não pagamento devido da retribuição - o devedor constitui-se em mora não desde a citação, como pretende o recorrente mas, nos termos da primeira parte do n.º 3 do art.º 805.º do Código Civil, desde a data em que já havia mora e que no caso ocorreu desde a data em que os montantes retributivos em causa deveriam ter sido colocados à disposição do autor/trabalhador.


No que respeita à falta de execução atempada do direito às horas anuais de formação decorrentes dos artigos 130.º a 134.º do CT/2009 e que se foram constituindo em cada um dos anos dessa relação de trabalho, impõe-se referir, por um lado, que a 2.ª instância desconsiderou para o efeito o limite temporal do número 6 do artigo 132.º do Código do Trabalho de 2009, nada tendo a Ré argumentado quanto a tal aspeto no seu recurso de revista.


Isso quer dizer que este Supremo Tribunal de Justiça está vinculado aos termos em que essa pretensão foi formulada pelo Autor [16] e decidida pelo Tribunal da Relação de Lisboa [d) Horas de formação não ministradas, no montante de 10.170,00 € (dez mil cento e setenta euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal devidos desde o vencimento das prestações até integral pagamento.].


Importa, contudo, não olvidar que tais anos de formação [2011 a 2019] que não foram cumpridos pela Ré sofreram a conversão na correspondente retribuição pecuniária, conforme previsto no artigo 134.º do CT/2009, conversão essa que ocorreu no dia 30/8/2019, com a cessação do vínculo laboral, ainda que promovida ilicitamente pela Recorrente.


Logo, embora sejam devidos juros de mora nos moldes antes explanados, afigura-se-nos que, no que respeita ao montante global de 10.170,00 €, os mesmos são devidos desde o dia 31/8/2019 até ao seu efetivo e integral pagamento.


Sendo assim, há que julgar, quanto a esta última questão [e apenas quanto a ela e com referência às horas de formação em dívida], parcialmente procedente o recurso de Revista interposto pela Ré.


IV. - DECISÃO


Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social em julgar parcialmente procedente o recurso de revista interposto pela Ré e, nessa medida, em alterar o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa quanto à data de vencimento dos juros de mora devidos e referentes às «Horas de formação não ministradas, no montante de 10.170,00 € (dez mil cento e setenta euros)» [alínea d)], data de vencimento que tem lugar apenas desde o dia 31/8/2019, contando-se os mesmos até ao efetivo e integral pagamento daquela quantia.


No mais, mantém-se a parte decisória do Aresto do Tribunal da Relação de Lisboa.


*


Custas do presente recurso a cargo do Autor e da Ré, na proporção de 1/40 e 39/40, respetivamente – artigo 527.º, número 1 do NCPC.


Notifique e registe.


Lisboa, 22 de maio de 2024





José Eduardo Sapateiro [Juiz Conselheiro Relator]


Domingos José de Morais [Juiz Conselheiro Adjunto]


Mário Belo Morgado [Juiz Conselheiro Adjunto]





_____________________________________________


1. Afigura-se-nos que ocorre aqui um lapso de escrita por parte do Tribunal da Relação de Lisboa que importa retificar nos termos do artigo 249.º do Código Civil e 613.º, número 2, 614.º, 666.º e 785.º do Código de Processo Civil de 2013, dado que, tendo sido alterado o Ponto 20., de maneira a referi-lo apenas ao Autor e não aos demais prestadores de serviços que originalmente eram aí mencionados, não se justifica que o Ponto 21. esteja igualmente referenciado aqueles e ao Autor e não unicamente a este último. Logo, deverá tal Ponto ter a redação que consta do corpo do presente Aresto.↩︎

2. Melhor dizendo, recai a elisão ou afastamento de aludida presunção sobre a entidade demandada como sendo a empregadora do demandante.↩︎

3. Cf., por todos, MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, obra citada, páginas 46 a 50 e JOÃO LEAL AMADO, obra citada, páginas 74 a 82.↩︎

4. Cf. também os Pontos de Facto números 3 a 10, que respeitam ao clausulado do denominado «contrato de prestação de serviços» redigido integralmente pelos serviços jurídicos da U e celebrado entre as partes, destacando-se de entre as cláusulas firmadas entre Autor e Ré as referidas nos Pontos 3, 4 [serviços múltiplos acordados], 5 [independência profissional e autonomia técnica da atividade médica desenvolvida pelo Autor e disponibilização ao mesmo das instalações, equipamento e material por parte da Ré, muito embora referindo-se, no seu número 3, que, apesar de ficar desobrigado do «cumprimento de quaisquer diretivas ou instruções da U», deverá o Autor «prestar-lhe a si [U] e a quem esta designar, quando a tal solicitada, todas as informações relativas ao estado e execução da prestação de serviços.»], 6 [planeamento/carga horária de 18 horas semanais], 7 [remuneração certa e mensal, em regime de avença, durante 12 meses ao ano] e 8 [celebração pelo autor de um contrato de seguro de acidentes de trabalho].

Impõe-se, naturalmente, cruzar também todos esses factos com os documentos juntos pelas partes que os complementam, justificam e explicam e que são aceites por Autor e Ré.↩︎

5. «23. O Autor deveria seguir os protocolos existentes relativos à medicina do trabalho.

24. Os protocolos de exames de vigilância de saúde dos trabalhadores são definidos de acordo com a legislação e os riscos profissionais.

32. A Ré tem índices de produtividade.

33. A Ré pretendia que o Autor mantivesse uma ocupação plena dos horários de consultas e efetuava um controlo estatístico das “taxas de ocupação” das mesmas.

64-A. Ré impunha tempos máximos de duração de consultas.»↩︎

6. «15. O Autor podia solicitar, sem justificação, o bloqueio das suas agendas por motivos pessoais.

16. O Autor podia compensar ou não as ausências, sendo que se não compensasse era descontado o valor respetivo no montante da avença.

17. Para compensar algumas das ausências do Autor, eram criados, a seu pedido, horários extra, dentro do período de funcionamento da Ré.»↩︎

7. 19. A Ré promovia, através da Diretora do SHST, com todos os médicos do trabalho ao seu serviço, reuniões, geralmente à quarta-feira, onde eram passadas informações sobre os protocolos e procedimentos existentes e orientações sobre a execução dos mesmos, sobre boas práticas, uniformização de critérios e de linguagem nos pareceres médicos, uniformização de discussão de casos clínicos, discussão de procedimentos, análise estatística do trabalho realizado.”

20. O Autor era convidado a participar nessas reuniões.

21. Caso não comparecesse não havia consequências disciplinares.”

Foi anda dado como Não Provado o seguinte facto:

«c) O Autor era obrigado a comparecer a reuniões de coordenação que a Ré promovia.»↩︎

8. «59. O Autor trabalhava onze meses por ano, acordando com a Ré o período em que pretendia ir de férias.

7. Quanto à remuneração dos serviços prestados foi fixado o regime de avença mensal, 12 meses por ano, no valor de € 2.520,00 (Cláusula 6.ª), passando depois para € 2.880,00, por adenda de 01.09.2017.»↩︎

9. «25. O Autor tinha autonomia para requisição de exames, incluindo extra-protocolo, cujos custos eram assumidos pela Ré.

26. O Autor prescreveu vários atos clínicos extra-protocolo sem necessidade de autorização prévia da Ré.»↩︎

10. «48. O Autor tinha um cartão informático para registar as refeições tomadas no seu refeitório, igual ao dos restantes trabalhadores ao seu serviço.

49. Por cada refeição, composta por sopa, um prato principal, sobremesa, bebida e pão era debitado a cada trabalhador a quantia de 0.51 €, assinalada no aludido cartão.

50. Sendo o valor mensal descontado na respetiva retribuição.»↩︎

11. «60. O Autor dava quitação das quantias recebidas através dos recibos fiscais dos prestadores de serviços, conhecidos por “recibos verdes”.

61. A Ré não pagava ao Autor nem Subsídio de Férias nem Subsídio de Natal.

62. A Ré nunca prestou formação profissional ao Autor.

63. Por carta recebida em 9 de Agosto de 2019, a Ré comunicou ao Autor a denúncia do seu contrato de trabalho com efeitos a 30 de Agosto de 2019.»↩︎

12. «OO. Sem prejuízo do exposto, e por mera cautela de patrocínio, sem conceder, caso o douto Supremo Tribunal de Justiça entenda manter a decisão do Tribunal a quo no que concerne à qualificação do contrato, a Recorrente entende que o montante fixado para a indemnização, de 20 dias por cada ano de antiguidade ou fração é excessivo face aos factos em causa, desde logo porque não existe nenhuma conduta censurável da Recorrente ou culpa manifesta, pelo que requer a sua redução para o mínimo legal, ou seja, para 15 dias por cada ano de contrato ou fração, atendendo à inexistência de culpa da Recorrente e qualquer fundamento factual e jurídico para uma fixação em montante superior; e que se relegue para incidente de execução de sentença o apuramento dos créditos laborais devidos ao Recorrido, os quais terão de atender, necessariamente, a factos que não foram tidos em consideração nos autos, desde logo, ausências, períodos de férias, e até enquadramento salarial atendendo à regulamentação coletiva aplicável aos trabalhadores da Recorrente».↩︎

13. Cf., por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-2017, Recurso n.º Proc. n.º 1368/15.0T8LSB.L1.S1 - 4.ª Secção, Relator: Ribeiro Cardoso, publicado em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/894ba9766978270b802580aa0039ff87?OpenDocument, com o seguinte Sumário Parcial:

«I - Na fixação do valor da indemnização devida em consequência de despedimento ilícito, deve ter-se em consideração o valor da retribuição e o grau de ilicitude, sendo aquele mais elevado quanto menor for a retribuição e quanto maior for a ilicitude do comportamento do empregador.

II - Tendo o despedimento sido declarado ilícito por prescrição do procedimento disciplinar e por improcedência do respetivo motivo justificativo, pela circunstância de se ter fundamentado em factos provados em acórdão proferido em processo-crime ainda não transitado em julgado, considerando que o A. auferia a retribuição mensal de € 3.024,63, a título de retribuição base e € 113,50, a título de diuturnidades, é adequada a fixação da indemnização em 20 dias de retribuição base e diuturnidades.»↩︎

14. «Cfr. PEDRO FURTADO MARTINS, Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª edição revista e atualizada, Principia, 2017, pp. 482-483.» - NOTA DE RODAPÉ DO EXCERTO DAS ALEGAÇÕES TRANSCRITO, COM O NÚMERO 22.↩︎

15. Onde se integram, como mínimos legais, a compensação do número 1 do artigo 390.º - sem prejuízo das deduções do seu número 2 - e a reintegração ou a indemnização em substituição desta previstas nos artigos 389.º, número 1, alínea b) e 391.º do Código do Trabalho de 2009.↩︎

16. O Autor alega e formula o seguinte pedido:

«90. Nos termos do artigo 127.º, n.º 1, alínea d) do CT, o trabalhador tem direito a formação profissional.

91. A qual, em cada ano, deve cobrir um período mínimo de 35 horas.

92. Sendo que, nos termos do artigo 134.º do CT, findo o contrato de trabalho, o trabalhador tem o direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação.

93. Assim:

a) 2011: 1.130,00 € (32,30 € x 35 =1.130,00 €)

b) 2012: 1.130,00 € (32,30 € x 35 =1.130,00 €)

c) 2013: 1.130,00 € (32,30 € x 35 =1.130,00 €)

d) 2014: 1.130,00 € (32,30 € x 35 =1.130,00 €)

e) 2015: 1.130,00 € (32,30 € x 35 =1.130,00 €)

f) 2016: 1.130,00 € (32,30 € x 35 = 1.130,00 €)

g) 2017: 1.130,00 € (32,30 € x 35 = 1.130,00 €)

h) 2018: 1.130,00 € (32,30 € x 35 = 1.130,00 €)

i) 2019: 1.130,00 € (32,30 € x 35 = 1.130,00 €)

94. O qual é no montante de 10.170,00 €.↩︎