Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
90/19.2JAPTM.E3.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JORGE DOS REIS BRAVO
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
ADMISSIBILIDADE
OFENSA DO CASO JULGADO
CASO JULGADO FORMAL
CONTRADIÇÃO DE JULGADOS
ALÇADA
SUCUMBÊNCIA
PROCEDÊNCIA PARCIAL
REENVIO DO PROCESSO
Data do Acordão: 09/12/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário :

I. Apesar da autonomia do regime de recursos em matéria penal, e da irrecorribilidade da decisão em matéria penal, é de admitir o recurso que vise sindicar exclusivamente a decisão sobre matéria civil, com base no disposto no art. 629.º, n.º 2, alíneas a) e d) do CPC ex vi dos artigos 4.º e 400.º, n.º 3, do CPP.

II. Não é de admitir o recurso interposto pelo arguido-demandado no tocante às questões de nulidades do acórdão recorrido, dado que o valor da indemnização arbitrada é de € 6.000,00, e a medida da sucumbência é inferior a metade do valor da alçada da Relação, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 629.º, n.º 1 e 671.º, ambos do CPC, não sendo admissível o recurso interposto, nessa parte, não pode conhecer-se de tais questões;

III. Verificando-se existirem duas decisões díspares proferidas pelo Tribunal da Relação, tendo a primeira transitado em julgado, tal decisão tem de ser respeitada, pelo que o recurso deve ser admitido, embora limitado à apreciação dessa questão, uma vez que, não estando as demais nulidades invocadas pelo recorrente em conexão com a matéria atinente à ofensa do caso julgado, não poderão, nesta sede, ser apreciadas;

IV. Ocorrendo violação de caso julgado formado no processo, pela anterior decisão, o acórdão recorrido, em matéria civil, deve, nessa parte, considerar-se nulo, baixando oportunamente os autos à primeira instância, para observância do decidido no anterior acórdão da Relação.

Decisão Texto Integral:
[Processo Comum Coletivo n.º 90/19.2PAPTM.E3.S1 - Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central Criminal de Portimão/... 1 – Tribunal da Relação de Évora – Secção Criminal/1.ª Subsecção - Supremo Tribunal de Justiça/5.ª Secção]

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Acordam na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. Por acórdão proferido em ... de ... de 2022, no Juízo Central Criminal de .../ ... 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro (ref.ª Citius ...), foi decidido julgar procedente a pronúncia e, em consequência:

- Condenar o arguido AA, como autor material de um crime de homicídio na forma tentada p. e p. pelos arts 22°, 23° e 131 º, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão;

- Condenar o arguido AA pela prática de um crime de ameaça agravada previsto e punido pelos artigos 153° e 155° do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão;

- Condenar o arguido AA pela prática de um crime de ameaça agravada previsto e punido pelos artigos 153° e 155° do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão;

- Operando o cúmulo jurídico, condenar o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, a qual foi suspensa na sua execução por igual período de tempo sob regime de prova e sob condição de proceder ao pagamento do pedido de indemnização civil dos demandantes BB e CC em três prestações anuais, efetuando o pagamento da primeira até um ano após o transito em julgado da presente decisão;

- Julgar procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado pelo Centro Hospitalar ..., EPE, e condenar o demandado a pagar a quantia de € 1.219,66 (mil duzentos e dezanove euros e sessenta e seis cêntimos), acrescido de juros à taxa legal para as obrigações civis, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

- Julgar parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes BB e CC, e condenar o demandado a pagar a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), acrescido de juros à taxa legal para as obrigações civis desde a data do trânsito em julgado até efetivo e integral pagamento, a título de danos não patrimoniais sofridos, absolvendo o demandado do restante pedido.

2. Inconformado com o acórdão proferido, o arguido e recorrente AA e os assistentes BB e CC interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Évora (doravante, também TRE), tendo este Tribunal proferido acórdão, em ...-...-2022 (ref.ª Citius...), pelo qual se decidiu anular o acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, por não ter proferido decisão sobre a matéria de facto alegada em sede de contestação.

3. Em face da referida anulação, o .../... 1 proferiu novo acórdão, em ...-...-2023 (ref.ª Citius ...).

4. Interposto novo recurso para o TRE, quer pelo arguido, quer pelos assistentes, veio a ser proferido acórdão, datado de ...-...-2023 (ref.ª Citius ...), o qual decidiu anular o acórdão proferido pela 1.ª instância, por omissão de pronúncia, por não ter proferido decisão sobre toda a matéria de facto alegada em sede de contestação, e por insuficiência da fundamentação de facto, por ter considerado que aquele era omisso quanto à apreciação crítica das provas.

5. Nesta sequência, veio o ... proferir novo acórdão, em ...-...-2023 (ref.ª Citius ...).

6. Interposto novo recurso para o TRE, quer pelo Arguido, quer pelos Assistentes, veio a ser proferido acórdão por este tribunal, em ...-...-2024 (ref.ª Citius ...), no qual se decidiu:

«- Julgar não provido o recurso dos assistentes/demandantes;

- julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido, e, em consequência, revogar o Acórdão na parte em que condenou o arguido/recorrente a pagar aos demandantes o montante de €15.000,00 (quinze mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, condenando, antes, o arguido/recorrente a pagar-lhes a quantia de € 6.000,00 (seis mil euros), mantendo em tudo o mais o Acórdão recorrido.»

7. Não se conformando com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, o arguido veio arguir nulidades do referido aresto, relativamente à decisão sobre matéria penal, por requerimento junto aos autos a ...-...-2024 (ref.ª Citius ...), as quais foram indeferidas por acórdão de ...-...-2024 (ref.ª Citius 9016662).

8. O arguido AA, veio, em ...-...-2024 (ref.ª Citius ...) interpor recurso do Acórdão do TRE, proferido em ...-...-2024 (ref.ª Citius 8934765), restrito à decisão sobre a matéria do pedido de indemnização civil – dado que tal decisão não admite recurso na parte respeitante à matéria criminal –, tendo, para o efeito, apresentado “Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça”, ao abrigo do disposto no artigo 400.º, n.º 3 do CPP e artigos 671.º, n.º s 1 e 2 e 629.º, n.º 2, als. a) e d) do CPC, formulando as seguintes conclusões:

«I. O presente recurso de revista, incidente apenas sobre a matéria cível, é admissível ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, alíneas a) e d) do CPC, porquanto o Arguido vem recorrer do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de ...-...-2024 com base na ofensa do caso julgado e na contradição do Acórdão recorrido comoutroda mesma Relaçãosobre a mesma questão fundamental de direito.

II. No segundo Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, a ...-...-2023, foi decidido que a decisão proferida pelo tribunal a quo se encontrava ferida de nulidade por omissão de pronúncia, por continuar a não existir pronúncia sobre factos alegados pela defesa e apurados em audiência de julgamento com relevância para a boa decisão da causa, mantendo-se a pronúncia sobre outros sem sistematização enumeração,continuando apersistir-se naremissão, pela negativa, no âmbito do elenco dos factos não provados.

III. O Acórdão do Tribunal da Relação de ...-...-2023, a esse propósito, escreveu-se que “(…) Do que se vem expondo, e atentando no disposto no artigo 368.º, n.º 2, do CPP, é inequívoco que o tribunal deve pronunciar-se sobre o alegado na contestação com interesse para a decisão, não sendo lícito ao tribunal, porque resultaram provados os factos da acusação, não se pronunciar sobre os factos e/ou o mais alegado na contestação, seja com que argumentofor. Com efeito, os factos alegados na contestação deveriam ter sido levados em conta na enumeração dos factos provados ou não provados, pois que, naturalmente, foram entendidos pelo apresentante como factos relevantes para a sua defesa e para a decisão da causa. (…)

Não devem restar quaisquer dúvidas que o tribunal indagou e se pronunciou sobre todos os factos relevantes para a decisão, designadamente os alegados pela defesa.

A questão da exigência de enumeração dos factos provados e não provados não pode ser vista como uma mera formalidade formal, trata-se sim de uma garantia, designadamente para os sujeitos processuais, de que o tribunal, num processo equitativo, teve em atenção de igual modo, os factos, as provas e os argumentos daacusação e dadefesa, e indagou e apreciou todos os factos.

E não tendo tal enumeração sido feita pelo tribunal recorrido, ficou limitado o direito da defesa do arguido, na medida em fica restringido o âmbito do recurso, porquanto tais factos não constam da matéria de facto (provada ou não provada), tornando-se naquela parte insindicáveis. E estipula a lei que a sanção para este vício é a nulidade da sentença, atento o disposto no artigo 379º, n.º 1, alíneas a) e c) do CPP.

O tribunal de recurso identificou as “questões concretas” a suprir, delimitando, desta forma o objeto do novo Acórdão a proferir que, devendo pronunciar-se sobre os pontos da matéria de facto identificadas, daí deveria extrair as necessárias consequências. Todavia, visto o Acórdão agora recorrido, verifica-se que não foi devidamente cumprido o determinado.”

(sublinhados nossos)

IV. O Acórdão do Tribunal da Relação de ...-...-2023 foi ainda bastante claro quanto ao teor da sua decisão quando, além do mais, explicitou que “…. o que se verifica é que, além de haver factos da contestação ao pedido de indemnização civil sobre os quais não pronúncia, há pronúncia sobre alguns outros ainda que sem sistematização, numa amálgama, e continua a fazer-se remissão, pela negativa, no âmbito do elenco dos factos não provados.

Do que se vem expondo, é inequívoco que o tribunal recorrido devia ter decidido em conformidade com o determinado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em ... de ... de 2022, e não o fez devidamente.”

V. Foi decidido, nessa sequência, pelo Tribunal da Relação no aludido acórdão de ...-...-2023 - declarar nulo o Acórdão recorrido nos termos do disposto no artigo 379º, n.º 1,al. c) e 379.º, n.º 1,al.a),primeira parte, ex vi do artigo 374.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Penal;

- determinar a reformulação do Acórdão pelo mesmo tribunal, proferindo nova decisão final expurgada dos vícios enunciados e onde sejam supridas as omissões apontadas, mostrando-se, em consequência, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelos recorrentes.

VI. Esse Acórdão transitou em julgado.

VII. O Acórdão da primeira instância proferido nessa sequência, em ...-...-2023, não efetuou qualquer alteração à decisão da matéria de facto, mantendo-se intocado o elenco dos factos provados e não provados.

VIII. A manutenção do assim decidido viola manifestamente o decidido pelo Tribunal superior por decisão proferida em ...-...-2023 e transitada em julgado, razão pela qual o arguido, no seu recurso de apelação começou por invocar o incumprimento do dever de acatamento da decisão da Relação, sobre o que, porém, o Tribunal recorrido não se pronunciou.

IX. Ao invés, surpreendentemente para o arguido, o Tribunal da Relação, conhecendo do vício da nulidade por omissão de pronúncia a propósito dos factos alegados pelo arguido no seu articulado de defesa (como se o fizesse ex novo), decidiu que, afinal, não havia omissão de pronúncia, afirmando genericamente, e sem qualquer alusão ao anteriormente decidido, estarem no elenco dos factos todos os relevantes para a decisão da causa.

X. O Tribunal da Relação conheceu assim do imputado vício de omissão de pronúncia da decisão da primeira instância (por da decisão de facto não constarem factos alegados pela defesa relevantes para a decisão da causa, designadamente para o pedido de indemnização civil), como se o

fizesse pela primeira vez, i.e. como se já não tivesse expressado anteriormente, em dois acórdãos diferentes (proferidos em ...-...-2022 e ...-...-2023), que efetivamente existia uma omissão de pronúncia sobre factos relevantes da defesa que conduziram à declaração de nulidade da decisão da primeira instância.

XI. Perante a mesma decisão de facto, o Tribunal da Relação de Évora, não poderia conhecer voltar a conhecer a questão da nulidade por omissão de pronúncia como se nunca o tivesse feito e não poderia emitir uma decisão em sentido diferente da que antes havia proferido.

XII. Ao fazê-lo, o Acórdão do Tribunal da Relação, agora proferido, violou o caso julgado material formado pelo Acórdão do mesmo Tribunal da Relação proferido em ...-...-2023.

XIII. Com efeito, havendo uma decisão judicial, proferida no processo, transitada em julgado, a declarar a existência do vício de nulidade do acórdão da primeira instância por omissão de pronúncia sobre determinados factos (de resto, concretamente identificados pelo arguido nos recursos que foi apresentando) essa decisão passou a ter força obrigatória dentro do processo, não podendo contrariar-se o caso julgado material daí decorrente.

XIV. O Acórdão recorrido viola assim, manifestamente, o caso julgado material formado pelo acórdão pretérito, vício que ora se invoca para todos os efeitos legais.

XV. Veja-se que a propósito do caso julgado material, expressa a lei que, transitados em julgado os despachos, as sentenças ou os acórdãos, a decisão sobre a relação material controvertida tem força obrigatória nos limites fixados pelos art.º 497º e 498º do C. P. Civil – (art.º 671º, n.º 1, do C. P. Civil, aqui aplicável ex vi art. 4.º do CPP.

XVI. O caso julgado material tem força obrigatória no processo e fora dele, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa decidir em sentido contrário sobre a mesma questão ou matéria sobre a qual incidiu uma determinada decisão judicial transitada em julgado.

XVII. Tal determinação legal corresponde, de resto, a um imperativo constitucional conforme decorre do artigo 205.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) que estatui que “as decisões dos tribunaissãoobrigatóriasparatodas as entidades públicas eprivadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades.”.

XVIII. De igual modo, deverá ser reconhecida a subsunção do presente caso à al. d) do n.º 2 do art. 629.º do CPC, pois que é evidente que o Acórdão recorrido viola outro acórdão da mesma Relação, que transitou em julgado, e se pronunciou sobre a mesma questão fundamental de direito, esta respeitante à omissão de pronúncia de factos relevantes para a boa decisão da causa.

XIX. Entendimento diferente do propugnado sempre constituiria violação do imperativo constitucional decorrente do citado artigo 205.º, n.º 2da CRP.

XX. Afigurando-se-nos, por isso, inconstitucional, por violação do aludido art. 205.º da CRP, a interpretação aparentemente mobilizada pelo Tribunal da Relação do artigo 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, no sentido de que, determinada a reformulação de acórdão da primeira instância para sanação do vício por omissão de pronúncia, pode o mesmo Tribunal, em caso de não observância do aí determinado pela primeira instância, voltar a apreciar a matéria da omissão de pronúncia ex novo e em sentido contrário ao anteriormente determinado.

XXI. Para uma melhor noção de que factos com relevância para o pedido de indemnização civil foram alegados pelo arguido e não constam do elenco damatéria de facto provada e não provada,e que constituíram a base da decisão dos Acórdãos do Tribunal da Relação que anularam a decisão da primeira instância, passamos a identificá-los também no presente recurso (tendo-o, porém, feito, de forma bastante clara e expressa em cada um dos recursos de apelação apresentados):

XXII. Com manifesta relevância para a decisão do pedido de indemnização civil, designadamente no que ao nível dos danos não patrimoniais diz respeito, destacam-se os seguintes factos invocados expressamente na contestação e que continuam a não constar da decisão de facto:

- “o demandante BB retomou a sua atividade desportiva passado uns meses e inclusive entrou em provas desportivas no dia ... desse mesmo ano de 2019 tendo uma melhor posição que a alcançada em ........2019 e mesmo em anos anteriores” (ponto 36.); - facto este tanto mais relevante pois contraria o teor do denominado “relatório de observação clínica” cujo teor ficou espelhado na matéria de facto provada (no entanto, as Mm.ªs Juízas da primeira instância fizeram constar que o ofendido era atleta federado, o que, só por si, é um facto absolutamente inócuo ou irrelevante); Do facto invocado pelo arguido decorre, pois, que o assistente não ficou isolado socialmente ou com nenhuma sequela física ou dano permanente que justifique a atribuição de indemnização tão elevada.

- o demandante, de acordo com a Nota de Alta junta a fls. 122 dos autos, ficou internado no ... durante 2 dias em mera observação tendo tido alta por se encontrar “hemodinamicamente estável, apirético e clinicamente melhorado” tendo apenas sido prescrito que o mesmo fizesse pensos no centro de saúde em dias alternados e retirasse os pontos findo uma semana (ponto 42.) – facto tanto mais relevante, porquanto, sem sustentação fáctica, o Tribunal a quo confirmou a posição da primeira instância que se estribou na existência de “perigo de vida” para o assistente, o que, porém, foi contrariado pela profusa prova produzida a esse propósito.

- ponto 51 da contestação - na parte em que se refere que o corte sofrido pelo ofendido foi superficial e não foi objeto de qualquer sutura, tal como resulta documentado nos autos e foi confirmado em audiência de julgamento pela testemunha Dr. DD.

XXIII. Para além destes, o arguido invocara ainda que continuavam a a ser desconsiderados factos alegados pelo arguido em sede de audiência de julgamento; e continuava a faltar factualidade com manifesta relevância para boa decisão da causa que foi apurada em sede de audiência de julgamento.

XXIV. No que respeita ao conteúdo da decisão temos como óbvio que o tribunal recorrido não só não atende aos fatores que a lei exige que sejam ponderados para a atribuição de uma indemnização civil, como desconsidera factos apurados nos autos que são manifestamente relevantes para a boa decisão da causa nesta sede.

XXV. Atente-se, em primeiro lugar, que a matéria de facto provada nesta sede é manifestamente escassa e insuficiente para fundamentar o quantum indemnizatório em que o arguido vai condenado.

XXVI. Por outro lado, não se vê como é que se pode omitir toda a factualidade apurada em audiência de julgamento e relevante relativamente ao grau de culpabilidade do agente - já que foi desconsiderada, desde logo, a situação prévia de conflito existente entre arguido e assistente, sendo essa uma situação prolongada no tempo e agudizada pelo não pagamento de quantias pecuniárias efetivamente devidas pelo lesado ao arguido, tal como se veio a apurar em ação própria instaurada pelo arguido no Tribunal do Trabalho (cf. documentação junta aos autos).

XXVII. Também não foi manifestamente tida em consideração a situação económica do arguido – que aufere um salário mensal de € 800,00, que paga de habitação € 500,00 e tem uma filha menor, de 9 anos de idade, em idade escolar, vive com uma companheira que aufere também pouco mais do que o salário mínimo e tem despesas mensais com água, luz, gás, alimentação e combustível, cujo custo cada vez mais elevado é do conhecimento geral - factos estes que o Tribunal, podendo e devendo fazê-lo oficiosamente, também não averiguou nem refletiu na matéria de facto.

XXVIII. O entendimento propugnado pelo Coletivo de Juízes de que uma pessoa como o arguido tem condições económicas para conseguir reunir a quantia em que condenou é desprovido de proporcionalidade, sensatez e de conexão com a realidade social atual.

XXIX. Acresce que não foi tida igualmente em consideração a situação económica do lesado, como demanda o artigo 494.º do Código Civil.

XXX. O tribunal da primeira instância, e agora o Tribunal da Relação, podendo e devendo fazê-lo oficiosamente, não se preocuparam minimamenteemapurartais factos (que também não constam doelenco da factualidade provada), sendo certo que ressalta à evidência que a situação económica do lesado é incomensuravelmente superior à do arguido.

XXXI. Conforme tem vindo a ser entendido pela Doutrina e Jurisprudência, a reparação dos danos deve ser proporcional à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e criteriosa ponderação da realidade da vida.

XXXII.Assim,“nadeterminaçãodoquantum dacompensaçãopordanos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico e psíquico por ele experimentado, sob o critério objectivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjectividade inerente a particular sensibilidade” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de .../.../2005, processo n.° 05B3436, disponível in www.dgsi.pt ).

XXXIII. A própria jurisprudência deste Tribunal superior comprova a necessidade de serem apreciados pelo Tribunal e incluídos na decisão da matéria de facto todos os factos relevantes para a boa decisão da causa, com o cunho da justiça que o arguido almeja alcançar.

XXXIV.Será no âmbito presente recurso que devem ser invocadas as nulidades conexas com a matéria do pedido de indemnização civil pelo que não pode o arguido deixar de arguir a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre vários dos pontos suscitados pelo arguido em sede de recurso de apelação.

XXXV. Existe omissão de pronúncia do acórdão recorrido quanto ao fundamento de recurso constante das conclusões do recurso de apelação indicadas sob os pontos CXXIII a CXXVI

XXXVI. Como invocado pelo arguido no recurso de apelação, o acórdão da primeira instância incorreu em erro manifesto quanto não distinguiu, no âmbito da condenação do pedido de indemnização civil,o quantum indemnizatório a atribuir ao arguido e à assistente, condenando, no entanto, o arguido a pagar solidariamente a ambos a indemnização atribuída.

XXXVII. A fundamentação, nesta parte, apenas se refere aos danos sofridos pelo assistente/demandante BB e já não à sua esposa (assistente CC).

XXXVIII. Em sede de recurso de apelação, o arguido invocou que “os danos não patrimoniais, pela sua própria natureza pessoal, não são comunicáveis entre sujeitos e muito menos poderão sê-lo neste caso, em que existe uma diferença significativa de posicionamento de cada um dos demandantes perante a situação sob escrutínio”.

XXXIX.E ainda que “a decisão proferida incorre em erro ao não distinguir, nem na sua fundamentação, nem no segmento decisório final, o quantum indemnizatório atribuído a cada um dos demandantes, individualmente considerados, o que não é de somenos importância até para efeitos de execução da decisão”.

XL. O arguido invocou a nulidade do Acórdão da primeira instância por omissão de pronúncia.

XLI. O Tribunal da Relação não se pronunciou, não a tendo sequer elencado nas questões a decidir em face do objeto delimitado nas conclusões recursórias.

XLII. Tal omissão de pronúncia não poderá, pois, deixar de ser conducente à nulidade do Acórdãorecorrido,o que se invoca para todos os efeitos legais (cf. art. 379.º, n.º 1, al. c) do CPP).

XLIII. O Acórdão recorrido não se pronunciou quanto ao fundamento de recurso constante das conclusões recursórias do recurso de apelação indicadas sob os pontos CL a CLVIII.

XLIV. Sobre a condição de proceder ao pagamento da indemnização civil aplicada à suspensão da execução da pena de prisão, o arguido insurgiu-se pela sua aplicação ao caso, não só por violar o princípio da proporcionalidade,como porimporumónusao arguido que o mesmo, em concreto, não se encontra minimamente em condições de cumprir.

XLV. O arguido insurgiu-se contra o facto de ser determinado o cumprimento da condição pecuniária imposta em três anos, quando o período da suspensão da execução da pena é de cinco anos.

XLVI. Tendo emconta asituação económica do arguido,não se compreende a menor dilação do cumprimento da condição em função do tempoda suspensão da execução da pena.

XLVII. O Tribunal da Relação limitou-se a afirmar, a propósito da aplicação de condições à suspensão da execução da pena, que as mesmas são passíveis de ser aplicadas a casos como o dos autos, designadamente as que assumam cariz pecuniário.

XLVIII. O Tribunal recorrido, após ter diminuído a condenação do pedido de indemnização cível para € 6.000,00(seis mil euros), nadamais disse,sendo que, após fixação concreta do montante a pagar, que o Venerando Coletivo de Juízes podia e devia ter ponderado, em concreto, a possibilidade de o arguido cumprir uma tal condição e se a mesma deveria ser aplicada a (5) cinco anos.

XLIX. Como se referiu nas conclusões do recurso, dos factos provados (i.e., do que consta como descrito no relatório social) resulta manifesto que o arguido não se encontra em condições económicas de poder cumprir o dever imposto, do modo estipulado no acórdão.

L. É injustificada a exigência de que o arguido, com condição económica precária que o seu agregado familiar vive, consiga cumprir tal condição em (3) três anos, quando o regime da suspensão foi fixado em (5) cinco anos.

LI. É manifestamente excessivo ser o montante fixado como

condicionante da suspensão da pena, apresentando-se como uma obrigação pecuniária impossível de cumprir pelo arguido, de acordo com o quadro factual apurado no acórdão, o que viola os artigos 2.º e 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

LII. O arguido terminou o seu recurso a peticionar que a quantia pecuniária a ser definida possa ser paga até ao termo do período de suspensão da prisão e não em (3) três anos como foi estipulado no acórdão da primeira instância não tendo o acórdão do Tribunal da Relação sob escrutínio emitido nenhuma pronúncia sobre tal.

LIII. Com base no que se deixa dito, invoca-se também, nesta parte, a nulidade do Acórdão da Relação por omissão de pronúncia (Cf. art. 379.º, n.º 1, al. c) do CPP).

Pelo exposto, deve o presente recurso de revista ser julgado procedente por provado e, em consequência:

- Deve ser reconhecido o vício de ofensa de caso julgado (art. 629.º, n.º 2, al. a) do CPC) e a contradição de acórdãos da Relação invocada (art. 629.º, n.º 2, al. d) do CPC) e, consequentemente, deverão tais vícios ser supridos, mediante a prolação de decisão que, substituindo-se à anterior, determine a baixa do processo novamente à primeira instância para que seja cumprido o anteriormente decidido pelo Tribunal da Relação em Acórdão proferido em ...-...-2023 e transitado em julgado.

- Verificadas as apontadas nulidades por omissão de pronúncia, deve o processo novamente baixar ao Tribunal recorrido para que este venha a suprir as várias omissões detetadas.»

9. O recurso foi admitido por despacho da Senhora Desembargadora relatora no TRE, de 03-05-2024 (ref.ª Citius ...), a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

10. O Ministério Público junto do TRE respondeu ao recurso em ...-...-2024 (Ref.ª Citius ...), esclarecendo não ter legitimidade para intervir, dado estar em causa recurso restrito a matéria cível, encontrando-se as partes regularmente representadas.

11. Uma vez neste Supremo Tribunal, o Senhor magistrado do Ministério Público aqui em funções emitiu parecer ao abrigo do art. 416.º do CPP, em ...-...-2024 (ref.ª Citius ...), reiterando a posição do Ministério Público junto do TRE, assinalando estar em causa no recurso em presença apenas matéria de natureza cível a opor demandantes e demandado civis, todos devidamente representados em juízo por mandatário judicial, pelo que, não lhe incumbindo a representação de qualquer das partes, não tem o Ministério Público legitimidade nem interesse em agir, não lhe compete intervir nos autos.

12. Notificado tal parecer ao arguido e aos assistentes-demandantes e parte civil, para, querendo, se pronunciarem, ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, os mesmos nada requereram.

13. Não tendo sido requerida audiência, colhidos os vistos, foram os autos julgados em conferência - artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

A. Da admissibilidade do recurso

14. O recorrente interpõe o presente recurso que versa, apenas, sobre a decisão atinente à matéria civil, atenta a irrecorribilidade verificada relativamente à condenação penal, considerando a dupla conforme decisória e a medida da pena concretamente aplicada (pena única de 5 anos de prisão), nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea e) do Código de Processo Penal.

Por sua vez, no que respeita à condenação civil, o pedido de indemnização civil deduzido pelos demandantes foi julgado parcialmente procedente, tendo o demandado, aqui recorrente, sido condenado no pagamento da quantia de € 6.000,00 (seis mil euros).

Ora, no que respeita à condenação civil, dispõe o artigo 400.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que «[s]em prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada». Acresce que, nos termos do n.º 3 desse normativo, se estabelece que «[m]esmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.»

A redação de tal normativo foi conferida pela Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, diploma que para além de acrescentar a expressão «só», fez constar uma nova exigência anteriormente não existente – a de que o valor do pedido tem de ser superior à alçada do tribunal recorrido1.

Por sua vez, o n.º 3 do artigo 400.º do Código de Processo penal veio estabelecer a autonomia das regras respeitantes à admissibilidade dos recursos civis face às dos penais, podendo aqueles ser admitidos, não obstante exista irrecorribilidade em termos criminais. Tal normativo, foi introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, constando da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que lhe deu origem, que «[p]ara garantir o respeito pela igualdade, admite-se a interposição de recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil mesmo nas situações em que não caiba recurso da matéria penal». É, assim, manifesto que, mesmo não sendo admissível o recurso penal, nos termos do artigo 400.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, as partes, poderão recorrer da decisão em matéria civil, ficando a ação civil independente da penal.

Como tal, e não dispondo expressamente o Código de Processo Penal os termos relativamente aos quais os recursos cíveis são admissíveis, necessariamente se terá de recorrer às regras constantes do Código de Processo Civil, nomeadamente o artigo 671.º do Código de Processo Civil, em conformidade com o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal.

i. Da admissibilidade do recurso ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, alínea a) do CPC

Preceitua, então, o artigo 671.º do Código de Processo Civil que:

«1 - Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.

(…)

3 - Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.»

Por sua vez, dispõe o artigo 629.º, n.º 1 do Código de Processo Civil «O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.

Assim, a admissibilidade de recurso de revista, seja normal ou excecional, está dependente, no que aqui releva, da verificação cumulativa de um duplo requisito: a) que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; e b) que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão de que se recorre2.

In casu, o valor da indemnização que foi fixado – € 6.000,00 (seis mil Euros) – é inferior a metade da alçada do Tribunal da Relação de Lisboa (€ 30.000,00, nos termos do artigo 44.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26-08), pelo que o recurso de revista, mesmo que excecional, não será admissível, ao abrigo do disposto no mencionado artigo 629.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Todavia, o n.º 2, desse normativo legal, estabelecendo exceções a essa regra, prevê os casos de revista extraordinária, sendo que, na alínea a), consta, precisamente, que a ofensa de caso julgado é uma das situações em que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, o recurso é sempre admissível, fundamento esse que é expressamente invocado pelo recorrente nas suas alegações de recurso.

Nesta medida, e segundo alega o recorrente, o Tribunal da Relação proferiu dois acórdãos contraditórios, perante a mesma situação, estando o segundo em clara violação do anteriormente decidido pelo mesmo Tribunal, por acórdão já transitado em julgado.

Ora, «[a] ‘ofensa de caso julgado’, enquanto fundamento de admissibilidade do recurso basta-se, em nosso modo de ver, com a verosimilhança da ofensa (por contraponto à ‘ofensa de caso julgado’ enquanto fundamento do mérito do recurso, em que releva antes a efectividade da ofensa).»3. Assim, «[t]endo o recurso de revista como fundamento a ofensa de caso julgado, basta a possibilidade de tal ofensa ocorrer (cumprindo verificar se existe uma decisão, com trânsito em julgado, que possa ter sido ofendida e se essa decisão, em confronto com a decisão de que os recorrentes pretendem recorrer tem valor de caso julgado a respeitar) para que o recurso seja admissível; a demonstração de que a decisão recorrida ofendeu, realmente, o caso julgado é aspecto que tem a ver com a procedência do recurso»4.

Compulsados os autos, e em termos meramente aparentes, verifica-se existirem duas decisões proferidas pelo Tribunal da Relação de Évora – concretamente os acórdãos de ...-...-2023 e o ora recorrido –, díspares, sendo que a primeira transitou em julgado, pelo que, como tal, trata-se de uma decisão com valor de caso julgado que deve ser respeitada.

Deste modo, e porque na apreciação da admissibilidade do recurso se basta a possibilidade de a ofensa de caso julgado ocorrer, entende-se que, in casu, o recurso deve ser admitido, embora limitado à apreciação dessa questão5, uma vez que, não estando as demais nulidades invocadas pelo recorrente em conexão com a matéria atinente à ofensa do caso julgado, não poderão, nesta sede, ser apreciadas.

ii. Da admissibilidade do recurso ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC

Segundo invoca o recorrente, o presente recurso é, também, admissível por via do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil que prevê que é sempre admissível recurso «Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.».

Por via do referido normativo legal, admite-se o recurso quando tenham sido proferidos dois acórdãos do Tribunal da Relação que decidiram de forma oposta relativamente à mesma questão fundamental de direito, ou seja, «quando a mesma disposição legal se mostra, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos, havendo identidade de situações de facto subjacentes a essa aplicação»6.

Contudo, e contrariamente ao que sucede na alínea a), a situação da alínea d) apenas é aplicável aos casos em que o recurso ordinário não é admissível por motivo estranho à alçada do tribunal.

A jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal de Justiça interpreta este normativo no sentido em que o mesmo tem aplicação apenas aos casos em que o acesso ao recurso de revista se encontra vedado, por norma expressa nesse sentido, não prescindindo, em qualquer caso, dos requisitos previstos no n.º 1 do artigo 629.º, relativamente ao valor da alçada e da sucumbência.

Conforme refere Abrantes Geraldes, a alínea d) do n.º 2 pretende «abarcar as situações em que, apesar de existir um bloqueio à intervenção do Supremo por via de algum impedimento legal estranho à alçada do tribunal, o acórdão da Relação esteja em contradição com outro acórdão da Relação relativamente à resolução de alguma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação, sem que tenha aderido a alguma uniformização já estabelecida (STJ 24-11-16, 574/15). É claramente o que ocorre em matéria de procedimentos cautelares, atento o art. 370º, n.º 2 (STJ 11-11-14, 542/14), ou em sede dos processos de jurisdição voluntária, quando esteja em causa um juízo de oportunidade (art. 988º, n.º 2, a contrario). Em tais circunstâncias, apesar de, em regra, estar vedado o recurso de revista, este é admitido com aquele fundamento, solução que encontra justificação na necessidade de superar a referida contradição jurisprudencial.

(…)

Mas a norma da al. d) também não é clara quanto ao restante condicionalismo, ou seja, quanto à exigência de que o valor do processo exceda a alçada do tribunal a quo (ou que o valor da sucumbência supere metade dessa alçada). Apesar da modificação estrutural face ao que estava previsto no art. 678º do CPC de 1961, formou-se um largo consenso doutrinal e jurisprudencial no sentido de que a admissibilidade do recurso à luz deste preceito excecional não dispensa em caso algum (diferentemente das als. a) e c)) as exigências previstas no n.º 1 quanto ao valor da causa e da sucumbência»7.

Por força deste entendimento é manifesto que a «admissibilidade do recurso à luz do art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC não prescinde da verificação dos pressupostos gerais da recorribilidade em função do valor da causa e da medida da sucumbência, pelo que só é admissível recurso para o STJ com o fundamento especial ali previsto, quando o mesmo seja vedado por motivo exclusivamente alheio à alçada do tribunal recorrido e, cumulativamente, quando o valor da causa o permita em termos gerais»8.

Assim sendo, para além de não se mostrar, em abstrato, vedado o recurso ao STJ, a verdade é que, sendo o valor da indemnização de apenas € 6.000,00, é manifesto que a medida da sucumbência é inferior a metade do valor da alçada da Relação pelo que, em consequência, o recurso interposto não é admissível, ao abrigo do disposto no artigo 629.º, n.º 1 e 671.º, ambos do Código de Processo Civil.

B. Da ofensa do caso julgado

15. Em face do supra exposto, a única questão de que cumpre conhecer, nos presentes autos, é a da ofensa de caso julgado, invocada pelo recorrente.

*

Vem, assim, o recorrente AA alegar que o acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em ... de ... de 2024, violou o caso julgado que havia sido formado pelo acórdão desse Tribunal, datado de ... de ... de 2023.

A fim de averiguar se tal ofensa teve, ou não, lugar, importa debruçarmo-nos sobre o concreto conteúdo das decisões em causa.

O acórdão do Tribunal da Relação de Évora de ... de ... de 2023 versou sobre a segunda decisão proferida pela 1.ª instância, tendo concluído que esta havia violado o dever de acatamento do acórdão anteriormente prolatado por esse Tribunal, padecendo, ainda, de nulidade, por omissão de pronúncia e insuficiência da fundamentação de facto.

Nesse aresto pode, então, ler-se que:

«- Da invocada nulidade por omissão de pronúncia e falta de fundamentação

O Acórdão sob recurso foi proferido na sequência do Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de ... de ... de 2022 que, conhecendo do recurso interposto do Acórdão proferido em ... de ... de 2022 entendeu ter este incumprido o dever de enumerar, como provados ou não provados, os factos da contestação ao pedido de indemnização civil entendidos como relevantes para a estratégia da defesa e para a boa decisão da causa, como lhe ordena o normativo do nº 2 do artº 374º do CPP, o que, face ao disposto nas alíneas a) e c) do nº1 do artº 379º do mesmo diploma legal, acarreta a sua nulidade e determina a prolação de novo Acórdão, expurgado do apontado vício, decidiu “ Anular o Acórdão recorrido, que deverá ser substituído por outro que colmate a lacuna apontada, decidindo em conformidade”.

E consta do referido Acórdão proferido neste Tribunal da Relação em ... de ... de 2022: “Compulsados os autos, verifica-se que em ... de ... de 2022 foi apresentada contestação quer quanto à acusação, quer quanto aos pedidos de indemnização civil deduzidos, expressa em 86 (oitenta e seis) artigos, admitida por despacho de ... de ... de 2022.

Ora, dispõem os artigos 374º e 379º do CPP:

Artigo 374.º

“Requisitos da sentença

1 - A sentença começa por um relatório, que contém:

(…)

d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.

2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

(…)“

Artigo 379.º

“Nulidade da sentença

1 - É nula a sentença:

(…)

c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º”.

Do que se vem expondo, e atentando no disposto no artigo 368.º, n.º 2, do CPP, é inequívoco que o tribunal deve pronunciar-se sobre o alegado na contestação com interesse para a decisão, não sendo lícito ao tribunal, porque resultaram provados os factos da acusação, não se pronunciar sobre os factos e/ou o mais alegado na contestação, seja com que argumento for.

Com efeito, os factos alegados na contestação deveriam ter sido levados em conta na enumeração dos factos provados ou não provados, pois que, naturalmente, foram entendidos pelo apresentante como factos relevantes para a sua defesa e para a decisão da causa.

Mas, não obstante existir tal contestação constata-se que no Acórdão, além de não se fazer a indicação sumária das conclusões contidas na contestação, em violação do disposto na alínea d) do nº1 do art.374º do CPP, certo é que nenhum dos factos alegados consta no rol dos factos provados ou no rol dos factos não provados.

E esta elencagem o tribunal recorrido não fez, de todo em todo, olvidando que a estratégia da defesa tem de ser respeitada, pois que, como refere o recorrente, uma mera remissão “(…) in totum e pela negativa, no âmbito do elenco dos factos não provados é inadmissível do ponto vista legal (…), sendo que, como decidido no Ac. do STJ de ...-...-2019 (Revista n.º 1316/14.4...-A.P1.S2, disponível em www.dgsi.pt) e citado pelo recorrente, “(..) a remissão genérica para a factualidade invocada nos articulados do processo, não permite a imediata e exigível compreensão e apreensão dos factos que a sentença considerou não provados, pois implica uma indagação analítica e especiosa sobre quais são os factos não provados, com referência à formulação “todos os demais alegados que contrariem ou acima expostos” e “uma deficiente ou obscura alusão aos factos provados ou não provados pode comprometer o direito ao recurso da matéria de facto e, nessa perspectiva, contender com o acesso à Justiça e à tutela efectiva, consagrada como direito fundamental no art. 20.º da Constituição da República”.

Como tal, ao não dar como provados, ou não provados, aqueles factos da contestação, o tribunal a quo não deu cumprimento ao art° 374°, n° 2, do C.P.P., abstendo-se de conhecer questões de que devia conhecer, omissão de pronúncia que é violadora também do art° 379º, nº1, als.a) e c) do C.P.P., o que demanda que o Acórdão sob recurso esteja ferido de nulidade.

“O tribunal, como resulta nomeadamente do disposto nos artigos 339.º, n.º 4, 368.º, n.º 2, e 374.º, n.º 2, do CPP, deve indagar e pronunciar-se sobre todos os factos que tenham sido alegados pela acusação, pela contestação ou que resultem da discussão da causa e se mostrem relevantes para a decisão. Ou seja, ainda que para a solução de direito que o tribunal tem como adequada para o caso, se afigure irrelevante a prova de determinado facto, o tribunal não pode deixar de se pronunciar sobre a sua verificação/ não verificação — o que pressupõe a sua indagação —, se tal facto se mostrar relevante num outro entendimento jurídico plausível.

É que em impugnação por via de recurso pode vir a ser considerado pelo tribunal ad quem que o facto sobre o qual o tribunal a quo especificadamente não se pronunciou por entender ser irrelevante, é afinal relevante para a decisão, o que determinará a necessidade de novo julgamento, ainda que parcial, com todas as maléficas consequências consabidas.

“Sejamos claros: indagam-se os factos que são interessantes de acordo com o direito plausível aplicável ao caso; dão-se como provados ou não provados os factos conforme a prova produzida” (cfr. Sérgio Poças, in REVISTA JULGAR, Da Sentença Penal – fundamentação de facto, 2007, pg 24 e sgs).

Não devem restar quaisquer dúvidas que o tribunal indagou e se pronunciou sobre todos os factos relevantes para a decisão, designadamente os alegados pela defesa.

A questão da exigência de enumeração dos factos provados e não provados não pode ser vista como uma mera formalidade formal, trata-se sim de uma garantia, designadamente para os sujeitos processuais, de que o tribunal, num processo equitativo, teve em atenção de igual modo, os factos, as provas e os argumentos da acusação e da defesa, e indagou e apreciou todos os factos.

E não tendo tal enumeração sido feita pelo tribunal recorrido, ficou limitado o direito da defesa do arguido, na medida em fica restringido o âmbito do recurso, porquanto tais factos não constam da matéria de facto (provada ou não provada), tornando-se naquela parte insindicáveis.

E estipula a lei que a sanção para este vício é a nulidade da sentença, atento o disposto no artigo 379º, n.º 1, alíneas a) e c) do CPP.”

O tribunal de recurso identificou as “questões concretas” a suprir, delimitando, desta forma o objeto do novo Acórdão a proferir que, devendo pronunciar-se sobre os pontos da matéria de facto identificadas, daí deveria extrair as necessárias consequências.

Todavia, visto o Acórdão agora recorrido, verifica-se que não foi devidamente cumprido o determinado.

Com efeito, o que se verifica é que, além de haver factos da contestação ao pedido de indemnização civil sobre os quais não há pronúncia, há pronúncia sobre alguns outros ainda que sem sistematização, numa amálgama, e continua a fazer-se remissão, pela negativa, no âmbito do elenco dos factos não provados.

Do que se vem expondo, é inequívoco que o tribunal recorrido devia ter decidido em conformidade com o determinado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido em ... de ... de 2022, e não o fez devidamente.

Está consagrado pelas leis de processo e de organização judiciária um dever de acatamento por parte dos tribunais inferiores das decisões proferidas em via de recurso pelos tribunais superiores, segundo o qual aqueles ficam subordinados à decisão do tribunal superior no âmbito do processo em que a decisão é proferida.

É o que resulta nomeadamente do disposto no artigo 4º da Lei da Organização do Sistema judiciário, donde emerge com clareza “o dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores”.

O mesmo princípio foi de igual modo consagrado no Estatuto dos Magistrados Judiciais, conforme o seu art. 4º, n.º 1.

Em consequência, o não acatamento pelos Tribunais inferiores das decisões dos Tribunais superiores quando proferidas em via de recurso e estejam transitadas em julgado, constitui nulidade insuprível.

Assim, no caso dos autos, tendo a Relação, conhecendo do recurso anterior, e decidido nos termos supra expostos, cumpria à primeira instância obedecer, o que não fez devidamente.

Se o tribunal a quo deixa de equacionar a questão determinada, ocorre pois omissão de pronúncia, o que constitui nulidade da sentença, de conhecimento oficioso, nos termos do artº 379º, nº 1, alínea c), do CPP. […]». (destaque nosso)

Considerou, assim, o Tribunal que «além de haver factos da contestação ao pedido de indemnização civil sobre os quais não há pronúncia, há pronúncia sobre alguns outros ainda que sem sistematização, numa amálgama, e continua a fazer-se remissão, pela negativa, no âmbito do elenco dos factos não provados».

Entendeu, deste modo, o Tribunal da Relação que a decisão proferida era nula, nomeadamente na parte respeitante à pronúncia e sistematização dos factos invocados em sede de contestação ao pedido de indemnização civil.

Para melhor compreensão do acórdão do Tribunal da Relação, ora transcrito, cumpre realçar os termos constantes da decisão proferida pelo Juízo Central Criminal de ..., datada de ... de ... de 2023 (2.º acórdão), na parte relativa ao elenco dos factos não provados, alegados pelo recorrente em sede de contestação, onde se pode ler que:

«2. FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provou que

Os factos que constam do pedido de indemnização civil que acima não se encontram provados ou que não tem qualquer relevância para o processo.

Os factos que constam da contestação ao pedido de indemnização civil apresentado pelos Demandantes (alínea D) que acima não se encontram provados, nomeadamente:

O arguido em momento algum pretendeu ameaçar ou causar medo e receio nos demandantes, sendo que apenas se dirigiu àqueles por pretender apenas que lhe fosse efetuado o pagamento dos valores corretos pelo término do seu contrato;

O demandado apenas pretendia falar com o demandante BB e foi com esse intuito que se dirigiu aquele local.

A intenção do demandado naquele dia quando se deslocou ao armazém onde ocorreram os factos era apenas e somente entregar à Demandante CC as contas que a sua contabilidade efetuou de fecho de contrato e que não coincidiam com os valores que a contabilidade dos Demandantes tinha a pagamento.

O demandado e demandante trocaram algumas palavras antes da ocorrência da referida agressão.

A primeira agressão foi por parte do demandante BB que começou por desferir um soco na cara do demandado e o agarrou pelos colarinhos enquanto agredia o demandado com a outra mão na cabeça e face provocando o hematoma que se verifica em fls. 183 dos autos

Se alguém naquele momento temeu pela sua integridade física foi o demandado que se viu sozinho no armazém com o demandante BB, desconhecendo quem mais poderia estar no armazém e como tal sentiu-se numa situação de inferioridade, tornando-se uma pessoa particularmente indefesa perante tais agressões, motivo pelo qual levou de forma involuntária e instintiva a mão ao bolso direito e tirou o canivete com que costuma andar por força do seu trabalho (para abrir as caixas de papelão).

A intenção do demandado era apenas afastar e assustar o demandante BB, até porque a referida "faca" encontrava-se danificada e era de muito pequena dimensão pois a sua finalidade era apenas a de abrir caixas e cortar plásticos das paletes.

O facto praticado pelo demandado (agarrar na faca de trabalho e atingir o demandante BB) foi, naquele momento, de forma involuntária e irrefletida, um meio necessário, e o único possível, na óptica do demandado, para fazer com que o demandante BB deixasse de o espancar, evitando, assim, a sua provável morte

Ou seja, face às circunstâncias de tempo, modo e lugar, utilizar a sua faca de trabalho foi o único meio que o demandado representou como o possível e inevitável para evitar a sua morte, perante a violência que o demandante BB estava a cometer sobre ele;

As demais alegações da contestação ao pedido de indemnização civil são ainda mais conclusivas, repetidas ou de mera negação de factos que acima resultaram provados.»9.

Tendo os autos baixado à 1.ª Instância, novamente, na sequência do segundo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora [de ...-...-2023], o Juízo Central Criminal ... reformulou a fundamentação de facto (3.º acórdão proferido), com vista a suprir o vício apontado de insuficiência da mesma, sendo certo que, quanto à seleção factual que ora se transcreveu, a mesma se manteve inalterada.

Contudo, e perante a imutabilidade da decisão, o Tribunal da Relação de Évora concluiu diferentemente, tendo considerado que a mesma não padecia de qualquer vício, nomeadamente de omissão de pronúncia. Assim, por acórdão proferido a ... de ... de 2024, o Tribunal da Relação de Évora considerou, perante o mesmo elenco de factos não provados, que:

«No que concerne à invocada nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia cabe assinalar que a sentença só tem que se pronunciar sobre matéria relevante para a decisão da causa. A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido.

O Tribunal deve resolver todas que as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (a não ser aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras), todavia, como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir (vide, por todos, Ac. do STJ de .../.../2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e Ac. do STJ de .../.../2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).IMP

E, no que concerne à invocada nulidade da sentença por falta de fundamentação e exame crítico da prova dir-se-á que a fundamentação da sentença, princípio com assento constitucional em que se inscreve a legitimidade do exercício do poder judicial (art. 205º da CRP), traduz-se na obrigatoriedade de o tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão, cominando a lei a sua omissão ou grave deficiência com a nulidade. Por isso, todas as decisões proferidas no processo – que não sejam de mero expediente, isto é, que decidam qualquer questão que se suscite ou seja controvertida – devem ser sempre fundamentadas e o seu alcance deve ser percetível para os respetivos destinatários e demais cidadãos. A garantia de fundamentação é, assim, indispensável para que se assegure o real respeito pelo princípio da legalidade da decisão judicial, o dever de o juiz respeitar e aplicar corretamente a lei seria afetado se fosse deixado à consciência individual e insindicável do próprio juiz.

A fundamentação adequada da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projeção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão; em outra perspetiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos – para reapreciar uma decisão o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo.

E é compreensível que a lei determine, taxativamente, os requisitos gerais a que, especialmente, a sentença se encontra sujeita, por ser o ato decisório por excelência, o que conhece, a final, do objeto do processo e, por isso, se reveste de crucial importância porque é através dele que, particularmente o arguido, mas também os demais sujeitos processuais, ficam a saber se foi proferida uma decisão absolutória ou condenatória e, neste caso, qual a medida concreta da pena.

Assim é que o art. 374º do CPP, sobre a epígrafe “Requisitos da sentença”, estabelece a estrutura a que deve obedecer a sentença – relatório, fundamentação e dispositivo – e o seu n.º 2, quanto à respetiva fundamentação, especifica o seu concreto conteúdo, impondo que dele conste «uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».

Mas, por outro lado, se, como se assinalou, todas as decisões devem ser sempre fundamentadas, também é consensual que, contra o sustentado pelo recorrente, só importa o esgrimido vício a ausência completa de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, não a sua motivação deficiente ou errada.

O arguido/recorrente em várias conclusões do recurso invoca a nulidade da decisão recorrida, nos termos dos artigos 379º, n.ºs 1, al. a), e c) e 2, e 374.º, n.º 2, do CPP, dizendo, em síntese que o Tribunal omitiu pronúncia sobre factos que considera relevantes e que não fundamentou a decisão em segmentos que refere, sendo certo, porém, que o alegado visará tão só os meios de prova de que o Tribunal a quo se socorreu para considerar assente o acervo factual, de que discorda, alegando que o tribunal não o justificou devidamente.

Sucede que a omissão de pronúncia apenas existe quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões, de facto ou de direito, com incidência ou impacto direto na decisão, o que significa que o tribunal não está obrigado a pronunciar-se sobre factos irrelevantes para a boa decisão da causa, mas apenas sobre os factos que, tendo sido alegados, se revelem essenciais para a caracterização do crime e suas circunstâncias juridicamente relevantes, que influenciem na determinação da medida da pena..

Ora, sendo este o alcance do dever de pronúncia, não se vislumbra qual a pertinência ou mais-valia de fazer constar do inventário dos factos provados (ou dos não provados) os pretendidos pelo arguido/recorrente e referidos nas conclusões do recurso.

Analisando a decisão recorrida constatamos não só a inexistência de omissão de pronúncia como também que a convicção adquirida pelo tribunal a quo se mostra suficientemente fundamentada, suportada pelos meios de prova que como relevantes e credíveis foram considerados na motivação, apresentando-se como plausível e conforme com as regras da experiência comum, não se vislumbrando, pois, no juízo alcançado pelo tribunal qualquer atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque a fundamentação do Acórdão tem suporte na regra estabelecida no art. 127º do CPP.

É, pois, por demais patente que a alusão ao vício da nulidade em questão é completamente despida de sentido: o vício decorrente da falta da sua fundamentação da decisão não a afeta, porquanto, sem margem para dúvidas, a mesma explicita, abundante e claramente, as razões pelas quais, após o exame crítico da prova produzida, os julgadores formaram a sua convicção para terem por adquirida a matéria de facto enunciada na decisão e questionada pelo recorrente.

Lendo o texto da decisão, para além dos factos apurados permitirem ao tribunal proferir uma decisão (o que mostra a sua suficiência), não se deteta qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão (nem sequer foi exposto qualquer raciocínio ilógico ou contraditório na fundamentação que apontasse para decisão contrária à da condenação do arguido/recorrente), sendo certo que a apreciação feita pelo tribunal não contraria as regras da experiência comum e tão pouco evidencia qualquer erro de que o homem médio facilmente se desse conta.

Conforme já referido, o tribunal não está vinculado a emitir juízo de prova sobre todos os factos alegados mas apenas sobre os que possuam relevância para a decisão a proferir.

A propósito da estrutura da sentença, o artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal estabelece que ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Por sua vez, o artigo 379.º, n.º 1, alínea a), seguinte dispõe que a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 do artigo 374.º é nula.

Como assinala a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, a omissão de referência à não valoração de determinadas provas por não terem relevância, não retira à sentença a sua validade e eficácia, sendo certo que redundaria numa enorme desproporção cominar com a sanção da nulidade, a omissão de qualquer referência a um meio de prova, quando este nem tem qualquer virtualidade para alicerçar seja que juízo for, acerca da demonstração dos factos objecto de um processo, sendo totalmente indiferente, por irrelevante, para a descoberta da verdade e boa decisão da causa. Tal solução constituiria um atentado intolerável aos princípios da economia processual, da proibição da prática de atos inúteis e da segurança jurídica.

O artigo 374.º, n.º 2, do CPP impõe que o tribunal examine criticamente as provas que serviram para formar a sua convicção quanto aos factos provados e não provados.

O recorrente limita-se a afirmar a «falta de exame crítico», sem indicar as provas e os correspondentes factos em relação aos quais se verifica tal falha.

Concluindo: no Acórdão recorrido estão expostos fundamentos suficientes que explicam o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação da prova, a razão pela qual a convicção do tribunal se formou no sentido da culpabilidade do arguido.

Da leitura do mesmo, designadamente da parte da fundamentação, alcança-se, pois, que, contrariamente ao alegado, o Tribunal a quo enunciou os factos provados e não provados e não só elencou todas as provas em que se baseou, como indicou os motivos de credibilidade das mesmas. Tudo isto constando da motivação, da qual resulta percetível o raciocínio lógico que levou o Tribunal a considerar provados os factos.

Seguidamente, consta do Acórdão recorrido a subsunção dos factos ao direito, após o que foi determinada a sanção.

Assim, conclui-se que o Tribunal “a quo” examinou, pois, toda a prova produzida na audiência, e verifica-se ter a mesma sido valorada e apreciada em obediência aos critérios legais, mostrando-se examinada de forma suficientemente detalhada e crítica, razão pela qual há que concluir que não se verificam as alegadas omissão de pronúncia e falta de fundamentação e exame crítico da prova, não padecendo o Acórdão recorrido da invocada nulidade.

Termos em que, neste particular, improcede o recurso.» (destaque nosso)

Ora, estabelece o artigo 620.º do Código de Processo Civil que:

«1 - As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.

2 - Excluem-se do disposto no número anterior os despachos previstos no artigo 630.º.»

Decorre, assim, do presente normativo que as decisões que respeitem às questões de caráter processual têm força obrigatória dentro do processo, formando, assim, caso julgado formal, pelo que não poderão ser objeto de modificação, em momento posterior.

Desta forma, o caso julgado formal refere-se à inimpugnabilidade de uma decisão no âmbito do mesmo processo, pelo que o mesmo ocorrerá «quando a decisão se torna insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicati). O caso julgado formal respeita, assim, a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito.»10.

Assim, «o caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material, restringe-se às decisões que apreciam matéria de direito adjetivo, produzindo efeitos limitados ao próprio processo e, ainda assim, com algumas exceções, designadamente a que decorre do art. 595.º, n.º 3, quanto à apreciação genérica de nulidades e exceções dilatórias»11.

Diferentemente, o caso julgado material respeita à decisão sobre o mérito do processo, impedindo que possa haver uma repetição do julgado, seja em sentido idêntico, seja contraditório. Deste modo, «[o] caso julgado material tem duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva (autoridade de caso julgado) e uma função negativa (exceção do caso julgado).

(…) A exceção dilatória do caso julgado destina-se a impedir uma nova decisão inútil e pressupõe o confronto de duas ações (uma delas transitada) e uma tripla identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.

(…) A autoridade de caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material já definida numa decisão transitada seja apreciada de forma diferente noutra decisão, com ofensa da segurança jurídica, e pressupõe a vinculação de um tribunal posterior a uma decisão anterior.»12.

Ora, no caso dos presentes autos deparamo-nos com duas decisões efetivamente contraditórias do Tribunal da Relação de Évora. Assim, perante uma determinada seleção da matéria de facto, em particular no que respeita ao elenco e sistematização dos factos alegados pelo recorrente na contestação ao pedido de indemnização civil, foi proferido acórdão, transitado em julgado, em que se decidiu que esse segmento decisório era nulo, por omissão de pronúncia, ordenando-se à 1.ª instância que reformulasse o seu acórdão, em conformidade.

Resulta assim que, de forma algo surpreendente, o Tribunal da Relação inverte o seu entendimento afirmando, precisamente perante o mesmo conteúdo decisório [pois que, como se explanou supra, apenas a fundamentação da matéria de facto foi objeto de alteração, por parte do Juízo Central Criminal ..., a fim de se corrigir o vício de insuficiência da matéria de facto], que este já não padece da nulidade que havia, anteriormente, declarado.

Se o Tribunal da Relação considerou, num primeiro momento, ainda que implicitamente, que os factos omitidos pelo tribunal de 1.ª instância eram relevantes, e que, por esse motivo, a ausência de pronúncia acerca dos mesmos era geradora da nulidade da decisão, por omissão de pronúncia, não poderá, em momento posterior, sob pena de incompreensível contradição, afirmar o seu contrário.

Tal decisão, sendo definitiva, forma caso julgado dentro do processo. Em face do teor de tal aresto, fica consolidado nos presentes autos que se exige, face ao objeto do processo, uma pronúncia expressa acerca da factualidade omitida.

Não se vislumbra de que modo, perante o mesmo elenco de matéria fáctica, o Tribunal pode vir, posteriormente, contradizer a decisão transitada em julgado que havia proferido primeiramente, não acautelando, deste modo, os valores da segurança jurídica e da certeza do direito de decisão por ele mesmo proferida.

O arguido tem, em face das decisões pretéritas do Tribunal da Relação, a legítima expectativa que, sobre os factos já descritos nos autos, recaia um juízo decisório expresso do tribunal de 1.ª Instância, no sentido de os incluir no elenco dos factos provados ou dos não provados. Dir-se-á, mesmo, que apenas perante essa expressa decisão de facto, poderá o arguido validamente reagir, querendo, impugnando a matéria de facto.

Assim, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação, a ... de ... de 2023, transitada em julgado, tem força obrigatória dentro do presente processo, a isso obstando que, perante uma situação precisamente idêntica, aquela possa ser alterada13. A segurança jurídica e a legítima expectativa dos intervenientes processuais não se compadecem com a incompatibilidade decisória constante dos presentes autos, em que uma decisão que era nula, por omissão de pronúncia, deixa de o ser, por mero decurso do tempo, aquando da sua reapreciação pelo mesmo tribunal14.

Nesta medida, e uma vez que versa sobre a mesma concreta questão processual, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora a ... de ... de 2024 viola o caso julgado formal.

Assim, em consequência do exposto, e nos termos do artigo 625.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, decide-se que o acórdão recorrido seja, nessa parte, desconsiderado, cumprindo-se a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora a ... de ... de 2023, no segmento em que declarou a nulidade do acórdão de 1.ª instância, por omissão de pronúncia, determinando-se a baixa dos autos em conformidade, para os respetivos efeitos.

16. Em face da precedente decisão, fica prejudicada a apreciação das inconstitucionalidades invocadas pelo recorrente.

III. Decisão

Por tudo quanto se expôs, acordam os juízes Conselheiros desta secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- não admitir o recurso interposto pelo arguido-demandado AA no tocante às questões de nulidades do acórdão recorrido, dado que o valor da indemnização é de € 6.000,00, e a medida da sucumbência é inferior a metade do valor da alçada da Relação, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 629.º, n.º 1 e 671.º, ambos do CPC, não sendo admissível, nessa parte, o recurso interposto, não pode conhecer-se de tais questões;

- julgar parcialmente procedente o recurso do arguido-demandado AA, anulando-se o acórdão recorrido, na parte em que existe violação de caso julgado, a fim de ser oportunamente determinada a baixa dos autos à 1.ª instância, para se observar o decidido pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora de ... de ... de 2023, no segmento em que declarou a nulidade do acórdão de 1.ª instância de ...-...-2023, por omissão de pronúncia.

- não tomar conhecimento, por prejudicadas, das questões de inconstitucionalidade suscitadas.

Sem custas.

*

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, data e assinaturas supra certificadas

Texto elaborado e informaticamente editado, e integralmente revisto pelo Relator, sendo eletronicamente assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos (art. 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)

Os juízes Conselheiros

Jorge dos Reis Bravo (relator)

Agostinho Torres (1.º adjunto)

Jorge Gonçalves (2.º adjunto)

__________________________




1. Nos termos do artigo 44.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, a alçada dos tribunais de 1.ª instância é de € 5.000,00, sendo a da Relação de € 30.000,00.

2. Neste sentido, Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Lisboa, Ediforum, 5.ª ed., p. 1141.

3. Acórdão do STJ de 02-02-2023, processo n.º 2485/19.2T8STS.P1.S1, rel. Cons. Rijo Ferreira, disponível em:  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c87140324ba9117c8025894b004eee91?OpenDocument.

4. Acórdão do STJ, de 30-03-2023, processo n.º 202/14.2TBBAO-M.P1.S1, rel. Conselheira Maria José Mouro, disponível emhttps://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1f1a2dedeaacdace80258982004be9e4?OpenDocument.

5. Neste sentido, entre outros, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-04-2020, processo n.º 405/06.3TBMNC-C.G1.S1, rel. Conselheira Catarina Serra, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cd98c38070f88b4e802586250052f36e?OpenDocument onde consta que «[t]endo o recurso sido interposto ao abrigo do fundamento especial previsto no art. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC (a ofensa do caso julgado), o objecto do recurso terá se se circunscrever à questão de saber se ocorre a alegada ofensa do caso julgado.»

6. Acórdão do STJ, de 20-05-2015, processo n.º 321/12.0YHLSB.L1.S1, rel. Conselheiro Granja da Fonseca, disponível em  https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c7a68a20f183a7b680257e4b00545292?OpenDocument.

7. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, 2022, pp. 813 e 814.

8. Acórdão do STJ de 13-10-2020, processo n.º 32/18.2T8AGD-A.P1-A.S1, rel. Conselheiro Fernando Samões, disponível em: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1093d14ca913315f8025862d00434143?OpenDocument.

Neste sentido, ainda, entre outros, o Acórdão do STJ, de 11-01-2017, processo n.º 810/13.9TBLSD-L.P1-A.S1, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque, não publicado, em cujo sumário se pode ler que «A admissão de recurso de revista com fundamento no disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, exige, para além da oposição de julgados, que o valor do processo ultrapasse o valor da alçada da Relação», bem como o Acórdão do STJ de 11-01-2017, processo n.º 217/19.4T8PFR.P1-A.S1, relatado pelo Conselheiro Raimundo Queirós, não publicado, em cujo sumário se pode ler que «A admissibilidade do recurso de revista por via do disposto no art. 671.º do CPC e do art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC, não prescinde dos requisitos gerais de admissibilidade, designadamente da alçada».

9. Encontra-se assinalado a negrito a factualidade acrescentada pela 1.ª instância, na sequência da primeira anulação, por omissão de pronúncia, determinada pelo Tribunal da Relação de Évora a 22-11-2022.

10. Acórdão do STJ de 20-10-2010, processo n.º 3554/02.3TDLSB.S2, rel. Conselheiro Santos Cabral, disponível em: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/7A5EC29D348534AB80257885004DC331.

11. Acórdão do STJ de 1-04-2024, processo n.º 1610/19.8T8VNG.P1.S1, rel. Conselheiro Nelson Borges Carneiro, disponível em: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cb9583125d0cc62b80258afc004cdfc9?OpenDocument.

12. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-01- 2018, processo n.º 1610/19.8T8VNG.P1.S1, relatado pelo Cons. Pedro Lima Gonçalves, disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2024/06/sumarios-civel-2015.pdf.

13. Veja-se o acórdão do STJ de 24-09-2015, processo n.º 213/12.2TELSB-F.L1.S1-5, rel. Conselheiro Francisco Caetano, cujo sumário se encontra disponível em https://www.pgdlisboa.pt/docpgd/files/1475854925_Ac._STJ_de_24-09-2015.pdf, onde se pode ler que: «uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa conheceu em recurso e por acórdão transitado em julgado da decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal que declarou o processo de excepcional complexidade, não poderia o mesmo tribunal e no mesmo processo e perante idêntico quadro factual e jurídico, pronunciar-se em novo acórdão em sentido contrário, somente porque a questão fora suscitada por outro arguido».

14. Conforme consta do Acórdão do STJ de 09-07-2015, processo n.º 62/11.5TBSTS.P1.S1, rel. Conselheiro Álvaro Rodrigues, cujo sumário se encontra disponível em: https://stjpt.sharepoint.com/sites/stj/Seco%20Civel/SeccoesCiveis/sumarios-civel-2015.pdf, no qual se pode ler: «III. Tendo a Relação proferido, no âmbito do mesmo processo, duas decisões, uma confirmando a decisão da 1.ª instância no sentido da inadmissibilidade de um articulado superveniente apresentado na fase da audiência de julgamento (que transitou em julgado) e outra revogando esse despacho e determinando a sua substituição por outro que admita tal articulado, verifica-se existir violação de caso julgado formal.

IV - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar; aplicando-se igual princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual – art. 625.º do NCPC.