Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO LEONES DANTAS | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE PROFESSOR DE NATAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 07/02/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Área Temática: | DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO. DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / APLICAÇÃO DAS LEIS NO TEMPO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS. | ||
Doutrina: | - ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, III, pp. 268-269. - JOANA NUNES VICENTE, “Noção de Contrato de Trabalho e Presunção de Laboralidade”, Código do Trabalho – A Revisão de 2009, Coimbra Editora, 2011, p. 62. - JOÃO LEAL AMADO, Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2011, Coimbra Editora, pp. 79, 80. - MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2009, pp. 42, 44, 49, 54, 56, 240. - MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Processo Civil, p. 312. - MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 14.ª Edição, 2009, Almedina, pp. 149, 182. - VAZ SERRA, “Provas – Direito Probatório Material”, Boletim do Ministério da Justiça, 1961, n.º 110, p. 183. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 12.º, 1152.º, 1154.º CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 608.º, N.º2, 663.º, N.º 2, 679.º, 682.º, N.º3. CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 11.º, 12.º LEI N.º 7/2009, DE 12-02: - ARTIGOS 7.º, 14.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 23.09.2009, P. 238/06.7TTBGR.S1, DE 15.12.2011, P. 342/09.0TTMTS.P1.S1, E DE 11.07.2012, P. 3360/04.0TTLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT . -DE 09.12.2010, PROC. 838/06.5TTMTS.P1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 09.02.2012, PROCESSO N.º 2178/07.3TTLSB.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT . -DE 12.03.2014, PROFERIDO NA REVISTA N, 590/12.5TTLRA.C1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT . | ||
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Sumário : |
1 – Na relação existente entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, provada a existência de duas ou mais das circunstâncias caracterizadoras dessa relação previstas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho, presume-se a existência de contrato de trabalho; 2 – A presunção prevista no número anterior não impede o beneficiário da atividade prestada de demonstrar que, apesar da ocorrência daquelas circunstâncias, a relação em causa não é uma relação de trabalho subordinado. 3 – Demonstrado o exercício de atividade docente de natação, em instalações indicadas pela beneficiária da atividade prestada, com utilização de instrumentos por aquela fornecidos, no quadro de um horário, por período letivo, fixado por um coordenador que verificava igualmente a sua execução presume-se a existência de uma relação de trabalho subordinado. 4 – Provando-se que o desempenho da prestação da atividade docente dependia da atribuição de turmas, em função de um horário anual, e que, se esta afetação não ocorresse, o professor não desempenhava aquela atividade e não auferia qualquer remuneração, e que a atividade em causa era prestada em ciclos anuais de dez meses, não ocorrendo entre meados de julho e meados de setembro, deverá concluir-se pela ilisão da presunção da laboralidade referida no número anterior. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
O MINISTÉRIO PÚBLICO instaurou a presente ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos dos artigos 26.º, n.º 1, al. i), e 186.º-K, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, ambos com as alterações introduzidas pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, contra AA, Ld.ª, pedindo que seja reconhecida e declarada a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e AA, fixando-se a data do seu início desde em 1/09/2011. Invocou como fundamento da sua pretensão, em síntese, que a indicada trabalhadora exerce funções, ininterruptamente, desde setembro de 2011, como professora em escola de natação gerida pela Ré, que utiliza instrumentos pertencentes à piscina mas que lhe são disponibilizados pela ré, que acede às instalações munida de um cartão que a ré forneceu, que no início do ano lhe é atribuído um horário pela ré e que fica obrigada a cumprir, que cumpre conteúdos programáticos definidos para cada turma de alunos e controlados pela Ré e que regista as suas presenças e as comunica ao coordenador, auferindo quantias que variam entre os € 128,75 e os € 1.508,75 mensais, consoante o número de horas que leciona. Contestou a Ré, alegando que contratou profissionais para a prestação de serviço de ensino de natação, remunerados consoante o número de turmas que tem, que não fornece os equipamentos, que a colaboradora em causa não respeita qualquer horário, que são os Serviços Municipalizados de Água, Saneamento e Piscinas de ... (SMAS) que determinam os dias disponíveis para as aulas, que são os próprios colaboradores que asseguram as suas substituições, contactando outro colega. Concluiu pela inexistência de contrato de trabalho, pedindo a improcedência da ação. A ação prosseguiu seus termos, vindo a ser proferida sentença que a julgou procedente e, em consequência, declarou que entre a Ré e AA, existia um contrato de trabalho, em vigor desde 1 de setembro de 2011. Inconformada com esta decisão dela recorreu a Ré para o Tribunal da Relação de Coimbra que veio a conhecer do recurso interposto por acórdão de 13 de fevereiro de 2015, que integrou o seguinte dispositivo: «Termos em que se delibera julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-se a ré do pedido de reconhecimento da existência de contrato de trabalho com AA. Sem custas na ação e no recurso, estando delas isento o Ministério Público (art. 4.º n.º 1 al. a) do Regulamento das Custas Processuais)». Irresignado com esta decisão vem agora o Ministério Público recorrer de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1 - Decorre da matéria de facto que a Prof. AA presta a sua atividade para a Ré, sob as ordens, direção e fiscalização desta e a contrapartida monetária que esta lhe paga é a base do sustento daquela. 2 - O Art.º 12.º, do CT., estabelece uma presunção de laboralidade do contrato e visa facilitar a demonstração da existência do contrato de trabalho, face a outros tipos contratuais (nomeadamente, do contrato de prestação de serviços). 3 - E, no âmbito da referida disposição legal, para a qualificação do contrato como contrato de trabalho, basta a existência de duas das características ali enunciadas. 4 - No caso concreto, decorre dos pontos n.ºs 1 e 2 da matéria de facto que a Ré determinou que a Prof. BB exerceria a sua atividade na escola que aquela gere na piscina de .... 5 - Donde, encontra-se verificada a característica indicada no art.º 12.º, n.º 1, al. a), do CT.; 6 - Dos pontos n.ºs 5, 7 e 8, da matéria de facto, cujo teor aqui se dá por reproduzido, resulta que os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pela Prof. BB pertencem ou são-lhe disponibilizados pela Ré. Logo, 7 - Está verificada a característica enunciada no art.º 12.º, n.º 1, al. b), do CT. 8 - Com efeito, tal enunciado (o constante do ponto n.º 5, da matéria de facto) expressa um elemento de facto e não um “facto conclusivo”, como considerado pelo Tribunal a quo. 9 - Sem conceder, mas caso se entenda, na senda do Tribunal a quo, que tal ponto de facto encerra um “facto conclusivo”, deve o S.T.J. ao abrigo do disposto no art.º 682.º, n.º 3, do CPCivil, determinar a ampliação da matéria de facto, face até ao alegado no artigo 7.º, da petição inicial, e ao teor dos artigos 6.º, 7.º e 8.º, da contestação e considerando os factos não assentes, mormente, que não se provou o que a Ré alegou no artigo 7.º, da contestação (vd. decisão de facto, a fls. 237). 10 - Efetivamente, o Tribunal da Relação ao abrigo do disposto no art.º 662.º, n.º 2, do CPcivil, devia ter dado como provado, relativamente a ponto de facto n.º 5, que: «Nas aulas que ministra, a professora utiliza equipamentos e instrumentos de trabalho – placas, alteres, bolas - pertencentes aos Serviços Municipalizados … » ( o resto do ponto n.º 5 deve permanecer igual), pelo que deve o douto Acórdão ser anulado, para ampliação da matéria de facto. 11 - Dos pontos n.ºs 6, 7 e 8 da matéria de facto, cujo conteúdo aqui se dá por transcrito, decorre que à Prof. BB era estabelecido um horário de trabalho. Donde, 12 - Está verificada a característica enunciada no art.º 12.º, al. c), do CT.; 13 - Dos pontos n.ºs 9 e 7, da matéria de facto, emerge que a Prof. BB, em cada período mensal, auferia uma quantia monetária, como contrapartida da atividade por ela exercida para a Ré. E, 14 - Embora tal quantia pudesse variar, o seu pagamento era mensal e regular, pelo que se aproxima da característica expressa no art.º 12.º, al. d), do CT., pois desses pontos de facto resulta que a Ré pagava, mensalmente, à Prof BB uma quantia, como contrapartida da atividade desta. 15 - Está, pois, demonstrado, pela presunção, nos termos do art.º 12.º, do CT, que entre a Prof. BB e a Ré existia um contrato de trabalho. 16 - De resto, mesmo socorrendo-nos do método indiciário, critério preconizado pela doutrina e habitualmente utilizado pela jurisprudência para aferir da existência ou não de um contrato de trabalho, extrai-se que o contrato celebrado entre a Prof. BB e a Ré deve ser qualificado como contrato de trabalho. Com efeito: 17 - Local de trabalho: A Prof. BB exercia a sua atividade na Escola que a Ré gere na piscina de ..., local esse que lhe foi determinado pela Ré (pontos de facto n.ºs 1 e 2); 18 - Horário de trabalho: a Ré fixou à Prof. BB um horário de trabalho, a que esta tinha de cumprir, como decorre da matéria de facto (vd. pontos de facto n.ºs 6, 7 e 8); 19 - Utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da atividade: os equipamentos e meios de trabalho eram facultados pela Ré à Prof. BB, como resulta da matéria de facto (vd. pontos de facto n.ºs 5, 7 e 8); 20 - Tipo de remuneração: o pagamento feito pela Ré à Prof. BB era mensal e regular e o montante a pagar era função do tempo de trabalho prestado, como deriva da matéria de facto (vd. pontos n.ºs 9 e 7); 21 - Se o prestador da atividade recorre ou não a colaboradores: da matéria de facto cremos que resulta que a Prof. BB não podia, sem autorização da Ré, fazer-se substituir na prestação da atividade (vd. ponto n.º 6, donde resulta a obrigatoriedade de a Prof. BB cumprir o horário que a Ré lhe fixava, através do seu coordenador; do ponto n.º 8 resulta igualmente que a Ré tinha de comunicar as faltas ao serviço, não estando, assim, na sua disponibilidade fazer-se substituir). 21 - Se o prestador está inserido numa organização produtiva: da matéria de facto, resulta que a Prof. BB estava inserida na organização da Ré, pois que, nomeadamente: a) Participa, como prestadora da sua atividade (“…em todo o período letivo…”, vd. ponto de facto n.º 3) e inserção no coletivo gerido pela Ré, na concretização da gestão e funcionamento que a Ré faz da piscina de ... (vd. pontos de facto n.ºs 1 e 2); b) Recebe, dum coordenador da Ré, os horários por este estabelecidos (ponto de facto n.º 6); c) Cumpre conteúdos programáticos definidos pela Ré para cada turma e modalidade, que são registados periodicamente em folhas próprias, com o logotipo da Ré, que as arquiva após preenchimento; d) Está submetida a controle de assiduidade feito pela Ré (ponto n.º 8); e) Utiliza equipamentos e instrumentos de trabalho que lhe são disponibilizados pela Ré; f) Presta, em média, 20 aulas por semana, durante todo o período letivo (pontos de facto n.º 7 e 3). g) Usa vestuário que ostenta dizeres da Ré e utiliza um cartão magnético para aceder ao local de trabalho (ponto de facto n.º 5). 22 - Os indícios/indicadores referidos são suficientemente impressivos e relevantes para qualificar o contrato, celebrado entre a Prof. BB e a Ré, como contrato de trabalho, pois definem a essência e núcleo deste. 23 - O douto acórdão impugnado violou, por erro de interpretação e de aplicação, o disposto nos art.ºs 11.º e 12.º, ambos do Código do Trabalho e art.º 662.º, n.º 2., do CPCivil.» Termina pedindo que: «a) Sem conceder, mas caso se entenda que, na senda do douto Acórdão impugnado, o ponto n.º 5, da matéria de facto assente, encerra um facto conclusivo, deve o douto Acórdão ser anulado e determinar-se a ampliação da matéria de facto (art.º 682.º, n.º 3, do CPCivil), mormente se, nas aulas que ministra, a professora BB utiliza equipamentos e instrumentos de trabalho, nomeadamente, placas, alteres e bolas, pertencentes aos Serviços Municipalizados de ..., que lhe são disponibilizados pela Ré, que os gere de acordo com o contrato de adjudicação que celebrou com a autarquia. Mesmo que assim se não entenda, b) O douto Acórdão ser revogado e substituído por outro que, mantendo a douta sentença da 1.ª instância, reconheça e declare que entre a Prof. AA e a Ré existe um contrato de trabalho, que vigora desde 1 de setembro de 2011».
A Ré respondeu ao recurso interposto integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1. Contém a matéria de facto fixada pela 1.ª instância, com a ressalva oportunamente levada a cabo pelo Tribunal recorrido, em si mesma, a aptidão de em face dela ser proferida, como ademais o foi decisão de mérito. 2. Donde, a cause et pour cause, não faz sentido a pretensão sustentada pelo Digno recorrente no sentido da remessa dos autos ao Tribunal recorrido a fim de putativamente ser ampliada a matéria de facto. 3. Os factos provados apontam definitiva e de forma incontornável no sentido da vigência, entre a professora AA e a Ré, da celebração de um contrato de prestação de serviços. 4. Tal se recolhe da análise dos índices de laboralidade vertidos no art. 12º do Código do Trabalho, exaustivamente efetuada, tal análise, pelo Tribunal recorrido. 5. De nenhum vício enferma a decisão ora recorrida devendo ser negado provimento ao recurso interposto pelo Digno recorrente.»
Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber: a) Se o ponto n.º 5 da matéria de facto dada como provada, no segmento relativo aos instrumentos de trabalho, tem natureza conclusiva e, se, por tal motivo não pode ser tomado em consideração; b) Se deve ser anulada a decisão recorrida e determinada a ampliação da matéria de facto, nos termos do artigo 682.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, relativamente ao referido ponto da matéria de facto; c) A natureza do vínculo que ligou a AA à Ré.
II 1 - As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto: «1 - A ré tem por objeto a gestão de instalações e serviços desportivos, atividade que exerce, nomeadamente, na Escola de Natação que funciona na Piscina Municipal de ..., por contrato celebrado pelos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento da Câmara Municipal de .... 2 - No exercício dessa atividade, em setembro de 2011, a ré contratou, por ajuste verbal, AA, professora de educação física, como professora de natação, para dar aulas dessa especialidade na escola que gere na piscina de .... 3 - A professora em causa vem realizando a atividade para que foi contratada, ininterruptamente, em todo o período letivo, apenas não exercendo desde meados de julho a meados de setembro, momento em que não funciona a escola. 4 - AA não recebe subsídios de férias nem de Natal, está inscrita nas finanças e na Segurança Social como trabalhadora independente, fazendo os correspondentes descontos, e suportando os custos do seguro de acidentes de trabalho. 5 - Nas aulas que ministra, a professora utiliza equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes aos Serviços Municipalizados de ..., que lhe são disponibilizados pela ré, que os gere de acordo com o contrato de adjudicação que celebrou com a autarquia. A profissional utiliza, para aceder às piscinas, um cartão magnético de identificação que os Serviços Municipalizados lhe disponibilizaram, em consonância com a indicação dada pela ré, e vestuário que ostenta dizeres quer da ré quer dos Serviços Municipalizados, e que não se apurou quem fabricou. 6 - No início de cada ano letivo, um coordenador da ré estabelece horários para os vários profissionais, que lhes são distribuídos consoante as suas disponibilidades, e estes ficam obrigados a cumpri-los. 7 - A professora leciona, em média, cerca de vinte aulas por semana, distribuídas por blocos de 40 ou de 45 minutos, cumprindo conteúdos programáticos definidos para cada turma e modalidade, que são registados periodicamente em folhas próprias, com o logótipo da ré e por ela facultadas, que as arquiva após preenchimento. 8 - A professora regista os dias e horas em que presta a sua atividade em folhas de controlo de assiduidade disponibilizadas pela ré e que são rubricadas pelo seu coordenador técnico. É a este – o professor de educação física Fernando CC – que a professora comunica qualquer circunstância relevante no desempenho da sua atividade, designadamente se precisa de faltar ao serviço. 9 - Como contrapartida da sua atividade, a ré paga à professora em causa um quantitativo calculado em função das horas prestadas e do tipo de aula lecionada – que pode ser uma aula normal, uma sessão de “ATL” ou uma aula de hidroginástica – correspondendo, respetivamente, a cada uma, os valores de 5, 6 ou 7 euros por sessão. O pagamento é efetuado mensalmente, mediante fatura-recibo passada pela professora, que recebeu, desde o início desta atividade, montantes entre os € 128,75 e os € 1.508,75. 10 - Em ação inspetiva desenvolvida a 20 de março de 2014, na piscina em causa, a Autoridade para as Condições do Trabalho verificou a prestação da profissional em causa e constatou a existência de uma situação de contrato de trabalho, levantou o correspondente auto e procedeu à notificação da ré no sentido de regularizar a situação, sem êxito. 11 - Se o colaborador em causa não tiver qualquer turma, é certo que não irá ministrar qualquer aula. 12 - São os SMAS que estabelecem os dias em que as piscinas estão disponíveis para que a Ré aí possa prestar os seus serviços. 13 - São os SMAS que de acordo com o caderno de encargos e Mapa Anual estipulam quais os dias da semana efetivamente livres para tais aulas de natação e outras atividades. 14 - À Ré foi cedido o espaço piscinas do ..., a Ré apenas gere e coordena tal espaço físico nos dias disponibilizados pelo SMAS. 15 - Para respeitar o respetivo caderno de encargos, a Ré tem também que justificar junto do SMAS que a proposta por si apresentada está efetivamente a ser cumprida. 16 - A professora em causa não desenvolve atividade unicamente para a Ré. 17 - O colaborador CC tem para além do mais de fazer a gestão do espaço piscinas do ..., também para que não se verifiquem sobreposição de aulas ou outras atividades.»
2 - As instâncias dividiram-se relativamente ao sentido da decisão no que se refere à natureza do vínculo que ligava a Ré à trabalhadora AA. Na verdade, a 1.ª instância considerou que se estava perante uma relação de trabalho subordinado com os seguintes fundamentos: «Efetivamente, a determinação da existência de subordinação jurídica e dos seus contornos consegue-‑se mediante a análise do comportamento das partes e da situação de facto, através de um método de aproximação tipológica. A subordinação traduz-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a atividade laboral em si mesma e/ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a atividade deste, e deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: i) a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; ii) o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; iii) existência de controlo do modo da prestação do trabalho; iv) obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; v) propriedade (ou decisão) dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; vi) retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; vii) exclusividade (ou enorme predominância) de prestação do trabalho a uma única entidade. Esclareça-se, por fim, que a subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo, muitas vezes, a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens diretas e sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em atividades, como as desenvolvidas pelos enfermeiros, cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador. No caso em apreço, verificam-se todos os apontados elementos indiciários da existência de um contrato de trabalho. Como dispõe o art.º 12º do código do trabalho, nas alíneas a) a d) do seu nº 1, “presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre uma pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; os equipamentos e os instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade; o prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador da atividade, como contrapartida da mesma”. Ora, atentos os factos provados, verificam-se exatamente todas estas características na relação que une a empresa demandada a esta professora, pelo que se presume estarmos perante uma relação laboral. Em harmonia, agora, com o disposto no art.º 349º do código civil, “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido”, pelo que, como reza o nº 1 do art.º 350º do mesmo código, “quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz”. Assim, importa concluir que esta profissional tem a uni-la, à empresa demandada, a AA Ld.ª, desde o momento em que aí iniciou funções, um contrato de trabalho.» Por sua vez a decisão recorrida orientou-se em sentido contrário, com base na seguinte fundamentação: «O tribunal a quo considerou que resultaram provados factos subsumíveis a todos os índices de presunção indicados, embora não tenha concretizado devidamente a tais índices dos factos concretamente provados. A presunção em causa visa com certeza facilitar a demonstração da existência de contrato de trabalho, em casos de dificuldade de qualificação, e tem a sua inspiração no chamado método indiciário usado na nossa jurisprudência – e referido na sentença recorrida - para alcançar a qualificação do contrato [com o recurso a índices negociais internos – p. ex., o local da atividade pertencer ao beneficiário da mesma, ou ser por ele determinado; a existência de um horário de trabalho; a utilização de bens ou de utensílios fornecidos pelo beneficiário da atividade; a existência de uma remuneração certa, com aumento periódico; o pagamento de subsídio de férias e de Natal; a integração na organização produtiva, a submissão do prestador ao poder disciplinar - e externos - p. ex., a sindicalização do prestador da atividade, a observância do regime fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem e a exclusividade da atividade a favor do beneficiário]. Mas, diversamente desse método indiciário, que determinava a busca de um numeroso e convincente conjunto de indícios, a presunção prevista no art. 12.º do Código do Trabalho basta-se, como dissemos, com a verificação de dois dos indícios/características apontados. Como se afirmou nos Acórdãos desta Relação de 10-07-2013 (relatado pelo presente relator) e de 26-09-‑2014 (relator: Ramalho Pinto), ambos disponíveis em www.dgsi.pt, a verificação de duas dessas características têm, apesar de tudo, de ser enquadrada num ambiente contratual genético e de execução que permita dúvidas consistentes sobre a qualificação. Só assim a presunção revestirá uma operação útil. Noutra perspetiva que parta do fim do percurso da indagação para o seu princípio, o resultado será afinal o mesmo, já que não se verificando aquele ambiente então terá de se considerar ilidida a presunção. Como se sabe, de acordo com o Código do Trabalho, “[c]ontrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas” (art. 11.º do Código do Trabalho e, também no mesmo sentido o art. 1152.º do Código Civil). Já o “[c]ontrato de prestação de serviço é aquele em que umas das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”, de acordo com o art. 1154.º do Código Civil. Ou seja, no contrato de trabalho é a atividade do trabalhador que é adquirida pelo outro contratante que a organiza e dirige com vista à obtenção de um resultado para além do contrato. Ao invés, na prestação de serviço o que a outra parte adquire é o resultado de uma atividade No caso concreto, os factos não revelam com suficiente densidade e especificidade qual foi a vontade das partes na génese da relação. Já na sua execução, podemos verificar que a prestação da autora estava inserida numa organização da ré (gestão da piscina de ... – v. factos 1. e 2.) e era feita mediante retribuição. Mas ficam-nos dúvidas sobre qual o real objeto da prestação. Com efeito, neste ponto (embora seja verdade que, na medida em que toda a atividade conduz a um resultado, nem sempre é fácil discernir qual a natureza da prestação) podemos afirmar, da matéria de facto provada, que o objeto da prestação era a atividade de “aulas de natação”, mas também podemos afirmar que tal objeto era o resultado dessa atividade, uma vez que a ele correspondia a específica forma de remuneração acordada – pagamento por hora efetivamente “realizada” e consoante o tipo de aula (facto 9. – «em função das horas prestadas e do tipo de aula lecionada – que pode ser uma aula normal, uma sessão de “ATL” ou uma aula de hidroginástica»). Ou seja, não é possível intuir desde logo que era a disponibilidade organizada da autora (a atividade) que era solicitada na prestação e não um resultado concreto. Daí que tenhamos de concluir que o ambiente contratual de execução permite dúvidas sobre a qualificação do contrato, sem que se possa concluir desde logo por uma forte aproximação à figura do contrato de trabalho. Resta saber se a dúvida pode e deve ser resolvida pela indagação das características enunciadas no art. 12.º n.º 1 do Código do Trabalho, averiguando se opera a presunção de laboralidade. Vejamos então da verificação de cada uma das características em causa: No que toca à primeira enunciada na norma em causa, na alínea a) (a da atividade ser realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado), a apelante, no recurso, procura sustentar que em face do seu tipo de negócio a fixação do local da prestação de serviços está dependente dos contratos que lhe são adjudicados, não sendo sua a piscina cuja gestão acordou manter. Sendo assim, a piscina onde a dita BB foi prestar atividade seria nela inevitável, pois de outro modo ficaria inviabilizada a sua prestação. Este argumento seria, porém, de ponderar se estivéssemos num exercício de indagação do método indiciário a que acima fizemos referência. Ou seja, não podendo restar dúvidas que o local de prestação da atividade foi determinado pela ré, a circunstância de ele ser absolutamente necessário em função da natureza da prestação a que o beneficiário da atividade estava vinculado para com terceiro, poderia enfraquecer o indício de laboralidade respetivo e conduzir à sua desconsideração no confronto com outras realidades de execução. Mas já dissemos que aqui se trata, não de apurar a consistência indiciária, mas tão só de averiguar se ocorrem características que possam funcionar a presunção prevista no n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho. Ora, a característica de determinação pela ré do local da prestação da atividade não deixa de ocorrer por tal ser necessário à execução de um contrato com terceiro. Essa era uma condição de exercício contratual, é certo, mas é, em termos práticos, uma condição em tudo equivalente a uma situação de realização necessária da atividade em local pertencente à ré. Ou seja, a prestadora da atividade não tinha liberdade de exercício em local por si escolhido. Isto é, consideramos que, objetivamente, a característica enunciada na al. a) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho está verificada. Em segundo lugar, no que toca à segunda característica enunciada na norma em causa, na alínea b) (os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencerem ao beneficiário da atividade) apenas está provado que (facto 5.) que nas aulas que ministra, a dita professora “utiliza equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes aos Serviços Municipalizados de ..., que lhe são disponibilizados pela ré, que os gere de acordo com o contrato de adjudicação que celebrou com a autarquia”, para além de utilizar, “para aceder às piscinas, um cartão magnético de identificação que os Serviços Municipalizados lhe disponibilizaram, em consonância com a indicação dada pela ré, e vestuário que ostenta dizeres quer da ré quer dos Serviços Municipalizados, e que não se apurou quem fabricou”. O facto não nos dá conta de que tipo de equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes ao SMAS estão em causa. Nesta medida, trata-se da formulação de uma conclusão, de um “facto conclusivo” que deve ser considerado não escrito. Parece evidente que o “equipamento piscina” era disponibilizado à professora. No entanto, confundindo-se o mesmo com o local de trabalho não pode, a nosso ver, servir para integrar simultaneamente a característica da alínea a) e da alínea b) do n.º 1 do art. 12.º, devendo considerar-se consumida essa circunstância na característica da al. a) que já considerámos verificada. Por outro lado, a disponibilização do cartão magnético de acesso não pode considerar-se equipamento de trabalho, pois não se destinava diretamente a desenvolver a atividade “produtiva”, mas tão só a aceder ao local de trabalho. E quanto ao vestuário utilizado que “ostenta dizeres quer da ré quer dos Serviços Municipalizados” não se provou quem os disponibilizou à professora em questão, nomeadamente a ré, ou a quem pertencessem, sendo certo que também se ignora se o mesmo era necessário para a prestação do trabalho. Deste modo não podemos considerar verificada a característica enunciada na al. b) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho. Em terceiro lugar, a apelante sustenta a irrelevância da existência de horário de trabalho. Trata-se aqui de averiguar da existência da característica da al. c) do n.º 1 do art. 12.º c) (a do prestador de atividade observar horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma). Ora, neste ponto apenas se provou (facto 6.) que no início de cada ano letivo, um coordenador da ré estabelece horários para os vários profissionais, que lhes são distribuídos consoante as suas disponibilidades, e estes ficam obrigados a cumpri-los. Não se provou, portanto, que no caso a prestadora de atividade observasse horas de início e de termo da prestação, determinada pela ré, mas tão só que, consoante a sua disponibilidade - ou seja, de acordo com o tempo que declarou poder prestar (saliente-se que de acordo com o facto 16. a professora em causa não desenvolvia atividade unicamente para a ré) – cumpre um horário de aulas que (facto 6.), no início de cada ano letivo, um coordenador da ré estabelece, sendo certo que (facto 12.) são os SMAS que estabelecem os dias em que as piscinas estão disponíveis para que a ré aí possa prestar os seus serviços. A existência deste horário para as aulas não é confundível com um horário de início e termo da atividade em que o trabalhador tenha que sujeitar a sua disponibilidade ao beneficiário da atividade, como é próprio num contrato de trabalho – disponibilidade essa independente de haver ou não trabalho a realizar. Deste modo, entendemos que não está verificada a característica enunciada na al. c) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho. Em quarto lugar, também temos de considerar que não se verifica a existência da característica elencada na al. d) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho – o pagamento, com determinada periodicidade, de quantia certa ao prestador da atividade, como contrapartida desta. O que tão só ficou provado no que toca à remuneração da prestadora da atividade foi que (facto 9.) como, contrapartida da sua atividade, a ré paga à professora em causa um quantitativo calculado em função das horas prestadas e do tipo de aula lecionada – que pode ser uma aula normal, uma sessão de “ATL” ou uma aula de hidroginástica – correspondendo, respetivamente, a cada uma, os valores de 5, 6 ou 7 euros por sessão, sendo o pagamento efetuado mensalmente, mediante fatura-recibo passada pela professora, que recebeu, desde o início desta atividade, montantes entre os € 128,75 e os € 1.508,75. Provou-se a periodicidade do pagamento (mensal), mas não se provou que com a mesma periodicidade o pagamento fosse em quantia certa (todos os meses), sucedendo até que as quantias variavam significativamente - entre os € 128,75 e os € 1.508,75. Finalmente, não se verifica de todo a existência da característica elencada na al. e) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho, ou seja a de que o prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. Significa tudo isto que, em nosso entender, apenas está apurada uma das características elencadas no n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho, pelo que, sendo necessárias pelo menos duas, tal não é suficiente para fazer funcionar a presunção de laboralidade.
Noutra perspetiva, recorrendo ao método tipológico jurisprudencialmente aceite e a que já acima nos referimos, podemos concluir que os chamados “indícios negociais externos” não ocorrem quanto à perspetiva da laboralidade do contrato. Verifica-se a observância do regime fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem e não ocorre exclusividade da atividade a favor do beneficiário. Quanto aos demais: (…) Ou seja, pelo uso do referido método indiciário (que não o inerente à ponderação da presunção do art. 12.º do Código do Trabalho), não identificamos um balanço de indícios favoráveis à laboralidade do contrato que permita concluir com segurança pela qualificação do contrato como contrato de trabalho. E, assim sendo e diversamente do juízo expresso na sentença recorrida, não é possível concluir-se pela qualificação do contrato como contrato de trabalho. Deste modo, a apelação da ré tem de proceder.»
III
1 – Nas conclusões 8.ª a 10.ª das alegações da revista, insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida, na parte em que considerou que a referência a instrumentos de trabalho que consta do ponto n.º 5 da matéria de facto tem natureza conclusiva e devia ser considerada como não escrita, e, na hipótese de esta afirmação ser sufragada, entende que deve ser determinada a ampliação da matéria de facto para incluir elementos que constavam da petição inicial e que não foram integrados na matéria de facto dada como provada. Refere, com efeito, que, «tal enunciado (o constante do ponto n.º 5, da matéria de facto) expressa um elemento de facto e não um “facto conclusivo”, como considerado pelo Tribunal a quo» e que «caso se entenda, na senda do Tribunal a quo, que tal ponto de facto encerra um “facto conclusivo”, deve o S.T.J. ao abrigo do disposto no art.º 682.º, n.º 3, do CPCivil, determinar a ampliação da matéria de facto, face até ao alegado no artigo 7.º, da petição inicial, e ao teor dos artigos 6.º, 7.º e 8.º, da contestação e considerando os factos não assentes, mormente, que não se provou o que a Ré alegou no artigo 7.º, da contestação (vd. decisão de facto, a fls. 237)».
No ponto n.º 5 da matéria de facto dada como provada refere-se que «nas aulas que ministra, a professora utiliza equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes aos Serviços Municipalizados de ..., que lhe são disponibilizados pela ré, que os gere de acordo com o contrato de adjudicação que celebrou com a autarquia. A profissional utiliza, para aceder às piscinas, um cartão magnético de identificação que os Serviços Municipalizados lhe disponibilizaram, em consonância com a indicação dada pela ré, e vestuário que ostenta dizeres quer da ré quer dos Serviços Municipalizados, e que não se apurou quem fabricou».
Na decisão recorrida e como fundamento das considerações que são objeto das mencionadas conclusões formularam-se as seguintes considerações: «O facto não nos dá conta de que tipo de equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes ao SMAS estão em causa. Nesta medida, trata-se da formulação de uma conclusão, de um “facto conclusivo” que deve ser considerado não escrito. Parece evidente que o “equipamento piscina” era disponibilizado à professora.
2 − Sobre a integração na matéria de facto dada como provada de factos conclusivos e suas consequências referiu-se no acórdão desta Secção, de 12 de março de 2014, proferido na revista n, 590/12.5TTLRA.C1.S1[1], o seguinte: «13. A matéria de facto “não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”[2], pelo que as questões de direito que constarem da seleção da matéria de facto devem considerar-se não escritas (embora o NCPC não contenha norma correspondente à ínsita no art. 646º, n.º 4, 1ª parte, do anterior CPC, chega-se à mesma conclusão interpretando a contrario sensu o atual art. 607.º, n.º 4, segundo o qual na fundamentação da sentença o juiz declara os “factos” que julga provados). Embora só acontecimentos ou factos concretos possam integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão (“o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstratos com que os descreve a norma legal, por que tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste”)[3], são ainda de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum[4], verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes.[5] Vale isto por dizer, também na expressão de Anselmo de Castro, que “a linha divisória entre facto e direito não tem caráter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são flutuantes”.[6] Identicamente - e com o mesmo critério, como tem sido sustentado pela jurisprudência[7] -, são de afastar expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio, ou seja, na expressão do Ac. de 09-12-2010 deste Supremo Tribunal[8], que invadam o domínio de uma questão de direito essencial.»
Mau grado, na fixação da matéria de facto na 1.ª instância, não se tenham especificado os equipamentos e instrumentos de trabalho que estavam em causa, nomeadamente, «placas, alteres e bolas», conforme decorria do artigo 7.º da petição inicial, é notório que se trata de instrumentos de trabalho fornecido pelos SMAS à Ré, nos termos de contrato de concessão, tal como resulta daquele ponto n.º 5 da matéria de facto dada como provada. Trata-se de materiais que fazem parte do equipamento de qualquer piscina, pelo que não pode afirmar-se que aquele segmento da matéria de facto integre uma mera conclusão, um juízo de valor de natureza conclusiva, que devesse ser «considerado não escrito». Na verdade, está em causa o funcionamento de uma piscina, mais concretamente o exercício de uma atividade docente de natação numa piscina, tendo o conceito de «instrumentos de trabalho» associados ao exercício dessa atividade, um conteúdo facilmente percetível pelo comum dos cidadãos utentes de piscinas, pelo que a referência a instrumentos de trabalho não integra um mero juízo de valor, a necessitar de uma concretização mais profunda. Esta evidência pode justificar a omissão de concretização que se verifica no ponto em causa da matéria de facto, omissão esta que não justifica a ampliação da matéria de facto, pretendida, subsidiariamente, pelo ilustre recorrente, nos termos do artigo 682.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Tal especificação pelas razões acima apontadas não se mostra necessária para a constituição da base fáctica suficiente para a decisão de direito, nos termos daquele dispositivo, não havendo igualmente qualquer razão para que aquele segmento da matéria de facto seja considerado não escrito.
IV
1 − A relação cuja caracterização constitui objeto do presente processo iniciou-se em 1 de setembro de 2011, na vigência do Código do Trabalho de 2009, diploma à luz do qual deverá ser resolvido o litígio, em conformidade com o disposto nos artigos 7.º e 14.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, e artigo 12.º do Código Civil.
O contrato de trabalho é definido no artigo 1152.º do Código Civil como «aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob autoridade e direção desta». Por sua vez o contrato de prestação de serviço, de acordo com o disposto no artigo 1154.º do mesmo código, é aquele em que uma pessoa «se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição». A noção de contrato de trabalho consagrada naquele artigo foi retomada no artigo 1.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de novembro de 1969, mantendo-se nos seus aspetos essenciais no artigo 10.º do Código de Trabalho de 2003, ou no artigo 11.º do Código do Trabalho de 2009. Existe uma evidente proximidade entre estes contratos encontrando-se na existência da subordinação jurídica o elemento estruturante na delimitação entre os dois. O contrato de trabalho caracteriza-se, fundamentalmente, pela dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face ao outro contraente, a entidade empregadora, em face da qual o trabalhador fica sujeito às ordens daquela, relativamente aos termos da prestação do seu trabalho e ao respetivo poder disciplinar. A conformação dos termos da prestação de trabalho tem um dos vetores no poder de direção da entidade empregadora e outro no dever de obediência à disciplina que enquadra essa prestação, decorrente do exercício daquele poder e a que o trabalhador se encontra sujeito. Importa, contudo, ter presente, como refere MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, que «o reconhecimento tradicional do poder diretivo como critério qualificativo por excelência do contrato de trabalho, enquanto reverso da subordinação do trabalhador, merece ser reponderado, porque corresponde a uma visão excessivamente estreita da própria subordinação e porque o poder de direção é pouco saliente como marca distintiva do contrato de trabalho»[9] e conclui aquela autora pronunciando-se «pela inaptidão do poder de direção para, por si só, poder operar a qualificação do contrato de trabalho», referindo que «sem negar a importância deste poder no contrato, forçoso é reconhecer que tal importância decorre não tanto de uma diferença qualitativa como de uma diferença de intensidade, em razão da maior indeterminação da prestação laboral (…) e do caráter continuado do vínculo»[10]. Por outro lado, na prestação de serviço não existe esta subordinação, tendo o trabalhador autonomia relativamente aos termos da execução do trabalho, ficando, contudo, vinculado ao resultado da atividade prosseguida. A aparente simplicidade desta delimitação é muitas vezes confrontada com situações de fronteira onde existem elementos que apontam para uma situação de trabalho subordinado, ao lado de outros típicos da autonomia da atividade que caracteriza a mera prestação de serviço. Conforme se referiu no acórdão desta secção, de 9 de fevereiro de 2012, proferido na revista n.º 2178/07.3TTLSB.L1.S1[11], «nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a atividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da atividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da atividade, existência de controlo externo do modo de prestação da atividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e indícios negociais externos (o número de beneficiários a quem a atividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da atividade, a inscrição do prestador da atividade na Segurança Social e a sua sindicalização)». Importa igualmente ter presente que, conforme refere MONTEIRO FERNANDES, «cada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade», pelo que «o juízo a fazer (…) é ainda e sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética da tessitura jurídica da situação concreta», não existindo «nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação, desde logo porque cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso»[12]. Torna-se, pois, necessária uma ponderação global dos elementos indiciários constatados, tentando encontrar o sentido dominante dos mesmos, procurando encontrar uma maior ou menor correspondência dessa dimensão global com o conceito-tipo de contrato de trabalho ou de contrato de prestação de serviço. Por outro lado, «a conclusão no sentido da existência de subordinação jurídica, a partir dos indícios de subordinação indicados, e a consequente qualificação laboral do contrato deve (…) ser rodeada das cautelas normalmente exigidas pela aplicação de um método indiciário à qualificação de um negócio jurídico, deve ainda ter especial atenção à evolução moderna do contrato de trabalho enquanto tipo negocial e, por fim, não deve conduzir a um resultado qualificativo contrário à vontade real das partes na conclusão do negócio».[13] 2 – Consciente das dificuldades de demonstração da existência de uma relação de trabalho subordinado e da proliferação do recurso a contratos de prestação de serviço como forma jurídica de enquadramento de verdadeiras relações de trabalho subordinado, o legislador consagrou no artigo 12.º do Código do Trabalho a «presunção de contrato de trabalho». Conforme decorre desse dispositivo, desde que se demonstre a existência de «alguns» dos índices discriminados nas várias alíneas do número 1 desse artigo, «na relação entre a pessoa que presta alguma atividade e a outra ou outras que dela beneficiam», «presume-se a existência de contrato de trabalho». Tradicionalmente, nos termos do regime geral da distribuição do ónus da prova, à luz do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbia ao trabalhador fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, tal como eles resultam definidos do artigo 11.º do Código do Trabalho. É nesse cenário que se insere o recurso aos indícios acima referidos, como forma de demonstração da existência de uma relação de trabalho subordinado. A técnica da presunção da existência de contrato de trabalho, consagrada no artigo 12.º do Código do Trabalho, embora seja inspirada no modelo indiciário tradicional, altera radicalmente o cenário da prova dos elementos integrativos do contrato de trabalho. Na verdade, ao contrário do modelo indiciário, que apelava a uma ponderação global dos elementos caracterizadores da concreta relação estabelecida entre partes, destacando nos mesmos aqueles que apontam para a subordinação jurídica, a sopesar com os que apontem no sentido da autonomia, de forma a encontrar o sentido global caracterizador da relação, a demonstração da existência de contrato de trabalho vai ficar agora dependente, e apenas, da demonstração de «alguns» dos índices consagrados nas alíneas do n.º 1 do artigo 12.º O dispositivo em causa é do seguinte teor: No âmbito da alínea a) do n.º 1 deste dispositivo, surge como elemento indiciário o facto de a atividade prestada ser «realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado». O local de prestação da atividade, pertença ele ao beneficiário da atividade prestada, ou seja da sua responsabilidade (por ele determinado), funciona, assim, como um dos factos indiciadores da existência de uma situação de trabalho subordinado, nos termos da lei de contrato de trabalho. Neste caso é a relação entre o local de exercício da atividade e o respetivo beneficiário que é relevado pelo legislador como elemento caracterizador das relações de trabalho subordinado. No âmbito da alínea b) é assumido como elemento indiciador o facto de «os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados perten[cerem] ao beneficiário da atividade». Trata-se de um elemento que se prende intimamente com o da alínea a), tendo aqui o legislador assumido como elemento referenciador da relação de trabalho subordinado a titularidade pelo destinatário da atividade, ou, no mínimo, a sua responsabilidade pelos «equipamentos e instrumentos de trabalho». Está em causa uma multiplicidade de elementos que são necessários à concreta prestação da atividade e que cabem nas categorias de equipamentos ou instrumentos de trabalho, com destaque para as máquinas e outros dispositivos que permitem concretizar e efetivar a atividade prestada. O elemento caracterizador do facto descrito nesta alínea, como índice de uma situação de trabalho subordinado, encontra-se na disponibilização pelo destinatário da atividade prestada de bens necessários à sua concretização que se enquadrem nos conceitos de equipamentos e instrumentos de trabalho. Não é excludente do preenchimento desta alínea a circunstância de o destinatário da atividade não ser proprietário em sentido técnico-jurídico dos bens em causa, contentando-se a lei com o facto de o mesmo, por um título legítimo, ter a disponibilidade desses bens e de os facultar ao prestador da atividade de que é destinatário. Nos termos da alínea c), daquele dispositivo, é caracterizado como indiciador de trabalho subordinado o facto de o prestador de atividade «observar horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma». É a sujeição da prestação da atividade pelo beneficiário a «horas de início e termo» que é assumido pela lei como elemento relevante na caracterização do trabalho subordinado nesta alínea. Na abordagem deste elemento importa que se destaque que está apenas em causa a sujeição da prestação da atividade a um tempo concreto, definido pelas horas de início e termo, relevando o tempo da prestação da atividade, ou seja, a sua duração, imposto pelo destinatário da atividade. Na alínea d), por sua vez, coloca-se o acento na forma de pagamento ao prestador exigindo-se que «seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma». A quantia paga há de ser assumida como contrapartida da atividade prosseguida, deve ser prestada periodicamente, e deve ser «certa». A norma faz apelo ao conceito de «quantia certa», o que pressupõe um quantitativo pré-determinado, líquido, com uma dimensão tendencialmente fixa. Este critério associa-se e cruza-se com o da periodicidade, igualmente exigido na norma, exprimindo, em conjunto, uma dimensão de estabilidade e continuidade nas tarefas executadas e na sua remuneração, o que evidencia uma relação de subordinação jurídica. Finalmente na alínea e) consagra-se como elemento indiciador o facto de «o prestador de atividade desempenh[ar] funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa». Nesta alínea é assumida como elemento indiciador a integração na estrutura do beneficiário da atividade, ao nível do desempenho de funções de direção ou chefia. Não é a mera integração na estrutura do beneficiário que releva, mas é uma integração qualificada, ao nível do desempenho de funções de direção. 3 - Ao contrário do que se passava com o Código do Trabalho de 2003, a lei não exige agora a verificação de todos estes factos para que a presunção funcione, limitando-se a exigir a ocorrência de alguns deles. Esta referência tem sido entendida como exigindo, pelo menos, a verificação de duas destas circunstâncias, única forma de se poder falar em «algumas» delas. Trata-se de factos caracterizadores da relação entre o prestador e o seu beneficiário, dos quais a lei faz decorrer um efeito jurídico específico – existência de contrato de trabalho, ou seja, de uma relação de trabalho subordinado entre as partes envolvidas naquela prestação de atividade. Tais factos não operam em abstrato, mas apenas como elementos de caracterização da relação «entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam». O efeito jurídico associado pela lei não decorre apenas da verificação destes factos índice, isoladamente considerados, mas da ocorrência destes elementos, no contexto mais vasto da relação de prestação de atividade em causa. Tratando-se de uma presunção legal, tal como refere VAZ SERRA, «se tal inferência é feita pela própria lei (presunção legal), constitui um elemento desta, e o juiz não tem senão que a aplicar, uma vez verificada a existência da base da presunção, isto é, do facto conhecido; de sorte que a presunção legal não é propriamente um meio de prova, mas a atribuição legal de certa relevância a um facto»[14]. Segundo JOANA NUNES VICENTE, «na ótica da carga probatória, a presunção não produz, por isso, uma total alteração dos princípios relativos à distribuição da prova, uma vez que a parte beneficiada com a presunção não fica desonerada de realizar qualquer prova. O que há é uma modificação do thema da prova e, consequentemente um aligeirar desse ónus» e prossegue aquela autora, afirmando ainda que «num primeiro plano, o trabalhador terá de provar aquilo a que chamámos facto base ou base da presunção para daí poder inferir a existência do facto presumido que, no nosso caso, consiste mais precisamente num facto presumido complexo ou num conjunto de factos presumidos: os elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho, a saber, a atividade, a retribuição e a subordinação jurídica»[15]. Por outro lado, conforme refere JOÃO LEAL AMADO, «tratando-se de uma presunção juris tantum (art. 350.º do CCivil), nada impede o beneficiário da atividade de ilidir esta presunção, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho. Mas, claro, o onus probandi passou a ser seu (…), pelo que, não sendo a presunção ilidida, o tribunal qualificará aquele contrato como um contrato de trabalho, gerador de uma relação de trabalho subordinado» e conclui, afirmando que «de certa forma, esta presunção representa uma simplificação do método indiciário tradicional, visto que, como ponto de partida, ela dispensa o intérprete de proceder a uma valoração global de todas as características pertinentes para a formulação de um juízo conclusivo sobre a subordinação»[16]. IV
1 – Na decisão recorrida, depois de se considerar que «a presunção prevista no art. 12.º do Código do Trabalho basta-se, como dissemos, com a verificação de dois dos indícios/características apontados», referiu-se que «a verificação de duas dessas características têm, apesar de tudo, de ser enquadradas num ambiente contratual genético e de execução que não permita dúvidas consistentes sobre a qualificação. Só assim a presunção revestirá uma operação útil». Seguidamente, a decisão recorrida debruçou-se sobre a situação dos autos vindo a concluir que «o ambiente contratual de execução permite dúvidas sobre a qualificação do contrato, sem que se possa concluir desde logo por uma forte aproximação à figura do contrato de trabalho» e interrogou-se sobre «se a dúvida pode e deve ser resolvida pela indagação das características enunciadas no art. 12.º n.º 1 do Código do Trabalho, averiguando se opera a presunção de laboralidade». Neste segmento enveredou pela abordagem das várias alíneas do n.º 1 daquele artigo, à luz dos factos dados como provados, vindo a concluir que se verificava a circunstância prevista na alínea a), tendo excluído que os factos dados como provados permitissem dar como preenchidas as demais alíneas daquele número, o que não suscita reparos no que se refere à alínea e). Na verdade, da matéria de facto dada como provada não decorre que a trabalhadora desempenhasse quaisquer «funções de direção ou chefia na estrutura orgânica» da Ré, pelo não merece qualquer censura a decisão recorrida nesse segmento. 2 − No que se refere à alínea b), partindo do ponto n.º 5 da matéria de facto dada como provada, «Nas aulas que ministra, a professora utiliza equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes aos Serviços Municipalizados de ..., que lhe são disponibilizados pela ré, que os gere de acordo com o contrato de adjudicação que celebrou com a autarquia. A profissional utiliza, para aceder às piscinas, um cartão magnético de identificação que os Serviços Municipalizados lhe disponibilizaram, em consonância com a indicação dada pela ré, e vestuário que ostenta dizeres quer da ré quer dos Serviços Municipalizados, e que não se apurou quem fabricou», na decisão recorrida formularam-se as seguintes considerações: «o facto não nos dá conta de que tipo de equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes ao SMAS estão em causa. Nesta medida, trata-se da formulação de uma conclusão, de um “facto conclusivo” que deve ser considerado não escrito. Parece evidente que o “equipamento piscina” era disponibilizado à professora. No entanto, confundindo-‑se o mesmo com o local de trabalho não pode, a nosso ver, servir para integrar simultaneamente a característica da alínea a) e da alínea b) do n.º 1 do art. 12.º, devendo considerar-se consumida essa circunstância na característica da al. a) que já considerámos verificada». Tal como acima se referiu, os instrumentos de trabalho referidos no ponto n.º 5 da matéria de facto fazem parte do equipamento de qualquer piscina, tendo aquele conceito, quando associado ao exercício da atividade docente de uma professora de natação, um conteúdo facilmente percetível pelo comum dos cidadãos utentes de piscinas. Não está em causa a atribuição da natureza jurídica de instrumentos de trabalho a objetos não concretizados, mas sim a referenciação a concretos bens materiais utilizados na prossecução da atividade em causa. Por outro lado, uma piscina associada a uma escola de natação não se esgota apenas no espaço físico em que os alunos, em contacto com a água, praticam a natação e onde o professor demonstra a forma como tal atividade deve ser exercida. O local de trabalho, neste contexto, tem uma dimensão mais ampla que englobará a piscina propriamente, os balneários a ela anexos, mas também toda a infraestrutura a ela associada. O local de prestação da atividade de um professor de natação é todo esse conjunto. Carece, deste modo, de sentido a confusão feita na decisão recorrida, entre a piscina, entendida como espaço físico, onde a existência de água permite o exercício de atividades a elas associadas, e o local do exercício da atividade docente da professora de natação e a não autonomização da alínea em causa. À luz da matéria de facto dada como provada e da caracterização dos instrumentos de trabalho utilizados na prossecução da atividade prosseguida, pode afirmar-se que se mostra preenchida também a alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho. 3 – Por outro lado, na decisão recorrida excluiu-se que se mostrasse preenchida a alínea c) do n.º 1 do citado artigo 12.º do Código do Trabalho, que refere que «c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma». Afirmou-se na decisão recorrida, como fundamentação do decidido, o seguinte: «Trata-se aqui de averiguar da existência da característica da al. c) do n.º 1 do art. 12.º c) (a do prestador de atividade observar horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma). Ora, neste ponto apenas se provou (facto 6.) que no início de cada ano letivo, um coordenador da ré estabelece horários para os vários profissionais, que lhes são distribuídos consoante as suas disponibilidades, e estes ficam obrigados a cumpri-los. Não se provou, portanto, que no caso a prestadora de atividade observasse horas de início e de termo da prestação, determinada pela ré, mas tão só que, consoante a sua disponibilidade - ou seja, de acordo com o tempo que declarou poder prestar (saliente-se que de acordo com o facto 16. a professora em causa não desenvolvia atividade unicamente para a ré) – cumpre um horário de aulas que (facto 6.), no início de cada ano letivo, um coordenador da ré estabelece, sendo certo que (facto 12.) são os SMAS que estabelecem os dias em que as piscinas estão disponíveis para que a ré aí possa prestar os seus serviços. A existência deste horário para as aulas não é confundível com um horário de início e termo da atividade em que o trabalhador tenha que sujeitar a sua disponibilidade ao beneficiário da atividade, como é próprio num contrato de trabalho – disponibilidade essa independente de haver ou não trabalho a realizar. Deste modo, entendemos que não está verificada a característica enunciada na al. c) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho.» Não podemos subscrever este segmento da decisão recorrida. Na verdade, resulta da matéria de facto que «no início de cada ano letivo, um coordenador da ré estabelece horários para os vários profissionais, que lhes são distribuídos consoante as suas disponibilidades, e estes ficam obrigados a cumpri-los», e que «a professora leciona, em média, cerca de vinte aulas por semana, distribuídas por blocos de 40 ou de 45 minutos, cumprindo conteúdos programáticos definidos para cada turma e modalidade, que são registados periodicamente em folhas próprias, com o logótipo da ré e por ela facultadas, que as arquiva após preenchimento». Além disso resulta também da matéria de facto que «a professora regista os dias e horas em que presta a sua atividade em folhas de controlo de assiduidade disponibilizadas pela ré e que são rubricadas pelo seu coordenador técnico» e «é a este – o professor de educação física Fernando CC – que a professora comunica qualquer circunstância relevante no desempenho da sua atividade, designadamente se precisa de faltar ao serviço». A forma de distribuição dos tempos de trabalho decorrente destes pontos da matéria de facto é a comum em qualquer atividade de natureza letiva. Ela começa por ficar dependente, em primeira linha, da organização dos horários e da sua distribuição pelos professores, onde relevam as conveniências destes, mas que, apesar disso, se tornam depois vinculativos, como no caso dos autos, onde se afirma que o professor se obriga a cumprir, como se refere no ponto respetivo, horário que se desdobra em tempos letivos, cuja prestação é sujeita às folhas de controlo de assiduidade e que se projetam na determinação das horas de serviço prestado e do pagamento que lhe seja devido. Aplicado à atividade prestada, o exercício da atividade docente de uma escola de natação, o modelo concretiza os tempos de trabalho, materializados nas aulas prestadas, evidenciando, por força disso, um horário quotidiano de entrada e saída de serviço. Concretizados, deste modo, os tempos de prestação de trabalho a partir do horário letivo aprovado, cuja execução pelo prestador é obrigatória, mostra-se preenchido o pressuposto subjacente à norma, enquanto índice de uma situação de subordinação jurídica, assente no facto de a prestação de atividade ser enquadrada por uma dimensão temporal concreta, ou seja, por um tempo de trabalho concretamente delimitado. Não obsta a esta conclusão o facto de o professor ter intervenção na escolha dos horários, que «são distribuídos consoante as suas disponibilidades», nem essa intervenção afasta o caráter vinculativo dos horários estabelecidos. É o que decorre expressamente do segmento em causa da matéria de facto quando afirma que, uma vez distribuídos os horários, os professores «ficam obrigados a cumpri-los». Torna-se líquido o preenchimento da alínea em causa. 4 – Do mesmo modo, a decisão recorrida rejeitou o preenchimento da alínea d) do n.º 1 do artigo 12.º, e fê-lo com os seguintes fundamentos: «Em quarto lugar, também temos de considerar que não se verifica a existência da característica elencada na al. d) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho – o pagamento, com determinada periodicidade, de quantia certa ao prestador da atividade, como contrapartida desta. O que tão só ficou provado no que toca à remuneração da prestadora da atividade foi que (facto 9.) como, contrapartida da sua atividade, a ré paga à professora em causa um quantitativo calculado em função das horas prestadas e do tipo de aula lecionada – que pode ser uma aula normal, uma sessão de “ATL” ou uma aula de hidroginástica – correspondendo, respetivamente, a cada uma, os valores de 5, 6 ou 7 euros por sessão, sendo o pagamento efetuado mensalmente, mediante fatura-recibo passada pela professora, que recebeu, desde o início desta atividade, montantes entre os € 128,75 e os € 1.508,75. Provou-se a periodicidade do pagamento (mensal), mas não se provou que com a mesma periodicidade o pagamento fosse em quantia certa (todos os meses), sucedendo até que as quantias variavam significativamente - entre os € 128,75 e os € 1.508,75.» A decisão recorrida excluiu deste modo que se tratasse de uma forma de remuneração em quantia certa, dado o caráter variável dos quantitativos entregues mensalmente. Tal como acima se referiu, o dispositivo em causa exige que «seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma». Conforme resulta da matéria de facto dada como provada, «como contrapartida da sua atividade, a ré paga à professora em causa um quantitativo calculado em função das horas prestadas e do tipo de aula lecionada – que pode ser uma aula normal, uma sessão de “ATL” ou uma aula de hidroginástica – correspondendo, respetivamente, a cada uma, os valores de 5, 6 ou 7 euros por sessão. O pagamento é efetuado mensalmente, mediante fatura-recibo passada pela professora, que recebeu, desde o início desta atividade, montantes entre os € 128,75 e os € 1.508,75.» À luz destes elementos e, face ao acima referido acerca do entendimento daquele conceito, a contrapartida da atividade prestada, paga pela Ré à referida trabalhadora, depende do número e do tipo de aulas prestadas, daí derivando quantitativos mensais variáveis. Deste modo, os quantitativos entregues não podem considerar-se como integrando uma «quantia certa», nos termos e para os efeitos da mencionada norma da alínea d) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho. 5 – Integradas as circunstâncias previstas em mais do que uma das alíneas do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho, mostra-se preenchida a presunção da existência de contrato de trabalho na relação que vigorou entre a trabalhadora em causa e a Ré. Cumpre, pois, indagar se esta ilidiu aquela presunção, demonstrando que, apesar da verificação daquelas circunstâncias e da presunção das mesmas derivada, a relação existente não pode ser considerada como uma relação de trabalho subordinado, ou como refere MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, torna-se necessário indagar se «o empregador provou a autonomia do trabalhador ou a falta de outro elemento essencial do contrato de trabalho»[17]. Da análise da matéria de facto dada como provada constata-se que têm origem na contestação apresentada pela Ré os factos descritos sob os n.ºs 11.º a 17.º, que são do seguinte teor: Ponderados estes factos verifica-se que os descritos sob os n.ºs 12.º a 15.º se prendem com as condições em que a Ré assumiu a gestão da piscina - que decorrem do contrato celebrado com os SMAS - não resultando dos mesmos quaisquer elementos relevantes na caracterização da relação existente entre a Ré e a trabalhadora em causa. Não resultam, deste modo, desses factos, quaisquer elementos que permitam pôr em causa a existência de uma relação de trabalho subordinado entre a Ré e aquela trabalhadora. Por outro lado, o facto descrito sob o n.º 17 não tem também qualquer relevo no sentido da caracterização do vínculo que ligava a trabalhadora à Ré. O facto descrito sob o n.º 16, «a professora em causa não desenvolve atividade unicamente para a Ré», é um importante indício na caracterização da mencionada relação, deverá ser ponderado no contexto global da matéria de facto, sendo certo que, isoladamente considerado, mesmo no quadro dos factos derivados da contestação, não tem a virtualidade de ilidir a presunção de laboralidade de que se cuida. Trata-se de facto compatível com a existência de uma relação de trabalho a tempo parcial, não sendo excludente da existência de uma relação de trabalho subordinado, embora tenha tradicionalmente um particular relevo no contexto do método indiciário, já que aponta para a autonomia do trabalhador e para a inexistência de uma situação de dependência económica, esta normalmente associada às situações de trabalho subordinado. 6 − O facto descrito sob o n.º 11 «Se o colaborador em causa não tiver qualquer turma, é certo que não irá ministrar qualquer aula» deriva de um bloco da contestação que era do seguinte teor:
O ponto em causa da matéria de facto resulta, deste modo, do artigo 4.º da contestação, onde, a propósito da compensação paga pela Ré à trabalhadora, assente na afirmação de que tal compensação era paga em função das turmas que lhe eram atribuídas (e não de aulas), se afirmava que se a colaborada «não tiver qualquer turma, é certo que não irá ministrar qualquer aula». A decisão proferida na 1.ª instância veio a fixar a matéria de facto, no que se refere à compensação paga pela Ré, nos termos que constam dos pontos n.ºs 7 e 9 da matéria de facto dada como provada, nada se tendo provado relativamente à restante factualidade invocada pela Ré naquele bloco, com exceção daquele ponto n.º 11. 7 – O facto descrito no ponto n.º 11 da matéria de facto articula-se com a distribuição dos horários prevista no ponto n.º 6 da matéria de facto, que refere que «no início de cada ano letivo, um coordenador da ré estabelece horários para os vários profissionais, que lhes são distribuídos consoante as suas disponibilidades, e estes ficam obrigados a cumpri-los». Os horários afetos a cada professor são elaborados e distribuídos em função das turmas constituídas com os alunos existentes, e se não se constituírem turmas, ou, se elas não forem afetas a um docente em concreto, este, para usar a expressão do ponto em causa da matéria de facto, «não irá ministrar qualquer aula». Resulta deste facto que, se à trabalhadora a que se refere o presente processo não fosse atribuída qualquer turma, «se o colaborador em causa não tiver qualquer turma», ela não iria prestar atividade contratada, «é certo que não irá ministrar qualquer aula». Na linearidade deste facto, a afetação da atividade docente a esta professora dependia da existência de turmas que o justificassem e, se essas turmas não lhe fossem afetas, ela não «iria ministrar qualquer aula», ou seja, não desempenharia a atividade docente. Este facto, lido no contexto global da matéria de facto dada como provada, nomeadamente, articulado com o facto acima referido e descrito sob o n.º 16, facto este derivado igualmente da contestação, e com a forma de remuneração da atividade desempenhada, calculada nos termos dos pontos n.º 7 e 9, em função das horas de serviço efetivamente prestadas, evidencia que, se não fosse atribuída qualquer turma à professora, ela não desempenharia qualquer atividade e não auferiria qualquer remuneração paga pela destinatária dos serviços prestados. Do mesmo modo, resulta do ponto n.º 3 da matéria de facto dada como provada que «a professora em causa vem realizando a atividade para que foi contratada, ininterruptamente, em todo o período letivo, apenas não exercendo desde meados de julho a meados de setembro, momento em que não funciona a escola». Decorre deste facto que, embora a trabalhadora tenha desempenhado as suas funções, desde que foi contratada, ininterruptamente, em todo o período letivo», ela não desempenha essa atividade «desde meados de julho a meados de setembro, momento em que não funciona a escola». Uma vez que não lhe tem sido reconhecido o direito a férias remuneradas e ao respetivo subsídio, aquele facto tem como consequência que, no período de tempo em que escola está encerrada, a trabalhadora em causa não exerça a atividade para que foi contratada, nem, consequentemente, aufira qualquer remuneração que lhe seja paga pela Ré. Deste modo, a atividade prestada pela trabalhadora tem decorrido em ciclos anuais, que coincidem com o período letivo, sem que exista uma situação de continuidade na prestação da atividade para que foi contratada. Trata-se de uma situação incompatível com a existência de uma relação de trabalho subordinado. Na verdade, uma das características da relação de trabalho subordinado, por força da prestação de atividade que caracteriza o seu objeto, é a continuidade, o seu caráter duradouro. Ou seja, o trabalhador subordinado disponibiliza a prestação da sua atividade ao empregador, no contexto da organização deste, de uma forma estável e tendencialmente duradoura. A duração indeterminada da relação de trabalho subordinado é uma das características do vínculo laboral, referindo MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO que «o vínculo laboral típico é, quase sempre, um vínculo por tempo indeterminado (que, por vezes, abrange a própria vida do trabalhador), que ocupa o trabalhador a tempo integral e que apresenta uma natureza unitária, não obstante as diversas categorias de trabalhadores e ressalvadas algumas situações laborais específicas em razão da natureza da própria atividade laboral envolvida».[18] No mesmo sentido refere MONTEIRO FERNANDES, que «da própria noção legal do art. 11.º do CT ressalta esta característica: a obrigação de atividade que o trabalhador assume implica de certo modo, continuidade (uma “atividade” é, logicamente, uma série de atos que se e[s]tendem no tempo); a situação de subordinação (e o correlativo exercício de poderes de organização e autoridade pelo empregador) tem caráter duradouro, supõe a integração estável de uma das partes na organização de meios predisposta pela outra»[19]. Pode, pois, concluir-se que a atividade prestada pela trabalhadora à Ré não apresenta uma situação de continuidade, típica de uma relação de trabalhado subordinado, mostrando-se condicionada aos ciclos inerentes ao funcionamento da escola e à atribuição ou não de qualquer turma de alunos que justifique a prestação da sua atividade de professora. Por outro lado, a subordinação da prestação da atividade à atribuição das turmas, com a hipótese de não desempenho de qualquer atividade se essa atribuição não ocorrer, transfere o risco da existência de períodos de inatividade para o trabalhador, quando a norma nas relações de trabalho subordinado é que esse risco corra por conta do empregador. A assunção do risco inerente à inexistência de alunos que viabilizem a constituição de turmas e a sua atribuição aos docentes corre, no caso, por conta do trabalhador que, nessa situação, ficará sem turmas atribuídas, não podendo, deste modo, desempenhar a sua atividade. A assunção do risco pela não produção dos resultados, no caso inerente à não realização das aulas, desempenha um papel importante no contexto da avaliação dos fatores caraterísticos de laboralidade. No dizer de MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, a propósito dos indícios de subordinação jurídica, «o facto de o risco da não produção dos resultados correr por conta do credor aponta para a dependência do trabalhador, ao passo que a suportação desse risco pelo prestador do trabalho evidencia a sua autonomia, afastando a qualificação do negócio como contrato de trabalho»[20]. Haverá, pois, que concluir que a Ré provou factos que evidenciam características na relação que mantinha com a trabalhadora que são incompatíveis com a existência de uma relação de trabalho subordinado entre ambas, pelo que ilidiu, por inteiro, a presunção da existência de contrato de trabalho entre ambas. Improcedem, deste modo, as conclusões 4.ª a 15.ª das alegações apresentadas pelo recorrente. 8 – Nas conclusões 16.ª a 22.ª insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida, referindo que «mesmo socorrendo-nos do método indiciário, critério preconizado pela doutrina e habitualmente utilizado pela jurisprudência para aferir da existência ou não de um contrato de trabalho, extrai-se que o contrato celebrado entre a Prof. BB e a Ré deve ser qualificado como contrato de trabalho». Destaca como fatores relevantes no sentido dessa conclusão os elementos decorrentes da matéria dada como provada relativamente ao local de trabalho, a horário de trabalho, à utilização de equipamentos ou de instrumentos de trabalho facultados pela Ré. Invoca, igualmente, neste sentido, os elementos que resultam da matéria de facto relativamente ao tipo de remuneração que era prestado àquela trabalhadora, bem como um conjunto de elementos dos quais pretende deduzir a inserção da trabalhadora na estrutura da Ré. Decidiu-se supra que, à luz da matéria de facto dada como provada, se mostravam preenchidos os factos base integradores da presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho e que a Ré ilidiu essa presunção. Essa decisão prejudica o conhecimento das questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões em causa. Na verdade, o preenchimento dos pressupostos da presunção da existência de contrato de trabalho concretiza o resultado que poderia derivar da ponderação dos indícios de subordinação jurídica decorrentes da matéria de facto e, por outro lado, os factos que fundamentam o juízo sobre a ilisão dessa presunção seriam igualmente operativos no sentido do afastamento da existência de uma relação de trabalho subordinado entre as partes. Por tal motivo, não se conhece da matéria enunciada nas sobreditas conclusões, nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos conjugados artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do citado Código.
V Nestes termos, acorda-se em negar a revista e em confirmar, embora com fundamentação diversa, a decisão recorrida. Sem custas (artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais). Junta-se sumário do acórdão. Lisboa, 2 de julho de 2015
António Leones Dantas (Relator)
Melo Lima
Mário Belo Morgado
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