Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
Relator: | FRANCISCO CAETANO | ||
Descritores: | RECURSO PENAL VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL CONTRADIÇÃO INSANÁVEL FUNDAMENTAÇÃO REPETIÇÃO DA MOTIVAÇÃO HOMICÍDIO CUMPLICIDADE CO-AUTORIA | ||
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Data do Acordão: | 12/07/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REJEITADO O RECURSO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - FACTO / FORMAS DO CRIME. DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS. | ||
Doutrina: | - Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, I, 2.ª ed., 758, 765, 792. - H. Gaspar et al., “Código de Processo Penal”, Com., 14.ª ed., 1356 e ss.. - M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, “Código Penal”, Parte geral e especial, 2014, 194 e ss.. - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª ed., UCE, 201, 206. - Simas Santos e Lela-Henriques, Noções de Direito Penal, 5.ª ed., 2016, 147. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 410.º, N.º 2, 412.º, N.º 1 E 417.º, N.º 3. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 27.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 24.04.2008, PROC. 3057/06-5.ª -DE 04.07.2013, PROC. N.º 1243/10.4PAALM.L1.S1. -DE 01.07.2015, PROC. N.º 208/13.9JABRG.G1.S1. -DE 29.10.2015, PROC. N.º 230/10.7JAAVR.P1.S1. -DE 18.02.2016, IN .WWW.DGSI.PT . | ||
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Sumário : | I - De acordo com o disposto nos arts. 412.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, do CPP, são as conclusões da motivação do recurso que delimitam os poderes de cognição do tribunal ad quem, só podendo conhecer-se das questões nelas versadas, salvo se outras houver, de conhecimento oficioso. II - Os vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP não podem fundamentar o recurso do arguido para este tribunal, por dizerem respeito a matéria de facto, fora do seu alcance, deles podendo conhecer oficiosamente desde que resultantes do texto da decisão recorrida, encarada em si mesma ou com simples recurso às regras gerais da experiência comum, o que se não vislumbra existir no caso concreto. III - Não obstante o recorrente reproduzir na motivação e nas conclusões considerações que havia apresentado para a Relação, sem qualquer questão nova, sem prejuízo da existência de jurisprudência deste STJ no sentido da rejeição do recurso por manifesta improcedência por falta de motivação, entendemos nada obstar ao conhecimento do recurso, mantendo-se a motivação, ainda que na sua mesmidade, por falta de disposição legal que o impeça. IV - A contradição na fundamentação ou entre esta e a decisão só desencadeia o vício da nulidade quando este não seja suprível (sanável) pelo tribunal recorrido, isto é, seja insanável. E o vício tanto pode resultar da contradição dos factos provados entre si como da contradição entre a fundamentação seja de facto, seja de direito, e a decisão. V - O vício em causa (como os demais da insuficiência da matéria de facto e de erro notório na apreciação da prova referidos no n.º 2 do cit. art. 410.º) e à semelhança das considerações acima tecidas, não constitui fundamento autónomo de recurso para o STJ, só por sua iniciativa este tribunal deles podendo conhecer, a verificarem-se e como tal evidenciados no contexto da própria decisão. VI - A doutrina portuguesa segue hoje quanto à co-autoria a "teoria do domínio do facto". Autor é quem domina o facto, quem dele é senhor, quem toma a execução nas "suas próprias mãos", de tal modo que dele decisivamente dependa o se e o como da realização típica. Aqui se distingue um domínio positivo do facto, de o fazer prosseguir até à consumação, e um domínio negativo, de o fazer cessar ou abortar. VII - Enquanto o autor singular executa por si mesmo o facto o co-autor toma parte directa na execução e fá-lo por acordo ou juntamente com outro ou outros. VIII - A forma mais comum é de a adesão de vontades na realização de uma figura típica ser a do acordo prévio, mas este pode ser tácito, sendo cada co-autor responsável como se fosse autor singular do resultado típico, desde que esse carácter implícito resulte da prova dos factos, desde logo com inferência às regras da experiência e da vida, da lógica e do bom senso, a permitir a conclusão de que a adesão ao projecto comum e o resultado final são razoavelmente de lhe imputar. IX - A decisão conjunta há-de ser revelada por "acções concludentes", sendo que o co-autor toma parte na execução do plano material, tornando-se senhor do facto, com os demais, sem que se torne necessária a prática de todos os factos que integram o iter criminis. X - Já quanto à cumplicidade (art. 27.º do CP), como uma outra forma de realização ilícita típica, consiste no auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso típico e ilícito, podendo este consistir num conselho ou influência do agente uma vez já previamente decidido à prática do facto e, aquele, na entrega de meios ou instrumentos ao autor que favoreçam a realização do facto, favorecimento este valorado segundo um juízo de prognose póstuma. XI - O cúmplice tem na essencialidade uma acção de ajuda, sem tomar parte na decisão do facto e seu domínio, pressupondo a prática de um facto doloso, mas faltando o domínio do facto, pelo que, não é cúmplice quem tome sobre si a execução do facto, não se limitando a um mero auxiliador, mas a ser, com os outros, figura central dos acontecimentos, de tal forma que do seu concurso dependa decisivamente a prática do evento. XII - Resultando dos factos provados que foi o recorrente E o mentor do plano aceite pelos demais arguidos, de marcar o encontro com a vítima através do arguido F “para lhe pregar um susto” e após aviso por SMS desse arguido aos demais, que rapidamente ocorreram ao local combinado, sendo o recorrente E começou por questioná-la sobre os rumores de revelar ter sido por ele e pelo J violada, que eram eles os beneficiários do dinheiro da prostituição a que se dedicava, o que a vítima negou, começando o recorrente E a desferir bofetadas, pontapés e murros em diversas partes do corpo da vítima, no que foi secundado pelo arguido J que após a queda da vítima no chão a sufocou e, mais tarde, com a vítima já inanimada foi a vez do arguido F a golpear com um canivete no pescoço até esta sangrar, forçoso é considerar que foi o recorrente E que desencadeou um acordo tácito e repentino por todos assumido de uma espiral de violência por todos executada que só terminou com a morte da vítima, actuando desta forma em co-autoria. XIII - A actuação do recorrente não se cingiu a mera ajuda moral ou material, para que possa qualificar-se como cúmplice do crime de homicídio, mas seu co-autor, num quadro factual, de um acordo tácito gizado entre os três arguidos, com uma clara consciência de colaboração e de adesão à conduta uns dos outros, numa palavra, num concerto de vontades e actuação grupal a partir do momento em que o recorrente aparece no local combinado, de surpresa interpelando a vítima, tendente a um querido desenlace final da sua eliminação física. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório No processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 119/14.OGBPRG da Secção Criminal – ...., da Instância Central da Comarca de ..., foram julgados e condenados, quanto à parte penal, única em causa, os seguintes arguidos: 1. AA (nascido em ....). a) - Pela prática, em autoria material, de 1 crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 2.º, nºs 2 e 4, 21.º, n.º 1 e 25.º, alínea a), do DL nº 15/93, de 22.01, por referência à Tabela I-C, anexa ao DL 15/93, de 22.01 e ao art.º 9º, e correspondente mapa, da Portaria n.º 94/96, de 26/03, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; b) - Pela prática, em concurso real e efectivo e em co-autoria de 1 crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º1 e 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 17 anos de prisão; c) - Pela prática, em concurso real e efectivo e em co- autoria de 1 crime de ocultação de cadáver, previsto e punido pelo artigo 254.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão. d) - Em cúmulo jurídico das três penas de prisão foi condenado na pena única de 18 anos de prisão; 2. BB (nascido em ....): a) - Pela prática, em concurso real e efectivo e em co-autoria de 1 crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º1 e 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 17 anos de prisão; b) - Pela prática, em concurso real e efectivo e em co-autoria de 1 crime de ocultação de cadáver, previsto e punido pelo artigo 254.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; c) - Em cúmulo jurídico das duas penas de prisão foi condenado na pena única de 17 anos e 6 meses de prisão. 3. CC (nascido em ...): a) - Pela prática, em concurso real e efectivo e em co-autoria de 1 crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.º1 e 2, alínea h), do Código Penal, na pena de 17 anos de prisão; b) - Pela prática, concurso real e efectivo e em co-autoria de 1 crime de ocultação de cadáver, previsto e punido pelo artigo 254.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; c) - Em cúmulo jurídico das duas penas de prisão foi condenado na pena única de 17 anos e 6 meses de prisão. Um outro arguido, DD, foi, entretanto, absolvido. Desse acórdão recorreu o arguido AA para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão de 13.06.2016, negou provimento ao recurso e confirmou, na íntegra, a decisão recorrida. De novo inconformado, recorreu o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões, elas próprias delimitadoras do objecto do recurso (art.º 412.º, n.º 1, do CPP): “1 - O arguido/recorrente não aceita a tese do tribunal recorrido segundo a qual a morte de EE foi o resultado de uma combinação, ainda que tácita, no local dos acontecimentos e à medida que estes se vão desenrolando e isso não resulta da prova produzida. 2- Também não resultou que o arguido/recorrente tenha dado o seu acordo para a realização conjunta dos factos e existe a possibilidade de que com o inesperado e macabro dos acontecimentos este tenha entrado em pânico e não tenha actuado da maneira que seria espectável, mais, todo o acontecimento da morte propriamente dita acontece em dez minutos, o que teria de levar o Tribunal de que se recorre a ter duvidado. 3 - O facto de ter estado presente e de ter admitido a ocultação não é o suficiente para suportar a co-autoria do crime de homicídio qualificado, pois tal não significa, sem margem para dúvida, que no instante da morte o arguido/recorrente tivesse conjugado vontades e aderisse às atitudes que outros tomavam. 4 – Os restantes arguidos não têm motivo algum para proteger o arguido/recorrente e estes são lineares a dizer que o AA não participou no crime, se estes considerassem co-autores não teriam problemas em imputar-lhe tal responsabilidade, coisa que fizeram entre si. 5 - É contraditório que o Tribunal não ache que tenha existido conluio quanto ao planeamento do encontro tendente à morte, mas depois, sem suporte em actos físicos do arguido, considere que este quis este resultado, que o configurou e que assim tenha praticado o crime de homicídio qualificado em co-autoria, suportando então a sua intencionalidade em presunções, regras de experiência gerais e prova indirecta. 6 – O Arguido não pratica actos tendentes à morte da vítima, nem que fez algo para que isso acontecesse, dado o dolo ser um elemento interno de cada um e na ausência de actos, não se verifica. 7 - Para aferir do dolo o Tribunal baseia-se em comportamentos que o arguido/recorrente adopta antes, durante e depois, o que revela uma intenção, mas a maior parte deles (descritos no art.º 31.º) são os mesmos que justificam o encontro para “pregar o susto”. 8 - No caso do arguido/recorrente não é pacífico que a intenção tenha existido. 9 - Pressupondo que o desfecho não seria a morte de EE, permaneceria tudo o resto, as declarações, as ameaças, o conluio para a atrair àquele local e não fossem os actos praticados por BB e CC, EE não teria certamente morrido. 10 - A declaração do arguido/recorrente, “ter uma última conversa com ela”, não quer necessariamente dizer que é a última antes da sua morte, é a última porque depois desta tentativa passaria a querer ter mais do que uma conversa, não querendo tal declaração querer dizer que estaria a vislumbrar a morte como possível solução. 11 - No caso em apreço não [há] comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria, pois o arguido AA não tem intervenção directa na fase de execução do crime de homicídio qualificado, não se verifica qualquer divisão de papéis ou de tarefas, nem “trabalho de equipa”, o momento da morte de EE foi tão atabalhoado e inesperado que este não podia esperar o comportamento dos outros arguidos. 12 - É possível que o “mentor da situação”, que pretendia “pregar um susto”, tenha visto as coisas escaparem ao seu controle, na medida que nunca previu nem pretendeu este resultado e que simplesmente não conseguiu fazer nada para o alterar, porque nada daquilo foi por ele pretendido. 13 – De acordo com o Acórdão, o arguido/recorrido espoletou a situação, mas diferente é afirmar que o mesmo teve intencionalidade e participação, ainda que tácita, nem tinha consciência de colaboração, pelo que este não contribuiu para a realização do tipo. 14 - Aceitando a questão da imputação indirecta do dolo teria de, pelo menos, ter sido ponderada a cumplicidade baseada num auxílio moral à prática por outrem do facto doloso, pois o AA não detém o domínio do facto típico, que é um elemento essencial, em nosso entender, a uma situação de co- autoria. 15 - Ter conhecimento directo da situação apenas favorece a prática deste crime, na estrita medida que nada faz para o impedir, nunca tomando parte nele, mas o facto de não [o] impedir não pode implicar acordo de vontade com o que se estava a passar. 16 - Tal resultado não poderia ser imputado a todos os participantes da mesma forma, [a] morte de EE não deve ser atribuída ao arguido que é ora recorrente, pois este não participou para o resultado da sua morte, nem o perspectivou como possível. 17 – Assim, o arguido/recorrente só deve responder pelo que fez em concreto e não pela actuação dos outros dois arguidos. 18 - O elemento subjectivo da co-autoria não se mostra preenchido pelo que o Acórdão sempre teria de ter absolvido o arguido/recorrente do crime de homicídio qualificado. 19 - Não existiu uma correcta aplicação da lei, nem um correcto enquadramento jurídico-penal dos factos, no que concerne ao crime de homicídio qualificado. 20 - ERRO DE DIREITO - VIOLAÇÃO DOS ARTS. 22.° E 26.° DO CP, E DO ART. 9.°, N.°2, DO CÓDIGO CIVIL, E APLICAÇÃO ANALÓGICA VIOLANDO O PRINCÍPIO «NULLUM CRIMEN, NULLA POENA SINE LEGE STRICTA», QUE É UM COROLÁRIO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, VIOLANDO ASSIM TAMBÉM OS ARTIGOS 29.°, N.° 1 E 3, DA CONSTITUIÇÃO E ART. 1.°, N.° 3, DO CÓDIGO PENAL. 21 - VIOLANDO ESTA CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO A QUO, PELO TRIBUNAL AQUI RECORRIDO, JURISPRUDÊNCIA FIXADA PELO STJ E POR AQUELE TRIBUNAL (RECORRIDO) INVOCADA, POR ERRÓNEA INTERPRETAÇÃO DA DOUTRINA ACOLHIDA NOS ACÓRDÃOS DO STJ. 22 - A nossa lei determina que é punido como co-autor quem tomar parte directa na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro ou outros, (art.º 26° CP) (E NÃO, INDIRECTA: A LEI REFERE DE FORMA EXPRESSA A NECESSIDADE DE HAVER UMA PARTICIPAÇÃO DIRECTA DE CADA CO-AUTOR NA EXECUÇÃO DO FACTO TÍPICO, E NÃO DO PLANO). 23 - Assim, para o agente ser punido como co-autor são necessários três requisitos cumulativos: O primeiro: uma decisão conjunta, na forma de um plano acordado previamente à acção, com vista à obtenção de um determinado resultado (o facto típico ilícito punível), o segundo: uma execução igualmente conjunta. Pese embora, no que se refere à execução nos casos de comparticipação, não seja indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos a praticar para a obtenção do resultado desejado, bastando que a actuação de cada agente, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado. Não sendo necessário que cada um dos comparticipantes cometa integralmente o facto punível, ou que execute todos os factos correspondentes ao ilícito, desde que seja incriminada a actuação global dos agentes. Mas tem, no entanto, que tomar parte directa na execução do crime. E, toma parte directa na execução do crime quando pratica um qualquer acto de execução, por si só, ou conjuntamente com outros(s) agente(s). Sendo actos de execução: A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto da Relação de Guimarães respondeu no sentido da rejeição do recurso, por manifesta improcedência, dado mais não ser que a reedição do que aí foi apresentado da decisão da 1.ª instância, assim carecendo de motivação. Neste Supremo Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no seu visto, pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso quanto às duas questões colocadas a reexame, ou seja, à nulidade por insuficiência de fundamentação do acórdão ou à qualificação jurídica da co-autoria material do crime de homicídio. Cumprido o n.º 2 do art.º 417.º do CPP, não houve lugar a resposta do recorrente. Colhidos os vistos, cumpre decidir, vindo colocadas a este Supremo Tribunal as seguintes questões: a) – O vício da alín. b) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP da contradição insanável da fundamentação do acórdão recorrido; b)- A qualificação jurídico-penal dos factos no concernente à forma de comparticipação do recorrente no crime de homicídio qualificado: co-autoria versus cumplicidade. * II. Fundamentação A) - Os factos provados Na decisão recorrida vêm dados como provados os seguintes factos: 1) Desde os 18 anos de idade, o arguido AA consumiu haxixe e, quando o adquiria, o que ocorria pelo menos uma vez por semana, vendia parte a amigos e todos aqueles que o contactasse, na localidade de .... e arredores, por € 5,00 (cinco euros). 2) Actividade, essa, que se prolongou até ao dia 13.10.2014, altura em que foi detido, no âmbito dos presentes autos. 3) O arguido DD, vulgarmente conhecido por ... e o arguido AA são irmãos entre si e são amigos do arguido CC e do arguido BB, tendo estes pernoitado várias vezes na casa dos pais do DD e do AA, sita no Bairro ..., onde DD e AA também viviam. 4) Durante algum tempo o BB chegou, inclusive a viver na casa daqueles. 5) Em época em que os arguidos AA e BB mantinham um relacionamento amoroso com outra pessoa, tiveram relações sexuais com a EE, numa casa abandonada no .... 6) Desde data não apurada, mas seguramente desde Agosto de 2013 até finais de Dezembro de 2013, o arguido AA abordava e discutia com a CATARINA para que esta parasse de o difamar. 7) Em dia não apurado, o arguido AA confrontou a EE com aquilo que ela andava publicamente a dizer, de que o ia denunciar às autoridades por vender narcóticos, por lhe exigir que lhe entregasse as quantias que recebia dos clientes e que ia revelar à sua namorada FF que ele a tinha traído com ela. 8) Nesse entretanto, o arguido BB e o arguido AA começaram a ouvir rumores que alegadamente a EE revelou a terceiros que eles a tinham violado, que ela andava a prostituir-se e que ela lhes entregava todo o dinheiro que recebia dos clientes - “velhotes”. 9) Em altura que não foi possível precisar, o arguido AA disse, com raiva, ao arguido BB que qualquer dia ia matar FF, pois esta podia estragar-lhe a vida. 10) Os arguidos AA e BB quando falavam de EE, tratavam-na com desprezo, segundo BB, ela tinha “uma deficiência na cabeça”, “era uma oferecida”, era uma “puta”. 11) Em data que não foi possível determinar, a EE deixou de falar com os arguidos AA e BB, não lhes atendia o telefone, não obstante os inúmeros contactos que estes lhe fizeram. 12) Perante isto, o arguido AA temeu que a EE pudesse a qualquer momento concretizar o que andava a publicamente divulgar, e aquele vendia estupefaciente em quantidade que o podia comprometer, podia inclusive pô-lo na cadeia, realidade que confirmou perante o Tribunal. 13) Por sua vez, o BB teve receio que a EE também revelasse à sua namorada que ele se tinha envolvido sexualmente com ela e, bem assim, que ela continuasse as espalhar os rumores e que estes chegassem aos ouvidos das autoridades. 14) Realidade que os arguidos AA e BB deram a conhecer ao arguido CC. 15) Posto isto, o arguido AA combinou com os arguidos BB e CC marcar um encontro com a EE, para lhe pregar um susto, evitando, dessa forma que ela os denunciasse, pois esta sabia de factos que podia comprometer, designadamente o AA e o BB. 16) Dado que a EE não falava com os arguidos AA e BB e que viviam todos na mesma casa, facto que a EE tinha conhecimento, os arguidos decidiram entre si que o CC, que a conhecia, a contactaria, via telefone, para tomar um café, após as 20h30 e depois a conduziria para junto do rio ..., no final da ciclovia, existente na marginal, em ..., altura em que os restantes arguidos apareceriam. 17) No local, acima referido, atenta a hora e época do ano, não passam transeuntes, a iluminação é escassa ou praticamente nula. Os arguidos dificilmente seriam detectados por terceiros e a EE poucas hipóteses teria de pedir ajuda, de se ausentar ou ser socorrida, em caso de necessidade. Realidade que todos os arguidos tinham conhecimento. 18) Assim determinados, com o referido propósito, os arguidos decidiram levar a cabo o referido plano por eles engendrado. 19) No dia 30 de Dezembro de 2013, de acordo com o planeado, à noite, após as 20h30, o arguido CC, na presença dos restantes arguidos, contactou via telemóvel EE e perguntou-lhe se queria tomar um café, ao que ela disse que sim, e nessa sequência combinaram encontrarem-se no café denominado ..., sito junto ao rio, em .... 20) Depois, o arguido CC deslocou-se ao café ..., sito junto ao Rio ..., em ..., onde se encontrou com a EE. 21) Conforme o combinado, o arguido CC saiu do café com a EE e apeados foram para a marginal, junto ao rio, tendo este depois a encaminhado, enquanto conversavam, para o final da ciclovia, ali existente, sentido ..., onde apenas existe uma horta e mato. 22) O arguido CC enquanto falava trivialidades com EE enviou SMS ao arguido AA a dar-lhe conta que já se encontravam no local acordado. 23) Perante isto, os restantes arguidos AA E BB que se encontravam nas imediações, a aguardar o contacto do arguido CC, encaminharam-se rapidamente para o local. 24) De repente, junto do arguido CC e EE, surgiram os arguidos AA e BB e de imediato o arguido AA questionou a arguida EE quanto aos rumores e dirigiu-lhe vários epítetos, tendo esta negado as acusações, de forma veemente e dito que não os ia denunciar 25) O arguido AA enquanto falava aproximou-se da EE e, de repente, desferiu-lhe bofetadas, pontapés - “ biqueiradas”- e murros que a atingiram em várias partes do corpo, tendo ela recuado, com o impacto das agressões, pois era franzina. 26) A dado momento, o arguido BB apodou a EE de “cabra” e disse- lhe que ela os ia meter na cadeia e, ao mesmo tempo que o arguido AA lhe batia, desferiu-lhe, igualmente, chapadas, murros, pontapés… 27) A EE começou a gritar por socorro e continuou a dizer que não tinha dito nada a ninguém e que não o iria fazer, palavras que repetiu várias vezes. 28) Enquanto isto, os restantes arguidos mantiveram-se junto a EE. 29) De repente, EE foi empurrada com força contra um tanque e começou a cambalear e tentou escapar-lhes, pois estes continuaram a bater-lhe. Ela virou-se, para um lado e para outro, mas não teve como fugir, todos os arguidos, AA, BB E CC estão próximos da EE. 30) Entretanto, a EE, sem forças, para se manter em pé, caiu desamparada no chão, em momento em que todos arguidos estão relativamente perto de si. 31) De seguida, enquanto EE estava no chão, o arguido BB debruçou- se sobre ela e, com as duas mãos, apertou-lhe o pescoço. Ela gritou por ajuda e tentou retirar- lhe as mãos do seu pescoço, mexeu-se, debateu-se com o corpo, mas sem sucesso. O arguido continuou a aperta-lhe o pescoço enquanto dizia “morre vaca, morre”. Depois de decorrido algum tempo, o arguido BB levantou-se, afastou-se ligeiramente e deu um abraço ao arguido AA. 32) A EE ficou inanimada. 33) Depois, o arguido CC retirou um canivete com pelo menos 18 cm e lâmina curva, do bolso, colocou um dos pés na cabeça de EE, baixou-se e com força desferiu-lhe vários golpes no pescoço, que sangrou. Em acto contínuo, o arguido CC começou a fazer cortes de frente/lateral no pescoço de EE como se estivesse a brincar com a navalha. 34) Enquanto isso, os outros arguidos, AA e BB, mantiveram-se imóveis junto de EE e do arguido CC. 35) Pouco tempo depois o arguido CC afastou-se de EE e juntou- se aos restantes arguidos. 36) Após, os arguidos convenceram-se que a EE estava sem vida. 37) Seguidamente, o BB aproximou-se da EE, baixou-se e procurou na sua roupa – casaco de malha de manga comprida com capuz cor-de-rosa florescente e calças de ganga azul, que esta trajava, - se ela tinha bens/valores e, a dado momento encontrou um telemóvel e algumas moedas do BCE, que fez seus. 38) De repente, o telemóvel de EE tocou e perante isto, o BB, de imediato, removeu o cartão SIM e deitou-o fora. 39) Depois, os arguidos AA, BB E CC acordaram entre si ocultar o cadáver da EE, para o efeito precisavam de uma enxada/sachola, para cavar um buraco para colocar o cadáver e foram buscar uma sachola. 40) Os arguidos AA, BB e CC decidiram, igualmente, que o arguido CC ficaria junto ao corpo, o que este fez. 41) Volvido algum tempo, os arguidos BB e AA regressaram com uma enxada e uma luz. 42) De imediato, os arguidos AA e BB distanciaram-se cerca de 300/400 metros, do local onde se encontrava o corpo de EE, no sentido ..., encontraram um lugar plano e começaram a cavar. 43) Quando o buraco já tinha uma profundidade suficiente, os arguidos AA, BB e CC pegaram no corpo e levaram-no para o local onde tinham feito a cova. A determinada altura, o caminho ficou mais estreito, momento em que o corpo foi apenas transportado por AA e BB. 44) Quando chegaram ao local, colocaram o corpo no seu interior, como este era mais pequeno que o corpo da EE os arguidos colocaram-na de lado e com as pernas parcialmente dobradas. 45) De seguida, os arguidos AA e BB cobriram-na com a terra que tinham escavado o buraco e, depois, afim de ninguém detectar que naquele local houve remoção de terras, cobriram o local com arbustos e canas, que se encontravam nas imediações. 46) Já de madrugada, os arguidos ausentaram-se do local. 47) Entretanto, os arguidos revelaram alguns pormenores do sucedido a terceiros. 48) Desde então até serem detidos, os arguidos, por diversas vezes, conversaram, pretendo saber se os demais tinham conhecimento de algo relacionado com o desaparecimento de EE. 49) Os arguidos quando questionados quanto ao paradeiro de EE diziam que não sabiam. 50) O arguido AA agiu de forma livre, voluntaria e consciente, e com conhecimento da qualidade, quantidade e características estupefacientes do produto que cedia e vendia a terceiros, - Cannabis -, bem sabendo que a sua venda e/ou cedência a terceiro eram proibidos. 51) O arguido actuou bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. 52) Ao actuarem da forma acima descrita, em superioridade numérica, em conjugação de esforços e de intentos e com a adopção das descritas condutas, os arguidos actuaram bem sabendo que ao apertarem o pescoço da ofendida e ao desferirem vários golpes no pescoço desta, que estes eram meios aptos e idóneos a tirarem a vida a um ser humano. 53) Os arguidos persistiram nestes seus propósitos e vontade com total indiferença pela vida humana. 54) Mais sabiam os arguidos que ao actuarem da forma supra descrita procuravam ocultar o cadáver da ofendida EE para que o mesmo não fosse descoberto, ou que caso este fosse encontrado meses ou anos depois, os restos cadavéricos não fossem identificados. 55) Todos os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente. 56) Mais sabiam os arguidos serem os seus comportamentos proibidos e punidos por lei penal. Mais resultou provado do alegado pelos arguidos nas suas contestações: 57) Do arguido BB, apenas o respeitante à sua situação económico-social: que o arguido possui o 2.º ano do ensino básico, que aquando da sua detenção o arguido trabalhava na agricultura com um seu familiar obtendo um pagamento diário de 25,00 euros por cada dia de trabalho efectuado; residia com a sua companheira, em casa arrendada, pagando renda cujo montante não se apurou, que a sua companheira é funcionária numa unidade hoteleira, auferindo salário que também não se apurou; que o arguido tem uma filha menor, de uma anterior relação. 58) Do arguido CC, pelas pessoas que sobre a sua personalidade prestaram depoimento, o arguido é considerado como sendo pessoa normal, a quem não são conhecidos quaisquer actos de violência ou desacatos, que cumprimentava toda a gente; o arguido por motivos de depressão e instabilidade emocional encontra-se a ser acompanhado no Estabelecimento Prisional por psicólogo e psiquiatra; é considerado pessoa serena; durante o tempo que esteve no E.P. sempre demonstrou bom comportamento, sendo neste contexto cumpridor de todas as regras do sistema prisional que lhe foram impostas, empenhado nos trabalhos e actividades proporcionadas; participa numa banda de reclusos como vocalista, bem como frequenta escola no curso EFA-NS – Educação e Formação para Adultos – Nível Secundário – a fim de completar o 12.º ano de escolaridade. Mais resultou provado no que concerne a antecedentes criminais dos arguidos: 59) O arguido AA não tem averbado no seu certificado de registo quaisquer condenações (fls. 1154). 60) O arguido BB tem averbado no seu certificado de registo criminal as seguintes condenações (fls. 1128 a 1132): (1) No processo n.º 507/10.1PBCHV do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves pela prática em 17/08/2010 de um crime de ofensas à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.º do C. Penal, foi condenado por sentença de 17/11/2001, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros, no total de 600,00 euros, a qual foi extinta pelo pagamento; (2) No processo n.º 562/10.4TACHV do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves, pela prática em 14/10/2010, de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º1, do C. Penal, foi condenado por sentença de 12/04/2012, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, a qual foi julgada extinta nos termos do art.º 57.º do C. Penal. 61) O arguido CC tem averbado no seu certificado de registo criminal as seguintes condenações (fls. 1133 a 1138): (1) No processo n.º 515/12.8GBPRG do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Régua, pela prática em 18/11/2012, de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º do C. Penal, foi condenado por sentença de 28/11/2013, na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 horas de trabalho a favor da comunidade, extinta. (2) No processo n.º 164/13.3GBPRG da Instância Central Criminal de Vila Real, J2, foi efectuado cúmulo jurídico das seguintes condenações: pela prática, em 26/04/2013, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo art.º 203.º, n.º1, 204.º, n.º2, al. e), com referência ao artigo 202.º, al. d), 22.º e 23.º, n.º1 e 73.º, n.º1, al. a), todos do C. Penal; pela prática em 20/05/2013 de um crime de furto simples, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º1, e 204.º, n.º2, al. e) e n.º 4, 202.º, al. c), todos do C. Penal; pela prática em 26/04/2013 de um crime de furto simples, p. e p. pelo art.º 203.º, n.º1 e 204.º, n.º 2, al. e), com referência aos artigos 202.º, al. d), 22.º, 23.º, n.º1 e 73.º, nos 1, al. a) e b), todos do C. Penal; pela prática em 27/08/2013, de um crime de detenção de arma proibida, pp. pelo art.º 86.º, n.º1, al. d), da Lei 5/2006, de 23/02; pela prática em 13/09/2013, de um crime de ofensa à integridade física na forma tentada, pp. pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º, n.º1, als. a) e b), 143.º, 145.º, n.º1, al. b) e 2, com referência 144.º al. d) e 132.º, n.º2, al. a), do C. Penal; pela prática em 26/04/2013, de um crime de dano simples, p.p. pelo art.º 212.º, n.º1, 213.º, n.º1, al. c) e n.º3, do C. Penal; pela prática em 27/08/2013, de um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada, pp. pelo artigos 22.º, 23.º, 73.º, n.º1, als. a) e b), 143.º, n.º1, 145.º, n.º1, al. b) e 2, com referência aos artigos 144.º, al. d) e 132.º, n.º2, al. a), do C. Penal e pela prática em 13/09/2013, de um crime de ameaça agravada p.p. pelos artigos 153.º, n.º1 e 155.º, n.º1, al. a), do C. Penal, foi condenado na pena de 3 anos e 10 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova. (3) No processo n.º 415/13.4GBPRG da Instância Local de Peso da Régua – J1 – pela prática em 20/10/2013 de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º1, do C. Penal, foi condenado na pena de 1 ano de prisão, suspensa por igual período. (4) No processo n.º 515/12.8GBPRG da Instância Local de Peso da Régua, pela prática em 18/11/2012, de um crime de roubo p.p. pelo art.º 210.º, n.º1, do C. Penal, foi condenado na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 horas de trabalho, a qual foi extinta. 62) (Diz respeito ao arguido DD que foi absolvido). 63) Do relatório social para determinação da sanção do arguido AA consta o seguinte: AA, nascido na cidade do ..., é o segundo mais novo de um agregado familiar numeroso constituído por sete irmãos. Predominava a precariedade económica dependendo a manutenção da família das receitas incertas auferidas pelos pais na agricultura. A dinâmica intrafamiliar pautava-se pela disfuncionalidade, sobretudo pelos hábitos de alcoolismo evidenciados por ambas as figuras parentais, o que provocava negligência e desinteresse pela protecção dos descendentes, todos eles confrontados depois com experiências institucionais. A incapacidade das figuras parentais em desempenharem de forma satisfatória a acção socioeducativa, ao nível da afectividade e de delimitação de normas e valores, esteve presente na dificuldade de alteração do absentismo escolar de AA e, consequentemente, na sua acentuada desmotivação pelos conteúdos curriculares, ficando somente pela conclusão do 4º ano de escolaridade. Entretanto e atenta a negligência familiar, foi constituído pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco do ... um processo de promoção e protecção, tendo AA sido institucionalizado na Escola Agrícola de Chaves, onde permaneceu entre 02.01.2007 e 26.09.2007. Frequentou o 5º ano de escolaridade, mas registava comportamentos anómalos, com rejeição de regras e fugas frequentes à escola, o que levou ao abandono da instituição. Regressou ao ...a, onde concluiu o 6º ano de escolaridade, transitando depois para uma formação profissional no sector de bar e mesa que lhe devia dar equivalência ao 9º ano de escolaridade. Porém, revelava desmotivação, pelo que acabou por desistir. É nessa altura que passou a acompanhar um grupo de pares com características desviantes, privilegiando o espaço rua como contexto de interacção social. Com 15 anos, AA sofreu um acidente grave quando caiu da ponte do caminho-de-ferro que utilizava amiudadamente com os irmãos. Fracturou os dois pulsos, teve paralisia das pernas e lesou o baço, tendo estado internado dois meses, incluindo duas semanas em estado de coma. Apesar da gravidade da situação, o arguido referiu que não lhe ficaram sequelas dignas de registo. É após o acidente que inicia o consumo de estupefacientes (haxixe), mantendo um estilo de vida marginal e, com 16 anos, envolveu-se no primeiro processo judicial, por crimes de roubo. Foi condenado a uma pena de um ano de prisão, substituída por 365 horas de trabalho comunitário, que cumpriu na Junta de Freguesia do ... e que decorreu de forma positiva. O arguido teve um percurso profissional inconsistente, registando apenas com 20 anos uma experiência laboral mais duradoura, quando trabalhou seis meses na construção civil. À data dos factos (Dezembro de 2013), o arguido integrava o agregado familiar de origem constituído pelos progenitores e mais tarde durante alguns meses pelo irmão, DD, co-arguido neste processo. O contexto intrafamiliar mantinha o desinvestimento ao nível afectivo, predominando o alcoolismo do pai, no entanto, a progenitora abandonara os consumos na sequência de dois acidentes vasculares cerebrais, que lhe condicionaram a capacidade de locomoção e a expressão verbal. Com a permanente disfuncionalidade em que a família vivia, asseguravam, contudo, o mínimo essencial à subsistência, com os apoios da segurança social, sendo a progenitora abrangida pelo rendimento social de inserção (RSI), no valor de € 140 por mês e pelas receitas incertas obtidas pelo pai, na agricultura. Com os irmãos ausentes, por motivos de reclusão, de institucionalização ou de autonomia (no caso dos mais velhos) o arguido permaneceu no agregado de origem, mas deparava-se com um ambiente familiar desorganizado e disfuncional. Inactivo profissionalmente e sem ocupação do tempo de uma forma organizada, o arguido aprofundou mais a convivência com o grupo de pares conotado com comportamentos desviantes e com a prática de consumos de haxixe e álcool, situação no entanto, algo desvalorizada pelo arguido. Entre maio e Outubro de 2014 (mês de reclusão), o arguido e namorada estiveram a residir em Mafra, onde ambos trabalharam: ele na construção civil (de forma precária) e ela numa grande superfície comercial. Porém, consideraram ambos que a situação laboral era insatisfatória, designadamente, porque não gerava receitas suficientes à respectiva manutenção, pelo que optaram por regressar ao .... No contexto sócio residencial, AA projecta uma imagem negativa associada aos seus hábitos aditivos, ausência de investimento em actividade estruturada, de trabalho ou de lazer, convívio com pares anti-sociais, mais acentuada devido à exposição mediática dos crimes de que se encontra acusado no presente processo. Junto do órgão de polícia criminal local, AA está associado aos consumos de estupefacientes e à prática de pequenos furtos. O principal impacto dos presentes autos incidiu na sua estabilidade emocional, pelas consequências trágicas que culminaram na morte da ex- companheira do irmão. O arguido apresenta-se perturbado pelo confronto com o aparelho de justiça, estando a ser acompanhado desde o início da reclusão por uma psicóloga que o tem ajudado a gerir os momentos de ansiedade. Teme as implicações ao nível familiar que poderão resultar de uma eventual condenação na sua relação com GG (também detido), irmão e antigo namorado da vítima e pai dos filhos da mesma. A reclusão veio a determinar entretanto o fim da sua relação afectiva. AA não regista sanções no estabelecimento prisional, estando ocupado no ateliê de trabalhos manuais e no ginásio. As visitas são asseguradas pelos pais, sempre que têm condições económicas para deslocações. 64) (Respeita ao relatório social do não recorrente BB). 65) (Respeita ao relatório social do não recorrente CC). 66) (respeita ao arguido DD, absolvido). 67) Do pedido de indemnização civil deduzido pelo menor HH, representado por II provaram-se os seguintes factos: Em consequência directa e necessária e adequada das referidas agressões fatais sofreu, a mãe do requerente, EE, as lesões descritas nos relatórios de exame pericial a fls. 422 e 460, bem como no relatório de autópsia médico-legal, a fls. 728 e 734, que aqui se dão como reproduzidos para os legais efeitos, que foram causa directa e necessária da sua morte. 68) Os momentos que antecederam a morte da mãe do Requerente foram dramáticos já que “ adivinhava “ que ali ia morrer. 69) Sofreu dores em virtude das lesões descritas, antes da morte, e sentiu agonia antes de sucumbir. 70) Ainda jovem, gozava a mãe do Requerente de saúde e alegria de viver, próprias da sua juventude. 71) Era pessoa comunicativa, inteligente e prestável, tinha amigos que com ela compartilhavam o entusiasmo pela vida. 72 Embora desempregada, preparava-se para rumar até França para arranjar trabalho. 73) A morte da EE e os seus contornos, deixou consternados familiares e amigos. 74) Sente o Requerente estranheza pela privação do amor e carinha da mãe biológica, questionando várias vezes a Representante acerca da EE. 75) E quando souber da verdade, morte da mãe e da sua violência, vai deixar o Requerente mergulhado em saudade, solidão e tristeza, não obstante o carinho e amor dados pela sua Representante legal. 76) Esse sofrimento, dor e saudade que o Requerente viverá para sempre, bem como amparo, carinho e dedicação, de que tanto necessitava para o seu equilíbrio psicossomático, e, que o Requerente perdeu irremediavelmente nesse fatídico dia dos factos. 77) Ainda que com grandes sacrifícios (já que se apresentava para emigrar para França) prestar-lhe-ia sua mãe alimentos de montante não inferior a 250,00 (duzentos e cinquenta euros) por mês, pelo menos até à maioridade do Requerente. 78) O Requerente cível tinha três anos à data dos factos. * * 3. De acordo com o disposto no art.º 26.º do CP “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo [autor imediato], ou por intermédio de outrem [autor mediato], ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros [co-autor] (…)”. A doutrina portuguesa segue hoje a “teoria do domínio do facto”. Autor é quem domina o facto, quem dele é senhor, quem toma a execução nas “suas próprias mãos”, de tal modo que dele decisivamente dependa o se e o como da realização típica. Aqui se distingue um domínio positivo do facto, de o fazer prosseguir até à consumação, e um domínio negativo, de o fazer cessar ou abortar (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, I, 2.ª ed., pág. 765; v. também Ac. STJ de 04.07.2013, Proc. 1243/10.4PAALM.L1.S1). Dando a palavra a Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª ed., UCE, pág. 201) “No projecto de Eduardo Correia a co-autoria era realizada “por acordo e conjuntamente com outro ou outros”. Na versão resultante da comissão revisora, mantiveram-se ainda os termos da expressão legal cumulativamente (“por acordo e juntamente com outro ou outros”), Finalmente, a lei consagrou os termos em alternativa. Portanto, o acordo pode ser expresso ou tácito, desde que haja uma “consciência da colaboração” (…)” (realces nossos). Enquanto o autor singular executa por si mesmo o facto o co-autor toma parte directa na execução e fá-lo por acordo ou juntamente com outro ou outros. A forma mais comum é de a adesão de vontades na realização de uma figura típica ser a do acordo prévio, mas este pode ser tácito, sendo cada co-autor responsável como se fosse autor singular do resultado típico, desde que esse carácter implícito resulte da prova dos factos, desde logo com inferência às regras da experiência e da vida, da lógica e do bom senso, a permitir a conclusão de que a adesão ao projecto comum e o resultado final são razoavelmente de lhe imputar. Também Figueiredo Dias (ob cit., pág. 792) refere que o acordo pode ser apenas implícito, mormente quando “a situação externo-objectiva só possa ser interpretada como ajuste espontâneo num comportamento comum”. A co-autoria tácita há-de, por outro lado, inferir-se de uma consciência e vontade prática de cooperação evidenciada entre o que o co-autor faz por si e com os outros (elemento subjectivo), mas ainda da adopção do resultado conjunto (elemento objectivo) (v. cit. Ac. de 04.07.2013). O co-autor (ao contrário do cúmplice) tem o domínio sobre o sucesso total do facto, chamado domínio funcional do facto (v. M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal, Parte geral e especial, 2014, pág. 194 e ss). No dizer de Simas Santos e Lela-Henriques (Noções de Direito Penal, 5.ª ed., 2016, pág. 147) “Na co-autoria (…) o agente toma parte directa na execução do facto e fá-lo por uma de duas maneiras: - Por acordo entre todos os comparticipantes, acordo esse que tanto pode ser expresso como tácito; mas sempre exigirá, como sempre parece ser de exigir, pelo menos, uma consciência da colaboração (…), a qual, aliás, terá sempre de assumir carácter bilateral; - Por participação directa na execução do facto juntamente com outro ou outros - isto é, necessidade de um exercício conjunto no domínio do facto, uma contribuição objectiva para a sua realização, que tem a ver com a causalidade, embora possa não fazer parte da “execução”. Assim, na co-autoria ou comparticipação, o comparticipante deve assumir o seu compromisso com o crime, ou mediante acordo ou ao menos com a consciência e a vontade de colaborar na sua realização, como parece sugerir a lei (“juntamente com outro ou outros” – cfr. art.º 26.º), devendo ainda, nesta última situação, haver consentimento ou pelo menos conhecimento da colaboração por parte de todos os intervenientes: Daí que se fale em “cooperação consciente recíproca, expressa ou tácita entre os agentes, resultante de acordo prévio ou de entendimento repentino, surgido durante a execução”, devendo ser bilateral a vontade de contribuir para o resultado comum” (realces nossos). A decisão conjunta há-de ser revelada por “acções concludentes”, sendo que o co-autor toma parte na execução do plano material, tornando-se senhor do facto, com os demais, sem que se torne necessária a prática de todos os factos que integram o iter criminis (v. Ac. STJ de 29.10.2015, Proc. 230/10.7JAAVR.P1.S1, que subscrevemos como adjunto) Já quanto à cumplicidade (art.º 27.º do CP), como uma outra forma de realização ilícita típica, consiste no auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso típico e ilícito, podendo este consistir num conselho ou influência do agente uma vez já previamente decidido à prática do facto e, aquele, na entrega de meios ou instrumentos ao autor que favoreçam a realização do facto, favorecimento este valorado segundo um juízo de prognose póstuma (v. Paulo Pinto de Albuquerque, ob cit., pág. 206). O cúmplice constitui uma figura lateral, secundária ou de segunda linha, na integral realização ilícita típica, não realiza o tipo de ilícito, antes participa de um tipo de ilícito realizado por outrem (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 758). É um colaborador não essencial limitado. Mesmo sem a sua colaboração o facto teria lugar, mas de outra maneira (Ac. STJ de 01.07.2015, Proc. 208/13.9JABRG.G1.S1). É uma forma de participação criminosa em facto alheio, participação de um não-autor no facto de um autor e cujo papel se esgota com a prestação do auxílio (v. M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, ob. cit., pág. 203). Tem na essencialidade uma acção de ajuda, sem tomar parte na decisão do facto e seu domínio, pressupondo a prática de um facto doloso, mas faltando o domínio do facto, pelo que, não é cúmplice quem tome sobre si a execução do facto, não se limitando a um mero auxiliator, mas a ser, com os outros, figura central dos acontecimentos, de tal forma que do seu concurso dependa decisivamente a prática do evento. Tendo presente este breve quadro legal, doutrinário e jurisprudencial, a pretensão do recorrente de subsumir à factualidade apurada (e é disso que importa aqui tratar) à figura da cumplicidade, que não da co-autoria, cai pela base. Escalpelizada que foi adequadamente a questão reeditada, pelo acórdão recorrido, e muito em especial pelo acórdão da 1.ª instância (cuja fundamentação apraz registar), pouco mais haverá que dizer. A infeliz EE, uma vez atraída ao local, previamente combinado entre os três arguidos (escuro, desabitado e sem passagem de pessoas), ficou montado o cenário da sua morte. Começou o recorrente com inflicção de bofetadas, pontapés, “biqueiradas” e murros por várias partes do corpo, que a fizeram recuar no seu corpo frágil. Em simultâneo, entrou o arguido Johnny em cena, igualmente a desferir chapadas, murros e pontapés. Aos gritos por socorro e empurrada com força contra um tanque, começou a cambalear, procurando escapar-se dos seus algozes, os três arguidos, em vão, até (qual pião das nicas, encurralado) cair desamparada e ser sufocada (esganada) às mãos do BB e aos ditos deste “morre vaca, morre vaca” e, já inanimada, será a vez do arguido CC golpear com um canivete com pelo menos de 18 cm o pescoço da vítima até sangrar, assim encerrando um sacrifício de morte, por todos tacitamente acordado e intensificado à medida que os acontecimentos se foram desenrolando, acordo esse que persistiu até à ocultação do cadáver numa cova que todos abriram e fecharam. Como salienta o acórdão recorrido, o recorrente foi, de resto, o mentor do plano aceite pelos demais arguidos, de marcar o encontro com a vítima através do arguido CC “para lhe pregar um susto” e após aviso por SMS desse arguido aos demais, que rapidamente ocorreram ao local combinado, o recorrente começou por questioná-la sobre os rumores de revelar ter sido por ele e pelo BB violada, que eram eles os beneficiários do dinheiro da prostituição a que se dedicava, o que a vítima negou, foi ele que desencadeou um acordo tácito e repentino por todos assumido de uma espiral de violência por todos executada que só terminou com a morte da vítima. E, assim, é de subscrever o acórdão em causa quando refere que “o ora recorrente desempenhou ab initio, mediante acordo tácito e repentino forjado entre todos os arguidos, um papel essencial em todo o processo executivo típico, com a consciência e a vontade de colaboração comum de tirar a vida à infeliz vítima EE, dominando o facto. E, por isso, o resultado típico – a morte da EE – é-lhe imputável porque fruto da convergência e adesão da sua vontade com a dos arguidos BB e CC à concretização do projecto criminoso”. O arguido AA (recorrente) foi um planeador que dirigiu, ele próprio, a operação. Não se limitou a concebê-la e desinteressar-se dela após a sua efectiva realização, caso em que seria um mero cúmplice. Era ”senhor do facto”, que dominava funcionalmente pela positiva (poder de direcção, preponderante na execução do facto), como pela negativa (poderia ter abortado o facto). Secundamos, assim também, o juízo da 1.ª instância a este propósito. Dentro da lógica dos factos provados e de acordo com as regras da experiência, da vida e do senso comum, tal como ao recorrente pertenceu o domínio do facto inicial, estamos em crer que bastaria uma ordem sua, de paragem nas agressões, v. g., relativamente à brutalidade do arguido BB, para que as mesmas cessassem e poupada fosse a vida da infeliz EE. De todo o exposto, fácil é concluir que a actuação do recorrente não se cingiu a mera ajuda moral (com base em que factos (?), não o disse) ou material, para que possa qualificar-se como cúmplice do crime de homicídio, mas seu co-autor, num quadro factual, repete-se, de um acordo tácito gizado entre os três arguidos, com uma clara consciência de colaboração e de adesão à conduta uns dos outros, numa palavra, num concerto de vontades e actuação grupal a partir do momento em que o recorrente aparece no local combinado, de surpresa interpelando a vítima, tendente a um querido desenlace final da sua eliminação física. E, daí, a co-autoria material e o naufrágio do recurso. Era essa, de resto, a questão principal colocada, não vindo posta em causa a medida da pena de 17 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado do art.º 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alín. h), do CP, nem a pena única do concurso, de 18 anos de prisão por que o recorrente vem condenado, que sempre se mostra adequada e proporcional às necessidades da prevenção e da culpa. * III. Decisão Face ao exposto, acordam negar provimento ao recurso e consequentemente confirmar o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente, com 7 UC de taxa de justiça. * Supremo Tribunal de Justiça, 7 de Dezembro de 2016
Francisco M. Caetano
Isabel Pais Martins
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