Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE DIAS | ||
Descritores: | REFORMA DE ACÓRDÃO EXCESSO DE PRONÚNCIA RECUPERAÇÃO DE EMPRESA COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA REQUISITOS LEI APLICÁVEL LEI ESTRANGEIRA ERRO DE CÁLCULO LAPSO MANIFESTO CONTRATO DE FORNECIMENTO CONDENAÇÃO EM CUSTAS PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 07/11/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | DEFERIDA PARCIALMENTE A RECLAMAÇÃO | ||
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Sumário : | I - Face à lei portuguesa, que se entendeu aplicável, estando a autora em processo de recuperação, tal situação não é impeditiva de efetivação de compensação de créditos. II - Se a ré/recorrente pretendia que se efetuasse a compensação e entendia que aplicável fosse a lei portuguesa, não se verifica o excesso de pronúncia quando se declara a compensação ao abrigo da lei portuguesa. III - O pedido de reforma do acórdão não pode implicar uma nova análise do caso, como se de um novo recurso se tratasse. IV - Para efeitos de custas o recurso é considerado processo autónomo. V - Verificando-se o exagero ou desproporcionalidade entre a taxa remanescente e a especificidade da situação (complexidade da causa e trabalho produzido) há sempre a possibilidade de ser requerida, ou decidida oficiosamente, a dispensa (total ou parcial) do pagamento dessa taxa remanescente, ao abrigo do n.º 7 do art. 6.º do RCP. VI - Não sendo as questões submetidas à apreciação do tribunal, no recurso de revista, de complexidade anormal e sendo correta a conduta processual das partes, em processo com valor de € 482 302,23, justifica-se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em 75%. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível. POMI FRUTAS S/A., identificada nos autos, instaurou a presente ação declarativa, de condenação, sob a forma comum contra CAMPOTEC IN - CONSERVAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DE HORTO FRUTÍCOLAS, S.A., O processo prosseguiu seus termos e: Após a audiência final, foi proferida sentença constando do respetivo dispositivo o seguinte: "(...) Face ao exposto, julga-se a ação e a reconvenção parcialmente procedentes e, em consequência, decide-se: a)absolver da instância a autora quanto à quantia de 85.079,60€ (oitenta e cinco mil e setenta e nove euros e sessenta cêntimos) peticionada pela ré; b) condenar a ré a pagar à autora a quantia de 81.304.09€ (oitenta e um mil trezentos e quatro euros e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal da lei portuguesa, desde a citação até integral e efetivo pagamento; c) absolver a autora e a ré do pedido quanto ao demais - ou seja, na parte que excede o que consta das als. a) e b) - que contra elas foi peticionado pela ré e pela autora, respetivamente. Custas pela autora e pela ré, na proporção de 75% e 25%, respetivamente, dispensando as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça na proporção de 50%. Registe e notifique". Não se conformando com a referida sentença, dela apelou a autora, sendo decidido, após deliberação, pelo Tribunal da Relação: “Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2ª Secção Cível, na procedência da apelação, em: I)Julgar improcedente, nos termos constantes da questão A), a nulidade aí conhecida; II) Julgar suprida a nulidade da omissão de pronúncia da questão da litigância de má-fé da ré e considerar, quanto ao mais, não se verificarem as nulidades que foram invocadas pela recorrente; III) Rejeitar a impugnação da matéria de facto, quanto ao facto provado n.º 10), por inobservância do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC; IV) Eliminar o ponto 11.º dos factos provados; V) Alterar a redação dos pontos 12.º e 13.º dos factos provados para a seguinte: (…) VI) Alterar-se a redação dos factos não provados para a seguinte: (…) VII) Alterar a redação do ponto 14.º dos factos provados para a seguinte: (…) VIII) Alterar a redação do ponto 15.º dos factos provados para a seguinte: (…) IX) Alterar a redação do ponto 17.e dos factos provados para a seguinte: (…) X) Julgar improcedente a impugnação da matéria de facto relativamente ao artigo 16.º dos factos provados; XI) Indeferir o aditamento aos factos provados da matéria pretendida incluir pela recorrente, como supra mencionado na apreciação da questão J); XII) Revogar a decisão recorrida e substituí-la pela presente: a) Condenar a ré a pagar à autora a quantia de € 390.497,50 (trezentos e noventa mil, quatrocentos e noventa e sete euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros comerciais, contabilizados sobre cada uma das faturas acima identificadas, na apreciação da questão P), desde a respetiva data de vencimento e até integral pagamento, absolvendo a ré do demais peticionado pela autora; b) Julgar improcedente a pretensão de compensação deduzida pela ré e, consequentemente, o pedido reconvencional por si formulado, absolvendo a autora em conformidade; e c) Julgar não verificada litigância de má-fé no comportamento da ré, absolvendo-a do peticionado a este título pela autora. Custas pela ré/apelada. Notifique e registe.” Inconformada a ré com o decidido pela Relação, interpôs recurso de Revista para este STJ, sendo decidido: “Julgar procedente o recurso de revista e, consequentemente, revoga-se o acórdão recorrido e efetuando a compensação entre os créditos da autora e da ré, condena-se esta a pagar àquela a diferença entre os créditos, ou seja, na quantia de 81304,09€, absolvendo-se do mais em que vinha condenada. Custas pela recorrida”. * A Autora/Recorrida, notificada do Acórdão, vem requerer: “… a REFORMA DE ACÓRDÃO (Art. 616.º, n.sº 1 e 2, alínea b) do Código de Processo Civil “CPC”), INVOCAR A EXISTÊNCIA DE NULIDADES (Art. 615.º, n.º 1 do CPC), INVOCAR E PEDIR A RETIFICAÇÃO DE ERRO DE CÁLCULO / LAPSO MANIFESTO (Art. 614.º, n.º 1 do CPC) ex vi arts. 666.º e 685.º do Código de Processo Civil (“CPC”) e a final, REQUERER A DISPENSA DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA (Art. 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais)”. Pede: “requer-se a V. Exas se dignem a: A) Ordenar a reforma do Acórdão do STJ proferido em 10.05.2023 nos termos e para os efeitos do Artigo 616.º, n.º 2, alínea b) do CPC ex vi Art. 666.º e Art. 685.º do CPC, e consequentemente, não declarar a compensação de créditos entre a Autora e a Ré, mantendo na íntegra a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa; Subsidiariamente, B) Declarar a nulidade do Acórdão do STJ proferido em 10.05.2023 nos termos e para os efeitos do Artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC in fine, ex vi Art. 666.º e Art. 685.º do CPC, face ao excesso de pronúncia do Douto Tribunal consubstanciada na declaração de compensação ao abrigo da lei Portuguesa quanto tal questão se encontra fora do âmbito das conclusões do recurso apresentado pela Recorrente. Subsidiariamente, caso o STJ entenda manter o acórdão na íntegra, o que aqui apenas se conjetura de forma hipotética por estrito dever de patrocínio: C) Proceder, nos termos do Art. 614.º, n.º 1 do CPC, à retificação do erro de cálculo e lapsos incorridos no acórdão aquando da determinação da compensação de créditos, e consequentemente, declarar que o valor condenatório devido pela Ré à Autora é de € 210.931,70 (duzentos e dez mil, novecentos e trinta e um euros e setenta cêntimos) (e não de € 81.304,09). D) Declarar a nulidade do Acórdão do STJ proferido em 10.05.2023 nos termos e para os efeitos do Artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, ex vi Art. 666.º e Art. 685.º do CPC, face à omissão de pronúncia do Douto Tribunal relativamente à questão dos juros aplicáveis e incidentes sobre os créditos da Autora sobre a Ré, e concomitantemente, que tal invalidade seja suprida nos termos supra aduzidos e condenando-se a Ré no pagamento dos juros devidos. E) Declarar a nulidade do Acórdão do STJ proferido em 10.05.2023 no que respeita à condenação em custas pela Recorrida face à inexistência de fundamentação da referida decisão condenatória e ambiguidade da decisão proferida nos termos e para os efeitos do Art. 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC, e concomitantemente, (i) suprir as referidas nulidades e (ii) ordenar a reforma em conformidade do acórdão também em matéria de custas face à violação das normas legais atinentes. Em qualquer caso: F) Ordenar a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do Artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais”. Reforma do acórdão: O art. 616º do CPC, reportando-se à reforma da sentença, diz que qualquer das partes pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quando por manifesto lapso tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos (dado que estamos perante a última instância recursiva). Norma aqui aplicável por força do disposto nos arts. 666º e 679º, do CPC. - Pedem os reclamantes a reforma do acórdão, dada a impossibilidade de aplicação do art. 99º do CIRE e dado o não preenchimento dos requisitos do mesmo art. 99º. Relativamente a esta questão não ocorreu qualquer lapso e o entendimento do tribunal foi o de que, na situação concreta em apreço, sendo aplicável e aplicada a legislação portuguesa era legalmente admissível efetuar-se a compensação de créditos. O Tribunal decidiu conforme ponderadamente entendeu que devia decidir e o que ocorre é que o reclamante discorda da decisão. Exemplo do manifesto lapso é o caso de aplicação de norma inquestionável e expressamente revogada, por o julgador se não haver apercebido atempadamente da revogação. E o acórdão deste STJ de 02-12-2021 (secção do contencioso), refere “II – O lapso manifesto tem de ser evidente e incontroverso, revelado por elementos exteriores à sentença ou acórdão reformandos, não se reconduzindo à mera discordância quanto ao decidido. III - Não é permitida a reforma do acórdão quando apenas é fundada em manifestações de discordância do julgado e se pretende a alteração do decidido.” Assim que não se verificam os fundamentos expressos na norma legal para proceder à reforma do acórdão. O que se entendeu e entende, é que face à norma do art. 99º do CIRE só a declaração da insolvência pode ser impeditiva da compensação de créditos. Mas mesmo após a declaração da insolvência pode haver lugar a compensação de créditos, “… desde que se verifique pelo menos um dos seguintes requisitos:”, dos enunciados nas als. a) e b), do nº 1 do referido art. 99º, do CIRE. Ou seja, mesmo que tivesse havido declaração de insolvência (falência na terminologia brasileira), a compensação podia efetuar-se porque o preenchimento dos pressupostos legais da compensação teria ocorrido antes da declaração da insolvência. Sendo que, no caso concreto não foi declarada a insolvência (falência) como a reclamante alega “Sucede que os efeitos da declaração de falência encontram-se suspensos desde o dia 3 de março de 2020” e, “Assim, em face do teor da certidão fica demonstrado de forma clara que, tanto na prática, como de um ponto de vista legal, a Autora mantém-se na presente data em estado de recuperação, tal como estava aquando da apresentação da presente ação judicial”. Neste ponto tem razão a reclamante sobre a não aplicação do art. 99º do CIRE. Mas o que se pretendeu realçar era que, mesmo se tivesse sido declarada a insolvência, ainda era possível a compensação, ao abrigo do referido art. 99º. E resulta dos factos provados, pontos 18 a 20, nomeadamente quando se refere que “20.A Autora interpôs recurso de agravo contra essa mesma decisão, tendo o Juiz Desembargador Competente, por decisão de 3 de Março de 2020, concedido efeito suspensivo ao recurso, assim suspendendo os efeitos da decretação da falência até julgamento final do agravo”, que se encontra suspensa a decretada falência da autora. Face à lei portuguesa que se entendeu aplicável, estando a autora em processo de recuperação, tal situação não é impeditiva de efetivação de compensação de créditos. Se mesmo após a declaração da insolvência, só nos casos previstos no nº 4 do art. 99º do CIRE a compensação não é admissível, quer dizer que antes dessa declaração a compensação é sempre admissível. E sobre o ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22-05-2018, no Proc. 153874/15.3..., citado pela reclamante, diremos que referindo que não tem aplicação no PER o disposto no art. 99º, do CIRE (porque este só tem aplicação após a declaração de insolvência), verifica-se que aí se indica a possibilidade da compensação quando uma das partes do processo se encontra em processo de recuperação. Assim se entende não ter havido errada qualificação dos factos, nem qualquer outro fundamento para a reforma do acórdão. Concluímos como no Ac. supra indicado da secção do contencioso deste STJ ao referir: “O que o requerente pretende é, a todo o custo, a alteração da decisão. Mas isso está-nos vedado. Para além de estarmos cientes da legalidade e justeza da decisão proferida no acórdão, este não pode ser alterado, visto que se extinguiu o nosso poder jurisdicional com a sua prolação, nos termos do n.º 1 do art.º 613.º, e porque não ocorre qualquer caso previsto no seu n.º 2, designadamente na invocada alínea b) do n.º 2 do art.º 616.º, aplicáveis por força do n.º 1 do art.º 666.º e 685.º, todos do CPC.” A pretensão da requerente tem, assim, que ser julgada improcedente. Nulidade do Acórdão face ao excesso de pronúncia: Excesso consubstanciado, segundo a reclamante, na declaração de compensação ao abrigo da lei portuguesa quando tal questão se encontra fora do âmbito das conclusões do recurso apresentado pela Recorrente. Ora, no acórdão reclamado referiu-se como questão a decidir, porque suscitada nas conclusões do recurso de revista, “- Qual a lei aplicável à questão da “compensação”, é aplicável a lei portuguesa, ou a lei brasileira (conclusões 5 a 9)”. Alega a ora reclamante que “não existe uma única conclusão da Recorrente, explícita ou implícita, no sentido de que a compensação pretendida pela mesma Recorrente deverá operar os seus efeitos à luz do ordenamento e da lei Portuguesa”. Se a ré/recorrente pretendia que se efetuasse a compensação e entendia que aplicável fosse a lei portuguesa, não se verifica o excesso de pronúncia quando se declara a compensação ao abrigo da lei portuguesa. Na conclusão 9, dizia a recorrente “9. Errou assim, o acórdão recorrido ao decidir aplicar a Lei brasileira à Compensação”, porque aplicável, entendia, era a lei portuguesa. E assim o entendeu a ora reclamante, de que a recorrente pretendia a aplicação da lei portuguesa e que operasse a compensação, ao responder ao recurso e alegando nomeadamente na conclusão “G) O Tribunal “a quo” também decidiu de forma acertada ao aplicar a lei Brasileira à questão da compensação de créditos invocada e pretendida pela Recorrente”. E na contestação a ré alegava o seu crédito sobre a autora e também pretendia se efetuasse a compensação. Constava do pedido “… Se assim não se entender, deve ser aceite como provado o Pedido reconvencional e reconhecido o crédito da Ré sobre a Autora no montante de 405.325,45€ e, em consequência declarada judicialmente a compensação de créditos e, consequentemente, ser a presente acção julgada totalmente improcedente e não provada, absolvendo-se a Ré do pedido”. Não se verifica a alegada nulidade por excesso de pronúncia. Manifesto erro de cálculo incorrido aquando da operação de compensação: Alega a requerente tratar-se de erro facilmente constatável da subtração do valor do crédito de € 179.565,80 atribuído à Recorrente ao valor do crédito da Recorrida de € 390.497,502). Alega a reclamante que resulta da matéria de facto provada que o crédito da Autora sobre a Ré é de € 390.497,50 e que o crédito da Ré sobre a Autora é de € 179.565,80. No acórdão reclamado, na parte final, se esclarecem os números que deram origem à quantia apurada, nos seguintes termos: “Sendo que à ré foi reconhecido o crédito de 268471,40€ no processo de recuperação da autora, a que acresce o crédito de 40722,01€, cedido à ré pela M... Lda.. Assim, o crédito total da ré, a compensar, é no montante de 309193,41€ e o crédito da autora é no montante de 390497,50€. Sendo que o crédito da autora excede a compensação em 81304,09€ e que constitui a quantia em dívida pela ré à autora.” E os factos relevantes apurados são: “9. A respeito dos diversos carregamentos de maçãs fornecidos, foram emitidas diversas faturas pela Autora à Ré, devidamente recebidas por esta última e acompanhadas da documentação de exportação atinente, no valor total de € 390.497,50. 12. No desenvolvimento dessa relação comercial foram fornecidas pela ré à autora frutas, tendo sido emitidas as respetivas faturas, no montante de 179.565,80€. 13.No processo de recuperação da autora e da Pomifrai - Fruticultura, S.A. foi reconhecido à ré o crédito global de € 268.471,40, conforme consta da lista de fls. 138 e ss., mais especificamente a fls. 143, sendo: - No valor de € 179.565,80 sobre a autora; e - No valor de € 88.905,60 sobre a Pomifrai - Fruticultura, S.A. 15. Por via da carta recebida pela autora em 15-02-2018, a ré comunicou também à autora que a M... Lda.. lhe cedeu o crédito decorrente do fornecimento de frutas efetuado à autora, titulado pelas seguintes faturas: (…) Tudo no valor total de 150.675.00 Reais, que corresponde a 40.722,01€ ao câmbio da altura, pretendendo igualmente compensar este crédito, nos termos indicados supra em 14”. Assim, € 390.497,50 - (€ 179.565,80 + € 88.905,60) - 40.722,01 € = 81304,09 €. Resulta dos factos provados que: - A sociedade Pomifrai é participada da autora e há um único processo de falência em relação a ambas e é único o processo de procedimento de recuperação - A ré comunicou à autora a compensação dos seus créditos (só pode ser o crédito sobre a autora e sobre a Promifai) e a autora só não aceitou a compensação face à pendência do procedimento de recuperação da autora e da participada. - No processo de recuperação da autora e da Pomifrai - Fruticultura, S.A. foi reconhecido à ré o crédito global de € 268.471,40 (embora de seguida se discrimine o montante que a cada uma respeita). - Foi decretada a falência de ambas no mesmo processo, sendo interposto recurso pela autora, com efeito suspensivo. Decorrendo no mesmo processo a recuperação da autora e da participada, e sendo reconhecido o crédito global da ré de € 268.471,40, foi este o montante tido em conta na compensação. E situação idêntica se passa relativamente ao crédito que à ré foi cedido pela M... Lda.., decorrente do fornecimento de frutas efetuado à autora, no valor total de 40.722,01€. Poderá, ou não, ter razão a reclamante, questão que não cabe neste momento analisar por não se enquadrar no âmbito da reforma do acórdão. O pedido de reforma do acórdão não pode implicar uma nova análise do caso, como se de um novo recurso se tratasse. Temos que esta questão não se enquadra em erro ocorrido na determinação da norma aplicável, nem em erro ocorrido na qualificação jurídica dos factos. Conforme acórdão da secção do contencioso deste STJ, de 02-12-2021, proferido no Proc. nº 9/21.0YFLSB, “I - É pressuposto da reforma da sentença ou acórdão ao abrigo do disposto no art. 616.º, n.º 2, do CPC, além de não caber recurso da decisão, a existência de lapso manifesto na determinação da norma aplicável, na qualificação jurídica dos factos ou na desconsideração de documentos com força probatória plena ou outros meios de prova com efeito semelhante, com influência direta e causal no resultado, se atendidos. II – O lapso manifesto tem de ser evidente e incontroverso, revelado por elementos exteriores à sentença ou acórdão reformandos, não se reconduzindo à mera discordância quanto ao decidido. III - Não é permitida a reforma do acórdão quando apenas é fundada em manifestações de discordância do julgado e se pretende a alteração do decidido”. Pela via da reforma do acórdão, este não pode ser alterado, visto ter-se extinguido o poder jurisdicional com a sua prolação, nos termos do nº 1 do art. 613º, e porque não ocorre qualquer caso previsto no seu nº 2, designadamente no invocado n.º 2 do art. 616º, aplicáveis por força do nº 1 do art. 666º e 685º, todos do CPC. Improcede a alegação de manifesto erro de cálculo/lapso manifesto. - Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia: Diz a reclamante que o acórdão padece também de uma nulidade por omissão de pronúncia, in casu referente à questão dos juros incidentes sobre o crédito da Autora. No acórdão reclamado foram conhecidas as questões suscitadas pela recorrente de revista, que é a parte contrária à ora reclamante. No recurso de revista não vinham questionados juros. O acórdão reclamado não revogou a decisão sobre juros, decidida pelo acórdão da Relação, pelo que essa decisão se mantém. Poderia no segmento decisório do acórdão reclamado acrescentar-se que se mantinha o mais decidido. No entanto não era obrigatório porque não foi objeto do recurso e é este que delimita o âmbito de conhecimento pelo tribunal ad quem. Pelo que se mantém, porque não foi revogada, a decisão da Relação de que a quantia devida à autora pela ré é “acrescida de juros comerciais, contabilizados sobre cada uma das faturas acima identificadas, na apreciação da questão P), desde a respetiva data de vencimento e até integral pagamento”. O que se referirá no segmento decisório a título de esclarecimento. - Nulidade da decisão e pedido de reforma da decisão sobre as custas: No acórdão reclamado condenou-se a reclamada nas custas, por ser recorrida e o recurso de revista haver sido julgado procedente. Estão em causa, apenas, as custas do recurso de revista e não todas as custas do processo referentes às instâncias percorridas. Conforme nº 2 do art. 1º do Reg. das Custas Processuais, para efeitos de custas o recurso é considerado processo autónomo. Verifica-se a autonomia dos recursos para efeito das custas, com tributação autónoma em cada um dos graus de jurisdição. O recurso tem uma tributação própria correspondendo-lhe uma taxa de justiça devida pelo impulso processual do recorrente, sendo a taxa de justiça correspondente fixada nos termos da Tabela I-B anexa ao Regulamento das Custas, conforme art. 6º, do mesmo Regulamento. E conforme art. 527º, nº 2, do CPC, referido e sublinhado pela reclamante, “2 – Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for”, sendo o recurso julgado procedente, a parte vencida é responsável pelas custas referentes a esse mesmo recurso. Referindo o acórdão que o recurso era julgado procedente e as custas ficavam a cargo da recorrida, existe fundamentação suficiente para se saber o motivo da condenação nas custas. A fundamentação é a mesma do recurso de apelação onde se diz “Custas pela ré/apelada” e que a ora reclamante que aí era apelante entendeu perfeitamente. Não se verifica nulidade nem necessidade de reforma quanto a custas. - Dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça: Pede a autora/reclamante a dispensa do pagamento da taxa remanescente. Refere que: - A ação não apresentou articulados ou alegações particularmente prolixas, não implicou a audição de um elevado número de testemunhas, nem a análise de meios de prova complexos. - O processo não foi sequer particularmente moroso. - A conduta das partes sempre se pautou por uma atitude de cooperação com o Tribunal. - Na sentença e sobre esta questão foi decidido, “consideramos ser de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelas partes na proporção de 50%”. - Pede que o Tribunal decida “Ordenar a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e para os efeitos do Artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais”. Verifica-se que é a autora que requer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Verifica-se que esta questão e relativamente à primeira instância, na sentença se encontra decidida com transito em julgado. Verifica-se que no acórdão proferido no recurso de apelação a autora não sofreu qualquer condenação em custas. Assim, em causa a condenação nas custas do recurso de revista. O valor da causa foi fixado em 482.302,23 €, conforme despacho exarado em ata de audiência prévia levada a cabo em 11-11-2020. Nos presentes autos, o processo é mais confuso na exposição da matéria de facto que complexo no julgamento. Nos termos do nº 7 do art. 6º do RCP o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta exceto se o juiz, de forma fundamentada, o dispensar, total ou parcialmente. A requerente termina o seu requerimento pedindo que seja dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça. É sobre este pedido que o Tribunal tem de se pronunciar, em termos de procedência (total ou parcial) ou, improcedência. Atualmente (vigência do RCP) a taxa de justiça corresponde à contrapartida devida pelo impulso processual de cada parte, sendo fixada em função do valor e complexidade da causa – cfr. art. 6º, n.º 1, do RCP e art. 529º, n.º 2, do CPC. E o art. 1º do RCP, no seu n.º 2 refere que a taxa de justiça incide sobre cada processo autónomo tributável, considerando-se como tal, cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso. O art. 6º do RCP estabelece as regras gerais de fixação da taxa de justiça correspondente ao caso concreto e, o art. 7º do mesmo diploma estabelece as regras especiais, sendo que as regras gerais abarcarão todas as situações não previstas nas regras especiais. Verificando-se o exagero ou desproporcionalidade entre a taxa remanescente e a especificidade da situação (complexidade da causa e trabalho produzido) há sempre a possibilidade de ser requerida, ou decidida oficiosamente, a dispensa (total ou parcial) do pagamento dessa taxa remanescente. Vem sendo entendimento da jurisprudência que a norma constante do nº 7 do artº 6º do RCP (Regulamento das Custas Processuais) deve ser interpretada no sentido de o juiz poder corrigir o montante da taxa de justiça quando o valor da ação ultrapasse o montante máximo fixado como limite de cálculo da taxa de justiça com base no valor da causa (€275.000) e, dispensar (ou não) o pagamento da totalidade ou de uma parte, do remanescente da taxa de justiça devida a final, ponderando as circunstâncias do caso concreto (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), servindo de orientação os princípios da proporcionalidade e da igualdade. Ou seja, o RCP estabelece um sistema misto de cálculo final da taxa de justiça processual, que assenta somente no valor da ação até um certo limite máximo e na possibilidade de correção da taxa de justiça para menos (dispensa total ou parcial do remanescente) quando se trate de processo de valor tributário assinalável (superior àquele limite máximo de €275.000), e que não seja considerado de excecional complexidade. O STJ, no acórdão, de 12-12-2013, no Proc. n.º 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1 refere: O Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Dezembro – que sucedeu ao Código das Custas Judiciais (CCJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro - procurou adequar “o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da Justiça nos respectivos utilizadores”. E acrescenta, “Esta possibilidade de graduação prudencial do montante das custas devidas nos procedimentos de valor especialmente elevado só veio a ser consagrada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, que aditou ao artigo 6.º do RCP um n.º 7 em que, em estreito paralelismo a norma que figurava no artigo 27.º, n.º 3, do CCJ, se prevê: «Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento»”. No recurso de revista a recorrente questionou: - Qualificação jurídica do contrato celebrado entre a autora e a ré, acordo de troca de fruta ou, contrato de compra e venda recíproca (conclusões 1 a 4). - Qual a lei aplicável à questão da “compensação”, é aplicável a lei portuguesa, ou a lei brasileira (conclusões 5 a 9). - Se for aplicável a lei brasileira aos factos, a “compensação” não é aplicável por os créditos não estarem vencidos (em função de ter sido decretada a recuperação judicial da autora) (conclusões 10 a 13). - Violação do princípio da equidade (obtendo a autora um enriquecimento ilícito e imoral) (conclusões 14 a 19). - Violação do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa ao criar uma manifesta situação de desigualdade para a ré (conclusões 20 e 21). Assim, e ponderando o valor da causa, que excede 9 vezes a fração de 25000,00€, e da utilidade económica dos interesses a ela associados, julga-se adequado dispensar a requerente em 75% do remanescente da taxa de justiça a considerar na conta a final, aplicável ao recurso de revista (questão já decidida a nível de 1ª instância e não condenação da requerente no recurso de apelação). * Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art. 663 nº 7 do CPC: I- Face à lei portuguesa, que se entendeu aplicável, estando a autora em processo de recuperação, tal situação não é impeditiva de efetivação de compensação de créditos. II- Se a ré/recorrente pretendia que se efetuasse a compensação e entendia que aplicável fosse a lei portuguesa, não se verifica o excesso de pronúncia quando se declara a compensação ao abrigo da lei portuguesa. III- O pedido de reforma do acórdão não pode implicar uma nova análise do caso, como se de um novo recurso se tratasse. IV- Para efeitos de custas o recurso é considerado processo autónomo. V- Verificando-se o exagero ou desproporcionalidade entre a taxa remanescente e a especificidade da situação (complexidade da causa e trabalho produzido) há sempre a possibilidade de ser requerida, ou decidida oficiosamente, a dispensa (total ou parcial) do pagamento dessa taxa remanescente, ao abrigo do nº 7, do art. 6º, do RCP. VI- Não sendo as questões submetidas à apreciação do Tribunal, no recurso de revista, de complexidade anormal e sendo correta a conduta processual das partes, em processo com valor de 482.302,23 €, justifica-se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em 75%. Decisão: Pelos fundamentos expostos, acordam na 1ª Secção do STJ em: - Esclarecer que se mantém, porque não foi revogada, a decisão da Relação de que a quantia devida à autora pela ré é “acrescida de juros comerciais, contabilizados sobre cada uma das faturas acima identificadas, na apreciação da questão P), desde a respetiva data de vencimento e até integral pagamento”. - Deferir parcialmente o requerimento da recorrida/reclamante, dispensando-a do pagamento de 75% do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor da causa, na parcela excedente a € 275000,00, no que respeita ao recurso de revista. - No mais indeferir a reclamação apresentada. Custas da reclamação, por parcial indeferimento, a cargo da reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 1Uc (na parte respeitante ao parcial deferimento não houve vencido porque não houve oposição, não há custas). Lisboa, 11-07-2023
Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro Relator Jorge Arcanjo – Juiz Conselheiro 1º adjunto Manuel Aguiar Pereira – Juiz Conselheiro 2º adjunto |