Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | RIBEIRO DE ALMEIDA | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO ACÇÃO CÍVEL EMERGENTE DE ACIDENTE DE VIAÇÃO INDEMNIZAÇÃO DANOS PATRIMONIAIS PARALISAÇÃO DE VEÍCULO RECONSTITUIÇÃO NATURAL | ||
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Nº do Documento: | SJ200305270013516 | ||
Data do Acordão: | 05/27/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 7313/02 | ||
Data: | 11/21/2002 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
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Sumário : | I- No caso de acidente de viação imputável a terceiro a paralisação, confere ao lesado o direito à restituição natural; II- A restituição natural faz-se pela entrega de veículo das características semelhantes ou por quantia suficiente para o aluguer; III- No cumprimento das obrigações no exercício do direito o credor deve proceder de boa fé, não devendo fazer o lesado exigências que não sejam razoáveis ou que derivem de mero capricho. IV- Não procede de boa fé o lesado que não aceita um veículo de substituição semelhante ao acidentado, exigindo tão só um da mesma marca. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça A) "A", intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário, COMPANHIA DE SEGUROS B e outros, pedindo a condenação destes a pagarem - lhe a quantia de Esc. 2.314.563$00, acrescida de juros à taxa de 15% até 30/9/95 e à taxa de 10% a partir daquela data, o que se quantifica em Esc. 2.846.912$00 à data da propositura da acção e em juros vincendos até integral e efectivo pagamento. Apenas a Ré "B" veio a contestar, arguindo a excepção de ilegitimidade passiva dos 1º e 2º RR., admitindo a produção do acidente de viação nos termos descritos pelo A., mas impugnando os valores peticionados por aquele. Foi proferido o despacho saneador no qual se julgou partes ilegítimas os 1º e 2º RR e os absolveu da instância. A acção veio a ser julgada parcialmente procedente. Inconformada com tal decisão apelou a Ré para a Relação de Lisboa que proferiu Acórdão que revogou em parte a sentença recorrida. B) Recorre agora para este Supremo e, alegando, conclui assim: 1- Durante o período de privação, propôs a Recorrente que o Recorrido utilizasse um veículo da mesma gama, mais concretamente um BMW ou um Lancia Thema. 2- A obrigação que impendia sobre a ora Recorrente era tão só a de substituir o veículo sinistrado, enquanto não fosse possível entregar o veiculo do Recorrido (aqui sim uma verdadeira reposição natural, aquele, e só aquele automóvel, com bancos ortopédicos e mudanças automáticas, com a mesma matrícula, com o mesmo nº de chassis...). 3- A escolha cabe ao devedor nos termos do artigo 539° do Código Civil. 4- Mesmo que se considere que a obrigação era alternativa, como defendem os Venerandos Desembargadores, ainda assim, de acordo com o artigo 543° do Código Civil a escolha continuava a recair sobre a recorrente. 5- A obrigação secundária, veículo de substituição, não tem que seguir o regime da obrigação principal, desde logo pela impossibilidade de haver duas reconstituições naturais da mesma coisa. 6 - Desde que o Recorrido não aceitou o cumprimento da obrigação, a dívida deixou de vencer juros. 7- Pelo que não ao devidos os alegados 2.169.999$00, mas sim os 418.000$00. Nas suas contra alegações o Autora bate-se pela confirmação do julgado. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.C) Os Factos: 1. No dia 7 de Maio de 1994, na Calçada de Carriche, em Lisboa, ocorreu um embate entre o veículo automóvel de marca Mercedes, modelo 300 - 2.5 TURBO, a gasóleo, ligeiro de passageiros, de matrícula DA, conduzido e pertença do A., e o veículo pesado de mercadorias, de matrícula VG, conduzido por C e pertença de D, Lda., ambos circulando no sentido descendente; 2. O embate ocorreu quando o DA, integrado na fila de trânsito ininterrupta, tanto na faixa da direita como na faixa da esquerda, se encontrava parado, em virtude de os veículos que precediam na fila também se encontrarem parados, vindo o VG embater na traseira do DA; 3. O embate do VG no DA determinou que este fosse projectado contra o automóvel que precedia; 4. Em virtude do embate o DA ficou impossibilitado de se deslocar pelos seus próprios meios em consequência dos estragos vários cuja reparação foi no valor de Esc. 1 481 601$00; 5. A Ré suportou o preço referido em 4); 6. Em virtude dos estragos causados pelo embate o DA teve de ser rebocado até à oficina; 7. Desde 10 de Maio de 1994 e até à conclusão da reparação do DA, o Autor alugou um veículo equivalente ao DA, no que despendeu 2.169.999$00, sendo 299 310$00 de IVA, 193 966$0 de isenção de franquia e 125 000$00 de acidentes pessoais; 8. Entre a dona do veículo VG e a Ré havia sido celebrado acordo pelo qual a primeira transferia para a segunda a responsabilidade emergente de acidentes com o mesmo ocorridos nos termos constantes de fls. 47, cujo teor se dá por reproduzido; 9. O autor exerce a profissão de intermediário na compra e venda de imóveis; 10. Deslocando-se permanentemente por todo o País e Estrangeiro a fim de estabelecer contacto com proprietários de imóveis e promotores de empreendimentos imobiliários; 11. E em deslocações de trabalho em táxi, desde o embate até 10 de Maio de 1994, despendeu 12.510$00; 12. O Mercedes do A. esteve imobilizado pelo menos durante 22 dias por força da reparação que foi sujeito; 13. O DA é o único veículo pertencente ao A.; 14. Com o reboque referido na al. F) da especificação, o autor despendeu 22.272$00; 15. O DA tinha mudanças automáticas e bancos ortopédicos; 16. O que não acontecia com o veículo que o A. alugou; 17. A Ré propôs ao A. alugar a suas expensas um veículo para substituir o DA, de marca BMW ou Lancia; 18. O que o Autor recusou por pretender apenas um Mercedes; 19. A disponibilidade dos veículos referidos em 17) custaria à Réu 19.000$00 por dia; D) Decidindo: A questão - única - a decidir prende-se em saber se a seguradora é obrigada a indemnizar pela privação do uso do veículo do Autor, nos termos por ela propostos ou seja com a disponibilidade de um veículo de substituição de marca diferente do sinistrado. A obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria "se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação" - art. 562 do CC. "Dano é a perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito viola ou a norma infringida visam tutelar" - A. Varela, "Das Obrigações em Geral", vol. I, pág.591, 7ª edição. Na definição do citado civilista, "o dano patrimonial é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado". Este dano abrange não só o dano emergente ou perda patrimonial, como o lucro cessante ou lucro frustrado. A par da ressarcibilidade dos danos patrimoniais a lei contempla também a "compensação" pelos danos não patrimoniais, ou seja, aqueles que só indirectamente podem ser compensados - art. 494º, n.º 2, do Código Civil. O art. 566º do citado Código, consagra o princípio da reconstituição natural do dano, mandando o art. 562º reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador da responsabilidade. Não sendo possível a reconstituição natural, não reparando ela integralmente os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro - nº1 do art. 566º do Código Civil. Não sendo possível a reconstituição natural, não reparando ela integralmente os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro - nº1 do art. 566º do Código Civil. "A indemnização pecuniária deve manifestamente medir-se por uma diferença - pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido" - A. Varela, obra citada, pág. 906. A lei consagra, assim, a teoria da diferença tomando como referencial "a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que nessa data teria se não existissem danos" - art. 566º, nº2, do Código Civil. A indemnização pela simples privação do uso tem sido aplicada a partir da teoria da diferença. No caso de acidente de viação que é imputável a terceiro, dele tendo resultado danos em veículo que obrigue à sua reparação e, por isso, à paralisação, confere-se ao lesado o direito à reconstituição natural. A reconstituição natural pode fazer-se com a entrega de um veículo com características semelhantes ao danificado ou através da atribuição de quantia suficiente para contratar o aluguer de um veículo cujas características sejam semelhantes ao acidentado. Nos termos do disposto no Artigo 762 do Código Civil no cumprimento das obrigações, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé. Por isso o lesado não deve fazer exigências não razoáveis que revelem da sua parte um comportamento abusivo de modo a agravar a posição do devedor. É com base nestes princípios que se deve colocar a questão e não no cumprimento de obrigações alternativas ou genéricas. A responsabilidade é extracontratual. Não existiu qualquer contrato entre a recorrente e o recorrido para que se tenham estabelecidos obrigações genéricas ou de cumprimento alternativo. Resultou provado que a Seguradora demonstrou disponibilidade em suportar o aluguer de uma viatura que não um Mercedes o que o Autor recusou. Os veículos sugeridos foram um BMW ou um Lancia. O Autor pretendia um Mercedes. Os carros oferecidos pela recorrente custariam 19.000$00/dia. O Autor veio a alugar um Mercedes, que não tinha as mesmas características do veículo sinistrado, ou seja, não tinha bancos ortopédicos, nem caixa automática. A palavra equivalente não supõe que os veículos sejam iguais. Com o veículo de substituição, o lesado deve dispor de um veículo de características parecidas, nomeadamente quanto aos índices de segurança e conforto. Ora é um facto notório e público que quer a Mercedes quer a BMW constroem veículos confortáveis e seguros pelo que o BMW tem que se entender estar ao mesmo nível do Mercedes. No cumprimento da obrigação assim como no exercício do direito correspondente, as partes devem proceder de boa fé. - cf. Artigo 762 do Código Civil - . O credor no exercício do seu direito tem de agir com correcção e lisura de modo a que não tenha atitudes de mero capricho para com o devedor, de modo a tornar o cumprimento da obrigação mais onerosa. No caso que nos ocupa o recorrido não actuou no exercício do seu direito de boa fé. Recusou um veículo de substituição equivalente ao seu. E diz-se equivalente uma vez que quando alugou um veículo, mesmo da marca Mercedes este não tinha as características do seu. Não tinha bancos ortopédicos nem mudanças automáticas. A recusa da aceitação do veículo de substituição que a recorrente disponibilizou, preenchia a equivalência exigida para com o veículo a substituir. A recusa da aceitação do BMW e a insistência no veículo da mesma marca do sinistrado revela-se uma exigência irrazoável que revela um comportamento não condizente com o princípio da boa fé que a lei exige no exercício do direito, além de se mostrar abusivo. O certo é que, e está demonstrado, que o recorrido alugou tão só um veículo da mesma marca do seu, que não tinha as mesmas características. A recorrente não está assim obrigada a pagar a quantia que o recorrido despendeu no aluguer do Mercedes, mas tão só aquilo que a recorrente teria gasto com o aluguer do BMW, ou seja, 19.000$00/dia, num total de 418.000$00. Recusando a prestação, o recorrido incorreu em mora, pelo que sobre a quantia de 418.000$00 são devidos juros desde a decisão definitiva até efectivo pagamento calculados à taxa legal. E) Pelo exposto acorda-se em conceder a revista, e consequentemente em condenar a pagar ao Autor a quantia de 418.000$00, referente ao alugar de um veículo de substituição, mantendo-se o decidido quanto ao restante, ou seja ás quantias de 15.100$00 e 22.722$00 que vencem juros calculados ás diferentes taxas legais aplicáveis, desde a citação. Custas em todas as Instância pela recorrente e recorrido na proporção do vencimento. Lisboa, 27 de Maio de 2003 Ribeiro de Almeida Afonso de Melo Nuno Cameira |