Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | URBANO DIAS | ||
Descritores: | ÓNUS DA PROVA FACTOS NEGATIVOS | ||
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Nº do Documento: | SJ20080207047051 | ||
Data do Acordão: | 02/07/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | A prova dos factos constitutivos, sejam eles positivos ou negativos, incumbe à parte que invoca o direito. Não é pelo facto de estarmos perante um “facto negativo” que se inverte o ónus da prova nem tão-pouco pela dificuldade que isso naturalmente representa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 – Relatório AA e BB, intentaram, no Tribunal Judicial da comarca da Guarda, acção ordinária contra CC, DD e mulher, EE e FF e mulher, GG, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos que lhes causaram, a relegar para liquidação. Em suma, alegaram que: - São donas e legítimas possuidoras de uma quota no valor nominal de 250.000$00, correspondente a 50% do capital social da sociedade denominada “HH, Lda.”, sendo os RR. donos e legítimos possuidores de uma quota com igual valor nominal, correspondente aos restantes 50% do dito capital social. - Os RR. intentaram contra as AA. uma providência cautelar na sequência da qual estas foram afastadas da gerência da sociedade, tendo sido nomeado único gerente o R. DD, o qual, a partir de 28/07/97, passou a exercer sozinho essas funções. - Pelas razões descritas, o R. DD fez uma gestão ruinosa da sociedade, assim tendo sido causados às AA. danos relativamente aos quais pretendem ser indemnizadas. Contestaram os RR., pugnando pela improcedência da acção. Esta seguiu os seus termos normais até julgamento, após o qual foi proferida sentença a julgá-la improcedente e, consequentemente, a absolver os RR. do pedido. Apelaram, sem êxito, as AA. para o Tribunal da Relação de Coimbra, colocando o acento tónico da sua discordância na alteração da matéria de facto. Malgrado a Relação ter alterado a resposta que a 1ª instância deu ao quesito 1º, o certo é que tal não teve a virtualidade de modificar a decisão final no sentido pugnado pelas recorrentes. Estas continuaram irresignadas e daí a razão do pedido de revista. Fizeram-no a coberto das seguintes conclusões: 1) São fundamentalmente duas as questões que as ora recorrentes levam ao conhecimento do Ilustre Tribunal: o quesito 10°, dado como não provado pelas instâncias judicativas anteriores, e a apreciação do preenchimento in casu dos requisitos vertidos na letra do art. 79º/1 do Código das Sociedades Comerciais. 2) Questionava-se no ponto 10º da base instrutória se o “O réu DD nunca informou os sócios da necessidade de medidas de recuperação?” A esta questão respondeu o Mº Juiz a quo não provado. 3) Em sede de fundamentação referiu o seguinte: “Relativamente ao quesito décimo nenhuma testemunha revelou qualquer conhecimento sobre o facto perguntado (sendo certo que a fls. 194 a 195 se encontra junta por certidão carta datada de 27 de Agosto de 2001 e respectivo envelope com registo dos CTT enviado pelo R. DD em representação da sociedade à A. AA solicitando um empréstimo a fim de a sociedade poder fazer face às suas necessidades de funcionamento e relembrando a conta bancária bloqueada)”. 4) Escreveram, na altura, as ora recorrentes que a prova de um facto negativo é muito difícil, uma verdadeira diabólica probatio, acrescentam, agora. 5) Recordando o que as ora recorrentes escreveram em sede de apelação "Competiria aos R.R., ou melhor ao R. DD fazer prova do contrário, isto é, de que, em devido tempo, alertara os sócios da sociedade HH, Lda. para a necessidade de tomar medidas de recuperação, como aliás, decorre do disposto no art. 342ºdo CC." 6) Contrariamente ao sustentado pelas recorrentes, o Tribunal da Relação de Coimbra, desenvolveu o seguinte raciocínio “Não tem aplicação no nosso direito probatório o aforismo “negativa non sunt probanda”, não constituindo a dificuldade de prova dos factos negativos justificação suficiente para que se considere vigente uma regra geral segundo a qual, nesses casos, se opera a inversão do ónus de prova e recai sobre a outra parte o encargo de provar o contrário. Nos casos especiais em que o legislador entendeu justificar-se tal inversão foi a solução legal consagrada na lei, como facilmente se deduz do art. 343º do Código Civil (CC)”. 7) “O réu DD nunca informou os sócios da necessidade de medidas de recuperação?” Se é certo que no nosso ordenamento jurídico, nomeadamente no que concerne ao regime dos meios de prova, não vigora o principio “negativa non sunt probanda”, não podemos extrair daí, no entanto, que sempre que se estiver perante um facto negativo, a sua prova competirá aquele que o invoca. Ele terá que – em situações limite, é certo – ser invocado e necessariamente aplicado por força de outro princípio vector, nuclear, essencial, em torno do qual gravitam todos os outros, o princípio da descoberta da verdade material. 8) Com pertinência para a situação ajuizada, surge o aresto do Supremo Tribunal de Justiça, de 17/10/2006, NUNO CAMEIRA, de acordo com o qual “importa, contudo, ponderar adequadamente as coisas e verificar caso a caso se não será necessário, sem desvirtuar o sentido último do preceito aplicar a regra em apreço mediante a introdução de um qualquer desvio, adaptação, restrição ou distinção que permita ao julgador concretizar a solução mais conforme à justiça material. E nada deve constituir obstáculo a semelhante esforço porque importa não o esquecer as regras estabelecidas no código civil para distribuir entre as partes o ónus da prova não valem por si, não são um fim em si mesmas”. 9) Sendo o facto negativo, no caso sub iudice, um facto a que corresponde, como antítese, uma série indefinida de factos positivos – a prova que impende sobre as recorrentes torna-se, admita-se, sem ceder, mais do que diabólica, pura e simplesmente impossível, se não atendermos aos factos dados como provados, mais do que indiciantes relativamente a esse outro facto negativo: o facto de o R., ora recorrido DD, não ter alertado os sócios para a necessidade de adopção de medidas de recuperação. Com efeito, 10) Somando este facto aos restantes dados como provados, temos, então, de responsabilizar o ora R. DD pelos danos causados no exercício das suas funções enquanto gerente da sociedade aqui identificada. 11) O art. 79º CSC trata da responsabilidade de natureza delitual dos administradores e gerentes decorrente da violação de regras legais que directamente protejam o sócio e de que resultem danos na sua esfera jurídica. 12) O recorrido DD, ao não ter, por um lado, prestado informações relativas às contas do ano de 1997, forçando as recorrentes a intentar um inquérito judicial para apresentação do relatório de gestão e das contas, e, por outro lado, ao não ter alertado os sócios para a necessidade de adoptar medidas de recuperação violou, de forma inequívoca, o dever de informação a que está, por força dos normativos legais aplicáveis em matéria societária, adstrito. 13) Sendo de natureza delitual, o ora recorrido DD só será responsabilizado se tiver agido com culpa. 14) Os dados factuais com que se joga o presente processo não nos permitem afirmar, com total segurança – com o grau de certeza que o direito exige, – que o R. DD tenha actuado com dolo directo ou necessário. 15) Mas, sem quebra do devido respeito por opinião contrária, os autos dispõem de factos suficientes que nos permitem concluir que o R. DD terá agido, pelo menos, com dolo eventual. 16) Mesmo que não se perspectivasse aqui o dolo eventual, o que se admite por mera hipótese de trabalho, o ora recorrido DD seria sempre responsabilizado a título de negligência, exactamente porque houve, pelo menos, admita-se sem ceder, uma violação objectiva de um dever de cuidado, isto é, o ora recorrido DD não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz. 17) Finalmente, resta-nos avaliar os prejuízos – os prejuízos causados directamente no património dos sócios. E também nesta matéria, consideram as ora recorrentes, salvo o devido respeito, que é muito, que mal andaram as instâncias judicativas chamadas a pronunciarem-se sobre o thema decidendum quando entenderam que não houve danos directos na esfera patrimonial das recorrentes, então sócias. Mais, 18) Sendo as AA. titulares de uma quota que representa 50% do capital social de uma sociedade que, através da exploração dos seus dois estabelecimentos comerciais, desenvolvia uma actividade lucrativa, deixaram as AA. de auferir, por força da gestão ruinosa que o R. DD empreendeu à frente dos destinos da sociedade, qualquer rendimento desse seu património. 19) Não serão estes danos suficientes? Bastantes? Que decorrem directamente da violação culposa, por parte do recorrido DD, das obrigações legais a que está adstrito em matéria societária? 20) Na opinião das recorrentes são suficientes, bastantes, devastadores e, por isso mesmo, concluem pela condenação dos RR. no pagamento de um montante indemnizatório a liquidar em execução de sentença. Os recorridos não responderam. 2 – As instâncias fixaram o seguinte quadro factual: - A sociedade HH, Lda. era titular de dois estabelecimentos comerciais na Guarda, sendo um de venda de calçado, solas e cabedais e outro de venda de vinhos e outras bebidas. - Por carta datada de 17/07/2002, subscrita por LG, junta a fls. 37, endereçada ao Ilustre Advogado Dr. MR, (consta) nomeadamente que: “... Desde há bastante tempo que a firma esgotou o seu stock vendável. Ao longo dos últimos noventa dias as vendas efectuadas não foram sequer suficientes para pagar as rendas comerciais. ...”. - No ano de 1996, a sociedade HH Lda. declarou, para efeitos de IRC, um resultado líquido do exercício de 3.150.140$00. - Na declaração de rendimentos apresentada para efeitos de IRC, relativa ao exercício de 1995, a sociedade HH, Lda. declarou um resultado líquido do exercício de Esc. 5.232.288$00 e um lucro tributável de Esc. 2.232.288$00. - A A. AA e o seu falecido marido viviam dos rendimentos que lhe advinham da exploração dos estabelecimentos da sociedade. - A partir de 28/07/97 o R. DD passou a ser o único gerente da sociedade HH, Lda. - O R. DD, na qualidade de único gerente da sociedade, não apresentou atempadamente as contas do exercício de 1997, as quais apenas foram apresentadas em assembleia-geral ocorrida em 1999. - Em reunião havida com o Sr. Dr. LG, que havia sido nomeado gerente judicial da sociedade, este informou as AA. de que a sociedade não tinha disponibilidades de caixa e que estava em ruptura de “stockes”. - E que as mercadorias existentes eram de venda difícil e tinham reduzido valor. - Quando o R. DD passou a ser o único gerente, a sociedade tinha em caixa entre 2.000.000$00 a 3.000.000$00, e ainda cerca de 2.700.000$00 depositados numa conta bancária titulada pelo mesmo e pelo falecido marido da A. AA , importância esta que não foi movimentada face às divergências surgidas. - E algumas mercadorias em “stock”. - As AA. são titulares de uma quota social – que lhes adveio por sucessão por óbito de EN – no valor nominal de 250.000$00, correspondente a 50% do capital social da sociedade com a denominação HH, Lda. - Os RR. são titulares de uma quota social – que lhes adveio por sucessão por óbito de DD – no valor nominal de 250.000$00, correspondente a 50% do capital social da sociedade com a denominação HH, Lda. - Os RR. intentaram contra as AA. uma providência cautelar, que correu termos com o nº 365/97 do Tribunal Judicial da comarca da Guarda, e se encontra apensa à acção ordinária nº 381/97, do 1º Juízo do mesmo Tribunal, providência cautelar na sequência da qual as AA., por sentença de 28 de Julho de 1997, foram suspensas da gerência da sociedade HH, Lda., e tendo sido nomeado único gerente da mesma, o R. DD. - Em Julho de 1998, as AA. requereram inquérito judicial, que correu termos com o nº 307/98 do 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca da Guarda, contra o R. DD, alegando que este, enquanto único gerente da sociedade HH, Lda., não procedeu à apresentação do relatório de gestão e das contas do exercício de 1997. - Em 3 de Setembro de 2001, por apenso ao Inquérito Judicial nº 307/98 do 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca da Guarda, as AA. deduziram providência cautelar de suspensão do gerente DD. - Na oposição a esta providência cautelar, de 18 de Setembro de 2001, o R. DD declarou nada ter a opor a que fosse nomeado um administrador judicial, com o seu consequente afastamento das funções de gerente da sociedade. - No âmbito desta providência cautelar, em data anterior a 17/07/2002, foi nomeado gerente judicial da sociedade, o Sr. Dr. LG. - Por requerimento datado de 5 de Setembro de 2002, dirigido ao Mº Juiz de Direito do Tribunal Judicial da comarca da Guarda, o gerente judicial nomeado, face à falta de entendimento entre os titulares das quotas, e à falta de meios técnicos, financeiros e materiais da sociedade, propôs a sua dissolução. - Por sentença de 29 de Janeiro de 2003 – cujo trânsito não se mostra certificado nos autos – proferida na acção ordinária nº 381/97, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca da Guarda, movida pelos aqui RR. contra as aqui AA., foi a A. AA , além do mais, destituída da gerência da sociedade HH, Lda. 3 - Quid iuris? Insistem as recorrentes no pedido de condenação de todos os RR., olvidando que, aqui e agora, apenas está a eventual responsabilidade do R. DD, transitada que está a decisão absolutória da 1ª instância em relação aos demais RR.. É o próprio aresto agora censurado que faz pertinentemente tal delimitação por via do trânsito da decisão da 1ª instância em relação aos demais RR.. Precisado “este pequeno” (mas importante) pormenor, eis-nos confrontados com a questão de saber se, perante a alegação de um facto negativo, constitutivo do direito da parte que o invoca, a lei obriga a uma inversão do ónus probatório. Ou seja, se perante a resposta negativa dada ao mesmo, é de concluir pela verificação do contrário por virtude de ónus legal imposto à Defesa numa situação destas. Defendem as recorrentes que, face à resposta negativa dada ao quesito 10º – “O réu DD nunca informou os sócios da necessidade de medidas de recuperação?” – teria ficado provado o contrário do perguntado e isto pela simples razão de o ónus probatório cair nestes casos para a Defesa, o que implica que a resposta, perante a circunstância do caso, teria de ser considerada como provada. Id est, teria ficado definitivamente provado que o R. DD não cumpriu para com elas a sua obrigação de informação, tal-qualmente o exige o art. 79º do CSC. E, provado este elemento essencial da responsabilização imputada àquele R., aqui recorrido, estava aberto o caminho para o censurar pelo menos a título de culpa. Com o respeito devido pelas opiniões contrárias, entendemos que a tese proposta pelas recorrentes não pode ter acolhimento à luz das regras orientadoras do nosso Ordenamento Jurídico. Há que não confundir factos constitutivos do direito, sejam eles positivos ou negativos, cuja prova incumbe à parte que invoca o direito, seja por acção ou reconvenção, com as regras próprias do ónus probatório relativas às acções de simples apreciação negativa (cfr. arts. 342º e 343º do CPC). Não é pelo facto de estarmos perante um “facto negativo” que se inverte o ónus da prova nem tão-pouco pela dificuldade que isso naturalmente representa. Bem andou, por isso, a Relação de Coimbra ao defender que, perante a resposta negativa obtida ao supra citado quesito 10º, a responsabilidade do R. DD estava definitivamente afastada, com o argumento de que entre nós não vigora o princípio “negativa non sunt probanda”, o que é efectivamente verdade (vide, neste preciso sentido, Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 354 e 355, e Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, pág. 148 e 149). Tendo as AA., aqui recorrentes gizado o pedido de indemnização com base em violação do art. 79º do CSC – o qual prevê a responsabilização dos gerentes, administradores ou directores, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente causarem no exercício das suas funções – e não se tendo provado, como efectivamente não se provou, que o R. DD incumpriu qualquer obrigação para com as AA., aqui recorrentes, só nos resta dizer que a pretensão das mesmas necessariamente tinha que soçobrar. É que a responsabilidade que aqui se invocou – responsabilidade delitual – obriga o A. a, salvo casos absolutamente excepcionais, alegar e provar todos os elementos constitutivos do direito invocado (cfr. arts. 483º e 487º do CC). In casu, as AA., aqui recorrentes, nem sequer lograram provar que o R. DD omitiu os deveres que lhe imputaram, facto que, por si só, obriga a considerar prejudicada a análise de tudo o mais invocado no recurso (cfr. art. 660º, nº 2 do CPC). 4 – Decisão Pelo exposto, nega-se a revista e condenam-se as recorrentes no pagamento das respectivas custas. Lisboa, aos 07 de Fevereiro de 2008 Urbano Dias Paulo Sá Mário Cruz |