Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
600/18.2JAPRT.P1.S1-A
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: CARLOS ALMEIDA
Descritores: HABEAS CORPUS
PRISÃO PREVENTIVA
CONTAGEM DO TEMPO DE PRISÃO
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
DETENÇÃO
DUPLA CONFORME
Data do Acordão: 09/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: INDEFERIDO O REQUERIMENTO DE HABEAS CORPUS
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL / MEDIDAS DE COACÇÃO / REVOGAÇÃO, ALTERAÇÃO E EXTINÇÃO DAS MEDIDAS / MODOS DE IMPUGNAÇÃO / HABEAS CORPUS EM VIRTUDE DE PRISÃO ILEGAL.
Doutrina:
- Cláudia Cruz Santos, Prisão Preventiva, Habeas Corpus, Recurso Ordinário, RPCC, Ano 10, Fascículo 2.º, p. 309;
- Eduardo Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, Coimbra, 2014, p. 908;
- Germano Marques da Silva, A qualificação dos factos feita pelo juiz que aplica a prisão preventiva não vincula o STJ ; Curso de Processo Penal», Volume II, 4.ª ed., Editorial Verbo, Lisboa, 2008, p. 361;
- Gil Moreira dos Santos, Direito Processual Penal, ASA, Porto, 2003, p. 315;
- J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 509;
- José Francisco de Faria Costa, Habeas Corpus (ou a Análise de um Longo e Ininterrupto “Diálogo entre o Poder e a Liberdade”), Linhas de Direito Penal e de Filosofia, alguns cruzamentos reflexivos, Coimbra Editora, 2005, p. 54 e 55;
- José Lobo Moutinho, Constituição Portuguesa Anotada, de Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2010, p. 700;
- Pedro Correia Gonçalves, Problemas Actuais do Habeas Corpus, RPCC, Ano 19, Fascículo 2, p. 294.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 215.º, N.º 6 E 222.º, N.º 2.
Sumário :
I -     O habeas corpus é um mecanismo de tutela do direito à liberdade, visando colocar termo, de forma expedita, a prisão ou detenção ilegal. Esta providência é independente e paralela ao recurso, distinguindo-se deste pelo seu âmbito.

II -    Ao tribunal de recurso, que normalmente será o Tribunal da Relação, compete apreciar todas as questões de facto e de direito de que podia conhecer a decisão recorrida. Já no habeas corpus o controlo efetuado pelo STJ tem como objeto a situação existente tal como ela é configurada na decisão que está na sua origem, não envolvendo a valoração dos elementos de prova com base nos quais a mesma foi proferida.

III -    Ao STJ, num pedido de habeas corpus por prisão ilegal, apenas incumbe verificar se a prisão resulta de uma decisão judicial proferida por um juiz com competência criminal, se a sua aplicação foi motivada pela prática de um facto que a admite e se foram respeitados os limites temporais da privação da liberdade fixados por lei ou em decisão judicial cf. art. 222.º, n.º 2, do CPP.

IV -    Não compete a STJ verificar da existência de fortes indícios da prática dos factos, dos concretos perigos que fundamentaram a aplicação da medida de coação ou da correta ponderação dos princípios pertinentes. Apenas é da sua competência apurar se os factos que foram considerados fortemente indiciados consubstanciam, ou não, a prática de um crime que admite prisão preventiva e se os fundamentos legitimam a sua imposição.

V -     Para contagem do prazo da prisão preventiva deve atender-se ao despacho que a aplicou e não a data da prévia detenção do arguido. A lei atende ao prazo máximo da duração da medida de coação e não ao tempo global da privação da liberdade.

VI -    Aplicado pelo tribunal da 1.ª instância uma pena conjunta de 4 anos e 6 meses, confirmada pelo Tribunal da Relação (inclusive, agravando a pena), o prazo máximo da prisão preventiva é de 2 anos e 3 meses (metade da pena aplicada confirmada), nos termos do n.º 6 do art. 215.º do CPP. Nesta contagem deve atender-se à pena única fixada e não penas parcelares singulares.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I – RELATÓRIO
1. AA veio, ao abrigo do disposto no artigo 222.º e ss. do Código de Processo Penal, requerer a providência de habeas corpus por «prisão ilegal», nos termos e com os seguintes fundamentos:

1. O ora requerente foi detido em 27 de Fevereiro de 2018, às 16h34m.

2. Presente a interrogatório judicial no dia 1 de Março de 2018.

3. Foi-lhe determinada a medida de coação de prisão preventiva, por decisão do Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal do Porto. Sucede que,

4. O processo está atualmente em recurso, encontrando-se o requerente a aguardar decisão.

5. Ora, tendo em atenção que o processo se encontra na fase de Recurso, e considerando o artigo 215.º n.º 1 al. d) do C.P.P., a prisão preventiva extingue-se quando desde o seu início tiverem decorrido um ano e seis meses.

6. Estando o aqui requerente preso ininterruptamente desde 27 de Fevereiro de 2018, o prazo de prisão preventiva encontra-se extinto, pois como facilmente se depreende já foi ultrapassado o prazo de um ano e seis meses. A acrescentar,

7. Nos presentes autos, não se verifica nenhuma das situações previstas nos n.ºs 2 a 8 do artigo 215.º do CPP, que permita que os prazos de prisão preventiva sejam elevados.

8. De acordo com GERMANO MARQUES DA SILVA, para o qual a providência de habeas corpus é «uma providência extraordinária com a natureza de ação autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo, em muito curto espaço de tempo, a uma situação de ilegal privação de liberdade» (Curso de Processo Penal, T. 2.º, p. 260).

9. Confrontamo-nos, pois, com situações de violação ostensiva da liberdade das pessoas, quer por incompetência da entidade que ordenou a prisão, quer por a lei não a permitir com o fundamento invocado ou não tendo sido invocado fundamento algum, quer ainda por estarem excedidos os prazos legais da sua duração, havendo, por isso, urgência na reposição da legalidade.

10. O artigo 28.º n.º 4 da Lei Fundamental confere aos prazos máximos de prisão preventiva a dignidade de imperativo Constitucional.

11. Dúvidas não restam que a situação do requerente é coincidente com o preceito supra transcrito.

12. Nestes termos afloram fundamentos bastantes quer de direito quer de facto para o recurso pelo requerente à presente providência.

13. De facto, o requerente encontra-se numa situação que peca por idoneidade processual e que, por atual, legitima o seu pedido de Habeas Corpus.

14. Vejamos a este propósito o propugnado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 1997: "Um pedido de habeas corpus respeitante a uma prisão determinada por decisão judicial só poderá ter provimento em casos extremos de abuso de poder ou erro grosseiro de aplicação do direito (manutenção da prisão para além dos prazos legais ou fixados por decisão judicial), prisão por facto pelo qual a lei a não admita ou, eventualmente, prisão ordenada por autoridade judicial incompetente para a ordenar, nos termos do artigo 222.º do C.P.P."

15. O Requerente está há mais de um ano e seis meses consecutivos em prisão preventiva, pelo que a libertação do requerente é imperativa e urgente nos termos do n.º 1 do artigo 217.º do Código de Processo Penal.

Pelo exposto, é manifestamente necessário que Vossa Exa., Colendo Senhor Juiz Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, admita a presente providência, declarando a ilegalidade da prisão e ordenando consequentemente a imediata libertação do requerente.

2. Foi prestada a informação a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, tendo o Sr. juiz consignado o seguinte:
1. A prisão preventiva do requerente foi decretada por despacho judicial de 01.03.2018, mantendo-se ininterruptamente desde tal data.
Pela prática de 14 crimes de roubo, foi condenado na 1.ª instância na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, por acórdão proferido em 23.11.2018.

Interposto recurso pelo MP, o Tribunal da Relação do Porto agravou as penas parcelares aplicadas na 1.ª instância, condenando-o, consequentemente, na pena única de 6 anos de prisão, por acórdão prolatado em 11.04.2019, do qual foi interposto recurso para este Supremo Tribunal (recurso ainda não decidido, encontrando-se a decorrer os respetivos trâmites processuais).
2. Se, como acontece no caso vertente, "o arguido tiver ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada" (artigo 215.º, n.º 6, do CPP).
In casu, o prazo máximo da prisão preventiva é, pois, de 2 anos e 3 meses.
Tendo em conta a data em que foi decretada a prisão preventiva do requerente (01.03.2018), é patente que tal prazo ainda não se esgotou.

3. Convocada a Secção Criminal, teve lugar a audiência prevista nos n.ºs 2 e 3 daquele mesmo artigo 223.º, com a produção de alegações, cumprindo decidir.
Para a decisão desta providência são relevantes os elementos fornecidos pelo requerente, aqueles que constam da informação prestada nos termos do artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e a certidão do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Abril de 2019, que foi mandada juntar a estes autos.

II – FUNDAMENTAÇÃO
4. A Constituição da República Portuguesa, atenta a especial importância que atribui ao direito à liberdade, consagra, no seu artigo 31.º, a providência[1] de «habeas corpus» enquanto garantia contra «o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal»[2], assim construindo um «sistema de tutela jurisdicional intensificada»[3] daquele direito fundamental[4].
Trata-se, como sustentam Gomes Canotilho e Vital Moreira[5], de uma «providência independente e paralela aos meios judiciais comuns (nomeadamente ao recurso contra a prisão preventiva)».
No seguimento deste preceito constitucional, o Código de Processo Penal, reportando-se ao «habeas corpus» por prisão ilegal, regulou este instituto nos seus artigos 222.º e 223.º, cingindo[6] o seu campo de aplicação aos casos em que a ilegalidade da prisão seja «proveniente de:
a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou
c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial».

Por esta via, o legislador criou «um mecanismo expedito que visa pôr termo imediato às situações de prisão manifestamente ilegais, sendo a ilegalidade directamente verificável a partir dos factos documentados (e eventualmente dos apurados ao abrigo da al. b) do n.º 4 do artigo 223.º)»[7].

Esta providência, sendo, como se disse, independente e paralela ao recurso, distingue-se dele pelo seu âmbito.
Ao tribunal de recurso, que normalmente será o Tribunal da Relação, compete apreciar todas as questões de facto e de direito de que podia conhecer a decisão recorrida – artigo 410.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Quando estiver em causa o recurso interposto de um despacho que aplicou ou manteve a prisão preventiva, competirá ao tribunal reapreciar os elementos de prova recolhidos, normalmente nas fases preliminares do processo, para saber se efectivamente existem fortes indícios da prática dos factos imputados pelo Ministério Público ao arguido, reapreciar a qualificação jurídica desses factos para saber se eles preenchem os elementos objectivos e subjectivos das incriminações invocadas, reapreciar a existência dos fundamentos que legitimam, nos termos do artigo 204.º do Código de Processo Penal, a imposição da prisão preventiva e reponderar, à luz dos princípios aplicáveis, a decisão tomada pela 1.ª instância quanto às medidas de coacção.
No âmbito da providência de “habeas corpus”, o Supremo Tribunal apenas pode e deve verificar se a prisão resultou de uma decisão judicial proferida por um juiz com competência criminal, se a sua aplicação foi motivada pela prática de um facto que a admite e se foram respeitados os limites temporais da privação da liberdade fixados pela lei ou em decisão judicial. É o que resulta das três alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal.
Não compete ao Supremo Tribunal de Justiça verificar se existiam ou não os fortes indícios da prática dos factos imputados ao arguido e dos concretos perigos que fundamentaram a aplicação da medida de coacção e se foram correctamente ponderados os princípios pertinentes, competindo-lhe apenas apurar se os factos que se consideraram fortemente indiciados consubstanciam ou não a prática de um crime que admite a prisão preventiva[8] e se os fundamentos invocados legitimam a sua imposição.
Dito de outro modo. O controlo efectuado pelo Supremo Tribunal tem como objecto a situação existente tal como ela é configurada na decisão que está na sua origem, não envolvendo a valoração dos elementos de prova com base nos quais a mesma foi proferida.

5. Dos elementos mencionados, conclui-se que o requerente se encontra em prisão preventiva desde o dia 1 de Março de 2018, data em que esta medida de coacção foi aplicada por despacho judicial proferido nestes autos.
Embora isso não seja relevante no caso concreto, importa dizer que o termo inicial a considerar é a data do despacho que aplicou a medida de coacção e não a data da prévia detenção do arguido uma vez que a detenção, mera medida cautelar, não tem a natureza e não está sujeita aos pressupostos de aplicação das medidas de coacção, sendo que a lei estabelece prazos máximos de duração destas últimas, não atendendo, para o efeito, ao tempo global da privação da liberdade.
O requerente foi condenado pelo tribunal de 1.ª instância pela prática de 13 crimes de roubo simples, condutas p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, em 13 penas de 1 ano de prisão e pela prática de um crime de roubo simples na forma tentada na pena de 7 meses de prisão, tendo sido fixada em 4 anos e 6 meses de prisão a pena conjunta. Interposto recurso dessa decisão pelo Ministério Público, o Tribunal da Relação do Porto veio a elevar as penas parcelares de cada um dos crimes de roubo consumado para 1 ano e 4 meses de prisão e a pena do crime de roubo tentado para 9 meses de prisão, tendo fixado em 6 anos de prisão a pena conjunta.
Uma vez que a decisão condenatória ainda não transitou em julgado, o prazo máximo da prisão preventiva era, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 215.º do Código de Processo Penal[9], de 1 ano e 6 meses.
Porém, uma vez que a decisão condenatória da 1.ª instância foi confirmada pelo Tribunal da Relação, que até agravou a pena única de 4 anos e 6 meses para 6 anos de prisão, esse prazo elevou-se para os 2 anos e 3 meses, metade da pena aplicada e confirmada, nos termos do n.º 6 do mesmo preceito legal.
Uma tal conclusão não ignora que o fundamento da aplicação das medidas de coacção é a existência de um dos perigos enunciados no artigo 204.º do Código de Processo Penal, que a lei estabelece como condição sine qua non dessa aplicação a existência de fortes indícios da prática de um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 202.º desse mesmo diploma e que, se a imposição dessa medida depender da pena aplicável, deve atender-se na sua determinação ao máximo da pena correspondente ao crime que justifica a medida. Porém, cumpridos que estejam estes requisitos, a duração máxima da prisão preventiva é a estabelecida no artigo 215.º do Código, disposição que atende, como regra, à fase em que o processo se encontra, à natureza do crime e à complexidade do processo instaurado. Nos casos em que a condenação da 1.ª instância foi confirmada em sede de recurso ordinário, a lei estabelece que o prazo máximo da prisão preventiva se eleva para metade da pena que tiver sido fixada e não à moldura abstracta de qualquer pena, o que evidentemente não dispensa a verificação dos pressupostos da imposição da própria medida.
Resta dizer que, a nosso ver, a elevação da duração da prisão preventiva para metade da pena aplicada tem em consideração que esse é o limite mínimo estabelecido como regra pelo artigo 60.º do Código Penal para a concessão de liberdade condicional.
Assim sendo, e uma vez que a prisão preventiva não ultrapassou o prazo máximo legalmente estabelecido, nem se verifica qualquer situação que integre outro dos fundamentos que legitimam o recurso à providência de «habeas corpus», o pedido formulado deve ser indeferido.

6. Uma vez que o requerente decaiu totalmente no pedido de «habeas corpus» que deduziu é responsável pelo pagamento de taxa de justiça, de acordo com o disposto o n.º 9 do artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais e a Tabela III a ele anexa, a qual pode ser fixada ente 1 e 5 UC.
Tendo em conta a complexidade do incidente, julga-se adequado fixar essa taxa em 1 UC.

III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 5.ª secção deste Supremo Tribunal em indeferir a providência de «habeas corpus» intentada pelo requerente AA.
Custas pelo requerente, com taxa de justiça que se fixa em 1 (uma) UC – n.º 9 do artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a ele anexa.

²

Supremo Tribunal de Justiça, 5 de Setembro de 2019


Carlos Rodrigues de Almeida (Relator)

Júlio Pereira

Manuel Braz (com declaração de voto no sentido de que em caso de condenação por um concurso de crimes a pena relevante para o efeito do previsto no n.º 6 do art. 215.º do CPP é a pena singular que determinou a prisão preventiva ou, se tiverem sido mais de uma, a mais elevada das respetivas penas singulares).

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[1] Que, sendo extraordinária, no sentido de que acresce às formas normais de impedir a existência de detenções e prisões ilegais – validação judicial da detenção e direito ao recurso contra decisões que implicam a privação da liberdade ambulatória –, não é excepcional, no sentido de apenas ser admitida quando não existir outra forma de reacção à situação. A caracterização como excepcional só se poderia aceitar se ao termo se atribuísse o sentido de abranger casos especialmente graves de violação grosseira da legalidade. Nesta mesma linha, Cláudia Santos fala de «situações de excepcional gravidade» e de «situações clamorosas de ilegalidade» (SANTOS, Cláudia Cruz, in «Prisão Preventiva – Habeas Corpus – Recurso Ordinário», in RPCC, Ano 10, Fascículo 2.º, p. 309).
[2] A detenção e a prisão ilegais traduzem em si abuso de poder por parte da autoridade pública responsável, não sendo o “abuso de poder” requisito que acresce a qualquer daquelas situações, mesmo que este se configurasse como um elemento subjectivo (neste sentido, veja-se MOUTINHO, José Lobo, in «Constituição Portuguesa Anotada», de Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 700, e GONÇALVES, Pedro Correia, in «Problemas Actuais do Habeas Corpus», in RPCC, Ano 19, Fascículo 2, p. 294).
[3] Neste sentido, MOUTINHO, José Lobo, ob. cit., p. 694.
[4] No dizer de Faria Costa, «o habeas corpus não é afirmação do justo exercício do poder judicial mas antes, meio, procedimento, para a afirmação de um irredutível direito fundamental de liberdade», acrescentando um pouco mais à frente que «se aquele momento de defesa da liberdade individual é um prius na estrutura normativa do instituto finalidade de também, através dele, se prosseguir a justiça não será elemento despiciendo» (COSTA, José Francisco de Faria, in «Habeas Corpus (ou a Análise de um Longo e Ininterrupto “Diálogo entre o Poder e a Liberdade”)», in «Linhas de Direito Penal e de Filosofia – alguns cruzamentos reflexivos», Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 54 e 55).
[5] GOMES CANOTILHO, J. J., e MOREIRA, Vital, in «Constituição da República Portuguesa Anotada», Volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 509.
[6] Trata-se, portanto, em nosso entender, de uma enumeração taxativa dos fundamentos de ilegalidade.
[7] COSTA, Eduardo Maia, in «Código de Processo Penal Comentado», Almedina, Coimbra, 2014, p. 908.
[8] Como nota Germano Marques da Silva, «a qualificação dos factos feita pelo juiz que aplica a prisão preventiva não vincula o STJ» (SILVA, Germano Marques da, in «Curso de Processo Penal», Volume II, 4.ª edição, Editorial Verbo, Lisboa, 2008, p. 361). No mesmo sentido, Gil Moreira dos Santos quando afirma que «”facto” não é um título jurídico dado como imutável» (SANTOS, Gil Moreira, in Direito Processual Penal, ASA, Porto, 2003, p. 315).
[9] No caso, não há lugar à aplicação dos prazos estabelecidos no n.º 2 do artigo 215.º do Código de Processo Penal porque o crime de roubo simples não é punível com uma pena cujo limite máximo seja superior a 8 anos de prisão, nem se trata de um caso de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada. Não se trata de criminalidade violenta uma vez que, para o preenchimento deste conceito, o artigo 1.º, n.º 1, alínea j), do Código de Processo Penal exige que o bem jurídico tutelado pelo crime em causa seja a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública, coisa que não acontece com o crime de roubo, cuja tutela essencial é o património.