Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5762/06.9TBMTS.P1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: NUNO CAMEIRA
Descritores: SEGURO OBRIGATÓRIO
SEGURO AUTOMÓVEL
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
ACIDENTE DE VIAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Data do Acordão: 07/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTAS
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - RESPONSABILIDADE CIVIL
DIREITO DOS SEGUROS - SEGURO OBRIGATÓRIO AUTOMÓVEL
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
Doutrina: - Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª edição, págs. 436/437.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 519.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 684.º, N.º 3, E 690.º, N.º 1, 722.º, N.º2, 2.ª PARTE, 729.º, N.º2.
DL N.º 522/85, DE 31-12: - ARTIGOS 1.º, N.º1, 2.º, N.º1, 21.º, NºS 1 E 2, ALS. A) E B), 25.º, N.º1, 29.º, N.º6, 39.º, N.º1.
DL N.º 142/2000, DE 15-7(COM AS ALTERAÇÕES DOS D.L.N.º 248-B/2000, DE 12 -10, 150/2004, DE 29-6, 122/2005, DE 29-7, E 291/2007, DE 21-8)
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 1/2/05 (REVª 4474/04 - 6ª ) EM WWW.STJ.PT.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 10/1/96, NA CJ ANO XXI, I, 231.
-DE 20/5/2000 (CJ XXV, III, 20)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:
- DE 27/11/97, SUMARIADO NO BMJ 471, 477.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 10/1/96, CJ, ANO XXI, III, 231;
-DE 20/1/05 (Pº 0437195), EM WWW.DGSI.PT
Sumário :

I - Decorre do art. 21.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), do DL n.º 522/85, de 31-12, que o DD não é mais do que um garante, um responsável “subsidiário”; o principal obrigado é sempre o responsável civil; e só se este último se furtar ao cumprimento do seu dever é que o Fundo entra em cena, satisfazendo a indemnização arbitrada. Tal a verdadeira razão de ser do art. 25.º, n.º 1, independentemente de aí se falar em sub-rogação, e essa é também a explicação lógica para a norma do art. 29.º, n.º 6, ambos do citado diploma.
II - Existe uma “concorrência” de responsabilidades, podendo afirmar-se que estamos perante um caso de solidariedade imprópria, imperfeita ou “impura”. Isto porque, externamente, a responsabilidade dos obrigados é solidária, na verdadeira acepção da palavra: o lesado pode exigir de qualquer um deles – responsável civil e DD – a satisfação da totalidade do seu crédito (art. 519.º, n.º 1, do CC). Internamente, porém, as coisas são diferentes: se quem paga a indemnização devida for o responsável civil, nenhum direito lhe assiste perante o Fundo; se, pelo contrário, for este a pagar, fica sub-rogado nos direitos do lesado, podendo exigir do lesante aquilo que pagou, acrescido dos juros legais de mora e das despesas efectuadas com a liquidação e cobrança (cf. o citado art. 25º, n.º 1).
III - O responsável civil a que se refere o art. 29.º, n.º 6, é o sujeito da obrigação de segurar a que alude o art. 2.º, n.º 1, único cuja presença na acção é absolutamente imprescindível para assegurar a legitimidade passiva.
IV - Normalmente, esse sujeito será o proprietário da viatura que, para circular, deve estar coberta por um seguro que garanta a sua responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros; e será o usufrutuário, o adquirente ou o locatário nos casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, tudo consoante determina o art. 1.º, n.º 1. Desde que uma destas pessoas, conforme o caso, esteja em juízo ao lado do DD, fica resolvido o problema da legitimidade passiva, que é, de igual modo, o único que o n.º 6 do art. 29.º se destina a solucionar.
V - Sendo as coisas assim, nada pode obstar a que o lesado demande, além do Fundo e do referido responsável, outro ou outros sujeitos que considere civilmente responsáveis, como por exemplo o condutor (que muitas vezes não é o sujeito da obrigação de segurar), e venha a obter, a final, a respectiva condenação, solidária com a dos restantes demandados. Isto, contudo, já não tem que ver com a legitimidade, mero pressuposto processual, mas sim, verdadeiramente, com o fundo da causa, com a verificação, relativamente a esse(s) outro(s) demandado(s), de todos os pressupostos da obrigação de indemnizar.

Decisão Texto Integral:                     

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Síntese dos termos essenciais do litígio e o recurso

Autor: AA, solteiro, maior, residente na ..........., n.º .., .... Esq.º, Leça do Balio, Matosinhos.

Réus: 1) BB, solteiro, vendedor, residente na Rua ........., n.º ....., ........º, S. Mamede de Infesta, Matosinhos;

2) CC, Ldª, com sede na Avenida .........., n.º ....., Maia;

3) DD, integrado no Instituto de ............, com sede em Lisboa; e

4) EE, Companhia de Seguros, SA, com sede na Rua ............., ../.., Porto.

Por causa dos danos materiais e morais sofridos em consequência de um acidente de viação ocorrido em 3/12/04 que atribuiu a culpa exclusiva do réu BB, condutor do veículo com a matrícula 00-00-00, o autor propôs contra os réus uma acção ordinária no Tribunal de Matosinhos, pedindo que os três primeiros fossem solidariamente condenados - ou, subsidiariamente, a 4ª ré, no caso de se concluir pela existência de seguro válido - a pagar-lhe a quantia de 299.766,63 €, acrescida de juros, bem como a que vier a liquidar-se em execução de sentença.

O Réu BB contestou, afirmando, no essencial, que o acidente ficou a dever-se ao condutor da outra viatura envolvida no sinistro.

O DD também contestou, impugnando, por desconhecimento, os factos alegados na petição e por excessivas as quantias peticionadas, além de referir que tem de atender-se à franquia legal de 299,28 € e de chamar a atenção para o facto de o proprietário do veículo conduzido pelo 1º réu ter transferido a sua responsabilidade para a ré  EE; declinou, por isso, qualquer respon­sabilidade na satisfação das indemnizações reclamadas.

A ré EE, por seu turno, alegou que o contrato de seguro que tinha celebrado no dia 8/4/01 com a Ré CC - Comércio e Serviços Automóvel, Ldª, fora já anulado a partir do dia 9/11/04; referiu ainda desconhecer as exactas circunstâncias em que o acidente ocor­reu e impugnou os montantes pedidos.

Foi ordenada a apensação da acção nº 00000000, que corria termos no 3º juízo cível do mesmo Tribunal, na qual a Unidade Local de Saúde de Matosinhos demandava a Ré EE, pedindo que esta lhe pagasse a quantia de 16.035,98 €, acrescida de juros de mora vincendos até integral pagamento, relativa às despesas com a assistência médica prestada ao autor AA.

A ré EE contestou essa acção nos mesmos termos em que o fez na presente, o que motivou a intervenção principal dos réus BB, CC, Ldª, e do DD a requerimento da ali autora.

Admitida a intervenção, os réus BB e DD contestaram, repetindo os argumentos dos articulados de defesa deste processo principal.

Realizado o julgamento e estabelecidos os factos foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou solidariamente os réus  CC, e DD a pagarem:

a) Ao autor AA, a quantia global de 121.096,63 € a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a citação até integral pagamento sobre 81.096,63 € (valor dos danos patrimoniais) e desde a data da decisão até integral pagamento sobre montante restante 40.000,00 € (valor dos danos morais).

b) À autora Unidade Local de Saúde de Matosinhos, a quantia de 16.035,98 €, acrescida de juros de mora vincendos até integral pagamento.

Os restantes réus foram absolvidos do pedido.

O DD apelou e, dando provimento parcial ao recurso, a Relação revogou, também em parte, a sentença recorrida, condenando o réu BB solidariamente com os demais réus DD e CC, Ldª, a pagar ao autor AA e à Unidade Local de Saúde de Matosinhos as quantias referidas na sentença, com dedução no valor dos danos patrimoniais da franquia de 299,28 €.

Deste acórdão recorreram para o STJ o 1º e 3º réus (BB e DD), formulando, em resumo, as seguintes conclusões:

O 3º réu:

1ª - Recaía sobre a ré EE, SA, o ónus da prova de que o seguro foi anulado por falta de pagamento do prémio;

2ª - Prova essa a efectuar, não por meio de testemunhas, mas sim por via da junção ao processo do documento comprovativo do registo do envio da comunicação/aviso a que se refere o artº 7º do Dec.-Lei 142/00, de 15/7 (cfr. ainda o artº 9º, nº 2, da Norma 17/2000, de 21/12/00);

3ª - Todavia, a resposta aos quesitos 69º, 70º e 71º da base instrutória referente ao processo principal, e 8º, 9º, 10º, 11º e 13º do processo apensado assentou no depoimento da testemunha GG, arrolada pela ré EE; impõe-se, por isso, que o STJ altere essa decisão de facto, considerando o disposto nos artºs 722º, nº 2, e 729º, nº 2, do CPC.

O 1º réu:

1ª - Nas acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação e nos casos em que não exista seguro válido e eficaz a legitimidade passiva é daquele que, estando sujeito à obrigação de segurar, a não cumpriu;

2ª - Mas só este e não outro (designadamente o condutor, como era o aqui recorrente) pode ser demandado;

3ª - Nos termos do artº 29º, nº6, do Dec.-Lei 522/85, de 31/12, o responsável civil é somente aquele sobre quem impendia a responsabilidade (não cumprida) de segurar;

4ª - Por isso, ao decidir que o responsável civil é, além do sujeito vinculado à obrigação de segurar, “...também todo aquele em relação ao qual se verifiquem os pressupostos da obrigação de indemnizar”, o acórdão recorrido violou o disposto nos artºs 25º, nº 3, e 29º, nº 6 do DLei 522/85, de 31/12.

A recorrida EE respondeu ao recurso do DD, defendendo a sua improcedência.

Tudo visto, cumpre decidir.

II. Fundamentação

Matéria de Facto:

A) Processo Principal [1]

1) No dia 3/12/04, cerca das 20,30 horas, no cruzamento da Rua Godinho de Faria com a Rua Sá e Melo, em S. Mamede de Infesta, área da comarca de Matosinhos, ocorreu uma colisão entre o motociclo com a matrícula 00-00-00 e o veículo ligeiro de passageiros coma matrícula 00-00-00 (A).

2) O motociclo com a matrícula 00-00-00 pertencia a AA e era por este conduzido (B).

3) O veículo com a matrícula 00-00-00 pertencia a CC - Comércio Serviços Automóveis, Ldª, e era conduzido por BB (C).

4) O cruzamento da R. Godinho de Faria com a Rua Sá e Melo encontrava-se regulado por sinalização semafórica (D).

5) O MU seguia pela Rua Godinho de Faria no sentido Sul-Norte (E).

6) O UM seguia pela Rua Godinho de Faria no sentido Norte-Sul, e pretendia mudar de direcção à esquerda, atento o seu sentido de marcha, de modo a prosseguir pela Rua Sá e Melo, no sentido Poente-Nascente (F).

7) O Autor nasceu a 23/5/74 (G).

8) A Companhia de Seguros EE declarou perante a CC - Comércio Serviços Automóveis, Ldª, assumir a responsabilidade civil pelos danos causados pelo veículo 00-00-00, nos termos do acordo de seguro titulado pela apólice nº 000000000, cujo teor se encontra reproduzido no doc. junto a fls. 194 e ss., que tinha duração anual, e teve o seu início em 8/4/01, tendo sido renovado em 8/4/04 (H).

9) O UM era conduzido pelo BB por conta do seu proprietário, CC - Comércio Serviços Automóveis, Ldª (1º).

10) Quando o veículo MU, conduzido pelo Autor, se aproximou do cruzamento referido em D) os semáforos apresentavam-se na posição de verde para o trânsito que pretendia circular no sentido de marcha referido em E) - (2º).

11) Foi com o semáforo na posição de verde que o Autor entrou no aludido cruzamento (3º)

12) Os semáforos apresentavam-se na posição de amarelo intermitente para quem, como o condutor do UM, pretendia circular no sentido de marcha referido em F) - (4º).

13) Foi com o semáforo na posição de amarelo intermitente que o condutor do UM entrou no cruzamento (5º).

14) O MU seguia pela metade direita da faixa de rodagem (6º).

15) O condutor do UM seguia distraído, sem votar atenção ao tráfego e à condução (9º).

16) Ao virar à esquerda no cruzamento o UM cortou a linha de marcha do UM (10º).

17) O MU foi embatido na roda da frente pela frente lateral direita do UM (11º).

18) Após o acidente foi o Autor assistido na Unidade Local de Saúde de Matosinhos, S.A., onde deu entrada no Serviço de Urgência (12º).

19) Em consequência da colisão referida em A) o Autor sofreu contusão pulmonar direita, fístula biliar externa, fractura de apófisis transversais, fractura de arcos costais, fractura do cúbito direito, fractura da omoplata direita, pequena laceração do rim direito, pneumotorax e traumatismo hepático grau III (13º).

20) Foi-lhe diagnosticado enfisema subcutâneo e hematúria macroscópica, hemoperitoneu por laceração hepática e um hematoma retroperitoneal à direita (14º).

21) Foi sujeito a laparotomia exploradora, remoção de “packing hepático”, hemostose, drenagem abdominal, todos em 03.12.2004, e a sutura de laceração hepática grau III e tampo­namento hepático, estes em 05.12.2004 (15º).

22) No pós-operatório teve febre com leucocitose, tendo-lhe sido detectada uma infecção grave e surgiu-lhe fístula biliar, como complicação da cirurgia (16º).

23) Durante o internamento na Unidade de Cuidados Intensivos foi submetido a várias transfusões sanguíneas e a antibioterapia (17º).

24) Já no Departamento de Cirurgia, realizou exames complementares de diagnóstico e endoscopia de controlo por úlceras duodenais provavelmente de stress (18º).

25) Após o acidente, o Autor ficou a padecer de uma Incapacidade Permanente Geral de 25,58% (19º e 20º).

26) Como consequência directa e necessária do acidente sofreu fractura do dente 12 que servia de pilar a uma ponte metalo-cerâmica fixa (21º).

27) O 2° pilar desta ponte representado pelo dente 14 encontra-se com lesão apical e com mobilidade (22º).

28) O tratamento a realizar passa pela retirada da ponte, endodontia do dente 12, realização de espigão falso coto no dente 12, curetagem apical do dente 14 com enxerto ósseo e realização de nova ponte em metalo-cerâmica (23º).

29) O custo deste tratamento dentário está orçamentado em 1.500,00 € (tendo sido esse o valor pago pelo Autor por esse tratamento) - (24º).

30) O 00-00-00 teve perdas na óptica, camagem, maneta, guiador, frontal carenagem, painel carenagem, escape, barra de suspensão e outros (25º).

31) As referidas perdas foram resultado da colisão (26º).

32) A reparação das perdas do MU era técnica e economicamente desaconselhável (27º).

33) À data do acidente o MU tinha um valor comercial ou venal de 5.500,00 € (28º).

34) O Autor promoveu a venda dos seus salvados pelo montante de 1.050,00 € (29º).

35) Os óculos que o Autor usava e o telemóvel que trazia consigo ficaram destruídos em con­sequência do acidente (30º).

36) Ao Instituto Óptico do Conde de Duarte Neiva, Lda., pagou o Autor a quantia de 290,00 € por uns óculos que teve de adquirir em substituição dos que ficaram destruídos no acidente (31º).

37) O Autor despendeu a quantia de 169,90 € na aquisição de outro telemóvel (32º).

38) O Autor perdeu também o equipamento que envergava constituído por capacete Anel no valor de 612,50 €, blusão Dainese no valor de 573,00 € e luvas no valor de 44,99 € (33º).

39) Ficaram ainda destruídas umas calças no valor de 110,00 €, uma camisola de lã no valor de 100,00 €, um cinto no valor de 40,00 €, umas sapatilhas no valor de  100,00 € e o relógio que usava no valor de 110,00 € (34º).

40) Em honorários médicos o Autor despendeu a quantia de 1.775,00 € (35º).

41) Ao Hospital de Santa Maria pagou a quantia de 1.121,78 € (36º).

42) À Clínica de Medicina Dentária Monte dos Burgos, Lda., pagou a quantia de 220,00 € (37º)

43) Em farmácias despendeu a quantia de 99,46 € (38º).

44) O Autor exerceu a actividade de vendedor de ourivesaria até ao ano de 2000 e de materiais para pré-instalação de gás desde 2001 até Maio de 2004, altura em que ficou desempregado (39º).

45) Os seus rendimentos foram de 830.599$00 (4.143.01 €) em 1995; de 2.832.308$00 (14.127,49 €) em 1996; de 2.213.303$00 (11.039,91 €) em 1997; de 2.010.285$00 (10.027,26 €) em 1998; de 2.485.455$00 (12.397,40 €) em 1999; de 2.001.836$00 (9.985,12 €) em 2000; de 1.283,56 € em 2002; de 9.923,59 € em 2003 e de 3.139,89 € em 2004 (40º).

46) Sofreu enorme ansiedade e medo nos momentos que imediatamente precederam o acidente, temendo pela própria vida (41º).

47) Esteve internado entre 03.12.2004 e 24 de Janeiro de 2005, sendo que entre 03.12.2004 e 22.12.2004 esteve na Unidade de Cuidados Intensivos (42º).

48) Foi submetido a duas intervenções cirúrgicas (43º).

49) Foi submetido a RX, TAC e análises, e realizou exames complementares de diagnóstico muito incómodos e dolorosos, nomeadamente gastro-endoscopia digestiva alta e vídeo endoscopia digestiva alta c/sedação, em 09.03.2005 e 26.04.2005, respectivamente (44º).

50) Foi submetido a múltiplas consultas de várias especialidades, nomeadamente, cirurgia gástrica, ortopedia, Medicina Física e Reabilitação, UCI Follow UP, Medicina Interna e Old e Patologia Clínica (45º).

51) Em 7/10/05 foi internado no Hospital de Santa Maria para ser operado ao cúbito direito (46º).

52) No Hospital de Santo António, logo após o acidente, sentia fortes dores no peito, no braço, nas mãos e não conseguia respirar (47º).

53) Foi acometido de grande aflição e mal-estar, e pensou que ia morrer (48º).

54) Esteve treze dias ligado a um ventilador e, quando lho desligaram, sentia-se confuso, não entendia o que se lhe dizia e chorava constantemente (49º).

55) Durante o tempo que esteve no internamento passou por momentos de desespero e do mais absoluto desânimo, pois que se sentia abandonado, sendo certo que era vigiado através de uma câmara (50º).

56) O facto de perder sangue pelos drenos e pela urina, aliado à circunstância de lhe ser dito que tinha sido atacado por um vírus muito agressivo, afligiam-no constantemente (51º).

57) No Natal de 2004, estando internado na sala de cuidados intermédios, não pôde receber visitas por causa dos outros doentes também ali internados, o que lhe provocou uma enorme ansiedade, angústia e, mais uma vez, um grande sentimento de abandono e desânimo (52º).

58) Era assaltado por febres elevadas que lhe provocavam uma enorme prostração e mal-estar (53º).

59) Custou-lhe muito a suportar a endoscopia com anestesia geral necessária para aplicação da prótese biliar bem como a endoscopia sem sedação, que lhe provocou muitas dores, já que tinha costelas partidas e respirava com dificuldade (54º).

60) Após a alta hospital precisou da ajuda constante de 3 pessoas para tomar banho, comer, deitar-se, vestir-se, e deslocar-se (55º).

61) O que lhe provocou uma grande perda de auto estima e ofendeu o seu natural sentido de pudor (56º).

62) Tinha que dormir quase sentado em almofadões devido às dores nas costas, peito e coluna, bem como ás dificuldades em respirar (57º).

63) Perdeu cerca de 30 kg (58º).

64) Ficou com cicatrizes desfeantes provocadas pelos drenos (59º).

65) E foi atacado por micose nos pés, ainda hoje não debelada (60º).

66) Ficou uma pessoa nervosa, impaciente, incapaz de suportar qualquer contrariedade (61º).

67) Tem que fazer dieta (62º).

68) Sente grande desgosto por se ver diminuído e incapacitado (63º)

69) Teme pelo seu futuro, nomeadamente profissional, não conseguindo afastar de si a ideia de que devido à sua incapacidade não mais obterá emprego compatível com as suas habilitações (64º).

70) O acordo de seguro titulado pela Apólice referida em H) era pago em fracções trimestrais com vencimento respectivamente em 8 de Janeiro, 8 de Abril, 8 de Junho e 8 de Outubro de cada ano (68º).

71) A 4ª Ré enviou à 2ª Ré, até 8 de Setembro de 2004, um aviso/recibo de pagamento referente à fracção que iria vencer-se em Outubro de 2004, com indicação do montante do prémio em dívida, da sua data de vencimento e da data limite de pagamento (69º).

72) Foi também comunicado à 2ª Ré que o não pagamento deste recibo até 8 de Outubro de 2004 implicaria, sem qualquer outro aviso, não só o pagamento de juros de mora como ainda a anulação automática da apólice, decorridos 30 dias após aquela data (70º).

73) A 2ª Ré não pagou o prémio de seguro relativo ao período de 8 de Outubro de 2004 a 7 de Janeiro de 2005 (71º).

Processo Apenso

1) Em 3/12/04 ocorreu um acidente de viação no cruzamento entre a Rua do Godinho de Faria com a Rua Sá de Meio, em S. Mamede Infesta em Matosinhos (A).

2) O local tem boa visibilidade, e o piso encontrava-se seco e em bom estado de conservação (B).

3) O condutor do veículo UM circulava na R. Godinho de Faria e, ao chegar ao cruzamento com a R. Sá de Melo, decidiu virar à sua esquerda para entrar nesta rua, por onde circulava, no sentido norte-sul, o motociclo matrícula 00-00-00, tripulado pelo assistido (C).

4) Na sequência do embate entre o motociclo e o UM aquele entrou em desequilíbrio, derrapou e caiu na faixa de rodagem, sendo o condutor projectado pelo ar 2 metros (D).

5) A EE — Companhia de Seguros, SA, celebrou com a CC, Comércio e Serviços Automóveis, Ldª, no dia 8/4/01, um contrato de seguro do ramo automóvel o qual ficou titulado pela apólice n.° 000000000, junta de fls. 28 a 41 dos autos (E).

6) A Autora prestou assistência médica a AA, em virtude das lesões apresentadas pelo assistido e que foram consequência directa e necessária de acidente de viação por ele sofrido a 3 de Dezembro de 2004 e em que foi interveniente o veículo automóvel marca Fiat Punto, matrícula 00-00-00 conduzido por BB (1º)

7) Em virtude do referido acidente o AA sofreu danos físicos, que importaram na assistência hospitalar constante das facturas juntas de fls. 7 a 12 dos autos (2º)

8) O sinistrado esteve internado nos serviços da Autora desde 4/12/04 até ao dia 24/1/05 (3º).

9) Os encargos resultantes da referida assistência médica que foi prestada ao doente importaram em 13.252,88 € (4º)

10) O pagamento do prémio respeitante ao contrato referido em G) era trimestral (5º).

11) E era efectuado por intermédio de um mediador da Ré (6º)

12) No dia 8/10/04 iria vencer-se mais uma fracção que abrangia o período de 9/10/04 a 8/1/05 (7º).

13) A Ré “EE” enviou à segurada, até 8/9/04, um aviso/recibo de pagamento (8º)

14) Nesse aviso, a Ré “EE” informou a “F 3 Auto” do montante do prémio em dívida, da data de vencimento do prémio e da data limite de pagamento – 8/10/04 (9º).

15) A CC foi ainda informada de várias formas de pagamento e que o local desse pagamento era o domicilio do respectivo mediador de seguros, o Sr. ........, na Maia (10º)

16) Foi também comunicado à CC que o não pagamento do valor deste recibo, na data indicada (08/10/2004), implicaria, sem qualquer outro aviso, não só o pagamento de juros de mora como ainda a anulação automática da apólice decorridos 30 dias após aquela data (11º).

18) A CC não pagou o prémio de seguro relativo a esse período (12º).

19) O veículo 00-00-00 era propriedade da “CC — Comércio e Serviços Automóvel, Lda.”, entidade para quem o Réu BB trabalhava, e com cujo conhecimento, autorização e interesse circulava no momento do acidente (19º)

b) Matéria de Direito

1) Análise do recurso do DD

O recorrente DD sustenta, em suma, que no tocante à demonstração da formalidade exigida pelo DL 142/2000, de 15/7, a prova testemunhal produzida não pode substituir a prova documental a que a lei obriga e que por essa razão o STJ está em condições de alterar a decisão de facto no sentido que preconiza (as respostas aos quesitos mencionados na 3ª conclusão da minuta).

Mas não tem razão.

Esta questão já foi suscitada na apelação, sendo certo que o acórdão recorrido a encarou e resolveu de forma perfeitamente acertada, com fundamentação que não pode originar a mínima dúvida.

E senão vejamos o que nele se escreve sobre o assunto, na parte que releva:

“ Veja-se como o tribunal recorrido fundamentou as respostas dadas aos quesitos em causa (fls 734 e seguintes):

“A matéria de facto constante dos artigos 68º a 72º da Base Instrutória da Acção Principal[2], relacionada com o contrato de seguro e a validade da apólice, foi baseada, desde logo, nos documentos juntos aos autos pela ré EE a fls. 194 e ss. – Cópia da apólice de seguro, emitida pela seguradora –, fls. 693 – cópia do aviso/recibo de cobrança de prémios, enviado pela ré seguradora ao segurado, a 2ª ré –, e fls. 717 – “print informático” da segu­radora onde consta a anulação da apólice.

Estes documentos foram também confirmados pelas testemunhas GG, funcionário da seguradora, e A........., mediador da mesma.

(…)

Ora, dos documentos apresentados pela ré seguradora, acima mencionados, em con­jugação com os depoimentos prestados pelas testemunhas GG e A........., resultou a convicção para o tribunal de que a apólice de seguro relativa ao veículo segurado se encontrava anulada à data do acidente, por falta de pagamento do respectivo prémio”.

Uma primeira ideia se pode reter deste extracto da motivação: a de que foi, principalmente, a prova docu­mental apresentada pela Ré “EE” que serviu de base à formação da convicção do tribunal relativamente às respostas dadas aos citados quesitos.

Centremos a nossa atenção no documento de fls. 693, aí referenciado.

Trata-se do duplicado do aviso de pagamento do prémio de seguro referente ao período de 08.10.2004 a 07.01.2005, documento que não foi impugnado por nenhuma das partes. A 2ª Ré “CC” havia já sido notificada pelo tribunal, a requerimento da Ré “EE”, para juntar o original desse documento, mas como o não fez, a seguradora acabaria por juntar o duplicado na audiência de julgamento de 03.06.2009, (cfr. fls. 696/697).

Desse documento consta, com interesse, o seguinte:

“Informamos que se encontra a pagamento o recibo referido neste aviso. Para sua comodidade, poderá efectuar o seu paga­mento através de Multibanco, ou por outro meio, no local de cobrança indicado ou em qualquer balcão da EE – Companhia de Seguros, S.A.

Mais informamos V. Exa. que, em conformidade com o estabelecido no artigo 7º do Decreto-Lei n.º 142/2000, de 15 de Julho, no caso do prémio não se encontrar pago na data indicada como data da resolução, o contrato de seguro será anulado automaticamente naquela mesma data, sem possibilidade de ser reposto em vigor, conforme imposição do artigo 8º do mencionado Decreto-Lei.

(…)”.

O anterior regime jurídico do pagamento de prémios dos contratos de seguro constava do DL 105/94[3], de 23 de Abril, e dera origem a milhares de acções judiciais instauradas pelas seguradoras para cobrança de prémios não pagos.

O novo regime do DL 142/2000[4] pretendeu travar esse fenómeno de incumprimento massivo, introduzindo algumas alterações para tornar mais equilibradas as relações contratuais entre empresas de seguros e segurados, designadamente, encurtando o prazo para o pagamento dos prémios.

Os artigos 7º e 8º deste diploma regulam o modo como se processa a comunicação ao tomador do seguro das con­dições do pagamento dos prémios e das consequências da falta desse pagamento.

Assim:

Artigo 7º

Aviso para pagamento de prémios ou fracções subsequentes

1 — A empresa de seguros encontra-se obrigada, até 30 dias antes da data em que os prémios ou fracções subsequentes sejam devidos, a avisar, por escrito, o tomador de seguro, indicando a data do pagamento, o valor a pagar e a forma de pagamento.

2 — Do aviso a que se refere o número anterior devem obrigatoriamente constar as consequências da falta de paga­mento do prémio ou fracção, nomeadamente a data a partir da qual o contrato é automaticamente resolvido, nos termos do artigo seguinte.

3 — Recai sobre a empresa de seguros o ónus da prova relativo ao envio do aviso a que se refere o presente artigo.

Artigo 8º

Falta de pagamento de prémio ou fracções subsequentes

1 — Na falta de pagamento do prémio ou fracção na data indicada no aviso referido no artigo anterior, o tomador de seguro constitui-se em mora e, decorridos que sejam 30 dias após aquela data, o contrato é automaticamente resolvido, sem possibilidade de ser reposto em vigor.

2 — Durante o prazo referido no número anterior o contrato produz todos os seus efeitos.

3 — Nos casos em que a cobrança seja efectuada através de mediadores, estes ficam obrigados a devolver às empresas de seguros os recibos não cobrados dentro do prazo de oito dias subsequentes ao prazo estabelecido no n.º 1, sob pena de incorrerem nas sanções legalmente estabelecidas.

Das normas vindas de citar resulta apenas ser indispensável que o aviso com as menções obrigatórias defini­das nos nºs 1 e 2 do artigo 7º (data do pagamento, valor a pagar, forma de pagamento e consequências da falta deste) seja comunicado por escrito ao tomador do seguro, não se exigindo qualquer outra formalidade especial, designadamente o registo postal ou a emissão de aviso de recepção.

Nem sempre foi assim.

Com efeito, no domínio do DL 162/84, a suspensão da garantia do contrato de seguro, em consequência do não pagamento nos 45 dias subsequentes à data do vencimento do prémio, tinha de ser comunicada por cor­reio regis­tado com aviso de recepção – cfr. art. 5º, n.º 1. E a resolução do contrato tinha igualmente de ser veiculada por essa específica forma se, na altura da comunicação da suspensão, a seguradora não tivesse manifestado essa intenção – cfr. art. 7º, nºs 1 e 2.

O registo e o aviso de recepção constituíam, assim, formalidade “ad probationem”, pois a sua finalidade era obter prova segura acerca do acto e não qualquer das outras finalidades possíveis de formalismo negocial (obrigar as partes a reflexão sobre as circunstâncias do acto, assegurar a reconhecibilidade do acto por terceiros ou o seu “contrôle” no interesse da comunidade, etc.)[5].

A partir do DL 105/94, essa específica formalidade da comunicação deixou de ser exigida[6], dispensando-se até o registo postal. O aviso de pagamento do prémio, com as restantes menções obrigatórias, passou a poder ser feito através de correio simples. Isto mesmo resulta do art. 18º, n.º 3, da Norma 17/2000, de 21 de Dezembro, do Instituto de ............[7], citada pelo recorrente[8].

Sobre a seguradora EE recaía o onus probandi de que enviou ao tomador do seguro o dito aviso (art. 7º, n.º 3), no prazo e com as menções obrigatórias referidas, nomeadamente a de que ocorreria a resolução automática do contrato de seguro decorridos que fossem 30 dias sobre a data nele indicada para o pagamento do prémio – arts. 7º, n.º 2, e 8º, n.º 1.

Essa prova pode fazer-se por qualquer meio, designadamente por prova testemunhal[9], face ao disposto no art. 392º do CC, tal como sucedeu no caso dos autos. E a verdade é que o recorrente não pôs em causa a substancialidade dessa prova testemunhal.

Logo, não se vê razão para alterar qualquer uma das respostas dadas pelo tribunal aos quesitos em causa”.

Como se vê da antecedente transcrição, a Relação demonstrou cabalmente duas coisas:

1º) Que, contrariamente ao alegado pelo DD, as respostas aos quesitos em discussão assentaram também em prova documental, e não exclusivamente testemunhal;

2º) Que, segundo a lei aplicável (interpretada nos termos em que o acórdão recorrido o fez), a prova documental junta ao processo é a suficiente para a demonstração dos factos inseri­dos nos apontados quesitos relativos à comunicação do vencimento do prémio do seguro, data limite do seu pagamento e data da resolução automática do contrato se aquele não for efec­tuado.

Ora, uma vez que o Supremo Tribunal, por ser um tribunal de revista, não dispõe de competência legal para sindicar o julgamento de facto das instâncias (artº 729º, nº 2, CPC), e porque, como se infere de tudo o que antecede, não ocorre nenhum dos casos excepcionais, previstos no artº 722º, nº 2, segunda parte, do mesmo diploma, em que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa pode ser objecto  de recurso de revista, é evidente que a pretensão da recorrente tem de ser rejeitada, subsistindo, assim, sem qualquer modificação os factos estabelecidos no acórdão recorrido e, consequentemente, a decretada absolvição da ré EE.

No corpo da sua alegação o recorrente censura os montantes das indemnizações fixadas a título de danos patrimoniais e morais, defendendo a sua redução; como, porém, omitiu por completo qualquer referência a essa matéria nas conclusões do recurso, o STJ está impedido de se pronunciar sobre o assunto (artºs 684º, nº 3, e 690º, nº 1, CPC).

2) Análise do recurso de BB   

A sentença da 1ª instância começou por decretar somente a condenação do DD, mas depois, deferindo em parte um pedido de reforma por este apresentado, condenou de igual modo, solidariamente com o DD, a 3ª ré, proprietária do veículo causador do acidente; omitiu, no entanto, qualquer decisão explícita (ou mesmo implícita) sobre o pedido formulado no processo principal contra o 1º réu, isto é, não o condenou, mas também, em boa verdade, não o absolveu.

Na sua apelação o DD insurgiu-se contra esta pelo menos aparente absolvição do 1º réu; e teve êxito, pois o acórdão recorrido deu-lhe razão: considerou que o responsável civil a que alude o artº 29º, nº 6, do DL 522/85 [10] será, não apenas o sujeito vinculado à obrigação de contratar, mas também todo aquele em relação ao qual se verifiquem os pressupostos da obrigação de indemnizar; por isso estendeu ao 1º réu, em regime de solidariedade com a proprietária da viatura (a ré F3, Ldª) e o DD, a condenação pronunciada na sentença. 

É contra isto que o 1º réu agora se insurge, baseando-se essencialmente no que este STJ decidiu no seu acórdão de 13/1/05 (Procº 04B1310), cujo sumário levou praticamente ipsis verbis às conclusões da minuta.

Vejamos.

Nos termos do artº 21º, nº 1, na parte que aqui interessa, compete ao DD satisfazer as indemnizações decorrentes de acidentes causados por veículos sujeitos ao seguro obriga­tório e que sejam matriculados em Portugal. E, segundo dispõe o nº 2, alíneas a) e b), do mesmo preceito, em caso de acidente originado pelos veículos referidos no nú­mero anterior o Fundo garante a satisfação da indemnização por lesões corporais e materiais, quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido e eficaz. Destes textos decorre que o DD não é mais do que um garante, um responsável “subsidiário”; o principal obrigado é sempre o responsável civil; e só se este último se furtar ao cumprimento do seu dever é que o Fundo entra em cena, satisfazendo a indemnização arbitrada. Tal a verdadeira razão de ser do artº 25º, nº 1, independentemente de aí se falar em sub-rogação. E essa é também a explicação lógica para a norma do artº 29º, nº 6, - aquela que verdadeiramente está em causa no presente recurso. Dispõe este preceito que as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, devem ser obriga­toriamente postas contra o Fundo e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade. Consoante se observa no acórdão da Relação do Porto de 10.1.96 [11], ao impor o litisconsórcio necessário passivo, a lei teve em vista três objectivos essenciais, que foram: tornar acessível ao DD, pela via mais autêntica do próprio interveniente no aci­dente, a versão deste e todo o material probatório a que doutro modo não acederia; facilitar ao lesado a satisfação do seu direito, permitindo-lhe optar entre o património do lesante faltoso e a indemnização meramente substitutiva do Fundo; e, por fim, tirando partido da presença do obrigado ao seguro,  logo  definir na medida do possível, sem mais dispêndio processual,  os pressupostos de facto e jurídicos em que há-de basear-se o direito de subrogação do Fundo estabelecido no citado artº 25º.

Só que, como também se evidencia no mesmo aresto, as razões justificati­vas  do litisconsórcio implicam, logicamente, a necessidade da condenação solidária dos demandados, sob pena de ter de concluir-se, contra os ditames da boa interpretação estabelecidos no artº 9º do CC, que ao traçar o regime processual desta ac­ção o legislador estabeleceu uma tal ou qual inutilidade, limitando o papel na acção do obrigado ao seguro  “a mero oficiante de corpo presente”. Não sofre dúvida, portanto, de que existe uma “concorrência” de responsabilidades, podendo afirmar-se que estamos perante um caso de soli­dariedade imprópria, imperfeita ou “impura”. Isto porque, externamente, a responsabilidade dos obrigados é solidária, na verdadeira acepção da palavra: o lesado pode exigir de qualquer um deles - responsável civil e DD -  a satisfação da totalidade do seu crédito (artº 519º, nº 1, do CC). Internamente, porém, as coisas são diferentes: se quem paga a indemnização devida for o responsável civil, nenhum direito lhe assiste perante o Fundo; se, pelo contrário, for este a pagar, fica subrogado nos direitos do lesado, como se viu, podendo exigir do lesante aquilo que pagou, acrescido dos juros legais de mora e das despesas efectuadas com a liquidação e cobrança (cfr. o citado artº 25º, nº 1) [12].

Quem é, porém, o responsável civil de que fala o artº 29º, nº 6?

A nosso ver, a lei a refere-se aqui tão somente ao sujeito da obrigação de segurar a que alude o artº 2º, nº1, único cuja presença na acção, pelas razões acima expostas, é absolutamente imprescindível para assegurar a legitimidade passiva. Normalmente, esse sujeito será o proprietário da viatura que, para circular, deve estar coberta por um seguro que garanta a sua responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros; e será o usufrutuário, o adquirente ou o locatário nos casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, tudo con­soante determina o artº 1º, nº 1. Desde que uma destas pes­soas, conforme o caso, esteja em juízo ao lado do DD, fica resolvido o problema da legitimidade passiva, que é, de igual modo, o único que o nº 6 do artº 29º se destina a solucionar. Este entendimento sai reforçado quando se tenha em atenção o disposto no nº 8 do mesmo artigo, segundo o qual “quando o responsável por acidentes de viação for desconhecido, pode o lesado demandar directamente o Fundo de Garantia Automó­vel”. Falando aqui em responsável por acidentes de viação, que não em responsável pelo incumprimento do dever de segurar, a lei está a dizer ao seu intérprete, indirectamente, que separa estas duas realidades e, ao mesmo tempo, a confirmar que para o efeito da legitimidade passiva nas acções postas contra o Fundo lhe interessa apenas a segunda delas. Sendo as coisas assim,  já se vê que nada pode obstar a que o lesado demande, além do Fundo e do referido responsável, outro ou outros sujeitos que considere civilmente responsáveis, como por exemplo o condutor (que muitas vezes não é o sujeito da obrigação de segurar), e venha a obter, a final, a respectiva condenação, solidária com a dos restantes demandados. Isto, contudo, já não tem que ver com a legitimidade, mero pressuposto processual, mas sim, verdadeiramente, com o fundo da causa, com a verificação, relativamente a esse(s) outro(s) demandado(s), de todos os pressupostos da obrigação de indemnizar. É precisamente o que sucede com o recorrente no caso sub judice: na verdade, resulta dos factos coligidos que foi ele, condutor do veículo per­tencente à ré CC, Ldª, o único e exclusivo culpado do acidente, conforme, de resto, logo na sentença ficou decidido, sem que essa parte do julgado tenha sido objecto de recurso. Por consequência, a sua condenação nos termos em que o acórdão recorrido a decidiu não merece qualquer censura, a ela não obstando, em razão do exposto, a norma do artº 29º, nº 6.

Improcedem, assim, ou mostram-se deslocadas todas as conclusões de ambos os recursos.

III. Decisão

Negam-se ambas as revistas.

Cada um dos recorrentes suportará as custas do recurso que interpôs.

   Lisboa, 12 de Julho de 2011

Nuno Cameira (Relator)
Sousa Leite
Salreta Pereira

 ___________

   
[1] Entre parêntesis indicam-se por letras as alíneas correspondentes aos factos assentes e por números os quesitos da base instrutória.
[2] Na motivação da decisão sobre a matéria de facto do processo apenso, a fls. 737, diz-se que a prova dos factos deste, relativos à propriedade da viatura UM, à validade da apólice de seguro e ao pagamento dos prémios respectivos, teve por base a prova produzida na acção principal.
[3] E, anteriormente, do DL 162/84, de 18 de Maio, que revogara o art. 445º do Código Comercial.
[4] Diploma que já foi objecto de várias alterações pelos DL 248-B/2000, de 12 de Outubro, 150/2004, de 29 de Junho, 122/2005, de 29 de Julho, e 291/2007, de 21 de Agosto.
[5] Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª edição, págs. 436/437.
[6] Cfr. acórdão do STJ de 1/2/05 (Revª 4474/04 - 6ª ) em www.stj.pt.
[7] Cfr. sítio do Instituto Português de Seguros, www.isp.pt.
[8] A Norma Regulamentar, enquanto desenvolvimento e concretização do regime legal, não pode contrariar esse regime, hierarquicamente superior, sob pena de ilegalidade, devendo ser sempre interpretada na sua conformidade, como, de resto, previne o art. 39º, n.º 1 do DL n.º 522/85.
[9] Veja-se, neste mesmo sentido, o acórdão da Relação do Porto, de 20/1/05 (Pº 0437195), em www.dgsi.pt.
[10] Salvo menção em contrário, as normas citadas no texto pertencem a este diploma legal.
[11] CJ Ano XXI, III, 231; no mesmo sentido o Ac. da Relação de Coimbra de de 10/1/96, na CJ Ano XXI, I, 231.
[12] Neste sentido cfr o Ac. da Relação de Coimbra de 20.5.00 (CJ XXV, III, 20) e o Ac. da Rel. de Évora de 27.11.97, suma­riado no BMJ 471, 477.