Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
35/19.0T8ODM-A.E1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
INTERVENÇÃO PROVOCADA
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
AGENTE DE EXECUÇÃO
PRESCRIÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
SEGURO OBRIGATÓRIO
CITAÇÃO
PENHORA
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Data do Acordão: 02/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A seguradora para quem foi contratualmente transferido o risco decorrente de eventual responsabilidade civil extracontratual do agente de execução, caso se encontre prescrito o direito do lesado pedir a indemnização perante o segurado, pode, com êxito, deduzir a excepção de prescrição da obrigação de indemnizar, porque a sua relação com o lesado não subsiste sem a relação do segurado com o lesado, estando-lhe subordinada.

II. Se o lesado tiver proposto acção só contra lesante/segurado e se o direito a pedir a indemnização não estiver prescrito, porque a acção entrou em juízo mais de cinco dias antes do decurso do prazo de harmonia com o previsto no n.º 2 do artigo 323.º do CC, não pode ser julgado prescrito esse mesmo direito quanto à seguradora se esta vier a intervir na acção e quando for citada já tiver decorrido o prazo de prescrição.

III. Porque a intervenção da seguradora não se apoia na responsabilidade civil extracontratual mas sim na responsabilidade contratual emergente do contrato de seguro, o efeito interruptivo produzido pela citação do lesante na relação principal estende-se à relação subordinada constituída por via do contrato de seguro.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



Relatório

AA, BB, e CC, na qualidade de únicos herdeiros de DD, instauraram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra os Réus EE, FF, e GG, pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de 47.744,50 €, acrescida de juros legais a contar da citação até efectivo e integral pagamento.

Em fundamento da sua pretensão alegaram que o falecido DD era proprietário de um tractor agrícola, que foi penhorado pelo 3.º réu, agente de execução, no âmbito de um processo executivo para pagamento de quantia certa, instaurado pelo réu EE contra CC, filho do referido DD, pelo que este e, após a sua morte, a herança, deixaram de auferir os proventos que advinham dos serviços prestados com o referido tractor.

Os RR. contestaram, por impugnação, e por excepção, invocando a incompetência material e a ilegitimidade dos 1.º e 2.º RR., tendo o 3.º R. deduzido incidente de intervenção de terceiros, visando a intervenção como parte principal ou subsidiariamente como parte acessória, da Ocidental – Companhia de Portuguesa de Seguros, S.A

Por decisão proferida em 25-06-2019, foi declarado que «o incidente de intervenção principal provocada é o incidente adequado para o 3.º réu assegurar a presença na causa da seguradora para a qual se encontrava transferida a responsabilidade civil decorrente da sua actividade profissional».

Citada, a Seguradora deduziu contestação, alegando a prescrição do direito invocado pelos Autores, considerando que estando em causa direito fundado em responsabilidade extracontratual, será aplicável o prazo prescricional de três anos, pelo que, tendo o facto ilícito em causa (penhora do tractor) ocorrido em 25 de Janeiro de 2016, sendo também esse o dia em que os Autores tiveram conhecimento do mesmo, e que a Interveniente apenas foi citada em 02-07-2019, deve ser declarada a prescrição do direito contra si exercido e a sua absolvição do pedido.

Autores e Réus, responderam, alegando, em suma, que a Seguradora não pode invocar de forma autónoma a prescrição e que a obrigação principal se reporta ao Segurado.

Na audiência prévia, foi julgada procedente a excepção peremptória deduzida pela Interveniente Ocidental – Companhia de Portuguesa de Seguros, S.A., e determinada a sua absolvição do pedido.

Inconformado, o 3.º Réu, agente de execução, apelou, finalizando a respectiva minuta recursória com as seguintes conclusões:

«1. O Tribunal recorrido violou os arts. 146, nº1, 147º do RJCS, 323º, n.2 e 498º ambos do CC.

2. Nos seguros obrigatórios, como o presente, a obrigação de indemnização não é autónoma para a seguradora, antes uma obrigação originária do segurado.

3. A responsabilidade da companhia de seguros é de natureza contratual, fundada no contrato de seguro de responsabilidade, mediante o qual se comprometeu a substituir o segurado no pagamento de qualquer indemnização por este devida a terceiros,

4. É, assim uma posição subordinada, consentânea com a sua função de garante social nos seguros obrigatórios.

5. Donde, o efeito interruptivo produzido na relação principal estende-se à relação subordinada».

O Tribunal da relação, julgou procedente a apelação e revogou a decisão recorrida.

Inconformado com esta decisão dela interpôs recurso de revista Ocidental – Companhia de Portuguesa de Seguros, S.A., concluindo que:

“A. O presente recurso vem interposto do douto acórdão a fls. proferido pelo Venerando Tribunal da Relação ….., relativamente aos autos de acção ordinária que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca …. - Juízo de Competência Genérica ….. - Juiz …., sob o n.º 35/19.0T8ODM., e que julgou procedente a apelação do 3.º R., e, em consequência, decidiu pela improcedência da excepção da prescrição, com as consequências legais, ou seja, decidindo que a seguradora ora Recorrente responde apenas se o 3.º R. for condenado a indemnizar os AA. e, nesse caso, de harmonia com o clausulado contratual.

B. Os AA. AA, BB e CC, na qualidade de únicos herdeiros de DD, instauraram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra os RR. EE, e mulher FF e GG, peticionando a condenação destes no pagamento da quantia de € 47.744,50, acrescida de juros legais a contar da citação até efectivo e integral pagamento.

C. Para tal alegaram os AA. que o falecido DD era proprietário de um tractor agrícola que foi penhorado, em 25/01/2016, pelo 3.º R. GG (agente de execução), no âmbito de um processo executivo instaurado pelo 2.º R EE, contra o A. CC (filho do falecido DD).

D. Assim, alegam os AA. que o falecido DD e, após a sua morte, a herança, deixaram de auferir/beneficiar dos proventos que advinham dos serviços prestados com o referido tractor.

E. O 3.º R GG (agente de execução), requereu a intervenção provocada da ora Recorrente, alegando, para o efeito, a existência de um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional celebrado entre a Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução e a ora Recorrente, titulado pela apólice n.º ….01

F. Invocada pela ora Recorrente a excepção da prescrição do alegado direito dos AA. (porquanto, apenas foi citada para contestar os presentes autos em 02.07.2019 – isto é, mais de 3 anos após a ocorrência do alegado facto ilícito, ou seja, a penhora do tractor), por despacho saneador proferido na sequência da Audiência Prévia realizada em 29.01.2020, decidiu a 1.ª instância fazer proceder a referida excepção, com a consequente absolvição da Recorrente do pedido.

G. Inconformado com o sentido do despacho e, bem assim, com a procedência da excepção da prescrição invocada pela seguradora, aqui Recorrente, veio o 3.º R. (agente de execução) apelar para o Tribunal da Relação …., tendo esta Relação decidido pela improcedência da referida excepção, anulando a decisão recorrida e constante do saneador.

H. O TR… entendeu que a aqui Recorrente tem um vínculo contratual com o 3.º R segurado, pelo que a responsabilidade que se lhe exige é de natureza contratual.

I. Entendeu o acórdão recorrido que o efeito interruptivo produzido na relação principal se estende à relação subordinada existente entre a seguradora e o segurado.

J. No entanto, resultou provado que, na data em que a ora Recorrente foi citada para contestar o processo em causa, in casu, 02.07.2019, já se encontrava prescrito o pretenso direito que os AA. pretendem fazer valer contra a Seguradora Interveniente.

K. De facto, é inequívoco que o pretenso facto ilícito que os AA. imputam ao 3.º R, ocorreu no dia 25.01.2016, ou seja, mais de 3 anos volvidos do seu acontecimento, sendo que, o direito já se encontrava irremediavelmente prescrito, conforme podemos constatar pelo exposto no artigo 498.º n.º 1 do Código Civil.

L. Com efeito, o eventual direito dos AA., de exigir da Seguradora o pagamento de uma indemnização – caso se venha a provar a ilicitude do Réu – está prescrito.

M. A obrigação da Seguradora, ora Recorrente é uma obrigação autónoma face à do seu segurado, conforme decidiu, e bem, a 1.ª instância.

N. Conforme decidido pelo Ac. do STJ, de 11.03.1999, com o proc. 98B1198: “Derivando a responsabilidade da seguradora do contrato de seguro pelo qual esta se comprometeu a substituir-se ao segurado no pagamento de qualquer indemnização por este devida a terceiros, e não da responsabilidade civil extracontratual a que respeita a prescrição a curto prazo do art. 498.º, do Cód.Civil, prescrevendo o direito quanto à seguradora, igualmente prescreve quanto ao segurado.” (destaque nosso).

O. No caso em apreço os AA. não intentaram a acção contra a Recorrente (porquanto foi a mesma chamada a intervir pelo 3.º R), pelo que, sendo a posição da Seguradora autónoma, pode beneficiar do prazo prescricional invocado.

P. Também o Ac. do TRL, de 29.09.2016, com o proc. 1612/11.2TVLSB-A.L1 2, decidiu que: “Importa distinguir as acções de indemnização do lesado contra o lesante ou contra a seguradora para a qual foi transferida a responsabilidade civil (demandada ab initio ou através de incidente de intervenção principal provocada), das acções que visam os direitos do segurado contra a seguradora relacionados com direitos emergentes do contrato de seguro. (…); no segundo caso, será aplicável o regime de prescrição específico consoante o tipo de obrigações em causa. Requerida pelo autor a intervenção principal das seguradoras do réu e do interveniente, as respectivas citações, para os termos da acção, não interrompem a prescrição se aquando dos respectivos chamamentos já havia decorrido o prazo prescricional.”.

Q. Assim, dada a posição assumida pela seguradora no contrato em causa, é manifestamente evidente que, à data em que a Recorrente é chamada a intervir no processo, o direito em causa encontra-se prescrito, tendo em conta que o prazo de prescrição legalmente estipulado já se encontra vencido.

R. Também como refere o Ac. do TRP, de 06.07.2009, com o proc. 721/08.0TVPRT-A.P1: “Na verdade, nos casos como o dos autos, em que a acção é intentada tendo como causa de pedir a violação ilícita de um direito de outrem, como é, v.g., o direito de propriedade, imputável a título culposo ao demandado, é inequívoco que o prazo de prescrição do alegado direito de indemnizar prescreve no prazo previsto n.º 1 do artigo 498.º do CC. Assim, decorridos três anos após a data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, ocorre a prescrição do direito de indemnização.”

S. E continua o aresto: “(…) quando a acção é intentada contra o segurado com base na responsabilidade extra contratual por facto ilícito, a intervenção da seguradora para a qual foi transferida a responsabilidade civil do segurado, visa apenas a condenação da mesma, solidariamente com o segurado, com base nos factos consubstanciadores da referida responsabilidade extra contratual, e não com base na responsabilidade civil contratual e, assim sendo, é aplicável o prazo curto de prescrição previsto no n.º 1 do artigo 498.º do CC.”.

T. O que está em causa nos presentes autos não é a relação estabelecida entre o 3.º R. segurado e a sua seguradora (aqui Recorrente).

U. Assim, ao lesado não são oponíveis as excepções que a seguradora possa opor ao segurado e vice-versa, sendo este o regime que resulta directamente da natureza do contrato de seguro enquanto contrato a favor de terceiro, ao qual é aplicável o disposto nos artigos 443.º do CC.

V. Refere ainda aquele aresto o seguinte: “Consequentemente, a ratio do estabelecimento de um prazo curto de prescrição, como o prescrito no n.º 1 do artigo 498.º do CC, é exactamente o mesmo para o segurado e para a seguradora, ou seja, assenta na circunstância do lesado não exercitar o seu direito no respectivo prazo, impondo-se por razões de interesse e ordem pública que o não possa exercer, tutelando-se, dessa forma, a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico. Portanto, diríamos que em termos de prescrição, temos de distinguir os direitos do lesado contra o lesante, mesmo quando esteja transferida a responsabilidade para a seguradora e esta tenha sido demandada, os quais prescrevem no prazo curto de prescrição previsto no artigo 498.º, n.º 1 do CC, e os dos direitos do segurado contra a seguradora relacionados com direitos emergentes do contrato de seguro, os quais seguem o regime de prescrição específico consoante o tipo de obrigações em causa. (…) Para além disso, nada obsta que a seguradora invoque contra o lesado a prescrição do direito à indemnização, mesmo que o segurado não a haja invocado, aproveitando a prescrição apenas a quem a invoca.”

W. Ora, do exposto, resulta que a aqui Recorrente podia – como fez – ter invocado a prescrição autonomamente, uma vez que o que está em causa nos presentes autos não é, sequer, a responsabilidade civil profissional do 3.º R. agente de execução, mas a responsabilização da Recorrente perante os AA – a qual sempre seria extracontratual e que em nada se relaciona com a responsabilidade contratual resultante do contrato de seguro e da relação existente entre o 3.º R. segurado e a seguradora.

X. Assim, entende a aqui Recorrente que incorreu a Veneranda Relação na violação substantiva consistente em erro de interpretação e aplicação dos arts. 279.º, 298.º, 301.º, 303.º, 306.º e 498.º do Código Civil e 576.º, n.º 3 e 579.º do Código de Processo Civil.

Y. Deverá, assim, ter total provimento o presente Recuso, mantendo-se a excepção invocada da prescrição procedente, com a consequente absolvição da Recorrente do pedido e, ainda que assim não se entenda (o que apenas por mera cautela de raciocínio se admite), sempre terá de ser repetida a Audiência de Discussão e Julgamento, sob pena de se coartar os direitos de defesa da aqui Recorrente, nomeadamente, o direito ao contraditório.

Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em conformidade, vir o acórdão recorrido a ser revogado, substituindo-se por outro que reconheça procedência à invocada excepção da prescrição”.


A recorrida não contra-alegou.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

… …

 Fundamentação

A factualidade relevante para a decisão do recurso é a seguinte:

1 - A presente acção deu entrada em 18-01-2019;

2 - O facto ilícito invocado pelos autores em fundamento do seu pedido indemnizatório, é a penhora de um tractor agrícola, realizada em 25-01-2016 pelo 3.º R., agente de execução, da qual o intitulado proprietário do referido tractor, tomou conhecimento no dia 28-01-2016.

3 - Citado, na sua contestação apresentada em 28-02-2019, o 3.º R., agente de execução, invocou a existência de seguro de grupo de responsabilidade civil, e requereu a intervenção da Ocidental – Companhia de Portuguesa de Seguros, S.A.;

5 - Admitida a intervenção principal, a Seguradora foi citada em 02-07-2019, e invocou a excepção de prescrição.

… …

O objecto do recurso é limitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Assim, vistas as conclusões do recurso, a única questão a apreciar respeita a saber se, não estando prescrita a obrigação do segurado (alegado lesante), pode ou não a seguradora da responsabilidade civil deste invocar e ver autonomamente declarada a prescrição a seu favor, do direito do alegado lesado.

… …

A acção foi intentada com fundamento em responsabilidade civil extracontratual - artigo 483.º do Código Civil - decorrente da invocada ilicitude do acto de penhora que alegadamente atingiu o direito de propriedade de DD, efectuada pelo 3.º R., no exercício da sua actividade profissional de agente de execução, qualificação jurídica que não se encontra controvertida e que é de aceitar conforme o que se refere no ac STJ de 11-4-2013, citado na decisão recorrida, onde se lê que “embora as atribuições do agente de execução não se circunscrevam às que são típicas de uma profissão liberal, envolvendo também actos próprios de oficial público, para efeitos de responsabilidade civil emergem os aspectos de ordem privatística que resultam, nomeadamente, da forma de designação, do grau de autonomia perante o juiz, do regime de honorários, das regras de substituição e de destituição, da obrigatoriedade de seguro ou do facto de o recrutamento, a nomeação, a inspecção e a acção disciplinar serem da competência de uma entidade que não integra a Administração. A responsabilidade civil que aos agentes de execução for imputada, no âmbito do exercício da sua actividade, obedece ao regime geral, e não ao regime da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas (…). Assim acontece com a responsabilidade decorrente da realização indevida de uma penhora (…)” - processo n.º 5548/09.9TVLSNB.L1.S1, in dgsi.pt.

No domínio da prescrição, os imperativos de segurança, de certeza jurídica e também de prova determinaram para a responsabilidade civil extracontratual um prazo curto, prevendo no artigo 498.º, n.º 1 que “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos…”. Marcado por três elementos essenciais: “o conhecimento do direito” enquanto elemento de formulação positiva, “o desconhecimento da pessoa do responsável” e “o desconhecimento da extensão integral dos danos”, enquanto elementos de formulação negativa, quando o preceito dispõe que o prazo de prescrição se conta a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, significa que o prazo é contado da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos sofridos e não da consciência da possibilidade legal desse ressarcimento – cfr. ac STJ de 184-2002 no proc. n.º 950/02. E a opção por um prazo curto visa garantir que uma eventual situação de insegurança consistente na existência de danos imputáveis, cujo ressarcimento, dependente do lesado, se não mantivesse sem definição por um largo período motivando os lesados à realização pronta dos seus direitos dessa natureza e, também, evitar a passagem erosiva do tempo sobre uma prova essencialmente realizada por testemunhas - Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2.º vol., pág. 431, Vaz Serra na Exposição de Motivos, in BMJ n.º 87, e Antunes Varela, Direito das Obrigações em Geral, 7.ª ed., pág. 520.

Exercida na acção sob a forma de excepção peremptória, de conhecimento não oficioso, que confere a quem dela possa tirar benefício a possibilidade de impedir o exercício do direito invocado, a prescrição sanciona a inércia do seu titular do direito invocado, pelo não exercício dentro do prazo que dispunha, importando a absolvição total ou parcial do pedido – artigos 303 e 576.º, n.ºs 1 e 3, do CPC.

No caso em decisão, o facto ilícito fundador da responsabilidade ocorreu em 25-01-2016, e o autor/lesado teve conhecimento do mesmo no dia 28-01-2016, iniciando-se a partir desta data o prazo prescricional de três anos, já que o mesmo é contado nos termos sobreditos - a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que fundam a responsabilidade civil decorrente do facto ilícito, soube ter direito à indemnização. Por outro lado, a acção deu entrada em tribunal em 18-01-2019, impondo-se a conclusão de, nesta última data, ainda não ter decorrido aquele prazo de três anos valendo por inteiro e sem reservas, quanto à interrupção da prescrição, as observações produzidas no acórdão recorrido quando referem que com os n.ºs 1 e 2 do artigo 323.º do CC que estatui sobre a interrupção da prescrição promovida pelo titular do direito, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, sendo que, se não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias, inutilizando-se o tempo anteriormente decorrido e começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo – artigo 326.º do CC.

Na situação em apreço, pese embora a acção tenha dado entrada em juízo em momento temporal próximo do decurso dos 3 anos, o certo é que, mesmo tendo presente o disposto no artigo 279.º, alínea b), do CCivil, de acordo com cuja estatuição na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr, o prazo de 5 dias a que alude o artigo 323.º, n.º 2, ocorreu antes do decurso do prazo prescricional, interrompendo-o em 23-01-2019.” Porém, a questão suscitada na revista não é a de o direito invocado pelo autor não se encontrar prescrito quanto ao lesante, mas a de saber se a seguradora, para quem foi contratualmente transferido o risco decorrente de eventual responsabilidade civil extracontratual do agente de execução e que não foi demandada pelo autor, intervindo chamada pelo segurado, pode ou não invocar autonomamente do lesante, a prescrição do direito indemnizatório do lesado.

A posição em primeira instância foi a de aceitar a invocação com o argumento de o desconhecimento do lesante sobre a existência do contrato de seguro e da Seguradora, não obstar à invocação da excepção da prescrição e que, relativamente à invocação autónoma de tal excepção, sendo a obrigação solidária, cada réu pode, isoladamente, invocar as excepções que entenderem por convenientes, não aproveitando, in casu, à seguradora o facto de o direito se encontrar ou não prescrito relativamente ao segurado.

Em contrário, a apelação entendeu que se o prazo de prescrição tiver sido interrompido por acto praticado pelo lesado junto do lesante/segurado, tal interrupção da prescrição impõe-se à Seguradora, uma vez que, neste caso, a obrigação de indemnização continua a vincular o respectivo segurado.

O contrato de seguro que se discute na acção é um seguro de responsabilidade civil obrigatório, relativo à responsabilidade civil profissional de agente de execução – cfr. a Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro, que aprovou o estatuto dos solicitadores em cujo artigo 123.º, sob a epígrafe “Responsabilidade civil profissional”, se estabelece essa obrigatoriedade - a que se aplicam as normas do D. Lei 72/2008, de 16 de Abril, que regula o regime jurídico do contrato de seguro, concretamente as dos artigos 140.º, n.ºs 1 a 3 e 145.º, aplicáveis aos seguros facultativos, as referentes ao seguro obrigatório estabelecidas nos artigos 146.º e 147.º daquele diploma.

No âmbito do contrato de seguro facultativo o art. 140 dispõe que “1- O segurador de responsabilidade civil pode intervir em qualquer processo judicial ou administrativo em que se discuta a obrigação de indemnizar cujo risco ele tenha assumido, suportando os custos daí decorrentes.

2 - O contrato de seguro pode prever o direito de o lesado demandar directamente o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado.

3 - O direito de o lesado demandar directamente o segurador verifica-se ainda quando o segurado o tenha informado da existência de um contrato de seguro com o consequente início de negociações directas entre o lesado e o segurador.” E o art. 145 refere que “Aos direitos do lesado contra o segurador aplicam-se os prazos de prescrição regulados no Código Civil.”

Por seu turno, quanto ao contrato de seguro obrigatório, o art. 146 estabelece que “1 - O lesado tem o direito de exigir o pagamento da indemnização directamente ao segurador”, o que configura, pela primeira vez, excepto no que respeita ao seguro de responsabilidade civil automóvel, a consagração legal da possibilidade de o lesado exigir o pagamento da indemnização diretamente à seguradora, ou seja, aquilo a que se convencionou chamar no domínio das relações entre os lesados e as seguradoras de “acção directa” – cfr. José Vasques, LCS Anotada, p. 493, advertindo-se que se trata de consagração legal uma vez que, no âmbito do seguro de acidentes de trabalho, como o anota Margarida Lima Rego, a pretensão do terceiro lesado, de demandar diretamente a seguradora decorria, já, do disposto no art. 16º/3 da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem (aprovada pela Norma nº 12/99-R, de 8 de novembro, alterada pelas Normas nºs 11/2000-R, de 13 de novembro, 16/2000-R, de 21 de dezembro e 13/2005-R de 18 de novembro) – Contrato de Seguro e Terceiros – Estudo de Direito Civil, pag. 678. Assim, o lesado, nos contratos de seguro obrigatórios regulados pelo D.L. 72/2008, pode optar por demandar só o lesante, só a seguradora ou ambos, em regime de litisconsórcio voluntário porque a interpelação directa da seguradora é uma possibilidade e não uma obrigatoriedade, como ocorre no contrato de seguro automóvel que, sendo obrigatório, tem regulação própria no DL nº 291/2007, de 21 de Agosto. E esse litisconsórcio voluntário faz admitir processualmente a intervenção principal provocada (passiva), - arts. 311, 316 nº 2 e 32 do CPC – onde o interveniente faz, ou é chamado a fazer, valer um direito próprio, paralelo ao do R., em termos de poder com ele ter sido demandado diretamente pelo A.“ab initio”.

Esclarecida nestes termos a posição do lesado, do lesante e da seguradora, relativamente à obrigação de indemnizar nos contratos de seguro obrigatórios regulados pelo DL 72/2008, no concreto das faculdades de demandar e serem demandados, o art. 147 do enuncia que “1- O segurador apenas pode opor ao lesado os meios de defesa derivados do contrato de seguro ou de facto do tomador do seguro ou do segurado ocorrido anteriormente ao sinistro.

2 - Para efeito do número anterior, são nomeadamente oponíveis ao lesado, como meios de defesa do segurador, a invalidade do contrato, as condições contratuais e a cessação do contrato”.

Esta situação é comentada por Margarida Lima Rego no sentido em que “nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil, há solidariedade passiva na obrigação de indemnizar o lesado, pela qual respondem, quer o responsável civil, seu primeiro titular, quer o segurador, este último em virtude da vigência de uma cobertura de seguro, conjugado com o direito de acção directa consagrado no art. 146º da LCS. Atendendo à relação de subordinação entre o vínculo obrigacional que une o lesado ao responsável civil e o que o une ao segurador, este último pode invocar contra o lesado todos os meios de defesa fundados na relação de responsabilidade civil, porquanto o seguro só estende ao segurador a responsabilidade pelo pagamento da obrigação de indemnização que vincule o respectivo segurado…” – In “Código Civil Anotado” (coord. Ana Prata), Vol. I, ALMEDINA, pág. 678.

O autor/lesado propôs a acção contra o réu/lesante e não contra a seguradora e, embora o réu não tenha invocado a prescrição, como analisámos anteriormente, o direito não se encontrava prescrito, tendo o prazo sido interrompido regulamente - art. 323 nº 2 da lei civil. Portanto, se a acção tivesse sido proposta desde logo contra a seguradora e não contra o segurado, e se aquela tivesse invocado a prescrição, teríamos de concluir que essa excepção improcederia. Contudo, o que se discute é se deve admitir-se, ou não que a seguradora, quando posteriormente vem intervir nos autos, chamada pelo réu/lesado/segurado, possa invocar a prescrição e reclamar como prazo de interrupção, não o da citação daquele réu originário, mas sim o da sua própria citação.

Convocando a previsão do artigo 147.º, aplicável aos seguros obrigatórios que vigoram por imposição legal ou regulamentar, verificámos que “o segurador apenas pode opor ao lesado os meios de defesa derivados do contrato de seguro ou de facto do tomador do seguro ou do segurado ocorrido anteriormente ao sinistro”, sendo nomeadamente “oponíveis ao lesado, como meios de defesa do segurador, a invalidade do contrato, as condições contratuais e a cessação do contrato”. No entanto, a matéria de prescrição do direito à indemnização não tem respaldo nesse preceito, uma vez ele remete para os meios de defesa derivados do próprio contrato de seguro e a prescrição identificada não cabe neles, como já em 15-4-1979 o STJ entendia quando decidiu que “a companhia seguradora não é demandada verdadeiramente com base na responsabilidade civil extracontratual, a respeito do qual se estabeleceu a prescrição de curto prazo do art. 498º do CC.

A responsabilidade que se lhe exige é de natureza contratual, fundada no contrato de seguro de responsabilidade, mediante o qual se comprometeu a substituir-se ao segurado no pagamento de qualquer indemnização por este devida a terceiros. Assim, desde que a obrigação do segurado não esteja prescrita, cumpre-lhe assumir o encargo, contratualmente estipulado, de garantir esse pagamento, não podendo esquivar-se a isso com a invocação duma prescrição inaplicável ao título por que responde…”. Acrescentando Vaz Serra, em anotação a esse acórdão, que - na RLJ ano 120, pág. 288 – “Do enunciado princípio de que a interrupção da prescrição tem efeito pessoal pareceria de concluir que a interrupção da prescrição contra o civilmente responsável não teria efeito contra o segurador da responsabilidade civil daquele.

Todavia esta solução pode não ser a melhor, o que depende da interpretação do contrato de seguro da responsabilidade civil: se esse contrato tiver a finalidade de atribuir a terceiros lesados um direito tal que subsista enquanto se mantiver o direito destes contra o segurado, mesmo que essa manutenção derive de interrupção da prescrição, o direito do lesado contra o segurador terá lugar nestas condições.” É também neste o sentido da defesa realizada por Leite Campos - in “Seguro da Responsabilidade Civil Fundada em Acidente de Viação”, pág. 96 – sustentando que a eventual prescrição do direito de indemnização em relação à seguradora e não em relação ao segurado, devido a ter-se interrompido quanto a este e não quanto àquela, não extingue a responsabilidade da seguradora, porque assumida mediante o referido contrato – igual se observa em Dário de Almeida in In “Manual de Acidentes de Viação”, nota 1, pág. 286 dizendo que “Trata-se duma obrigação que terá de acompanhar a do segurado, enquanto existir. Só assim se respeita o fim social do seguro e a sua natureza de contrato a favor de terceiro”.

A leitura do art. 521 do CCivil, no domínio das obrigações solidárias passivas, permite perceber que os prazos de prescrição correm “…em tempos distintos relativamente a cada um dos devedores solidários, sem no entanto o impor (nº 1). Por conseguinte, em cada caso, há que verificar se são autónomos os vínculos que unem os vários devedores solidários ao credor ou se entre eles existe uma relação de subordinação.” - Margarida Lima Rego, in “CC anotado” (coord. Ana Prata), Vol. I, pág. 684. Por referência a essas características de autonomia e subordinação, que se surpreendem nos vínculos entre os devedores solidários, existe razão para que, quando o que se verifica é autonomia, a prescrição quanto a cada um deles, tendo o mesmo prazo, possa correr de modo diverso, no entanto, se o que existir for uma relação de subordinação, o motivo da diferença deixa de se verificar e o prazo de prescrição deverá correr ao mesmo tempo, subordinada à obrigação solidária que seja a principal e que admite que o efeito interruptivo produzido na relação principal se estende à relação subordinada.

Nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil a relação de solidariedade existente, entre o lesante/segurado e a seguradora, configura uma subordinação da posição desta em relação à posição que aquele assume na relação de responsabilidade civil que se visa garantir através do seguro, porque a seguradora não tem uma posição autónoma. Ela responde perante o lesado na medida em que o lesante/segurado responder e “(…) paga em vez, na medida e no lugar do responsável civil, num quadro de interesses valorado pelo legislador a favor dos lesados” - Brandão Proença, in “Anotação ao Ac. do STJ, de 18/10/2012: natureza e prazo de prescrição do “direito de regresso” no diploma do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel” - “Cadernos de direito privado”, nº 51 (Julho/Setembro 2015), pág. 38. A falta de autonomia da posição da seguradora, relativamente à que vem a ocorrer entre o lesado e o lesante/segurado, num quadro normativo que nos contratos de seguro obrigatório é revelador da protecção do lesado (com a possibilidade de acção directa) conduz-nos a entender que, também na invocação da prescrição, se aceite essa subordinação se justifique o efeito interruptivo produzido quando o lesante é o réu na acção se estenda à seguradora quando ela vier a intervir na acção.

Questão diferente da objecto deste recurso, mas que radica igualmente nas relações entre o segurado e a seguradora por força do contrato de seguro, é que se desprende do art. 498 nº2 onde se fixa um prazo de prescrição de três anos para o exercício do direito de regresso pela entre os responsáveis. Na interpretação é entendimento consistente considerar que “o alargamento do prazo de prescrição compreende-se quando esteja em causa o direito do lesado, mas não o direito de regresso da seguradora (…) realidade jurídica inteiramente distinta e autónoma em relação ao direito de indemnização do lesado” – cfr. ac. STJ de 17-11-2011 relatado pela Srª Consª. Maria Dos Prazeres Beleza. Também neste domínio se realiza a análise dos concretos direitos e deveres que resultam para a seguradora e lesado do contrato de seguro perante os lesados e/ou entre si, e se o direito de regresso é autónomo em relação ao direito de indemnização já o mesmo não acontece com a obrigação de a seguradora indemnizar o lesado porque este dever é absolutamente decalcado do que impende sobre segurado em razão da natureza pessoal da responsabilidade civil por facto ilícito.

Dito em resumo, tendo o autor direito a mover a acção para fazer valer o seu direito só contra o lesado, só contra a seguradora ou contra ambos, aceitar que quando o réu demandado fosse apenas o lesante a seguradora pudesse vir opor a excepção de prescrição com base no momento em que ela foi citada, em resultado da intervenção provocada pelo réu, e não com base no momento em que o réu o foi, constituiria uma incoerência e desconformidade, quer quanto à possibilidade legal de o lesado demandar livremente um ou outra, quer quanto à natureza da obrigação de indemnizar resultante da responsabilidade civil por acto ilícito que, nas relações entre a seguradora e o segurado coloca aquela na subordinação deste. Não se mostrando prescrito o direito no que diz respeito ao Segurado, também aquele não se pode considerar prescrito quanto à Seguradora, já que esta responde se e na medida em que exista a obrigação do seu segurado.

… …

Síntese conclusiva

- A seguradora para quem foi contratualmente transferido o risco decorrente de eventual responsabilidade civil extracontratual do agente de execução, caso se encontre prescrito o direito do lesado pedir a indemnização perante o segurado, pode, com êxito, deduzir a excepção de prescrição da obrigação de indemnizar, porque a sua relação com o lesado não subsiste sem a relação do segurado com o lesado, estando-lhe subordinada.

- Se o lesado tiver proposto acção só contra lesante/segurado e se o direito a pedir a indemnização não estiver prescrito, porque a acção entrou em juízo mais de cinco dias antes do decurso do prazo de harmonia com o previsto no n.º 2 do artigo 323.º do CC, não pode ser julgado prescrito esse mesmo direito quanto à seguradora se esta vier a intervir na acção e quando for citada já tiver decorrido o prazo de prescrição.

- Porque a intervenção da seguradora não se apoia na responsabilidade civil extracontratual mas sim na responsabilidade contratual emergente do contrato de seguro, o efeito interruptivo produzido pela citação do lesante na relação principal estende-se à relação subordinada constituída por via do contrato de seguro.

… …

Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 18 de fevereiro de 2021

… …

Nos termos e para os efeitos do art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 20/2020, verificada a falta da assinatura dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos no acórdão proferido, atesto o respectivo voto de conformidade da Srª. Juiz Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza e do Sr. Juiz Conselheiro Tibério Silva.


Manuel Capelo (relator)