Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A1449
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: URBANO DIAS
Descritores: PENHOR MERCANTIL
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: SJ200605300014491
Data do Acordão: 05/30/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : -Os créditos dos trabalhadores de origem indemnizatória gozam de privilégio creditório, por força do disposto no art. 4º da Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto;
-Os créditos garantidos por penhores mercantis gozam de privilégio sobre os demais credores e, como assim, terão de ser graduados em 1º lugar em resultado da venda dos bens garantidos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I -

Por apenso ao processo de falência de Empresa-A requerido por BFE e pendente no tribunal de V. N. de Gaia, foram reclamados créditos e, posteriormente, verificados e graduados da seguinte forma:
1º -Do produto da liquidação dos bens apreendidos saem precípuas as custas da falência, bem como as despesas de administração;
2º -Depois, serão pagos rateadamente os créditos (...) indicados sob os nºs (...), os quais, por se tratarem de créditos emergentes de contratos de trabalho, gozam de privilégio mobiliário geral e imobiliário geral;
3º -Os créditos da Fazenda Nacional;
4º -Os créditos do CRSS;
5º -Após rateamento, serão pagos também os créditos comuns, que são os restantes.

II -

Desta decisão, recorreram para o Tribunal da Relação do Porto os credores BPI, BESCL e BPSM.

O BPI e o BESCL defendendo a revogação do julgado na parte em que não distinguiu os créditos dos trabalhadores entre os créditos emergentes do contrato de trabalho e os créditos dos mesmos resultantes da vertente indemnizatória por despedimento ou cessação com justa causa, sendo que só aqueles gozam de privilégio mobiliário geral, de acordo com o art. 12º da Lei 17/86, de 14 de Junho, mas já não os segundos que devem ser considerados como créditos comuns.
Já em relação ao crédito do BPI foi defendido que, estando o mesmo em parte garantido através de penhor, dever-se dar ao mesmo, pelo produto da venda dos bens dados, pagamento em primeiro lugar e o sobrante, havendo-o, ser distribuído pelos créditos laborais provenientes de retribuições em falta e pelos comuns.
E no que toca à importância proveniente dos restantes bens integradores da massa falida, a mesma deverá ser repartida de forma análoga, ou seja, créditos dos trabalhadores por remunerações em 1º lugar, e todos os demais, genericamente classificados como comuns, em 2º lugar.

Também o BPSM pugnou pela consideração, no julgamento da graduação dos créditos reclamados e admitidos, da natureza real de parte do seu crédito, em resultado de a falida ter prestado penhor como garantia e, como assim, nesta parte, o seu crédito deveria ser graduado em 1º lugar.

O Tribunal da Relação do Porto acabou por fazer a distinção entre créditos dos trabalhadores provenientes de salários em atraso e outras remunerações, onde se incluem subsídios de refeição, subsídios de férias e de Natal, e créditos dos trabalhadores relativos a indemnizações por extinção do vínculo laboral, catalogando apenas os 1ºs como créditos privilegiados, de acordo com o art. 12º da Lei 17/86, de 14 de Junho, e considerando os outros como créditos comuns.
E nessa conformidade, graduou os créditos reclamados, tendo em conta o produto da venda de bens móveis não sujeitos a penhor do seguinte modo:
-em 1º lugar, os créditos laborais propriamente ditos, reconhecidos aos trabalhadores na sua primeira componente creditícia (salários e subsídios em atraso e/ou remunerações decorrentes da existência do vínculo contratual) e/ou relativas aos seis meses anteriores à data da cessação contratual;
-em 2º lugar, e rateadamente, como créditos comuns (créditos dos trabalhadores na sua componente indemnizatória por cessação do contrato de trabalho e/ou despedimento, os créditos dos apelantes na parte não contemplada pelos penhores, e os créditos do Estado, das Autarquias e da Segurança Social e todos os demais credores não recorrentes.
E relativamente ao produto da venda dos bens sujeitos a penhor, ordenou a graduação da seguinte forma:
-em 1º lugar, os créditos laborais propriamente ditos, reconhecidos aos trabalhadores na sua primeira componente creditícia;
-em 2º lugar, os créditos dos apelantes BPI e BPSM até aos montantes protegidos pelas garantias dadas em penhor;
-em 3º lugar, e rateadamente, os créditos comuns (créditos dos trabalhadores na componente indemnizatória por cessação do contrato de trabalho e/ou despedimento, os créditos dos apelantes não contemplada pelos penhores, e os créditos do Estado, das Autarquias e da Segurança Social e de todos os demais credores não recorrentes.


III -

Esta decisão não mereceu concordância nem dos trabalhadores (cfr. fls. 3385 e 3386: AA e Outros; BB e Outros: fls. 3408), nem do BPSM (cfr. fls. 3406) que recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça.

Este último concluiu a sua minuta da seguinte forma:

a) O crédito reclamado pelo Banco recorrido beneficia de garantia real sobre o produto dos bens dados de penhor, até ao limite de € 504.517,13.

b) Essa garantia real advém da constituição pela falida de dois penhores mercantis a favor do Banco recorrente.

c) O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, com preferência sobre os demais credores -artigo 666.° do Código Civil.

d) O artigo 12.° da Lei n.° 17/86, de 14/06 constitui uma norma excepcional relativamente ao regime previsto nos artigos 736.°, 737.° e 747.° do Código Civil e não comporta aplicação analógica relativamente ao regime dos privilégios creditórios decorrentes da constituição de penhor previsto no artigo 666.° -cfr. art. 11.° do C. Civil.

e) Os contratos de penhor invocados pelo Banco recorrente foram constituídos alguns anos antes da publicação da Lei n.° 17/86, de 14 de Junho, invocada no Acórdão para fundamentar a graduação efectuada.

f) Dessa forma, o crédito do Banco recorrido, na medida em que beneficia daquela garantia real (penhor), deveria, nos presentes autos, ter sido graduado como crédito preferencial, à frente do crédito dos trabalhadores, independentemente da natureza destes últimos.

g) Ao ter sido graduado em 2.° lugar, atrás do crédito dos trabalhadores, designadamente, salários e subsídios em atraso e/ou outras remunerações decorrentes da existência do vínculo contratual, e/ou relativamente aos seis meses anteriores à data da cessação contratual, o Acórdão recorrido fez uma indevida aplicação e interpretação do disposto nos artigos 666.° e 749.° do C. Civil.

Os 1ºs trabalhadores recorrentes (AA e Outros) remataram a sua alegação com as seguintes conclusões:
A -Os créditos dos recorrentes são de natureza laboral, dizendo respeito a salários em dívida e outras retribuições, bem como às indemnizações pela cessação do contrato de trabalho.
B -A totalidade dos créditos laborais, quer na vertente retributiva, propriamente dita, quer na vertente indemnizatória gozam de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário geral.
C -Esses privilégios, com essa amplitude, decorrem desde logo da lei 17/86, de 14 de Junho que se refere não só aos salários em dívida, como também às indemnizações decorrentes da cessação do contrato, como decorre do teor do n° 1 do artigo 12° da mesma lei.
D -Mas mesmo que se entenda que tal lei não abrange os créditos indemnizatórios dos recorrentes, sempre estes créditos seriam privilegiados por força da lei 96/2001, artigo 4°.
E -Como decorre desse último artigo, todos os créditos laborais, quer emergentes do contrato de trabalho, quer da sua violação não contemplados pelas disposições da lei 17/86, gozam de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário geral.
F -e esses privilégios abrangem, de acordo com o n° 3 do mesmo artigo 4°, mesmo os créditos preexistentes á data da entrada em vigor da lei 96/2001, como é o caso do dos recorrentes.
G -Deste modo, a totalidade dos créditos dos recorrentes goza de privilégio, mobiliário e imobiliário geral, e não só a sua vertente retributiva,
H -Não podem, pois, os créditos na vertente indemnizatória serem considerados créditos comuns.
I -E mesmo que não fosse aplicável ao caso sub judice nenhuma das referidas leis, o que não se concede, sempre os créditos indemnizatórios gozariam de privilégio mobiliário geral, relativo aos últimos seis meses, art. 737°, n° 1, al» d) do C.Civil.
J -Devem pois os créditos dos recorrentes, em ambas as vertentes retributiva e indemnizatória, serem considerados privilegiados e como tal graduados;
K -Ao decidir como decidiu, fez o tribunal a quo uma errada interpretação da Lei 17/86, de 14 de Junho e violou a Lei 96/2001, de 20 de Agosto e o art. 737º do C. Civil, nº 1, al. d).

CC e Outros (cfr. fls. 3733) vieram, ao abrigo do disposto na al. a) do nº 2 do art. 683º do CPC, subscrever as alegações e respectivas conclusões dos recorrentes AA e Outros.

Finalmente, os recorrentes BB e Outros, acabaram por concluir a alegação de recurso da seguinte forma:
a) -Os créditos reclamados pelos recorrentes beneficiam do privilégio mobiliário e imobiliário geral;
b) -Esse direito e essa garantia advêm do dispositivo legal em vigor;
c) -Os créditos dos aqui recorrentes conferem o direito à satisfação dos mesmos, com preferência sobre os demais credores;
d) -Dessa forma, os créditos indemnizatórios dos recorrentes, na medida em que beneficiam dos privilégios mobiliário e imobiliário, deveriam ter sido graduados em 1º lugar.

O BPSM contra-alegou em relação apenas ao recurso dos trabalhadores AA e Outros, defendendo a sua improcedência.

IV -

Foram considerados pelas instâncias os seguintes factos relativamente à matéria colocada em crise pelos recursos de apelação interpostos:
-Nos créditos dos trabalhadores foi discriminado aquilo que era considerado como respeitante a remunerações e aquilo que era devido a título de indemnizações.
-Na parte relativa ao Estado, foram incluídos montantes de IVA, IRC, contribuição autárquica, coimas fiscais, custas e juros de mora.
-Na parte relativa à Segurança Social foi indicada a referência às contribuições devidas e aos juros de mora.
-Na parte relativa a empresas comerciais e industriais, foi indicada uma parte relativa a capital e outra imputada a juros de mora.
-Foi reconhecido ao BPI (crédito do anterior BFB) o crédito de 254.712.100$00, sendo composto por 113.947.100$00 de capital mais 140.765.190$00 de juros de mora, sendo classificado como crédito comum.
-A favor do BFB haviam sido constituídos dois contratos de penhor mercantil e que se destinavam a garantir o pagamento de 20.592.693$00 e juros de mora.
-Foi reconhecido ao BPSM o crédito de 709.715.062$00, sendo 201.795.650$20 relativos a capital e 511.819.411$00 a juros de mora.
-A favor do BPSM haviam sido constituídos dois contratos de penhor mercantil e que se destinavam a garantir o pagamento de 21.406.034$10 e juros de mora, em 29 de Maio de 1980 e 24 de Maio de 1983.
-Foi reconhecido como crédito comum o crédito do BESCL, no montante de 158.933.186$40, sendo 51.900.000$00 correspondentes a dívida de capital e a parte restante a juros de mora.

V -

Postos perante as conclusões dos recursos apresentados, eis-nos confrontados com as seguintes questões:

1ª -Os créditos dos trabalhadores recorrentes e relativos à parte indemnizatória, gozam, à face da lei, de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário geral, talqualmente os créditos resultantes de salários e outras retribuições, ou pelo contrário, são créditos comuns?
2ª -Ainda que considerados como comuns, gozam os mesmos de privilégio mobiliário geral relativamente aos últimos seis meses, por força do disposto na al. d) do nº 1 do art. 737º do C. Civil? (questão apenas suscitada pelos recorrentes AA e Outros)?
3ª -O crédito do recorrente BPSM, na parte em que está garantido por goza de preferência sobre os demais credores nos termos do art. 666º do C. Civil e, como tal, deve ser graduado em 1º lugar?

Analisemos, pois, separadamente, cada uma destas questões.

1ª -Da natureza dos créditos dos trabalhadores na sua vertente indemnizatória.

Esta questão foi clara e profundamente tratada no Acórdão deste Supremo Tribunal de 8 de Outubro de 2002 (in C. J., Ano X, tomo III, pág. 89 e ss.), com referência a abundante jurisprudência deste mesmo Alto Tribunal, distinguindo os créditos relativos ao pagamento das retribuições salariais, onde se incluem as férias, subsídios de férias, de Natal e de refeição, que gozam do privilégio creditório geral previsto no art. 12º, nº 1, als. a) e b), da Lei 17/86, de 14 de Junho, daqueles outros que o trabalhador possa ter sobre o empregador, tais como os decorrentes de indemnizações devidas por cessação do contrato de trabalho, mas que já, atento o facto de não comungarem da mesma natureza alimentícia daqueles outros créditos, apenas se poderão subsumir ao disposto no art. 737º, nº 1, al. d), do C. Civil, beneficiando de privilégio geral sobre os móveis se repostados a um período de seis meses relativamente ao pedido de pagamento.

Esta posição -de que os privilégios mobiliários e imobiliários a que se reporta a chamada LSA se limitam a garantir os direitos de créditos dos trabalhadores por conta de outrem na parte relativa aos próprios salários em atraso -foi defendida também por Salvador da Costa (vide Concurso de Credores -2ª edição -, pág. 261).

Outrossim, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão defenderam que o art. 12º da LSA se aplica apenas aos créditos de natureza salarial, disciplinando os privilégios creditórios do direito à retribuição, mas já não do direito à indemnização devida em caso de cessação do contrato de trabalho.
E não deixaram de nos dar notícia da posição inicialmente assumida, embora com dúvidas, por Pedro Romano Martinez, no sentido de uma interpretação alargada dos privilégios creditórios consagrados no aludido art. 12º (Rev. da Fac. de Direito da Univ. de Lisboa, Vol. XXXVI, pág. 423), mas que a mesma foi sendo postergada, tanto pela doutrina como pela jurisprudência, fazendo concreta citação de Menezes Cordeiro a favor desta última posição -"«o elemento teleológico e a ponderação de interesses e valorações subjectivas» confirma que apenas o salário «pelo seu sentido humano e social e pelo valor emblemático pode justificar a protecção exorbitante que a Lei nº 17/86 confere»"(Rev. Ordem dos Advogados, Ano 58, Julho, pág. 645/672) (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Comentado e anotado, pág. 628).

Acontece, porém, que a doutrina exposta tinha toda a sua pertinência antes da publicação da Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto.
Com a entrada em vigor deste diploma legal, as coisas mudaram de figura.
Na verdade, o art. 4º, nº 1 da referida Lei, estabelece que "os créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação não abrangidos pela Lei nº 17/86, de 14 de Junho, gozam dos seguintes privilégios
a) Privilégios mobiliário geral;
b) Privilégio imobiliário geral.

E o nº 3 deste mesmo artigo estabelece que "os privilégios dos créditos referidos no nº 1, ainda que sejam preexistentes à entrada em vigor da presente lei, gozam de preferência nos termos do número seguinte, sem prejuízo, contudo, dos créditos emergentes da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, e dos privilégios anteriormente constituídos com direito a ser graduados antes da entrada em vigor da presente lei".

Analisando o alcance da entrada em vigor desta Lei de 2001, Miguel Lucas Pires faz notar que "não pode subsistir qualquer dúvida de que os créditos resultantes das indemnizações devidas aos trabalhadores por força da cessação dos respectivos contratos -independentemente do motivo que subjaz a essa ruptura do vínculo, seja ele a existência de retribuições em atraso ou qualquer outro -gozam dos privilégios mobiliários e imobiliários gerais consagrados na LSA".
E, em nota de rodapé (nº 74), não deixa de esclarecer que a expressão usada pelo art. 4º citado -"créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação" -"não pode das azo a dúvidas quanto à aplicabilidade dos privilégios creditórios por ele conferidos a outras indemnizações de que o trabalhador seja eventualmente credor e que não se relacionem com a cessão do vínculo contratual".
De uma forma arguta, concluiu este A. que a introdução no nosso sistema jurídico desta Lei 96/2001 foi a prova evidente que a LSA apenas pretendia tutelar os créditos resultantes de salários em atraso, "sendo muito duvidoso que essa protecção fosse extensível aos créditos indemnizatórios, ainda que resultantes de rescisões contratuais efectuadas ao abrigo desse mesmo diploma" (in Dos Privilégios Creditórios: Regime Jurídico e sua Influência no Concurso dos Credores, pág. 277).

Em perfeita sintonia com esta posição, Salvador da Costa defende que o art. 12º da LSA apenas se reporta aos créditos laborais de natureza retributiva, sendo que "o art. 4º da Lei nº 96/2001, de aplicação imediata, por versar sobre o modo de realização de direitos e o conteúdo de relações jurídicas, abstraindo do facto que lhes deu origem, alterou o regime legal dos privilégios envolventes dos aludidos direitos de crédito dos trabalhadores que decorria da Lei nº 17/86, e dos restantes direitos de crédito emergentes do contrato de trabalho, incluindo a sua graduação nos processos que actualmente são designados de insolvência."
Daí que -conclui -"desde o início da vigência da Lei nº 96/2001, os referidos direitos de crédito da titularidade dos trabalhadores de origem indemnizatória passaram a estar também envolvidos de privilégio imobiliário geral" (in O Concurso de Credores -3ª edição -, pág. 319).

Temos, desta forma, face ao que ficou referido, que os créditos dos trabalhadores recorrentes -todos os créditos, envolvendo, assim, também a vertente indemnizatória -gozam de privilégio mobiliário geral e imobiliário geral.

Obtidas as respostas adequadas às duas primeiras questões, resta-nos saber se assiste razão ao recorrente BPSM.

Resulta da matéria de facto dada como provada que este recorrente era credor da falida e que tinha até garantia real sobre determinados bens por mor da celebração de dois contratos de penhor mercantil até ao limite de 21.406.034$10 e juros de mora.
Como é bem salientado na alegação de recurso, o penhor confere ao credor preferência no pagamento sobre os demais credores, ut art. 666º do C. Civil, sendo que o art. 12º da Lei 17/86, de 14 de Junho, é uma norma excepcional relativamente ao regime previsto nos arts. 736º, 737º e 747º do C. Civil, razão pela qual não comporta aplicação analógica, ex vi art. 11º do C. Civil.
Acresce, ainda, o facto de os créditos do recorrente serem de datas anteriores à da entrada em vigor da Lei 17/86 referida.
Ao não considerar devidamente esta situação, graduando os créditos do aqui recorrente garantidos por penhores mercantis em 2º lugar, o acórdão impugnado fez uma errada aplicação dos comandos legais consagrados nos arts. 666º e 794º do C. Civil.
Salvador da Costa defende este preciso ponto de vista, ao dizer que "o direito de crédito garantido por penhor mercantil constituído anteriormente ao início da vigência da Lei nº 17/86 é graduado em primeiro lugar, seguindo-se os créditos dos trabalhadores por salários em atraso" (obra citada -2ª edição -, pág. 257).

Assiste, pois, razão ao recorrente BPSM quando reclama que os seus créditos garantidos por penhores mercantis devem ser graduados em primeiro lugar em relação aos créditos dos trabalhadores.

Em conclusão:

-Os créditos dos trabalhadores de origem indemnizatória gozam de privilégio creditório, por força do disposto no art. 4º da Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto;
-Os créditos do recorrente BPSM garantidos por penhores mercantis gozam de privilégio sobre os demais credores e, como assim, terão de ser graduados em 1º lugar em resultado da venda dos bens garantidos.

Em consonância com o exposto, necessário se torna reformular a graduação dos créditos reconhecidos.
Antes, porém, importa salientar, como o fez, aliás, o acórdão impugnado, que à data da sentença que decretou a falência se encontrava em vigor o CPEREF (D.-L. 132/93, de 23 de Abril) que, no seu art. 152º, decretou a extinção dos privilégios creditórios do Estado, Autarquias Locais e Instituições de Solidariedade Social, nos processos de recuperação ou falimentar, passando os respectivos créditos a ser exigíveis como créditos comuns.
Tendo em linha de conta tudo o que ficou dito, os créditos reconhecidos passam a graduar-se da seguinte forma:

A) -Relativamente aos bens móveis abrangidos pelos penhores:

1º -Créditos dos Bancos BPI e BPSM até aos montantes protegidos pelas respectivas garantias de penhor;
2º -Créditos dos trabalhadores;
3º -Os créditos do Estado, das Autarquias e de todos os demais credores não recorrentes.

B) -Relativamente aos imóveis e aos móveis não objecto de penhores:

1º -Os créditos dos trabalhadores;
2º -Todos os outros créditos comuns e de forma rateada.

C) -As custas serão a cargo da massa e precipuamente.

VI -

Termos em que, sem necessidade de qualquer outra consideração, se julga
a) Totalmente procedente o recurso interposto pelos trabalhadores, com custas pelo BPSM;
b) Totalmente procedente o recurso do BPSM, com custas pelos trabalhadores recorrentes (inclusive os aderentes -cfr. fls. 3733),
tendo em devida conta o disposto no art. 11º do CCJ.

Lisboa, 30 de Maio de 2006
Urbano Dias
Paulo Sá
Borges Soeiro