Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1956/18.2PBAVR-A.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JOÃO RATO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
CONSTITUIÇÃO OBRIGATÓRIA DE ADVOGADO
PERDÃO
AMNISTIA
INCONSTITUCIONALIDADE
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :

I – O pedido de revisão de sentença condenatória pode ser formulado em requerimento subscrito apenas pelo condenado, sem necessidade de adesão ou ratificação do respetivo defensor, conforme decorre do teor literal do artigo 450º, n.º 1, al. c), do CPP.


II – A eventual desconformidade constitucional do artigo 2º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, que estabeleceu um perdão de penas e de amnistia de infrações, quanto ao respetivo âmbito subjetivo de aplicação, não integra qualquer dos fundamentos de revisão previstos nas alíneas f) e g) do n.º 1 do artigo 449º do CPP.


III - Tão pouco pode nessa sede apreciar-se a questão da conformidade constitucional da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, por exorbitar o respetivo objeto e a sua aplicação caber ao tribunal da condenação, nos termos do seu artigo 14º, sem prejuízo, como ali também se assinala, de o requerente lhe dirigir pedido de concessão do perdão ou amnistia nela previsto, precisamente com base na desconformidade constitucional da limitação do respetivo âmbito subjetivo, a que se poderão seguir recursos ordinários ou diretos para o Tribunal Constitucional, pelo condenado ou pelo Ministério Público, consoante o sentido da decisão judicial que sobre ele recair.

Decisão Texto Integral:

Proc. n.º 1956/18.2PBAVR-A.S1


(Recurso de revisão)


Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório


I. 1. O arguido/condenado AA veio, em 7.11.2022, em requerimento por si manuscrito e subscrito (registado como entrada n.º .....05), interpor o presente recurso extraordinário de revisão da sentença do Juízo Local Criminal de ... – . ., do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, de 4.10.2021, transitada em julgado em 7.04.2022, nos termos dos artigos. 449º, n.º 1, als. f) e g), 450º, n.º 1, al. c), e 451º, todos do Código de Processo Penal (CPP), do seguinte teor (transcrição da versão composta em letra de imprensa pela secção de processos do STJ, sem indicação da páginas, rubricas e assinatura):


«Tribunal Judicial da


Comarca de Aveiro


Juízo Central Criminal da ...


J... .


Processo Comum (Tribunal Singular)


Nº 1956/18.2PBAVR


Dirigido Senhor(a) Meretíssimo(a) Juiz(a) de Direito


1


Eu AA


Detido no Estabelecimento Prisional de ...


Venho por este meio escrito e com o máximo devido respeito me pronunciar em relação aos autos acima mencionados no qual fui condenado a uma pena de prisão de 1 ano e 7 meses efectiva.


2


Venho eu próprio pedir o Recurso Extraordinário de Revisão da Sentença tal como me permite o artigo 450º nº 1 alínea c) do Código Processo Penal.


Os fundamentos e admissibilidade do recurso Extraordinário de Revisão são aqueles que estão previstos no Artigo 449º Código Processo Penal.


1. A revisão de sentença transitada em julgado e admissível quando:


F – Seja declarada pelo Tribunal Constitucional a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de contudo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação.


G) Uma Sentença vinculada do Estado Português, proferida por uma Instância Internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves duvidas sobre a sua justiça.


3


Venho ao abrigo de todas as prerrogativas de Direito que a lei processual me faculta.


Em relação a Aministia dada pelo Governo.


Lei nº 38 – A/2023 de 02 de Agosto do Perdão e Amenistia de Penas de Prisão pois esta Amenistia dos 16 aos 30 anos seja inconstitucional, pois revela uma grande discriminação, além de violar o Direito da Constituição da Republica Portuguesa.


Segundo informações que tenho procurado tive o conhecimento de que na Declaração Universal dos Direitos do Homem que todos Assinarão com a organização das Nações Unidas, A ter em conta os seguintes Artigos.


Artigo nº 1


Todos os seres humanos nascem livres e iguais em Dignidade e de Direitos. Dotados de razão e de convergência, Deve Ajir uns para com os outros em espírito de fraternidade.


Artigo nº 2


Todos os seres Humanos podem Invocar os Direitos e as liberdades proclamadas na Presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de Língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem Nacional ou social, De fortuna, de Nascimento ou de qualquer outra situação.


Artigo 6º


Todos os indivíduos tem direito ao reconhecimento em todos os lugares da sua personalidade jurídica.


Artigo 7º


Todos são iguais perante a Lei, sem Distinção tem direito a igual proteção da Lei. Todos tem Direito a proteção igual contra qualquer Discriminação que viole a presente declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação


Artigo nº 8


Toda a pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições Nacionais competentes contra os Actos que violem os Direitos fundamentais reconhecidos pela Lei ou pela constituição


4


O crime no qual foi condenado de um furto qualificado na pena de 1 ano e 7 meses de Prisão efetiva; e abrangido pela Lei nº 38 – A-2023 de 2 de Agosto do Perdão e Amenistia de Penas de Prisão.


Pois este Perdão e Amenistia dos 16 aos 30 anos, seja inconstitucional, Alem de violar o Direito da constituição da Republica Portuguesa, na Declaração Universal dos Direitos do Homem que todos Assinaram com a organização das Nações Unidas, pelos 7 artigos que são invocados.


5


Assim certo do vosso melhor Acolhimento Envio os meus respeitosos cumprimentos ficando Aguardar a vossa melhor atenção para o Assunto em referencia.


Atenciosamente com os meus melhores cumprimentos


Peço deferimento


AA»


I. 2. O Ministério Público no tribunal recorrido, por requerimento de 21.12.2023 (referência ...50), respondeu ao recurso do condenado, pugnando pela sua liminar rejeição, por não verificação de qualquer dos respetivos fundamentos taxativamente previstos no artigo 449º, n.º 1, do CPP, e, subsidiariamente, pela sua negação, por não padecer de inconstitucionalidade o perdão de penas e amnistia de infrações estabelecido na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, nomeadamente em função do âmbito subjetivo definido no seu artigo 2º.


I. 3. Por sua vez, a juíza titular no Juízo Local Criminal de ... – . ., em despachos de 10.11.2023 (referência .......57) e de 27.12.2023 (referência .......65), exarou a seguinte informação e ordenou a remessa do processo a este Tribunal instruído com os elementos referidos no artigo 451º, n.º 3, do CPP:


«O arguido tem legitimidade para interpor recurso de revisão (alínea c) do n.º 1 do artigo 450.º do Código de Processo Penal) relativamente à sentença proferida nos autos.


O fundamento do recurso consiste na pretensão da declaração de inconstitucionalidade da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto – relativamente à qual o Tribunal Constitucional não se pronunciou, pelo que não estará verificado o pressuposto da alínea f) do artigo 449.º do Código de Processo Penal.


De todo o modo, seguindo a jurisprudência do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-03-2009 (relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Simas Santos), haverá que admitir liminarmente o requerimento.


*


Não existindo diligências a realizar, notifique o Ministério Público para exercer resposta nos autos (n.º 1 do artigo 454.º do Código de Processo Penal)».


*


«Não havendo necessidade de realizar quaisquer diligências, determino que se remeta o presente apenso ao Venerando Supremo Tribunal de Justiça, nos termos previstos no artigo 454.º do Código de Processo Penal.


Consigno que no despacho de 10.11.2023 já consta informação sobre o mérito do pedido [não se verifica nenhum dos fundamentos taxativos do recurso de revisão previstos nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, mormente o da alínea f)].


Notifique».


I. 4. Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público, em 10.01.2023, emitiu o seguinte parecer (referência ......19), que se transcreve, expurgado do respetivo relatório:


«(…)


Questão-Prévia.


Rejeição do Recurso.


A)-Falta de Patrocínio.


1


Atente-se que o requerimento de interposição do presente recurso de revisão foi manuscrito e assinado pelo próprio recorrente, não estando subscrito também por defensor.


2


Assim, sendo obrigatória a assistência de defensor nos recursos ordinários ou extraordinários, deve o presente recurso ser rejeitado (cfr, arts. 64º/1-e), 414.º n.º 2 e 420.º n.º 1 b) do Código de Processo Penal).


*


B)-Improcedência manifesta.


3


Vem o recorrente, ao abrigo da invocada disposição do art. 449º/1-e) do Código de Processo Penal, formular o pedido de revisão da sentença que o condenou nos termos expostos, alegando, em síntese:


A …inconstitucionalidade da norma constante do n.° 1 do artigo 2.° da Lei n.° 38-A/2023, de 2 de Agosto, que prevê um perdão de penas e amnistia de infracções por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude – na síntese formulada pelo Ministério Público na 1ª instância.


4


Ou seja:


O que o recorrente pretende é que no processo em causa seja aplicado à sua condenação na pena de 01 ano e 07 meses de prisão o perdão previsto na referida L-38-A/2023.


5


É claro, porém, que tal pretensão deverá ser formulada em requerimento dirigido ao Juiz titular do PCS 1956/18.2PBAVR, sendo que, no caso de indeferimento, poderá interpor recurso ordinário para o competente Tribunal da Relação e, eventualmente (se suscitar de forma relevante e oportuna a questão da constitucionalidade da norma em questão), para o Tribunal Constitucional.


6


Donde, o presente recurso não se adequa minimamente ao modelo processual-penal e etiológico da revisão, que pressupõe, pois, logicamente, que a causa petendi (e o consequente pedido) se insira numa das típico-legalmente pressupostas na disposição do art. 449º/1 do Código de Processo Penal, nomeadamente a relativa à alínea f), o que, manifestamente, não ocorre.


7


Isto é:


O presente recurso de revisão carece de objecto processual-penalmente relevante, pelo que deverá ser rejeitado também por esta via, por ser manifestamente infundado (cfr, arts. 414º/2, 420º/1-a) e b) e 449º/1 do Código de Processo Penal)


III


Em síntese:


É obrigatório o patrocínio-forense no recurso de revisão; A falta de patrocínio implica a rejeição do recurso.


O pedido de declaração de um perdão legal de pena aplicada por sentença-criminal não é fundamento do recurso de revisão (cfr, o art. 449º/1 do Código de Processo Penal);


Interposto tal recurso com esse fundamento, deve o mesmo ser rejeitado por ser manifestamente improcedente.


II


Em conclusão:


Motivo por que o Ministério Público dá Parecer que:


Deve ser rejeitado o presente recurso de revisão(…)».


I.6. Na sequência do despacho de 10.01.2024 (referência ......36), observou-se o contraditório relativamente ao parecer do Ministério Público, mas o recorrente, por si ou por intermédio da sua defensora, nada veio acrescentar.


I. 6. Colhidos os vistos e submetidos os autos à Conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. Fundamentação


II. 1. Persistindo embora alguma controvérsia acerca da sua verdadeira natureza – pedido de anulação/ação de impugnação ou verdadeiro recurso1 – a revisão criminal é hoje reconhecida no nosso ordenamento jurídico como direito/garantia fundamental de reação a decisões penais (condenatórias) transitadas (gravemente) injustas, consagrado no artigo 29º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa (CRP)23, a que, em cumprimento do correspondente mandato constitucional, o Código de Processo Penal (CPP) dá execução nos artigos 449º a 466º, perspetivando-a como medida excecional ou extraordinária e, por isso, circunscrita às situações e aos fundamentos aí taxativamente previstos, assumindo uma interpretação restritiva de tal preceito constitucional, em atenção à necessária concordância prática entre a certeza e segurança jurídicas reclamadas pela dignidade da pessoa e pelo Estado de Direito em que se baseia a República Portuguesa e a verdade histórica e justiça material que deles igualmente dimanam, nos termos dos artigos 1º e 2º da CRP4.


Trata-se de um procedimento bifásico – a fase rescindente e a fase rescisória – a primeira a decorrer perante o STJ no sentido de admitir ou não a revisão, e a segunda perante o tribunal da condenação, tendo sido favorável ao pedido a decisão do STJ, para “julgamento novo sobre os novos elementos5.


II. 2. O caso que nos ocupa encontra-se naquela primeira fase e tem em vista verificar se ocorrem ou não os fundamentos invocados pelo requerente, tal como resultam do requerimento de recurso acima transcrito, do qual, apesar da ausência de conclusões ou da sua confusão com a respetiva motivação, é possível compreender a pretensão nele formulada, assim se dispensando qualquer convite no sentido da respetiva apresentação ou aperfeiçoamento, sob pena de rejeição, como sucederia noutro qualquer recurso, uma vez que, como é pacífico, são elas que delimitam o respetivo objeto6.


*


II.3. Antes do mérito do recurso, impõe-se apreciar a questão prévia suscitada pelo Ministério Público junto deste Tribunal quanto à obrigatoriedade de patrocínio por advogado e da sua rejeição, na sua falta, nos termos dos artigos 64º, n.º 1, al. e), 414º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP.


O recorrente, de facto, interpôs o presente recurso de revisão da sentença de 4.10.2021 (cfr. ata de leitura com a referência .......22), proferida no processo n.º 1956/18.2PBAVR, do Juízo Local Criminal de ... – . ., do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, transitada em julgado em 7.04.2022, que o condenou na pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, pela prática, em coautoria e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1, e 204º, n.º 1, al. b), do Código Penal (CP).


Fê-lo através de requerimento por si subscrito e manuscrito, sem ratificação ou adesão expressa de advogado, nomeadamente da defensora que se encontra nomeada naquele processo, de que este constitui apenso, à qual, de resto, já foi dado conhecimento da sua pendência, por ocasião da notificação do parecer do Ministério Público, para eventual exercício do contraditório.


Encontra-se, pois, assistido por advogado, em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 61º, 64º e 66º, n.º 4, do CPP.


Por outro lado, conforme resulta do artigo 63º, n.º 1, do mesmo código “o defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que esta reservar pessoalmente a este”, acrescentando o seu artigo 450º, n.º 1, al. c), que “tem legitimidade para requerer a revisão (…) o condenado ou o seu defensor, relativamente a sentenças condenatórias”.


Do teor literal destes últimos preceitos, acentuado pela conjunção “ou”, resulta inequívoco caber ao condenado, aqui requerente, não apenas legitimidade, mas poder de, por si próprio, ou, em alternativa, por intermédio de defensor, requerer a revisão da sentença condenatória7, o que, pese embora o seu caráter excecional, se compreende também em função da antes assinalada incerteza sobre a natureza jurídica da revisão.


Improcede, pois, esta questão prévia


*


II. 4. Vejamos então se os fundamentos do recurso, tal como apreensíveis do correspondente requerimento, se integram ou não em qualquer dos fundamentos da revisão, legal e taxativamente previstos no citado artigo 449º, n.ºs 1, als. a) a g), e 2, do CPP, nomeadamente nas alíneas f) e g), que nele expressamente se mencionam.


Como patenteia o requerimento de recurso, o condenado não questiona a justiça da sua condenação, pelo que é de concluir não pretender rever a sentença condenatória sob esse prisma.


Apesar da referência expressa às alíneas f) e g) do n.º 1 do artigo 449º do CPP, o recorrente não identifica, nem elas existem, qualquer decisão do Tribunal Constitucional que tenha declarado com força obrigatória geral norma de conteúdo que lhe seja menos favorável e tenha servido de fundamento à sua condenação, ou sentença vinculativa do Estado Português, proferida por instância internacional, inconciliável com a sua condenação ou apta a suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.


O que ele verdadeiramente questiona é o âmbito subjetivo de aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, que estabeleceu um perdão de penas e de amnistia de infrações, definido pelo seu artigo 2º, n.º 1, segundo o qual apenas “estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados (…), por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto (…)”, estatuição que considera desconforme com o princípio da igualdade e violadora de direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de que transcreve algumas normas, fundamentos que, sem necessidade de outras considerações, não se integram em qualquer das referenciadas alíneas f) e g) do n.º 1, do artigo 449º do CPP.


Tão pouco pode nesta sede, como bem salienta o Ministério Público, na resposta e parecer acima parcialmente transcritos, apreciar-se a questão da conformidade constitucional da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, por exorbitar o respetivo objeto e a sua aplicação caber ao tribunal da condenação, nos termos do seu artigo 14º8, sem prejuízo, como ali também se assinala, de o requerente lhe dirigir pedido de concessão do perdão ou amnistia nela previsto, precisamente com base na desconformidade constitucional da limitação do respetivo âmbito subjetivo, a que se poderão seguir recursos ordinários ou diretos para o Tribunal Constitucional, pelo condenado ou pelo Ministério Público, consoante o sentido da decisão judicial que sobre ele recair


*


Assim, sendo inviável enquadrar o caso sub judice em qualquer das restantes hipóteses previstas no elenco taxativo dos fundamentos da revisão constante do artigo 449º, n.º 1, prevenindo a obrigação do seu conhecimento oficioso, como parece defender João Conde Correia, in ob. e loc. cit., forçoso é concluir pela absoluta falta de fundamento da pretendida revisão e, em consequência, denegá-la9.


III. Decisão


Em face do exposto, acorda-se em negar a revisão requerida pelo condenado AA, por manifesta falta de fundamento, nos termos do artigo 455º, n.º 3, do CPP.


*


Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC, acrescida do pagamento da quantia de 10 UC (artigos 456º do CPP e 8º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).


Lisboa, d. s. c.


(Processado e revisto pelo Relator)


João Rato (Relator)


Jorge Gonçalves (1º adjunto)


Orlando Gonçalves (2º adjunto)


Helena Moniz (Presidente da Secção)





______________________________________________

1. No sentido de que não se trata de um recurso, mas antes de ação de impugnação ou pedido de anulação de decisão anterior transitada em julgado, cfr. José Manuel Damião da Cunha, in “Recurso Extraordinário de Revisão – Algumas Especificidades de Regime e de Tramitação”, e Germano Marques da Silva, in “Recurso Extraordinário de Revisão em Processo Penal”, pp. 70 e ss. e 92 e ss., respetivamente, do Livro Digital “Processo Penal – Recursos”, que recolheu as intervenções do Colóquio realizado no Supremo Tribunal de Justiça, no dia 22 de maio de 2022, editado em Julho de 2023 e integrado na Coleção Livros Digitais do Supremo Tribunal de Justiça, acessível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2023/10/livro-digital-coloquio-processo-penal-2022.pdf.

No sentido de que se trata de um verdadeiro recurso extraordinário, tal como o CPP o acolhe e regula no Capítulo II do Título II do Livro IX, parece inclinar-se Pereira Madeira, em anotação ao artigo 449º, in “Código de Processo Penal Comentado”, de António Henriques Gaspar, et all.,3ª Edição Revista, Almedina 2021.

Também assim o Conselheiro Orlando Gonçalves, in “As Especificidades do Recurso Extraordinário de Revisão de Sentença Penal”, igualmente recolhido no acima referenciado Livro Digital “Processo Penal – Recursos”, pp. 108 a 117.↩︎

2. À semelhança do que também o artigo 4º, n.º 2, do Protocolo n.º 7 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) prevê.↩︎

3. Como se lhe referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação ao citado artigo, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4ª edição revista, Coimbra Editora 2007, e João Conde Correia, in “O «Mito do Caso Julgado» e a Revisão Propter Nova”, pp. 541 e ss. 1ª Edição, Coimbra Editora 2010, obra igualmente relevante para melhor conhecer e compreender a origem, natureza, evolução e âmbito de aplicação da revisão a nível internacional e nacional.

Sobre a origem e evolução da revisão criminal e a sua configuração atual pode ver-se ainda, com interesse e vasta resenha doutrinal e jurisprudencial, o acórdão do STJ, de 11.10.2023, proferido no processo n.º 1991/18.0GLSNT-C.S1, relatado pelo Conselheiro Pedro Branquinho Dias, disponível em https://www.dgsi.pt.↩︎

4. Perspetiva que João Conde Correia, in ob. e loc. cit., analisa criticamente, parecendo mesmo considerar que a lei ordinária não cumpriu cabalmente o referido mandato constitucional.↩︎

5. Palavras de Pereira Madeira in ob. e loc. cit.↩︎

6. Cfr. artigos 412º e 451º, n.º 2, do CPP e, na doutrina e jurisprudência, as correspondentes anotações de Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, de António Henriques Gaspar et al., 2021 - 3ª Edição Revista, Almedina, e João Conde Correia, in ob. e loc. cit., pp. 547 e 548, que, apesar de também ele considerar a revisão como “uma verdadeira ação de anulamento”, admite que lhe sejam aplicáveis os requisitos de ordem formal resultantes do artigo 412º do CPP. Todavia, parece entender que o STJ pode e deve apreciar ex officio qualquer situação fundamentadora da revisão não alegada pelo requerente.↩︎

7. Como, de resto, já foi reconhecido pelo STJ, nos acórdãos de 12.03. e 12.10.2020, proferidos nos processos n.ºs 244/03.3GTAVR-A.S1 e 122/18.1GBILH-B.S1, relatados pelos Conselheiros António Gama e Helena Moniz, respetivamente, ambos disponíveis em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎

8. Neste sentido, vide acórdãos do STJ, de 27.09.2023, 19.12.2023 e 31.01.2024, proferidos nos processos n.ºs 179/22.0PSLSB.S1, 417/22.0JGLSB.L1:S1 e 2540/22.1JAPRT.P1.S1, relatados pelos Conselheiros Maria do Carmo Silva Dias, Pedro Branquinho Dias e o aqui relator, respetivamente, os dois primeiros disponíveis no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/ e o terceiro ainda inédito.↩︎

9. Importa aqui consignar que, em face da sua ostensiva improcedência, o pedido de revisão só não foi liminarmente rejeitado, por decisão sumária do relator, em virtude do entendimento constante do STJ, de que o despacho judicial que o admitiu dá conta, no sentido de a decisão que a conceder ou negar ter de ser tomada em conferência pelas secções criminais, nos termos do artigo 455º, n.º 3, do CPP, podendo interpretar-se neste sentido também o acórdão desta mesma secção criminal, de 23.11.2023, proferido no processo n.º 1337/03.2PKLSB-B.S1, relatado pelo Conselheiro Agostinho Torres, disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎