Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
Relator: | ISABEL PAIS MARTINS | ||
Descritores: | RECURSO PENAL COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA NULIDADE OMISSÃO DE PRONÚNCIA HOMICÍDIO QUALIFICADO HOMICÍDIO PRIVILEGIADO EXEMPLOS-PADRÃO ESPECIAL CENSURABILIDADE ESPECIAL PERVERSIDADE CULPA EXIGIBILIDADE DIMINUÍDA PENA DE PRISÃO BEM JURÍDICO PROTEGIDO VÍTIMA UNIÃO DE FACTO DOLO ILICITUDE IMAGEM GLOBAL DO FACTO PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL QUANTUM INDEMNIZATÓRIO | ||
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Data do Acordão: | 02/05/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA. DIREITO PROCESSUAL PENAL - SENTENÇA - RECURSOS. | ||
Doutrina: | - Comissão Revisora do Código Penal, de 17 de Março de 1966, Acta n.º 20, de 13 de Dezembro de 1989, da Comissão de Revisão, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Rei dos Livros, p. 188 e ss., - Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime., Aequitas, Editorial Notícias, p. 228, 241; Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial; Comentário Conimbricense ao Código Penal, Coimbra Editora, Tomo I, 2.ª edição, pp. 29-30, em anotação ao artigo 132.º, p. 47 e ss., §§ 12, 19, pp. 55 e 59, § 4, p. 83; em anotação ao artigo 133.º§§§ 4, 22, 23 e 24, pp. 83, 92-93; «Sobre o Estado Actual da Doutrina do Crime» Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 2, Fasc.1, Janeiro-Março de 1992, Aequitas, Editorial Notícias,p. 14; Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pp. 88 e ss., 105, 109. - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, anotação 4 ao artigo 133.º, p. 409, anotação 14 ao artigo 133.º, p. 411. - Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, pp. 58 e ss., 127. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 374.º, N.º 2, 379.º, N.º 1, ALÍNEA C), PRIMEIRO SEGMENTO, 420.º, N.º 1, ALÍNEA A), 434.º. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.ºS 1 E 2, 71.º, N.º2, 72.º, 131.º, 132.º, N.ºS1 E 2, AL. B), 133.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 16/06/2011, PROCESSO N.º 600/09.3JAPRT.P1.S1. | ||
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Sumário : | I - A nulidade por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixe de apreciar questões que devesse apreciar, nomeadamente, o crime ou crimes imputados na acusação ou na pronúncia ou um circunstancialismo relevante para a boa decisão da causa alegado na contestação. O recorrente, na contestação, limitou-se a oferecer o merecimento dos autos. II - Por isso, o acórdão recorrido não patenteia qualquer omissão sobre factos relevantes para a boa decisão da causa porque elencou os factos provados constantes da acusação e do pedido cível decidindo as questões a eles relativas. Averiguar se da audiência resultaram provados factos que o tribunal desconsiderou, não os dando como provados ou como não provados, pressupõe um efectivo conhecimento amplo em matéria de facto, que coube à Relação exercer, mas que não se contém nos poderes de cognição do STJ. III - O homicídio qualificado do art. 132.º do CP resulta de a morte ter sido produzida em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade, fornecendo o legislador um enunciado, meramente exemplificativo (técnica dos exemplos-padrão), de circunstâncias cuja verificação nem sempre se revela qualificadora. Desencadeado o efeito-padrão, pela verificação de uma circunstância prevista no n.º 2 do art. 132.º do CP, o tribunal não está dispensado de ponderar pela existência de uma especial censurabilidade ou perversidade, se não existem circunstâncias especiais no facto ou na pessoa do agente capazes de substancialmente revogar o efeito de indício do exemplo-padrão. IV - O privilegiamento do homicídio deriva de uma sensível diminuição da culpa, a qual constitui o denominador comum às 4 circunstâncias enunciadas no art. 133.º do CP, todas elas com o efeito de conformar uma exigibilidade diminuída de comportamento diferente. VI - A discussão, por várias horas, entre o arguido e a vítima (sua companheira com quem mantinha uma relação análoga à dos cônjuges), acompanhada de confrontos físicos, recíprocos, conforma uma situação adequada, segundo as regras da experiência comum, a gerar no arguido um estado de enervamento e irritação. Mas esta situação não atingiu uma gravidade tal capaz de gerar no arguido um forte estado de afecto emocional adequado a afectá-lo no cumprimento das suas normais intenções ou que aquelas circunstâncias fossem aptas a que o arguido ficasse «fora de si» e matasse (por estrangulamento) a companheira. Os factos provados não suportam a tese de privilegiamento do homicídio nem são adequados a afastar o efeito de indício do exemplo-padrão da al. b) do n.º 2 do art. 132.º do CP. VII - Nos crimes de homicídio, as exigências de prevenção geral positiva são sempre intensas porque a violação do bem jurídico vida é, em geral, fortemente repudiada pela comunidade. Mas quando o homicídio, como acontece no caso, é uma expressão de violência exercida contra a mulher, no contexto de uma relação matrimonial (ou análoga), as exigências de prevenção geral são, ainda, acrescidas, em virtude da consciencialização comunitária dos fenómenos de violência de género e da ressonância fortemente negativa que adquiriram. VIII - Face à factualidade dada como provada, a morte da vítima apresentar-se-á como um acto isolado de expressão de extrema violência mas sem correspondência nas normais manifestações do arguido, considerando-se ajustada à culpa do arguido e às exigências de prevenção a pena de 16 anos de prisão, em vez da oena de 18 anos de prisão aplicada pelo tribunal de 1.ª instância e mantida pelo Tribunal da Relação. IX - O recorrente não impugna a decisão do Tribunal da Relação, apenas afirma que os montantes fixados a título de indemnização civil são exagerados, reproduzindo a motivação que já fizera constar do recurso interposto para a Relação, sem nada lhe acrescentar. Julgado pela Relação, o recurso interposto da decisão proferida em 1.ª instância, o recorrente, inconformado com a decisão da Relação, no recurso para o STJ, já só pode impugnar a decisão da Relação. O recurso só pode ter por objecto a reapreciação, em outro grau, de questões decididas pela instância inferior, pelo que deve o recurso ser rejeitado, nos termos do art. 420.º, n.º 1, al. a), do CPP. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça
I
1. No processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, do 2.º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de ..., sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, o arguido AA, ..., no mais devidamente identificado nos autos, preso preventivamente à ordem destes autos, no Estabelecimento Prisional Regional de Leiria, imputando-lhe a prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal. 2. BB e CC, formularam pedido de indemnização cível contra o arguido AA, no sentido de este ser condenado a pagar-lhes: € 1042,10, de indemnização por danos patrimoniais, para ressarcir as despesas do funeral da sua filha DD; € 75 000,00, para cada um dos lesados, a título de compensação por danos não patrimoniais, traduzidos no profundo desgosto e saudade que sentem da sua filha, em resultado do crime de homicídio praticado pelo arguido e de que resultou a morte da mesma; e € 200 000,00, a título de compensação pela perda do direito à vida. 3. Realizada a audiência de julgamento, por acórdão proferido a 20 de Janeiro de 2014, foi decidido: – julgar a acusação provada e procedente e, em consequência, condenar o arguido AA, como autor material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e n.º 2.º, alínea b), do Código Penal, na pena de 18 anos de prisão; – julgar o pedido cível formulado pelos lesados BB e CC parcialmente provado e procedente e, em consequência, condenar o responsável civil AA a pagar àqueles lesados as seguintes quantias: – € 75 000,00, pela perda do direito à vida de DD; – € 25 000,00 à lesadaBB e – € 25 000,00 ao lesado CC, a título de compensação por danos próprios emergentes do desgosto e sofrimento que sentem pela perda da sua filha; e – absolver o mesmo responsável civil do remanescente do pedido. 4. O arguido, inconformado, interpôs recurso para a relação e, por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25 de Junho de 2014, foi decidido negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e manter o douto acórdão recorrido. 5. Na sequência, veio o arguido AA interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões (transcrição ipsis verbis): «1.- O presente recurso vem interposto do douto acórdão que confirmou a decisão da primeira instância que condenou o recorrente por um crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131º e 132º n.º 1 e n.º 2 al. b) do C. Penal na pena de 18 anos de prisão, bem como manteve o montante indemnizatório em que foi condenado; «2.- Atenta a limitação legal do presente recurso à matéria de direito, conforme estatui o artigo 434º do CPP, porém, não pode a defesa deixar de invocar que o acórdão recorrido persiste na nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, al. c) do CPP. «3.- O douto Tribunal recorrido considerou que não se verifica a nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, al. c) do CPP invocada pelo arguido, porquanto considerou que não acrescentaria nada à defesa aditar aos factos dados como provado alguns pormenores dessa versão, que resulta até prejudicada dos factos dados como provados, designadamente os pontos 7 a 34, 40 e 41, «4.- Acrescentando o acórdão recorrido que tendo o arguido limitado-se a oferecer o merecimento dos autos na contestação e não tendo suscitado em audiência qualquer questão que tivesse ficado sem decisão, não se verifica a invocado omissão de pronúncia. «5.- Com todo o respeito por mais douta opinião, considera-se que o Tribunal “a quo”, não avaliou, nem decidiu correctamente a nulidade invocada, já que não obstante toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento e demonstrada em sede de recurso sobre a matéria de facto para o Tribunal da Relação de Coimbra, este Tribunal a quo não os analisou, nem se pronunciou sobre os mesmos, não vertendo esses factos para os factos provados ou não provados, como podia e devia fazer conforme estatui o artigo 431º, als. a) e b) do CPP. «6.- Contrariamente ao referido naquele acórdão recorrido tal matéria acrescentaria muito à defesa do arguido porquanto se trata de matéria relevante para a decisão da causa, designadamente para a subsunção jurídica e para a determinação da medida concreta da pena, até porque a o Tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que, mesmo não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do arguido. «7.- Sendo tais circunstâncias inquestionavelmente relevantes para a decisão, o Tribunal recorrido tinha de expressamente pronunciar-se sobre ela e não é pelo facto de não ter sido expressamente alegada na contestação que altera a substância das coisas, como aliás, tem vindo a ser decidido por esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça. «8.- O cumprimento do artigo 374.º, n.º 2 não impõe a enumeração dos factos provados e não provados que sejam irrelevantes para a caracterização do crime e/ou para a medida da pena mas essa irrelevância deve ser vista com rigor em função do factualismo inerente às posições da acusação e da defesa e bem assim aos contornos das diversas possibilidades de aplicação do direito ao caso concreto – seja quanto à imputabilidade, seja relativamente à qualificação jurídico-criminal dos factos, seja quanto às consequências jurídicas do crime, designadamente quanto à espécie e medida da pena –, tendo em conta os termos das referidas posições assumidas pela acusação e pela defesa e os poderes de cognição oficiosa que cabem ao tribunal. «Já que em sede de recurso pode vir a ser considerado pelo Tribunal ad quem que o facto sobre o qual o Tribunal recorrido não se pronunciou por entender ser irrelevante, é afinal relevante para a decisão, o que determinará a necessidade de novo julgamento, ainda que parcial. «9.- O Tribunal recorrido tinha de indagar os factos que são interessantes de acordo com o direito plausível aplicável ao caso, dão-se como provados ou não provados os factos conforme a prova produzida. «A pronúncia deve ser inequívoca: em caso algum pode ficar a dúvida sobre qual a posição real do tribunal sobre determinado facto, no caso em apreço, não há pronúncia expressa, já que o Tribunal recorrido limitou-se a dizer que tal factualidade nada acrescentaria à defesa; «10.- O que não é verdade, já que da prova produzida nos autos, nomeadamente em sede de julgamento, e submetida ao escrutínio do Tribunal da Relação de Coimbra, ficou demonstrado que o arguido era agredido psicologicamente e fisicamente pela companheira DD, «11.- Da prova documental e pericial carreada para os autos resulta que no dia dos factos o arguido apresentava lesões físicas e que no local havia sangue do arguido no chão e no sofá. «Não obstante toda esta prova pericial nem o tribunal da 1ª Instancia, nem o Tribunal recorrido se pronunciou sobre tal matéria, não vertendo esses factos para os factos provados ou não provados, «12.- O que ao contrário do referido no douto arresto recorrido tal matéria é essencial à defesa do arguido, por ser de vital importância, designadamente, para o Tribunal aferir o estado de espírito, aferir se alguma emoção e que tipo e intensidade dominou ou não o arguido no momento da pratica dos factos, «13.- Pois, só dessa forma poderá determinar a culpa, fazer a subsunção dos factos ao direito e determinar a medida da pena. «No arresto recorrido foram considerados irrelevantes factos como: «- O arguido era agredido pela DD, com nomes, chapadas, arranhões; «- Na quinta-feira anterior aos factos o arguido tinha sido agredido pela vítima, tendo o ora recorrente sido visto por várias pessoas (que foram ouvidas como testemunhas) com arranhões na cara e pescoço; «-Cerca dez e meia, foram ao café onde a DD trabalhava, beberam café e estiveram com os amigos. «- Foram convidados para ir jogar matraquilhos para a Associação da terra. «- O arguido declinou o convite, sendo que DD ficou aborrecida, «- Tendo o arguido referido, “Olha, se quiseres vai tu”, sendo que a DD também não quis ir sem a companhia do arguido. «- Regressaram a casa, tendo a DD ficado aborrecida com o arguido; «- Ambos vestiram o pijama, tendo o arguido ficado deitado no sofá que fica de frente para a porta do quarto, com um cobertor por cima, a ver televisão. «- Decorrido algum tempo a DD levantou-se a abeirou-se do arguido dizendo: «“Então quer dizer, querias ir para a cama e agora estás aí no sofá a ver televisão?!”, “Também já não vês mais televisão”. «- E em acto contínuo arrancou a ficha que ligava a televisão à corrente eléctrica. «- Acto contínuo proferiu as seguintes expressões ao arguido: “Não vales nada, és uma merda,” «- Nesta sequência o arguido referiu “Mas tu estás a gozar comigo?”, “Começas assim vou-me embora para casa” «- Nesta sequencia a DD foi em direcção à porta que dá para a rua para fechar [a] porta à chave, tendo partido a chave, dizendo ao arguido: “Olha, estás a ver, já não sais de casa. Tens a porta fechada; a chave já se partiu”. «- Gerou-se uma discussão na sala e a DD agarra numa jarra e atirou-a em direcção ao arguido, só não tendo magoado porque o arguido se virou de costas. «- Não tendo conseguido atingir o arguido, a DD pegou num ferro de engomar tendo arremessado à cabeça do arguido, fazendo-lhe um golpe na testa que deitou sangue. «- Dirigiu-se de novo ao quarto de vestir para se calçar e DD, com o arguido de cócoras, arranhou-o na cara. «- Em consequência das agressões de que foi alvo o arguido apresentava as seguintes lesões ao exame objectivo: “Face: na metade esquerda da região frontal, escoriação obliqua infero-lateralmente, medindo 2 cms de comprimento; - escoriação aproximadamente longitudinal, na região naso-labial direita, medindo 2 cms de comprimento; - escoriação de formato curvilíneo de abertura superior, na face cutânea do hemilábio infeiror esquerdo medindo 05, x 0,3 cms; - escoriação na região nasolabial esquerda, obliqua infero-lateralmente medindo 3 cmx0,3 cm de comprimento cada; No Pescoço: - escoriação aproximadamente longitudinal, na face anterior do pescoço paramediana direita, medidno 2 cm x 0,3 cm, acima do qual se visualizam escoriação de forma irregular, medidno 05,x0,3 cm; - área escoriada, obliqua infero-lateralmente, na face Antero-lateral esquerda do pescoço, medidndo 5 cm x 0,2 cms. No Tórax: Região escapular esquerda, escoriação de formato irregular, medindo 0,5x0,3 cms. No membro superior direito: - escoriação no dorso da mão, ao nível do 1º espaço interdigital obliqua infero-lateralmente, medindo 1 cm de comprimento; - escoriação no dorso do 1º dedo (polegar), ao nível da falange distal, obliqua infero-medialmente, medindo 0,5 cm de comprimento; No membro superior esquerdo: - área escoriada no cotovelo, medindo 1,5 x 1 cm.. «- Na sala onde ocorreram os factos referidos, existiam vestígios de sangue compatíveis com o arguido. «14.- Assim, o acórdão recorrido ao não considerar a nulidade invocada e ao não se pronunciar sobre aquela matéria de facto – fosse nos factos provados, fosse nos factos não provados – não deu o Tribunal a quo integral cumprimento ao disposto no artigo 374.º, n.º 2 do CPP, «15.- Violou, assim o acórdão em crise, o disposto no artigo 374º, nº 2 e 379º, nº al. c) ambos do CPP, já que devia ter alterado a matéria de facto ou determinar a necessidade de novo julgamento, ainda que parcial – conforme estatuem os artigos 431º als. a) e b) e 426º, nº 1, ambos do CPP. «16.- Sem prescindir da invocada nulidade, sempre se dirá que em ambas as instâncias recorridas foram considerados, apenas, como provados os factos transcritos no corpo desta motivação e que aqui se dá por integralmente reproduzido; «17.- Relativamente ao artigo 132º do CP, refere o Prof. Figueiredo Dias (Comentário Conimbricense ao Código Penal,, I, pág. 26) que “a qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados: a «especial censurabilidade ou perversidade» do agente”, conceitos a que se acede através de uma ponderação global das circunstâncias externas e internas presentes no facto concreto. «Porém, a ocorrência dos exemplos padrão consignados no número 2 do artigo 132º do CP, não determina, por si só e automaticamente, a qualificação do crime, como, aliás, resulta das exposição de motivos da Proposta de Lei que procedeu à 21.ª alteração ao Código Penal, as circunstâncias não são definidas de forma taxativa, correspondendo antes a exemplos padrão, e não são de funcionamento automático, estando sujeitas a apreciação em concreto». «18.- A qualificativa da al. b) do nº 2 do artigo 132º do CP pelo qual foi condenado o recorrente, foi recentemente introduzido naquele preceito, tem a ver com o facto deste viver em condições análogas à dos cônjuges com a DD. «Com o aditamento desta al. b), pretendeu o legislador, no desenvolvimento das suas opções sobre o fenómeno da “violência doméstica”, censurar de modo particular o homicídio entre cônjuges (e outras situações análogas), por entender que os particulares laços familiares estabelecidos entre eles, devem constituir um factor inibitório acrescido, que justifica uma censura especial, mais severa do que a dirigida ao homicídio comum. «19.- Com todo o respeito por melhor opinião, no caso em apreço, e sem prescindir no que se disse sobre a omissão de pronúncia e quanto à matéria de facto que devia ter sido dada como provada, não obstante demonstrou-se matéria susceptível de revogar o valor indiciário associado a este exemplo padrão. «20.- Da materialidade trazida aos autos, resulta que o arguido nesta relação análogas às dos cônjuges, foi várias vezes, agredido, pelo menos, com empurrões e arranhões pela DD, aliás como o próprio referiu: de vez em quando ela batia-me, andava todo arranhado; Estava cansado de ser maltratado, não aguentava mais; Foi fechado em casa pela DD para o impedir de sair com os amigos. «21.- E ficou demonstrado, pese embora não tenha sido sequer vertido nos factos dados como provados e não provados, que na noite do factos o arguido foi mais uma vez agredido, insultado e a chave da porta foi partida para o impedir de sair, quando ele no decurso da discussão anuncia que se vai embora; «O arguido foi, nesta relação análoga à dos cônjuges, vítima de violência doméstica, situação que escondeu e que não soube resolver, nem gerir, por isso ficou deprimido, tentou suicidar-se, alguns meses antes dos factos. «Não aguentou, ele próprio quando chegou ao Posto da GNR disse: “estou farto de ser rebaixado e envergonhado”. «22.- No caso em apreço, as discussões e agressões eram frequentes, como o arguido referiu em sede de julgamento, e não para se defender apenas, mas já como resultado do acompanhamento psiquiátrico que passou a receber no estabelecimento prisional. «23.- Como resultou da prova produzida em julgamento, o AA sofria calado, “voltava costas” quando era questionado sobre as marcas que apresentava, porque a vergonha era tanta que o impedia de falar e pedir ajuda. Andava triste, e os arranhões observados e relatados por diversas testemunhas evidenciavam que era agredido. «24.- Mas apesar de muita gente já ter percebido, ninguém veio em seu auxilio. «Porque a sociedade é dura, intransigente, inflexível, cheia de padrões e normas ocas: Um homem não é vítima, um homem não leva pancada, um homem não chora, um homem é macho. «25.- Aliás, nos presentes autos é notória a forma diferenciada de tratamento, pois, porque o arguido é homem, foi desvalorizado a violência doméstica de que foi vítima. «É notório que nem a primeira, nem a segunda instância Tribunais deram relevo ou qualquer valor às declarações do aqui recorrente relativamente aos maus tratos psicológicos e até físicos que o arguido revelou em sede de julgamento e na data dos factos quando se apresentou na GNR. «E como se disse, sobre a nulidade prevista no artigo 379º, nº 1 al. do CPP, nenhuma das anteriores instâncias valorou a prova pericial relativa ao arguido, designadamente, que: «O arguido na data dos factos foi submetido a exame médico-legal e apresentava as seguintes lesões físicas ao exame objectivo e que no exame biológico efectuado à sala onde ocorreram os factos existiam vestígios de sangue compatíveis com o arguido. «26.- De tal prova pericial conjugada com as declarações do arguido resulta que no dia dos factos, em quadro depressivo prolongado, as agressões, o fecho da porta, os arranhões na cara, levaram o arguido (como o próprio referiu diversas vezes) a entrar em desespero, a ficar cego de raiva, que o levou a reagir da pior forma! «Da materialidade apurada indubitável a verificação objectiva da alínea b) do nº 2 do artigo 132º do CP, o arguido vivia com a vítima em condições análogas à dos cônjuges. «Mas da factualidade exposta também se pode concluir, em concreto, pela verificação de um juízo de culpa especialmente agravado, decorrente da não inibição pelas contra-motivações éticas decorrentes relação análoga à dos cônjuges existentes. «27.-Escalpelizada toda a factualidade acima referida e que não foi objecto de pronúncia como acima se invoca, mas que resultou da prova produzida em sede de julgamento e da prova junta aos autos, encontramos subjacente à conduta do arguido uma motivação fundada que permite julgar "justificada" a extrapolação dos motivos inibitórios em causa na qualificativa em apreço. «28.- Ao contrário do afirmado no douto acórdão em crise, considera-se que a comprovação de facto das circunstâncias que preenchem um dos exemplos-padrão tem um efeito de indício da especial censurabilidade ou perversidade, foi todavia afastado pela verificação de outras circunstâncias que a anulam, quer dizer, num quadro de emoção violenta provocada por comportamentos de violência física e psicológica anterior e contemporânea dos factos por parte da companheira, diminuindo-lhe a capacidade de dominar a vontade e atenuando a consciência do carácter proibido da sua conduta, releva num sentido atenuativo da sua culpa. «Como resulta ainda que forma ténue da matéria assente nos pontos 4, 5, 6, 7, 67, 68 dos factos provados. «29.- Quer o Tribunal de 1ª Instância, quer o Tribunal ora recorrido além da omissão de pronúncia, não atentarem pelo menos nos factos dados como provados que o crime ocorre no decurso de uma discussão e desavença que se manteve durante horas, em que há maus tratos recíprocos e que o arguido apresentava já há algum tempo alterações emocionais. «30.- Tal factualidade conjugada com a demais prova produzida, mas omitida pelas instâncias, revelam que estamos em presença de homicídio simples e não qualificado, tendo o douto acórdão recorrido violado o disposto nos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2 al. b) do C P. «31.- Por outro lado, a reacção do arguido não resultou apenas e tão só de uma discussão com origem frívola, mas antes na sequência de uma briga violenta de horas, após a DD Começou-me a picar…a picar. Não é a picar-me, começa-me a dizer “Não vales nada, és uma merda, és isto, és aquilo”…e eu comecei…e ali comecei-lhe a dizer “Olha que eu vou-me embora de casa, olha que eu vou-me embora de casa”. Sei que ela foi em direito à porta para fechar a porta à chave…e onde partiu a chave…e disse para mim “Olha, estás a ver, já não sais de casa. Tens a porta fechada que a chaves já se partiu”. «E quando o arguido estava para sair de casa, a companheira agarrou uma numa jarra que estava em cima lá de um frigorifico e onde me tentou dar com ela, onde eu me virei de costas e acertou-me nas costas…pega lá num ferro também que estava lá à entrada lá da porta da sala e onde me deu com ele na testa…e aí é que eu comecei a ficar de uma maneira que eu disse “Mas ouve lá. Estás a gozar comigo? Eu quero-me ir embora de casa, não estou para isto, não estou para esta fantochada toda” ela vem por trás de mim e arranha-me todo…e eu ali parece que ceguei…não sei, não sei o que fiz. «32.- Dominado pelo desespero, por tamanha emoção, que ocorre após prolongada discussão (durante horas), com agressão verbal e física, num crescendo, que atinge o climax quando o arguido se preparava para sair de casa e deixar a DD, e esta também em desespero se atira à cara dele! «O sangue na cara que levaria a mais chacota, gozo por parte dos colegas e supostos amigos. Mais uma vez teria de suportar a perguntas sobre a origem de tais marcas, as indirectas!! “guerra dos gatos”, desencadearam tal emoção que o levou a reagir imediatamente, completamente toldado pela raiva e cólera. «Referindo o arguido nas suas declarações: Por ela também me ter dado com o ferro na cabeça, comecei a correr sangue da testa…fiquei de uma tal maneira…foi um momento…que se tivessem sido cinco, ou dez, ou quinze ou vinte…parece que estava de uma maneira que alagava tudo… «33.- Perante toda a prova produzida, sempre com todo o respeito por mais douta opinião, continua a considerar a defesa, tal como defendeu anteriormente, que estamos em presença de homicídio privilegiado, conforme dispõe o artigo 133º do C. Penal. «34.- Figueiredo Dias, no Comentário Conimbricense, ensina que o efeito diminuidor da culpa ficar-se-á a dever ao reconhecimento de que, naquela situação (endógena ou exógena), também o agente normalmente “fiel ao direito” (“conformado com a ordem jurídico-penal”) teria sido sensível ao conflito espiritual que lhe foi criado e por ele afectado na sua decisão, no sentido de lhe ter sido estorvado o normal cumprimento das suas intenções. «A compreensível emoção violenta pode definir-se como um forte estado de afecto, um relevante conflito interior, que desencadeia uma reacção agressiva, causado por uma situação pela qual o agente não pode ser censurado, e à qual o homem normalmente “fiel ao direito”, o homem médio portanto, não deixaria de ser sensível (cfr. Prof. Figueiredo Dias, ob. Cit., pág. 50). «O desespero consiste num estado de afecto relacionado com situações de angústia, depressão e revolta que, não raras vezes, se mantêm ao longo do tempo, aqui se incluindo os casos de humilhação prolongada. «35.- Terá necessariamente de se questionar como é que um homem gentil e afável, pacato, com boas relações interpessoais e sem problemas ao nível da sua inserção social (ponto 75 dos factos provados) poder ter perpetrado um acto com tais contornos que numa primeira análise se copulariam no âmbito do inexplicável à luz da experiência comum e do homem médio considerado pela ordem jurídica. «36.- O AA é um jovem homem, que nasceu e cresceu numa pequena aldeia, nas Aboboreiras, uma aldeia onde toda a gente se conhece e sabe da vida dos outros. «Aos 15 anos entrou no mundo do trabalho, na construção civil, foi na construção civil que terminou a formação da sua personalidade, sendo uma área fortemente masculina, nomeadamente, a nível do operariado (serventes, pedreiros, encarregados), de baixa escolaridade, onde a cultura do homem machão impera. Não se aceitam fracos e um homem que se deixa agredir por uma mulher é apontado como um fraco. Homem que é homem não se deixa bater. «Como resultou sobejamente demonstrado em sede de audiência de julgamento, o arguido já era questionado pelos sinais de agressão que apresentava na semana anterior, quer no trabalho, quer pela família e até pela mãe da companheira. Foi de ironias, nomeadamente, por parte da colega de trabalho da companheira. «A sua dignidade e amor próprio já estavam feridos e quando mais uma vez se vê com sangue na cara e depois arranhado, reage como animal ferido. «37.- Será ou não compreensível para o homem médio, o arguido ter sido tomado, dominado, obnubilado pela vergonha, pela humilhação, pelo desrespeito de mais uma vez ter sido agredido? Agressões que mais uma vez o marcaram na cara! «Obviamente que é patente a desproporção, mas não podemos deixar de dizer que é compreensível o estado de afecto que dominou o arguido naquele momento de verdadeira loucura que culminou em tamanha tragédia. «38.- Quando existam circunstâncias excepcionais que revelem uma imagem global do facto especialmente atenuada relativamente à normalidade dos casos previstos pelo legislador quando fixou a moldura penal abstracta, razões de justiça, eficácia e necessidade da punição exigem a aplicação de uma moldura penal menos severa, nisto se traduzindo a atenuação especial da pena (cfr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 302). «39.- Tal atenuação está prevista no art. 72º, nº 1, do C. Penal, o tribunal atenua especialmente a pena, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. «40.- No caso em apreço, todos os factos acima expendidos, relativos à violência de que foi vitima, o estado psíquico que apresentava o recorrente há vários meses, o meio sócio económico, a cultura machista que impera, terá sempre ser considerada como ofensa imerecida por parte da DD em relação ao arguido, que determinam a diminuição acentuada da culpa. «41.- Citando o Prof. Figueiredo Dias: toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2004, pág. 81). «42.- Na determinação da pena, o Tribunal atenderá a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal). «Como se disse e sem prescindir, o arguido foi acometido de uma emoção violenta, que surgiu em crescendo e atingiu o climax quando já se preparava para sair de casa e após várias horas de discussão e desavença. A raiva, a fúria que o atingiu não lhe permitiu qualquer momento de reflexão durante o decurso dos acontecimentos, contrariamente ao referido no douto acórdão recorrido. «43.- A confissão é uma circunstância que deve ser considerada favoravelmente, no caso, o arguido apresentou-se no Posto da GNR, foi ele que deu a notícia do crime, confessou o crime que cometeu, confissão que reiterou no julgamento, porém, tal atenuante foi desvalorizada no douto acórdão recorrido. «44.- Como resulta da decisão em crise, não ficou a mínima dúvida do arrependimento sincero do arguido e do seu sofrimento pela perda da companheira – cfr. dos factos provados os pontos 79, 80, 81, 82, 83 e 84; «45.- Por outro lado, a lei é geral e abstracta e a sociedade espera que para factos da mesma similitude haja a mesma mão da Justiça. «No decurso do mês de Dezembro de 2013 foi proferida sentença no processo 720/12.75 do Tribunal de Família e menores e Comarca de Vila Franca de Xira, por factos similares aos dos autos com a diferença é de que o fio era um atacador de sapato e o Tribunal entendeu não haver arrependimento por parte do arguido (ao contrario do caso dos autos), tendo aquele sido condenado a 17 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado nos termos do artigo 131º e 132º n.º 1 e 2 al. b). «46.- Para situações iguais, lei igual, o que não foi o caso. O excesso da medida da culpa resulta não só dos factos acabados de referir mas também porque foi muito além dos critérios jurisprudenciais usados em casos similares, veja-se neste sentido um estudo publicado pelo Venerando Juiz Conselheiro Sr. Dr. José Souto de Moura, em 26 de Abril de 2010, “A JURISPRUDÊNCIA DO S.T.J. SOBRE FUNDAMENTAÇÃO E CRITÉRIOS DA ESCOLHA E MEDIDA DA PENA”, onde revela que foi efectuado um estudo com recolha de elementos efectuada pela Assessoria a respeito ao crime de homicídio, “que poderíamos enquadrar na designação de crime passional, envolvendo homem e mulher (cônjuges, ex-conjuges, companheiros ou, de qualquer modo, casal relacionado amorosamente). «47- Da leitura deste estudo ressalta que a qualificativa entre cônjuges, na Jurisprudência em 56,10% dos casos é afastada! «As mulheres que matam são entendidas como possuídas de uma emoção violenta. «E a média das penas aplicadas para o homicídio qualificado é de 16,75 anos e de 11,25 anos para o homicídio simples. «48 - Devia o douto acórdão recorrido tido em conta os circunstancialismos previstos nas alíneas a) a d) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal, reduzindo-se substancialmente a pena aplicada ao recorrente. «49.-Ora o douto acórdão recorrido também não teve em atenção tais aspecto, pelo que violou o douto acórdão o disposto no art. 71º do C. Penal. «50. - Finalmente, no que toca ao pedido de indemnização cível o demandado entende serem exagerados os montantes arbitrados. «51. - Pelo que, procedendo o recurso, não poderão estes mesmos valores deixar de ser ajustados.» 6. Foi proferido despacho a admitir o recurso. 7. O Ministério Público respondeu ao recurso, no sentido de o mesmo não merecer provimento. 8. Remetidos os autos a esta instância, na oportunidade conferida pelo artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal[1], a Exm.ª Procuradora-geral-adjunta emitiu proficiente parecer no sentido de dever ser integralmente mantido o acórdão recorrido. 9. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, nada chegou aos autos. 10. Não tendo sido requerida a realização da audiência (n.º 5 do artigo 411.º do CPP) e não obstante o recurso ser de rejeitar, quanto a uma das questões colocadas, foi o julgamento do recurso remetido para a conferência (artigo 419.º, n.º 3, do CPP). Colhidos os vistos, com projecto de acórdão, realizou-se a conferência. Dos trabalhos da mesma procede o presente acórdão.
II
1. A fundamentação de facto do acórdão recorrido Os factos dados por provados no acórdão da 1.ª instância e que foram integralmente mantidos no acórdão recorrido, os quais se devem ter por definitivamente assentes por neles não se detectar vício de que cumpra oficiosamente conhecer, são os seguintes. «1. O arguido e a vítima DD, de 25 anos de idade, mantinham uma relação amorosa há cerca de seis anos; «2. E viviam juntos, na mesma casa e em comunhão de cama, mesa e habitação, em condições análogas às dos cônjuges desde, pelo menos, Dezembro de 2012; «3. Na ..., área desta comarca; «4. No dia 10 de Março de 2013, em hora não concretamente apurada, mas entre a 1h30m e as 2h30m, no interior daquela residência onde ambos habitavam, iniciou-se uma discussão entre o arguido e sua companheira DD; «5. Esta discussão manteve-se por várias horas; «6. No decurso da qual, o arguido e a vítima se atingiram e maltrataram, reciprocamente, nos respectivos corpos e saúde; «7. A determinada altura desta desavença e confrontos físicos, a hora que não foi possível apurar, o arguido tomou a resolução de matar a sua companheira DD. «8. Para o efeito e na concretização desse propósito, o arguido decidiu usar um cordel de nylon da cintura das calças de um fato de treino; «9. Que momentos antes, havia visto numa pilha de roupa existente num dos quartos da casa; «10. Assim, numa das extremidades desse cordel, deu uma laçada, em parte do mesmo; «11. Rematando essa laçada, com um nó de correr; «12. E deixando o restante segmento do cordel solto; «13. De seguida, dirigiu-se a DD e agrediu-a fisicamente, de modo que não foi possível apurar, mas desferindo-lhe vários golpes em diferentes partes e órgãos do corpo da mesma; «14. Até a conseguir imobilizar, retirando-lhe qualquer possibilidade de se mexer; «15. E fazê-la perder a força física e anímica; «16. Após o que, munido do cordel, com a parte do mesmo atado em laçada com o nó de correr, que preparara previamente, enfiou aquela laçada pela cabeça de DD; «17. Colocando a referida laçada em redor do pescoço de DD; «18. E puxando a outra parte do cordel que havia deixado solta, com força; «19. Fazendo com que o nó corresse e apertasse a laçada em volta do pescoço de DD; «20. Enquanto esta se contorcia; «21. Tendo o arguido mantido a laçada apertada em volta do pescoço da companheira, puxando-a com força, constrangendo e estrangulando o pescoço da mesma, durante período que não foi possível apurar, mas durante alguns minutos; «22. E até DD ter deixado de manifestar qualquer sinal de vida; «23. Entretanto, o arguido amarrou a outra extremidade do cordel de nylon a um cabo em madeira de uma ferramenta; «24. E fez passar tal cabo pelo espaço existente entre a porta que dá acesso da sala, ao quarto do casal e a respectiva aduela, do lado em que a mesma porta está fixada à respectiva aduela, através das dobradiças, para a parte detrás da mesma; «25. Tendo-o colocado atravessado, por cima da segunda dobradiça da porta, pelo lado de dentro da mesma; «26. A uma altura de 105 cm do solo; «27. E mantendo a outra parte do cordel, com a laçada e o nó de correr a apertar o pescoço de DD; «28. Colocou-a deitada no chão da sala, com a cabeça junto à porta de entrada do quarto; «29. Em decúbito dorsal; «30. Pendurada pelo pescoço, através do cordel e com o tronco suspenso a 28 cm do chão; «31. Estando o cordel completamente esticado e em tensão; «32. E tendo o comprimento de 82 cm, desde o pescoço da vítima até ao local onde estava preso (dobradiça da porta); «33. Após ter praticado estes factos, o arguido saiu de casa; «34. Deixando a vítima, na posição descrita em 28. a 32., sem quaisquer sinais aparentes de vida; «35. Na sequência dos factos descritos em 7. a 33., DD sofreu: «Infiltração sanguínea bilateral nos músculos, infiltração bilateral da íntima das artérias carótida e das veias jugulares, fractura do osso hióide, fractura dos cornetos anteriores e posteriores rodeada de infiltração sanguínea; «Escorrência sanguínea pela boca, múltiplas escoriações nas faces, equimose arroxeada na base da face direita do pescoço, escoriações recobertas de crosta sanguínea no abdómen e no quadrante infero-interno da mama esquerda, complexos equimóticos de defesa, arroxeados, nos dorsos e dedos de ambas as mãos e complexo escoriótico na perna direita; «36. Resultantes de asfixia mecânica por estrangulamento; «37. Em virtude da qual DD veio a morrer, naquele mesmo dia 10 de Março de 2013, a hora que não foi possível apurar; «38. DD apresentava, ainda, sulco apergaminhado horizontal envolvendo todo o pescoço, com cinco milímetros de espessura e um centímetro de diâmetro na sua face direita, na zona do nó do cordel, e de três milímetros de profundidade e presença de linha argêntea no tecido celular subcutâneo; «39. No referido dia 10 de Março de 2013, após ter saído de casa, nas circunstâncias descritas em 33., o arguido dirigiu-se ao Posto da GNR de ... onde relatou o sucedido; «40. O arguido agiu em todos os momentos acima descritos em 4. a 34., de forma livre, deliberada e consciente; «41. Tendo escolhido usar o cordel de nylon mencionado em 8., dar-lhe a laçada descrita em 10. a 12. e usá-la pelo modo descrito em 13. a 34., sabendo que, dessa forma, estrangulava o pescoço de DD e que, por efeito da constrição da corda em volta do pescoço da mesma, a impedia de continuar a respirar, retirando-lhe a vida, tudo como quis e conseguiu; «42. Ciente de que a sua conduta é proibida e punida por lei penal; «43. O arguido não tem antecedentes criminais; «44. O arguido DD é o mais velho de dois filhos; «45. Nascidos do casamento de seus pais; «46. Com os quais o arguido viveu até aos seus 23 anos de idade; «47. Frequentou a escola até ao 6º ano de escolaridade; «48. A qual abandonou com cerca de 15 anos; «49. Teve grandes dificuldades ao nível da aprendizagem; «50. Sem revelar problemas de comportamento; «51. Desde cedo, manifestou a sua forte vontade em inserir-se no mundo laboral, embora contra a vontade dos pais, que gostariam que prosseguisse os estudos; «52. Iniciou o percurso profissional na construção civil, com o pai, sócio de uma empresa; «53. Apresenta um percurso laboral regular e assíduo; «54. À excepção de no período adolescente, em que participou como voluntário em actividades no bar na associação local, nunca teve qualquer outra actividade recreativa estruturada; «55. A mãe foi o agente mais activo no processo educativo; «56. Apesar de o pai ser considerado uma figura presente no quotidiano do agregado; «57. Quando há cerca de seis anos iniciou o seu relacionamento amoroso com a vítima, o casal veio viver para ...; «58. Onde permaneceram, durante cerca de três anos; «59. Na sequência de uma zanga, separaram-se; «60. Tendo cada um deles, voltado a viver com os respectivos progenitores; «61. Decorrido cerca de um mês dessa zanga, o arguido e DD reataram a relação de namoro; «62. Que durou cerca de um ano e meio; «63. Até que, em Dezembro de 2012, voltaram a viver, um com um outro, na mesma casa, como se fossem marido e mulher; «64. Apesar de o arguido descrever esta relação como instável e pautada por dificuldades de relacionamento com a companheira; «65. O arguido mantém fortes laços de afectividade com seus pais e irmão; «66. Existindo, entre todos, coesão e espírito de entreajuda; «67. O arguido é uma pessoa fechada que não revela facilmente os seus problemas; «68. Por lhe ter notado algumas alterações emocionais, pouco tempo antes da data dos factos objecto destes autos, a mãe do arguido marcou-lhe uma consulta num psicólogo, mas este rejeitou comparecer a tal consulta; «69. Os pais do arguido sentem um grande desgosto pelos factos que originaram a presente situação jurídico-penal do filho; «70. Mas estão disponíveis a apoiá-lo agora e futuramente; «71. No momento da reclusão, o arguido trabalhava ao serviço da firma ..., Ldª, da qual o pai é sócio; «72. Auferindo cerca de € 580,00; «73. No ambiente de trabalho sempre manifestou um relacionamento interpessoal ajustado; «74. Sendo considerado muito trabalhador; «75. Pessoa gentil e afável, pacata, com boas relações interpessoais e sem problemas ao nível da sua inserção social «76. Os factos acima descritos em 7. a 42., tiveram grande impacto no meio social em que o arguido e a vítima estavam inseridos; «77. A família da vítima vive noutra localidade, a cerca de 6/7 Km, e manifesta grande sofrimento pela perda desta; «78. No decurso da sua prisão, o arguido tem mantido uma conduta consentânea com as normas do estabelecimento prisional; «79. A situação jurídico-penal do arguido teve repercussões na sua forma de sentir, manifestando sofrimento pelas consequências dos seus actos; «80. Revela raciocínio crítico e capacidades de descentração; «81. Que o levam a compreender o desvalor dos factos que praticou; «82. Manifestando arrependimento sincero em relação a tais factos; «83. Reconhece a necessidade de intervenção das entidades judiciais perante os mesmos; «84. Aguardando de forma consciente a reacção penal que daí advirá; «85. Tem acompanhamento psiquiátrico, com consultas regulares; «86. E está a tomar medicação; «87. DD nasceu, no dia ...; «88. E é filha dos lesados BB e CC; «89. Os lesados BB e CC incumbiram "A Nova Agência Funerária de ..., Lda.", da realização do funeral da sua filha; «90. As despesas do funeral importaram em € 1.042,10 (mil e quarenta e dois euros e dez cêntimos); «91. Que foram pagos através de uma angariação de dinheiro dado pelos amigos, vizinhos e familiares da vítima; «92. A lesada BB mantinha uma relação de forte cumplicidade com a sua filha DD; «93. Relação esta, mais próxima ainda, por se tratar da única rapariga de entre os seus cinco filhos e a primogénita; «94. Encontravam-se e conviviam praticamente todos os dias, umas vezes em ..., outras vezes porque a DD ia a casa dos progenitores; «95. DD ajudava a mãe BB, nas tarefas domésticas; «96. E também costumava ajudar os seus pais e irmãos, em trabalhos agrícolas, como a apanha da azeitona; «97. BB foi avisada do que tinha acontecido à sua filha no dia 10 de Março de 2013, cerca das 11h40m., através de um telefonema de uma amiga daquela, de nome ...; «98. Perante o que ficou em completo estado de choque e de incredulidade; «99. BB sofreu e sofre intensamente com a recordação do sofrimento da sua filha, nos momentos que antecederam a morte da mesma; «100. Sente uma dor profunda pela perda da filha; «101. Nunca mais teve alegria de viver; «102. Sente-se angustiada, ansiosa, enervada e triste; «103. Passa os dias a chorar; «104. E constantemente "vê" a filha em todo o lado; «105. Sofre de dores de cabeça e tonturas; «106. E sente grande revolta; «107. Quer pelos contornos do crime; «108. Quer porque, pouco tempo antes, a sua filha e o arguido, que mantinham uma relação há cerca de sete anos, se tinham zangado; «109. E a DD tinha voltado para casa dos pais, onde esteve a viver cerca de um mês, até que o arguido a foi buscar novamente; «110. Para matar a sua filha, passado pouco tempo; «111. CC quando tomou conhecimento da morte da filha DD ficou em estado de choque; «112. Desmaiou, por duas vezes; «113. E ficou sem conseguir falar, durante algum tempo; «114. A relação entre CC e a filha DD era de forte amizade e cumplicidade; «115. Sendo que a DD era uma filha afectuosa e disponível, que costumava acompanhar o demandante às compras para casa daquele em ... e em ..., «116. Além de terem por hábito ver-se aos fins-de-semana e, por vezes, ao almoço durante a semana; «117. A DD era uma grande companhia para o demandante, que sente permanentemente a sua falta; «118. Além do desgosto e sofrimento profundos pela forma como a sua filha morreu e pelo que sofreu, nas horas e momentos que antecederam a sua morte; «119. DD era uma jovem cheia de vida e de energia; «120. Com grande amor à vida; «121. Alegre e sociável; «122. Muito ligada à mãe, ao pai e aos irmãos, por quem nutria grande amor.» 2. O objecto do recurso Em vista das conclusões formuladas pelo recorrente – pelas quais se define e delimita o objecto do recurso (artigo 412.º, n.º 1, do CPP) – as questões que traz à apreciação deste Tribunal, segundo a ordem por que as colocou, são as seguintes: – verificar-se a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP), âmbito em que o recorrente ainda convoca violação do disposto no artigo 374.º, n.º 2, do CPP; – dever ser revogado o efeito de indício do exemplo-padrão da alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do CPP e a conduta ser subsumida ao homicídio simples do artigo 131.º do Código Penal[2], – mas, não obstante, dever concluir-se pelo privilegiamento do homicídio, nos termos do artigo 133.º do CP; – de qualquer modo, dever a pena ser especialmente atenuada; – ou, pelo menos, substancialmente reduzida; – serem exagerados os montantes arbitrados a título de indemnização civil. Sobre elas passamos a pronunciar-nos. 3. A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia Como o Supremo Tribunal de Justiça conhece apenas de direito (artigo 434.º do CPP), procura o recorrente dar a aparência de uma questão de direito àquilo que verdadeiramente não passa da sua inconformação com a matéria de facto fixada pelas instâncias. Com efeito, pretende que a nulidade por omissão de pronúncia, do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), primeiro segmento, do CPP – estabelecendo um nexo entre ela e a violação do artigo 374.º, n.º 2, do CPP – decorre de não terem sido dados por provados (ou não provados) determinados factos que, na sua perspectiva, resultaram da discussão da causa e se apresentariam relevantes para a solução de direito. A nulidade por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixe de apreciar questões que devesse apreciar, nomeadamente, o crime ou crimes imputados na acusação ou na pronúncia ou um circunstancialismo relevante para a boa decisão da causa alegado na contestação, por exemplo, uma actuação em legítima defesa ou, como o recorrente vem invocar, no quadro definido pelo artigo 133.º do CP. Ora, o recorrente, na contestação, limitou-se a oferecer o merecimento dos autos. Por isso, o acórdão recorrido não patenteia qualquer omissão sobre factos relevantes para a boa decisão da causa porque elencou os factos provados constantes da acusação e do pedido cível decidindo as questões a eles relativas. Por outro lado, averiguar se da audiência resultaram provados factos que o tribunal desconsiderou, não os dando como provados ou como não provados, pressupõe um efectivo conhecimento amplo em matéria de facto, que coube à relação exercer, mas que não se contém nos poderes de cognição deste Tribunal. A questão, tal como o recorrente a coloca, não é, por conseguinte, um vício de direito mas, antes, um verdadeiro erro de julgamento em matéria de facto embora, na sua perspectiva, com repercussão na qualificação jurídica dos factos e na medida concreta da pena. Constitui, porém, matéria de facto estranha às atribuições do Supremo Tribunal de Justiça apreciar e decidir se determinados factos se provaram em julgamento devendo os mesmos reputar-se essenciais para a boa decisão da causa. Como a competência das relações esgota os poderes de cognição dos tribunais sobre tal matéria não tem qualquer viabilidade reeditar, perante o Supremo Tribunal de Justiça, pretensões relativas à decisão de facto. 4. A qualificação jurídica do homicídio Foi o recorrente condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alínea b), do CP, reagindo a essa qualificação jurídica por entender não só que ocorrem circunstâncias que revogam o efeito de indício de tal exemplo-padrão mas também por, pelo contrário, se demonstrar um condicionalismo adequado a subsumir a sua conduta ao tipo privilegiado do artigo 133.º do CP. 4.1. Preliminarmente deve deixar-se claro que as questões relativas à qualificação jurídica dos factos integradores do crime de homicídio, colocadas pelo recorrente, terão de ser resolvidas em face dos factos provados no acórdão recorrido, como é imposto pela limitação dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça a matéria de direito (artigo 434.º do CPP). No entanto, indissociavelmente ligada à pretensão de que fossem dados por provados factos relativos ao seu relacionamento anterior com a companheira – de ser por ela maltratado, nomeadamente com arranhões na cara, em suma, ser ele a vítima de violência doméstica – e às agressões e insultos de que foi vítima na noite dos factos, estão as questões de qualificação jurídica dos factos que o recorrente coloca. Com efeito, não é verdadeiramente no contexto dos factos provados que o recorrente visa a subsunção da sua conduta ao tipo privilegiado de homicídio do artigo 133.º ou ao tipo simples do artigo 131.º, por revogação do efeito de indício do exemplo-padrão. As teses que constrói sobre o privilegiamento do homicídio e sobre a derrogação da força qualificadora do exemplo-padrão da alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do CPP prescindem dos factos dados por provados, assentando, antes, naqueles que o recorrente pretenderia que tivessem sido dados por provados. Porém, como não pode deixar de ser, as questões respeitantes à qualificação jurídica do homicídio serão apreciadas por este Tribunal na exclusiva consideração dos factos fixados no acórdão recorrido. 4.2. O homicídio qualificado do artigo 132.º do CP é um caso especial de homicídio doloso, punido com uma moldura penal agravada, construído de acordo com o método exemplificador ou técnica dos exemplos-padrão. O homicídio qualificado resulta de a morte ter sido produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade (artigo 132.º, n.º 1 – tipo de culpa, constituído por uma cláusula geral), fornecendo o legislador um enunciado, meramente exemplificativo, de circunstâncias cuja verificação nem sempre se revela qualificadora (artigo 132.º, n.º 2 – enumeração não taxativa de circunstâncias susceptíveis de revelarem especial censurabilidade ou perversidade). O método de qualificação combina um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com a técnica dos exemplos-padrão. A qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral, descrito com conceitos indeterminados (n.º 1), cuja verificação é indiciada por circunstâncias, umas relativas ao facto, outras ao autor, elencadas no n.º 2, a título exemplificativo[3]. O método utilizado pelo legislador português não é censurável à luz do princípio da legalidade e da função de garantia da lei penal, na medida em que a enumeração exemplificativa das circunstâncias susceptíveis de revelarem especial censurabilidade ou perversidade concretiza e determina o critério generalizador e o critério generalizador delimita a enumeração exemplificativa, numa interacção decisiva estabelecida entre as duas partes do preceito[4]. A verificação de qualquer das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º constitui um indício da existência da especial censurabilidade ou perversidade do agente e a ausência de qualquer das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º constitui indício de que essa especial censurabilidade ou perversidade não se verifica. Por isso se alude ao efeito de indício dos exemplos-padrão, segundo o qual a afirmação da presença de uma das circunstâncias do n.º 2 do artigo 132.º indicia a existência de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente que fundamenta a aplicação da moldura penal agravada, enquanto que a negação da presença de qualquer das referidas circunstâncias indicia a inexistência de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente que fundamenta a aplicação da moldura penal do artigo 131.º do CP[5]. Desencadeado o efeito-padrão, pela verificação de uma circunstância prevista no n.º 2 do artigo 132.º, o tribunal não está dispensado de ponderar (ponderação global do facto e do autor), antes de concluir pela existência de uma especial censurabilidade ou perversidade, se não existem circunstâncias especiais no facto ou na pessoa do agente capazes de substancialmente revogar o efeito de indício do exemplo-padrão. Por outro lado, não está excluído que a inexistência de circunstâncias exemplificadas do n.º 2 do artigo 132.º determine inexoravelmente a punição do agente pelo homicídio simples. Mas se, para a revogação do efeito de indício do exemplo-padrão, é necessário que se verifique um circunstancialismo adequado a atribuir ao facto uma imagem global insusceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, também para a afirmação da especial censurabilidade ou perversidade, não se verificando qualquer das circunstâncias do n.º 2 do artigo 132.º, se reclama a verificação de circunstâncias extraordinárias ou de um conjunto de circunstâncias especiais capazes de conferirem ao facto a imagem de especial censurabilidade ou perversidade. Mas, além disso, é necessário que tais circunstâncias se compreendam na estrutura valorativa de algum ou de alguns dos exemplos-padrão. Com o que se quer dizer que essas circunstâncias devem revelar uma idoneidade qualitativa concordante com os grupos valorativos dos exemplos-padrão. O especial tipo de culpa do homicídio doloso é, em definitivo, conformado através da verificação da especial censurabilidade ou perversidade de que o facto se reveste, adequando-se ao pensamento da lei o de “pretender imputar à especial censurabilidade aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e à especial perversidade aquelas em que o juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades de personalidade do agente especialmente desvaliosas”[6]. 4.3. O artigo 133.º (homicídio privilegiado) apresenta-se como uma forma atenuada do homicídio tipificado no artigo 131.º e, tal como sucede com o homicídio qualificado, a especialidade radica em razões ligadas à culpa. O privilegiamento do homicídio deriva de uma sensível diminuição da culpa, a qual constitui o denominador comum às quatro circunstâncias enunciadas – compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral –, todas elas com o efeito de conformar uma exigibilidade diminuída de comportamento diferente. Como destaca Figueiredo Dias[7], “do que se trata, em definitivo, é da verificação no agente de um hoje dogmaticamente chamado, em geral, estado de afecto” que pode naturalmente ligar-se a uma diminuição da imputabilidade ou da consciência do ilícito, “mas que, independentemente de uma tal ligação, opera sobre a culpa ao nível da exigibilidade”. Tal como sucede sempre com a ideia da exigibilidade como componente da culpa jurídico-penal, o efeito diminuidor da culpa ficará a dever-se ao reconhecimento de que naquela situação (endógena e exógena) também o agente normalmente “fiel ao direito” teria sido sensível ao “conflito espiritual que lhe foi criado e por ele afectado na sua decisão no sentido de lhe ser estorvado o normal cumprimento das suas intenções”[8]. A compreensível emoção violenta é um forte estado de afecto emocional que deve corresponder a uma reacção que o homem médio, colocado na situação concreta do agente poderia ter ou, dito de outro modo, necessário é que o homem médio possa rever-se no modo como o agente lidou com a situação[9]. 4.4. Poderão surgir situações em que num mesmo homicídio confluem circunstâncias conformadoras de um ou mais do que um dos exemplo-padrão do n.º 2 do artigo 132.º a par de um condicionalismo adequado a diminuir sensivelmente a culpa, nos termos do artigo 133.º do CP. Nestes casos, os elementos objectivos da qualificação e do privilegiamento não se anulam mutuamente, conduzindo à punição por homicídio simples, como é a solução mais corrente na jurisprudência alemã, na linha da mútua anulação ou da compensação. Como no mesmo caso concreto jamais pode concorrer uma especial censurabilidade ou perversidade do agente com uma diminuição sensível da culpa (podendo apenas dar-se o concurso entre os elementos objectivos de uma e de outra hipótese), o que deve determinar-se é se, na imagem global do facto, prevalecem as razões da agravação ou da atenuação da culpa e conforme prevaleçam umas ou outras assim o homicídio será punido como qualificado ou como privilegiado. Concedendo-se, porém, que, em certos casos, sempre que se mostre impossível determinar se são prevalecentes as razões de agravação ou de atenuação da culpa, a solução correcta estará em punir o caso como homicídio simples[10]. 4.5. No caso, para a qualificação do homicídio, teve-se por preenchido o exemplo-padrão da alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do CP. 4.5.1. O legislador, com a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, introduziu o novo exemplo-padrão de o homicídio ser praticado “contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum em 1.º grau”. Nessas relações, matrimoniais e análogas ou não matrimoniais nem análogas mas meramente parentais, com ou sem coabitação, presentes ou pretéritas, alicerça o legislador um juízo de censura especial, nelas assentando a construção de um novo exemplo-padrão. Se, antes, já alguns dirigiam críticas ao exemplo-padrão da alínea a), fundado nos laços básicos de parentesco[11], originando, até, uma proposta de revogação dessa alínea no seio da Comissão de Revisão do Código Penal[12], não parece que esta nova alínea esteja, pelo menos completamente, a coberto da polémica. Pela amplitude com que foi construída, nem sempre será fácil encontrar nas relações previstas entre agente e vítima o verdadeiro fundamento de um tipo de culpa especialmente agravado, aparecendo, mais imediatamente, essas relações como indicadoras de que a agravação do homicídio tem mais a ver com um maior desvalor do tipo de ilícito do que com a verificação de um tipo de culpa especialmente agravado. Por outro lado, na introdução dessa nova alínea, poderá detectar-se que o legislador foi receptivo à, relativamente recente, tomada de consciência pela comunidade dos fenómenos de violência de género, especialmente na sua vertente de violência doméstica, e aos sentimentos de repúdio que geram. Não se podendo negar, a ser assim, como pensamos que é, que o legislador não foi alheio ao alcance social deste novo exemplo-padrão no plano das exigências de prevenção geral. Seja como for, exacto é que as relações agente/vítima previstas na alínea b) constituem indícios de uma especial censurabilidade, que não se verifica automaticamente em função delas, como é próprio do método exemplificador ou técnica dos exemplos-padrão. Aliás, na exposição de motivos da Proposta de Lei que procedeu à 21.ª alteração ao Código Penal, aprovada em Conselho de Ministros, reunido a 27/04/2006[13], insistiu-se, a propósito de serem acrescentadas novas circunstâncias ao homicídio qualificado, «assim a relação conjugal (presente ou passada) ou análoga (incluindo entre pessoas do mesmo sexo)» que passavam «a constar do elenco de circunstâncias susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade», em recordar que «a técnica utilizada na tipificação do crime mantém-se inalterada. As circunstâncias não são definidas de forma taxativa, correspondendo antes a exemplos padrão, e não são de funcionamento automático, estando sujeitas a apreciação em concreto». 4.5.2. É a circunstância privilegiadora da compreensível emoção violenta que o recorrente reclama para fundar a sensível diminuição da culpa. Todavia, nos factos provados não se encontra matéria susceptível de conferir substrato a uma exigibilidade diminuída de comportamento diferente. O que deles decorre é ter havido uma discussão, por várias horas, entre o recorrente e a vítima, no decorrer da qual ambos se atingiram e maltrataram, reciprocamente, nos respectivos corpos e saúde, até que, a determinada altura desta desavença, o recorrente tomou a resolução de matar a companheira. A longa discussão acompanhada de confrontos físicos, recíprocos, conforma uma situação adequada, segundo as regras da experiência comum, a gerar no recorrente um estado de enervamento e irritação. Mas essa situação – pela qual também o recorrente foi responsável –, não atingiu uma gravidade tal capaz de gerar no recorrente um forte estado de afecto emocional adequado a afectá-lo no cumprimento das suas normais intenções ou, dito de outro modo, que aquelas circunstâncias fossem aptas a que o recorrente ficasse “fora de si”. A ponderação do fundamento do privilegiamento da compreensível emoção violenta deve ser sempre realizada à luz da exigibilidade de outro comportamento sendo requerida a comprovação de o agente ter actuado dominado pela compreensível emoção violenta. «Tal qual sucede sempre com a ideia da exigibilidade como componente da culpa jurídico-penal, o efeito diminuidor da culpa ficará a dever-se ao reconhecimento de que, naquela situação (endógena e exógena), também o agente normalmente “fiel ao direito” (“conformado com a ordem jurídico-penal) teria sido sensível ao conflito espiritual que lhe foi criado e por ele afectado na sua decisão no sentido de lhe ter sido estorvado o normal cumprimento das suas intenções.»[14] 4.5.3. Não suportando os factos provados a tese do privilegiamento do homicídio também eles não são adequados a afastar o efeito de indício do exemplo-padrão da alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do CP. O exemplo-padrão da alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º decorre de uma exigência acrescida de respeito pela vida do outro com quem se formou uma comunhão de vida, representando a morte dolosa infligida ao outro uma quebra radical da solidariedade que, em princípio, é devida pelo agente à vítima[15]. Reconhece-se que as relações conjugais são um campo privilegiado para a derrogação da força qualificadora do exemplo-padrão, como acontece quando «a própria vítima tudo fez para desmerecer a solidariedade do agente, sujeitando-o com regularidade a maus tratos e humilhações, aparecendo o homicídio, na perspectiva do cônjuge maltratado como um meio, porventura único, de se libertar da opressão a que se encontra sujeito»[16]. Porém, os factos provados – e não obstante a discussão longa entre o recorrente e a vítima, acompanhada de agressões recíprocas, que culminou na decisão do recorrente matar a companheira e levar essa decisão por diante –, não fornecem uma imagem global do facto adequada a afastar o efeito qualificador conferido, pela alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do CP, à circunstância de a vítima manter com o agente uma relação análoga à dos cônjuges. O recorrente e a vítima mantiveram uma relação amorosa longa, de cerca de seis anos, e, embora o recorrente descreva a sua relação com a vítima como instável e pautada por dificuldades de relacionamento, o que é certo é que a relação amorosa entre ambos, nesse período, só foi interrompida durante cerca de um mês, voltando a viver um com o outro, na mesma casa, como marido e mulher, a partir de Dezembro de 2002 (factos provados 57 a 64). 5. Mantendo-se a qualificação do homicídio, nos termos expostos, o tipo de culpa respectivo é incompatível com a reclamada atenuação especial da pena, nos termos do artigo 72.º do CP, pela existência de circunstâncias anteriores ao crime e contemporâneas dele com o efeito de diminuir por forma acentuada a culpa do agente. Tal como já se referiu a propósito da concorrência, na mesma hipótese, de elementos qualificadores e privilegiadores, no mesmo caso concreto não podem simultaneamente coincidir elementos que revelem uma especial censurabilidade ou perversidade do agente e uma acentuada diminuição da sua culpa. Na consideração da imagem global do facto poderão concorrer elementos constitutivos de um exemplo padrão e elementos privilegiadores ou especialmente atenuadores da culpa mas meramente entre os elementos objectivos, nunca no plano da culpa. Na verdade, ou há uma diminuição sensível da culpa devendo o agente ser punido pelo homicídio privilegiado ou há uma sensível diminuição da culpa que afasta a punição pelo homicídio qualificado devendo o agente ser punido pelo homicídio simples, no quadro da atenuação especial da pena do artigo 72.º, ou, pelo contrário, pelas circunstâncias do caso prevalece uma imagem global do facto que determina uma especial censurabilidade ou perversidade do agente devendo a punição ocorrer pelo artigo 132.º do CP.
6. A medida da pena pelo homicídio Deve, assim, a pena ser determinada na moldura abstracta do artigo 132.º, ou seja, entre os limites de 12 a 25 anos de prisão. 6.1. Como, repetidamente, temos escrito, quando chamados a tratar a questão da “medida da pena”, as finalidades da punição, quer dizer, as finalidades das penas são, como paradigmaticamente declara o artigo 40.º, n.º 1, do CP, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Com este texto, introduzido na revisão de 95 do CP[17], o legislador instituiu no ordenamento jurídico-penal português a natureza exclusivamente preventiva das finalidades das penas[18]. Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial. «Umas e outras devem coexistir e combinar-se da melhor forma e até ao limite possíveis, porque umas e outras se encontram no propósito comum de prevenir a prática de crimes futuros.»[19] Com a finalidade da prevenção geral positiva ou de integração do que se trata é de alcançar a tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto. No sentido da tutela da confiança das expectativas de todos os cidadãos na validade das normas jurídicas e no restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime. A medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos é um «acto de valoração in concreto, de conformação social da valoração legislativa, a levar a cabo pelo aplicador à luz das circunstâncias do caso. Factores, por isso, da mais diversa natureza e procedência – e, na verdade, não só factores do “ambiente”, mas também factores directamente atinentes ao facto e ao agente concreto – podem fazer variar a medida da tutela dos bens jurídicos»[20]. Do que se trata – e uma tal tarefa só pode competir ao juiz – «é de determinar as referidas exigências que ressaltam do caso sub iudice, no complexo da sua forma concreta de execução, da sua específica motivação, das consequências que dele resultaram, da situação da vítima, da conduta do agente antes e depois do facto, etc.»[21]. Se são factores atinentes ao facto que relevarão as mais das vezes para a determinação da medida necessária para satisfazer as exigências de prevenção geral, nas condutas subsumíveis a um mesmo tipo legal podem encontrar-se muitas variáveis, sem se sair do âmbito do desvalor típico, capazes de influir, para mais ou para menos, na medida necessária à tutela do bem jurídico. Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva, devem actuar as exigências de prevenção especial. A medida da necessidade de socialização do agente é, em princípio, o critério decisivo do ponto de vista da prevenção especial. Se a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º, n.º 2, do CP), a culpa tem a função de estabelecer «uma proibição de excesso»[22], constituindo o limite inultrapassável de todas as considerações preventivas. A aplicação da pena não pode ter lugar numa medida superior à suposta pela culpa, fundada num juízo autónomo de censura ético-jurídica. E o que se censura em direito penal é a circunstância de o agente ter documentado no facto – no facto que é expressão da personalidade – uma atitude de contrariedade ou de indiferença (no tipo-de-culpa doloso) ou de descuido ou leviandade (no tipo-de-culpa negligente) perante a violação do bem jurídico protegido. O agente responde, na base desta atitude interior, pelas qualidades jurídico-penalmente desvaliosas da sua personalidade que se exprimem no facto e o fundamentam[23]. Os concretos factores de medida da pena, constantes do elenco, não exaustivo, do n.º 2 do artigo 71.º do CP, relevam tanto pela via da culpa como pela via da prevenção. Na prática do crime manifestam-se qualidades muito desvaliosas da personalidade do recorrente que conformam, para além do preenchimento do exemplo-padrão da alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do CP – este já não ponderado para efeitos da determinação da medida da pena pelo crime, como é imposto pela proibição da dupla valoração – pela “energia” criminosa que requereu levar a cabo a morte da vítima, por estrangulamento, e a insensibilidade com que persistiu na decisão não obstante o sofrimento demonstrado pela vítima (que se contorcia) puxando a laçada com força durante alguns minutos até a vítima deixar de manifestar qualquer sinal de vida (factos provados 20 a 22). Poderá conceder-se que as condições de determinação do recorrente para o acto tivessem sofrido a influência negativa do estado de enervamento e irritação naturalmente associado a uma discussão de horas, no decorrer da qual o agente e a vítima se ofenderam e maltrataram reciprocamente. Tanto mais quanto o recorrente demonstra perfeita compreensão do desvalor da sua conduta relativamente à qual manifesta sofrimento e sincero arrependimento (factos provados 79 a 82). Por outro lado, ao recorrente não são conhecidas demonstrações de atitudes violentas e socialmente inadequadas, sendo ele, antes pelo contrário, um indivíduo primário, de comportamento gentil e afável, pacato e com boas relações interpessoais (factos provados 43 e 75). Tudo sugerindo, pois, que a morte da companheira se apresenta como um acto isolado de expressão de extrema violência mas sem correspondência nas normais manifestações da personalidade do recorrente. Para além de o recorrente não apresentar dificuldades em adoptar condutas socialmente adequadas e de se submeter às regras de vida em sociedade, mostra-se socialmente bem inserido gozando ainda de apoio familiar, tudo a apontar no sentido da redução das exigências de prevenção especial. De qualquer modo, as exigências de prevenção especial de socialização não constituem, por regra, nos casos de homicídio, um factor com relevo significativo na medida da pena porque, quando é posto em causa o bem jurídico vida, sobreleva, decisivamente, a necessidade e a medida da sua tutela. Nesta ponderação de todas as circunstâncias do caso, temos por mais ajustada à culpa do recorrente a pena de 16 anos de prisão a qual se mostra, ainda, adequada às exigências de prevenção geral. O recorrente limita-se a afirmar que os montantes fixados a título de indemnização civil são exagerados, reproduzindo a motivação que já fizera constar do recurso interposto para a relação, sem nada lhe acrescentar, não impugnando as razões que constam do acórdão da relação fundamentadoras da confirmação dos montantes fixados na 1.ª instância. Não delimita, pois, o objecto da discussão jurídica que aparentemente suscita, desconsiderando, por completo, a fundamentação do acórdão da relação, na matéria. Por ser assim, o recorrente não impugna a decisão da relação, na matéria, porque a ignora. Julgado, pela relação, o recurso interposto da decisão proferida em 1.ª instância, o recorrente, inconformado com a decisão da relação, e por isso mesmo – porque do que se trata é da inconformação com a decisão da relação em recurso –, já só pode impugnar a decisão da relação. O recurso só pode ter por objecto a reapreciação, em outro grau, de questões decididas pela instância inferior.
III 4. Por o recurso ter obtido parcial provimento não são devidas custas (artigo 513.º, n.º 1, do CPP).
Supremo Tribunal de Justiça, 05/02/2015 Isabel Pais Martins (Relatora) Manuel Braz
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