Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5037/14.0TDLSB.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ERNESTO VAZ PEREIRA
Descritores: ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
IRREGULARIDADE PROCESSUAL
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 01/31/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: ACLARAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
I. Conforme vem sendo sublinhado pela jurisprudência dominante deste Tribunal, a possibilidade legalmente oferecida para arguir nulidades não se destina a apreciar argumentos do recurso nem sequer a esclarecer dúvidas do recorrente quanto ao decidido.

E, outrossim, não serve para demonstrar discordância com o decidido, nem para “repisar” argumentações que não lograram obter êxito. (cfr acs de 13/09/2023, proc. nº 257/13.7TCLSB.L1.S1, Lopes da Mota, e de 25/10/2023, proc. nº 440/20.9PBBRR.L1.S1, Pedro Branquinho Dias).

II. A omissão de pronúncia, geradora de nulidade da decisão, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do C.P.P., aqui aplicável por força do disposto no artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma legal, só se verifica quando o tribunal não cumpre com o dever que lhe é imposto, no sentido de resolver todas as questões suscitadas no recurso pelos sujeitos processuais, à excepção daquelas cuja decisão resulte prejudicada pela solução (ou resposta) dada a outra, e no sentido de resolver todas as questões cujo conhecimento lhe é imposto por lei, o que não significa que o juiz tenha que se pronunciar sobre todos os argumentos, considerações, motivos, e razões formuladas pelas partes.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª secção, criminal, do STJ:


1. O acórdão de 19 de Dezembro de 2023 decidiu, em sede de dispositivo,:

“1. Rejeitar os recursos interpostos pelos arguidos AA e BB no que respeita a todas as questões de direito substantivo e adjetivo, penal e cível, relativamente às quais se verifica dupla conforme - – artºs 432º, nº 1, al. b) e 400º, nº 1, al. f), ambos do CPP e 671º n.º 3 do CPC aplicável ex vi do art.º 4º do CPP.

2. Julgar improcedente o recurso dos arguidos AA e BB no que respeita a medida da pena única, assim se confirmando o acórdão recorrido.”

2 . Em 04/01/2024, o recorrente CC apresentou requerimento nos autos, em que concluiu:

“ (…)

Termos em que, requer a V.ªs Ex.ªs que, em Conferência, nos termos dos artigos 118.º, n.º 2 e 123.º, n.º 1, do CPP, seja declarada a irregularidade processual decorrente da violação dos artigos 417.º, n.ºs 6, al. b) e 8 e 419.º, n.º 3, al. a), ambos do CPP, face à Lei n.º 48/2007, de 29/09, que atribuiu poderes de decisão sumária sobre o recurso ao relator, aí se incluindo o conhecimento dos fundamentos de rejeição do recurso [(al. b), do n.º 6, do citado artigo 417.º (nos termos previstos no n.º 1, do artigo 420.º)], decorrendo do n.º 8, que dessa decisão sumária do Relator cabe reclamação para a Conferência, direito que por via da prolação do Acórdão ora reclamado se vê violado/denegado ao Arguido.

Devendo, consequentemente, em razão do vício que acima se arguiu, ser integralmente anulado o douto Acórdão, datado de 19 de Dezembro de 2023, com as legais consequências, remetendo-se os autos ao Excelentíssimo Juiz Conselheiro Relator para que, no que diz respeito à decisão de rejeição do recurso, profira decisão sumária, nos termos do artigo 417.º, n.º 6, do CPP, o que se requer.

Se assim não se entender, desde já se requer que:

Seja declarada a nulidade do douto Acórdão proferido, prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, por omissão de pronúncia referência aos pontos/circunstâncias acima expressamente identificados que, nos termos do artigo 77.º do CP, relevam autonomamente para a correcta determinação da pena única, devendo o mesmo ser anulado e substituído por outro que se pronuncie de forma expressa sobre todas as circunstâncias expressamente arguidas pelo Recorrente.

Se assim não se entender, desde já se requer que, no mínimo e sem conceder, seja, nos termos dos artigos 118.º, n.º 2 e 123.º, n.º 1, do CPP, declarada a irregularidade processual praticada no douto Acórdão proferido, decorrente da insuficiência de fundamentação, por violação do artigo 97.º, n.º 5 do CPP, devendo a mesma ser sanada por via da prolação de novo Acórdão que proceda à fundamentação da decisão condenatória relativa à medida da pena única, de forma a que, na fundamentação adoptada, o Tribunal se pronuncie sobre a relevância e ou irrelevância das circunstâncias acima enunciadas e que foram expressamente arguidas pelo Recorrente.

3. Questão da “irregularidade processual decorrente da violação dos artigos 417, nº 6, al. b), e 8, e 419, nº 3, al. a), ambos do CPP”

A questão já não é nova para o STJ. Os acórdãos de 14/07/2022 do STJ, proc. nº 137/09.0TELSB, e de 18/01/2017, proc. n.º 736/03.4TOPRT.P2.S1, já sobre ela se pronunciaram. Jurisprudência que aqui reiteramos.

O artigo 417º, nº 6, al. b), do Cod. Proc. Penal determina efectivamente que o relator profere decisão sumária sempre que o recurso deva ser rejeitado. E, desta decisão sumária de rejeição cabe reclamação para a conferência, nos termos do art. 419º, nº 3, al. a), do Cod. Proc. Penal.

A regra estabelecida no art. 417º, nº 6, al.) a), do CPP, mais não visa do que simplificar e agilizar o procedimento do recurso, poupando a intervenção do colectivo de juízes.

Todavia, não impede que a rejeição do recurso seja julgada, em primeira mão, pelo mesmo colectivo, pois que daí não advém qualquer diminuição das garantias de defesa do arguido/recorrente, justamente porque é a reclamação para a conferência o direito que lhe é conferido para impugnar a decisão sumária.

Assim, apesar de o relator poder decidir sozinho a rejeição do recurso, desta sua decisão caberá sempre reclamação para a conferência, sendo esta decisão colegial mais garantística, por ser proferida por acórdão em conferência.

Não se vislumbra por isso que o excesso de garantias oferecido possa ter afrontado qualquer direito ou interesse do Recorrente.

Ora, foi o mesmo relator, que se pretende que tivesse proferido decisão sumária, que relatou o acórdão de rejeição do recurso, o qual teve o voto de conformidade dos Conselheiros Adjuntos.

E como sublinha Pereira Madeira, in “Código de Processo Penal Comentado”, 4ª edição revista, página 1385, nota 8, “A redacção do artigo 419.º, n.º 3, alínea a), (do C.P.P.) parece sugerir que se impõe sempre prévia decisão sumária, certo é que não antecipa consequência alguma para o caso de assim não ser. E, a ser assim, o caso só seria de nulidade insanável se a conferência carecesse de competência para a decisão, o que não sucede, face ao disposto nos nº 8 e 10 do artigo 417.º do C.P.P. E, a tratar-se de mera irregularidade, não parece que alguma vez afectasse o valor do acto praticado, afinal com mais garantia de acerto por ser tomada por um tribunal colectivo.”

Perfilhando o teor do parecer do Sr PGA, a tomada de decisão colegial, ab initio, numa situação como a que se coloca, não constitui senão a antecipação do resultado de um processo de rejeição de recurso que, se concluído por uma decisão singular, só poderia desembocar, em caso de discordância, num juízo colectivo, em conferência, em nada diferente daquele que se colocaria se, como foi o caso, tivesse sido levado directamente a conferência.

E isto sem qualquer diminuição das garantias de defesa, as quais resultam antes reforçadas com a colegialidade da formação que intervém no julgamento do recurso.

O que desde logo afasta a invocada inconstitucionalidade, por não se terem afrontado os direitos de defesa ou o princípio do contraditório.

E, aqui decisivo, como bem atenta o Sr PGA, tendo o acórdão de 19/12/2023 tido o seu culminar não só com a rejeição dos recursos interpostos para este S.T.J. (no que concerne às questões de direito substantivo e adjectivo, penal e cível, abrangidas por dupla conforme), mas também com o julgamento da improcedência dos recursos dos arguidos CC e BB, e consequente confirmação da decisão recorrida (no que respeita à medida da pena única a que cada um daqueles havia sido condenado), é por demais evidente que nunca seria a decisão sumária a via própria de decisão dos recursos em causa, já que tal matéria não se compreende em nenhum dos casos previstos no n.º 6 do artigo 417.º do C.P.P.

Efectivamente, não faria sentido proferir decisão sumária para uma parte e, depois, levar á conferência para a outra. Além de se cindir o que era uno, aí sim estar-se-ia a violar os princípios da celeridade e da economia processuais que perpassam todo o regime de recursos para o STJ.

Não se vislumbra, pois, em tal conspecto qualquer nulidade, irregularidade ou inconstitucionalidade.

4. Questão da “nulidade por omissão de pronúncia e ou da subsidiária irregularidade processual decorrente da insuficiência de fundamentação da decisão quanto à medida da pena única.”

O Requerente peticiona também que “seja declarada a nulidade do douto Acórdão proferido, prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, por omissão de pronúncia referência aos pontos/circunstâncias acima expressamente identificados que, nos termos do artigo 77.º do CP, relevam autonomamente para a correcta determinação da pena única, devendo o mesmo ser anulado e substituído por outro que se pronuncie de forma expressa sobre todas as circunstâncias expressamente arguidas pelo Recorrente.

Se assim não se entender, desde já se requer que, no mínimo e sem conceder, seja, nos termos dos artigos 118.º, n.º 2 e 123.º, n.º 1, do CPP, declarada a irregularidade processual praticada no douto Acórdão proferido, decorrente da insuficiência de fundamentação, por violação do artigo 97.º, n.º 5 do CPP, devendo a mesma ser sanada por via da prolação de novo Acórdão que proceda à fundamentação da decisão condenatória relativa à medida da pena única, de forma a que, na fundamentação adoptada, o Tribunal se pronuncie sobre a relevância e ou irrelevância das circunstâncias acima enunciadas e que foram expressamente arguidas pelo Recorrente.”

Como se sabe, a omissão de pronúncia, geradora de nulidade da decisão, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do C.P.P., aqui aplicável por força do disposto no artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma legal, só se verifica quando o tribunal não cumpre com o dever que lhe é imposto, no sentido de resolver todas as questões suscitadas no recurso pelos sujeitos processuais, à excepção daquelas cuja decisão resulte prejudicada pela solução (ou resposta) dada a outra, e no sentido de resolver todas as questões cujo conhecimento lhe é imposto por lei, o que não significa que o juiz tenha que se pronunciar sobre todos os argumentos, considerações, motivos, e razões formuladas pelas partes.

Ora, lido de novo o acórdão, cremos que o mesmo explicitou com suficiência as razões de direito subjacentes à decisão proferida, tendo em atenção o objecto do recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, definido pelas respectivas conclusões, tendo apreciado e decidido todas as questões que se impunham, sem que tivesse sido cometida qualquer nulidade, a qual só se verificará, pelo vício omissivo invocado, não é demais lembrar, quando o tribunal não se pronuncia sobre questões que lhe cumpre conhecer.

Primo, as circunstâncias invocadas pelo recorrente CC nas alíneas d), e), e f), acima referenciadas, respeitam a matéria abrangida pelo princípio da dupla conforme, que, nos termos legais, levou à rejeição, nessa parte, do recurso, estando, por conseguinte, fora do domínio do conhecimento do Tribunal ad quem.

E, não se podendo conhecer das questões relativas às penas parcelares, omissão de pronúncia se não configurará.

O que mal se compreenderia é que, na dita impossibilidade, tivessem sido tais questões objecto de apreciação e decisão.

Secundo, das demais circunstâncias, quais sejam as relativas à conduta do arguido posterior à prática dos factos, à sua idade e ao tempo decorrido desde a prática dos factos, de forma alguma se poderá dizer que, sobre elas, não tenha o Tribunal reflectido e ponderado.

Fê-lo, efectivamente, na metodologia adoptada de adesão e de corroboração (cfr fls 421), quando se justificava, aos termos e considerandos da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa em recurso, que daqueles pontos expressamente se ocupara, afirmando a sua concordância com a mesma, como o Recorrente o reconhece em “33.”. De fls 413 a 421, na remessa, com citação e corroboração, para o expresso pela Relação e nos considerandos adicionais subsequentes se referiu a idade do arguido, mas, além dessa corroboração, desconsiderou-se expressamente o ne bis in idem que vinha invocado, com enfatização da diferença e da autonomia dos factos e da tipicidade num e no outro dos processos, atentou-se no decurso do tempo entre a data dos factos e a condenação, falou-se na idade do arguido e da sua integração familiar e social e na ausência de antecedentes criminais (cfr fls 415, 418, 420, 419, 422, 423), para, de tudo se concluir, que “a pena única encontrada para o ilícito global se mostre justa, adequada e proporcional sendo, dentro da medida da culpa, por isso, de manter.”

Conforme vem sendo sublinhado pela jurisprudência dominante deste Tribunal, a possibilidade legalmente oferecida para arguir nulidades não se destina a apreciar argumentos do recurso nem sequer a esclarecer dúvidas do recorrente quanto ao decidido.

E, outrossim, não serve para demonstrar discordância com o decidido, nem para “repisar” argumentações que não lograram obter êxito. (cfr acs de 13/09/2023, proc. nº 257/13.7TCLSB.L1.S1, Lopes da Mota, e de 25/10/2023, proc. nº 440/20.9PBBRR.L1.S1, Pedro Branquinho Dias).

Por outro lado, como no acórdão se referiu, o conhecimento das questões relativas às penas parcelares não ocorreu por o recurso ter sido rejeitado nessa parte, mesmo em relação às aí invocadas inconstitucionalidades.

Assim, omissão de pronúncia se não verificou, e, ao invés do afirmado, não se mostram violados os artigos 379º, nº 1, al. c), e 97º, nº 5, do CPP, com o que não se verificou a arguida nulidade ou irregularidade.

5. Decisão

Assim, acordam os juízes da 3ª Secção Criminal do STJ em indeferir o requerimento de arguição de nulidade do acórdão apresentado pelo recorrente CC.

Custas pelo Recorrente com taxa de justiça em três (3) Uc´s

STJ, 31 de janeiro de 2024

Ernesto Vaz Pereira (Juiz Conselheiro Relator)

Pedro Branquinho Dias (Juiz Conselheiro Adjunto)

José Luís Lopes da Mota (Juiz Conselheiro Adjunto)