Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO MAGALHÃES | ||
Descritores: | REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA RESIDÊNCIA PROGENITOR ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES | ||
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Data do Acordão: | 05/11/2022 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | Se a mãe de nacionalidade dinamarquesa assumiu por acordo com o pai, da mesma nacionalidade, o acompanhamento da educação da filha desde pequena (a não ser nos períodos de duas ou três semanas em que se deslocou à Dinamarca para prosseguir os seu estudos) e se é na Dinamarca que se encontra a família paterna e materna da criança, é do superior interesse da menor que ela continue a residir com a mãe, ainda que esta, que vive, por ora, na mesma casa do requerido, em Portugal, pretenda regressar à Dinamarca para aí residir e prosseguir os seus estudos.” | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Relatório AA propôs, contra BB, acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais de CC, filha de ambos. Realizada a conferência de pais, foi fixado regime provisório, no qual se determinou a residência da menor com ambos os pais em Portugal, ficando todas as despesas da criança a cargo do pai. Os pais foram remetidos para audição técnica especializada, ficando a conferência suspensa. Designada data para a respetiva continuação, foi ouvida a técnica gestora do processo. Foi também aditada ao regime provisório a possibilidade de a menor viajar para a Dinamarca na época natalícia, com respeito pela repartição desse período festivo entre ambos os pais. Os progenitores apresentaram alegações. Realizada a audiência final, em que a mãe suscitou a nulidade de determinado depoimento, foi proferida sentença que, indeferindo essa arguição, regulou o exercício das responsabilidades parentais da menor, fixando, nomeadamente, a residência da criança com o pai e uma pensão de alimentos a pagar pela mãe. Mais precisamente, fixou o seguinte regime: “1. Exercício das responsabilidades parentais: a) Fixa-se a residência da criança junto do progenitor, AA; b) O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente da criança incumbe ao pai, exercício que também competirá à mãe, quando temporariamente a criança com ela estiver, não podendo ela contrariar as orientações educativas mais relevantes, tal como são definidas pelo pai; c) O exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança (v.g. residência no estrangeiro, intervenção cirúrgica programada, opção pelo ensino público ou privado) compete de comum acordo a ambos os progenitores 2. Convívios: a) A progenitora DD poderá conviver e estar com a filha nas férias de verão, num período de 30 dias, devendo os pais acordar nos respetivos períodos, com antecedência, entendendo-se adequado que tal aconteça até final do mês de maio de cada ano. b) Neste ano, a menina passará as férias de verão com a mãe, entre 1 a 30 de agosto, salvo se houver acordo dos pais noutro sentido. c) Em caso de sobreposição de férias dos pais, a criança passará metade desse período com cada um dos pais. d) As férias do natal, ano novo e páscoa, serão repartidas na proporção de metade para cada um dos progenitores, devendo estes acordar os respetivos períodos, com a antecedência de 15 dias. e) A mãe poderá estar com a filha em Portugal, sempre que quiser e puder, desde que sem prejuízo das suas atividades escolares e desde que avise o pai com, pelo menos, 15 dias de antecedência. f) A mão poderá conviver com a filha por telefone ou por meios audiovisuais a horas que não prejudique o descanso e a escola da menor. g) Sempre que o progenitor se deslocar à Dinamarca, assegurará que a CC conviva com a mãe, avisando esta, pelo menos com 15 dias de antecedência. h) As viagens da CC para a Dinamarca e regresso a Portugal, no âmbito dos convívios com a mãe serão custeadas pelo pai. 3. Alimentos a) A mãe contribuirá, mensalmente, a título de alimentos devidos à filha, com a prestação de €100,00 quantia que deverá depositar na conta bancária do pai até ao dia 8 de cada mês e que será atualizada, anualmente em janeiro (de acordo com o índice de variação de preços ao consumidor relativo ao ano anterior, conforme publicado pelo Instituto Nacional de Estatística). b) As despesas de educação e de saúde da criança serão suportadas pelo pai. Custas por ambos os progenitores, na proporção de ½ para cada um.” Não conformada, BB interpôs recurso de apelação. AA e o Ministério Público apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença. Por acórdão de 13 de janeiro de 2022, o Tribunal da Relação ... decidiu o seguinte: “Por todo o exposto, acordamos em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogamos a sentença recorrida, ora regulando o exercício do poder paternal da menor CC nos seguintes termos: a) A residência da menor é fixada junto da mãe, a quem competirá o exercício das responsabilidades parentais quanto aos actos da vida corrente da criança; b) Quando a menor estiver com o pai, competirá a este o exercício das responsabilidades parentais quanto aos actos da vida corrente da filha, desde que não contrarie as orientações educativas mais relevantes definidas pela mãe; c) O exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida da menor (nomeadamente, residência da menor fora da Dinamarca e intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos não urgentes) compete em comum a ambos os progenitores; d) O pai poderá ver, estar e ter consigo a menor mediante combinação com a mãe; e) Em caso de desacordo dos pais, o pai poderá ter consigo a menor, onde desejar: 1º - na primeira metade das férias escolares de Natal e na primeira metade das férias escolares de Verão nos anos ímpares e na segunda metade das férias escolares de Natal e na segunda metade das férias escolares de Verão nos anos pares; 2º - nos demais períodos de férias escolares; 3º - em fins de semana alternados, fora dos períodos referidos em 1º e 2º; f) O pai contribuirá a título de alimentos para a menor com a quantia mensal de 1.000,00€, que depositará em conta bancária da mãe – cujo IBAN esta lhe indicará - até ao último dia de cada mês; g) Tal quantia será automaticamente actualizada, em Fevereiro de cada ano, de acordo com a taxa de inflação publicada pelo competente organismo dinamarquês para o ano anterior. Custas pelo apelado”. Inconformado, AA interpôs recurso de revista, formulando as seguintes Conclusões: “A. O presente recurso tem por objecto o acórdão proferido, em 13 de Janeiro de 2022, pelo Tribunal da Relação ..., com o qual o Recorrente não se conforma, que deu provimento ao recurso interposto pela Recorrida, revogando a sentença recorrida e, substituindo-a por outra que regulou o exercício do poder paternal da menor CC, fixando a residência da mesma junto daquela. B. Em primeiro lugar porque os factos provados não permitem concluir pela existência de uma figura primária de referência, pois, se é verdade que, por força da repartição de tarefas acordadas entre os pais, nos primeiros anos de vida, a Recorrida não trabalhou para se dedicar às lides da casa e acompanhar mais de perto a educação da menor, não é menos verdade que o Recorrente, mercê da sua flexibilidade em organizar o seu próprio tempo, esteve sempre presente e acompanhou igualmente a edução da menor. C. De facto, como bem notou o Tribunal de 1.ª instância “A ausência do pai foi compensada com a disponibilidade da mãe, foram ambos cuidadores, a menor só beneficiou da mãe a tempo inteiro porque o pai investiu e trabalhou para isso, o que não faz do pai menos cuidador do que a mãe, o pai investiu no bem-estar da sua filha, tanto quanto a mãe.". D. No mesmo sentido, concluiu a técnica da Segurança Social, Dra. EE, que realizou a audição técnica especializada, segundo a qual “Ambos os pais são investidos quanto à filha e têm competências parentais, quando a mãe se deslocava à Dinamarca a criança ficava com o pai e tudo corria normalmente (…)”, e que “Os dois progenitores participam nas atividades extracurriculares da criança” e que “a CC está bem integrada em Portugal, sendo esta a realidade que conhece melhor, e que seria vantajoso para si ficar em Portugal aos cuidados do pai e fixar-se um regime de visitas à mãe.”. De igual modo, E. Também o Digníssimo Magistrado do Ministério Público junto do Juízo de Família e Menores ... - Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca ... não teve quaisquer dúvidas em afirmar, nas suas doutas alegações orais, que “Para mim parece-me é uma falsa questão e nessa perspectiva ambos eram cuidadores (…)”. Para além disso, F. A conclusão do Tribunal da Relação ... acerca da figura primária de referência baseia-se num manifesto erro de interpretação da matéria de facto provada, ao sustentar que “mesmo depois de o casal se ter separado (embora continuem a viver na mesma casa) em Setembro de 2019, o pai só providencia tais cuidados na ausência da mãe”, o que, para além de manifestamente falso, não encontra respaldo na matéria de facto dado como provada. Além de que, G. Resulta do processo prova documental – nomeadamente o relatório da audição técnica especializada – que, por si só, contradiz directamente a conclusão das Senhoras Desembargadoras relativamente à figura primária de referência. H. Em segundo lugar porque o critério primary caretaker ou figura primária de referência encontra-se ultrapassado ou, mesmo que assim não se entenda, não poderia ter sido aplicado per se desacompanhado das restantes circunstâncias da vida da menor, como fez o Tribunal da Relação .... Com efeito, I. Nenhum dos critérios contidos no Comentário geral n.º 14 (2013) do Comité dos Direitos da Criança sobre o direito da criança a que o seu interesse superior seja tido primacialmente em consideração, foram directa ou sequer indirectamente considerados no acórdão recorrido, nomeadamente: (a) A opinião da criança; (b) A identidade da criança (que inclui características tais como o sexo, a orientação sexual, a nacionalidade de origem, a religião e as crenças, a identidade cultural e a personalidade e a desejável continuidade da educação da criança, as suas origens étnicas, religiosas, culturais e linguísticas); (c) Preservação do ambiente familiar e manutenção de relações (o termo “família” deve ser interpretado num sentido lato de modo a incluir os pais biológicos, adoptivos ou substitutos ou, quando aplicável, os membros da família alargada ou da comunidade nos termos dos costumes locais; a criança tem o direito “a manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos os pais); (d) Cuidados, protecção e segurança da criança (os termos “protecção e cuidados” também devem ser interpretados em sentido lato, uma vez que o seu objectivo não é enunciado em termos negativos ou limitados - tal como “proteger a criança de danos” -, mas, pelo contrário, relativamente ao ideal mais vasto de assegurar o “bem-estar” e o desenvolvimento da criança. O bem-estar da criança, em sentido lato, inclui as suas necessidades básicas materiais, físicas, educativas e emocionais, bem como as necessidades de afecto e segurança); (e) Situação de vulnerabilidade; (f) O direito da criança à saúde; (g) O direito da criança à educação. J. O Tribunal da Relação ... apressou-se a concluir, sem mais, pela existência de uma relação mais estreita entre a Recorrida e a menor, que em todo o caso não existe, sem atender os demais critérios, ou seja, sem atender ao real superior interesse da menor (!). K. No caso concreto, dúvidas não subsistem que o superior interesse da menor será melhor acautelado através da fixação da residência da mesma junto do Recorrente, na medida em que, conforme resultou provado, o mesmo encontra-se em melhores condições para promover um desenvolvimento pessoal, físico e emocional da menor, assegurando uma maior estabilidade, incluindo a nível emocional. L. Para além disso, conforme resultou da decisão da 1.ª instância, o projecto de vida do Recorrente é o que melhor acautelar o superior interesse da menor. De facto, M. Apenas o Recorrente apresentou um projecto de vida adequado ao desenvolvimento físico, psíquico e emocional da menor, o qual passa por manter o projecto de vida que ambos os progenitores para ela escolheram, no conforto da sua casa, do seu quarto, numa escola multicultural e, em suma, na estabilidade que só um lar pode transmitir, enquanto o projecto de vida apresentado pela Recorrida passar apenas por ir viver para a Dinamarca com a sua filha, numa cave de 26 m2, vivendo de favor em casa de uma amiga, terminar os seus estudos e inscrever a sua filha na escola. N. Ao decidir pela fixação da residência da menor junto da Recorrida, o acórdão recorrido violou, pois, entre outros, o disposto no artigo 1906.º, n.º 6 e 8 do Código Civil, bem como os artigos 27.º, n.º 1 e 40.º do RGPTCO. Não obstante a natural capacidade de readaptação das crianças em geral, no caso de vir a ser forçada residir na Dinamarca, a menor será confrontada, num curto espaço de tempo, com três situações potencialmente traumáticas: a primeira a separação dos pais, a segunda uma alteração abruta de país, de cultura, de escola, de amizades e de rotinas em geral e a terceira o afastamento do seu progenitor do seu dia-a-dia. P. Em terceiro lugar, o acórdão recorrido, ao fixar a residência da menor com a Recorrida com fundamento na identidade de género entre a criança e a Recorrida viola os princípios constitucionais da igualdade e do direito à família contidos, respectivamente, nos artigos 13.º e 36.º da Constituição da República Portuguesa. Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão do Tribunal da Relação ... e repristinando-se a sentença proferida em 1.ª instância, a qual regulou o exercício das responsabilidades parentais relativamente à criança CC, fixando a residência da mesma junto do pai, ora recorrente. Só assim decidindo, farão V. Exas. a tão costumada e sã JUSTIÇA! Requer ainda, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 651.º, n.º 2 e 680.º, n.º 2, a junção aos autos da informação técnica especializada elaborada pela Psicóloga FF”. Por seu turno, BB apresentou contra-alegações com as seguintes Conclusões: “I. O presente recurso vem interposto do acórdão do Tribunal da Relação ..., de 13 de janeiro de 2022, com a referência ..., no qual foi regulando o exercício do poder paternal da menor CC, que fixou a residência da mesma junto da mãe. II. Por não se conformar como douto acórdão proferido, o ora Recorrente interpôs recurso do mesmo, para o Supremo Tribunal de Justiça, com base nos seguintes fundamentos: Os factos provados não permitem concluir pela existência de uma figura primária de referência; O critério primary caretaker ou figura primária de referência encontra-se ultrapassado ou, mesmo que assim não se entenda, não poderia ter sido aplicado per se desacompanhado das restantes circunstâncias da vida da menor; O acórdão recorrido, ao fixar a residência da menor com a Recorrida com fundamento na identidade de género entre a criança e a Recorrida viola os princípios constitucionais da igualdade e do direito à família contidos, respectivamente, nos artigos 13.o e 36.o da Constituição da República Portuguesa. III. Discorda a Recorrida do recurso apresentado. IV. Alega o Recorrente que “não resulta dos factos provados que a Recorrida seja a principal prestadora de cuidados à menor CC.” V. Com base nos factos dados como provados pelo Tribunal de 1.ª Instância, nos pontos 8, 17, 18, 23, 24, 28, 33 e 35, o Tribunal da Relação ... concluiu que: “...foi a mãe que, “a tempo inteiro”, tratou da filha desde que ela nasceu, tanto que deixou os estudos e nunca trabalhou (pontos 8. e 33. dos factos provados). Fê-lo sem interrupções, mesmo quando, em 2018 e 2019, se deslocava à Dinamarca por razões académicas (pontos 28. e 35. dos factos provados) ...dispondo a mãe das competências necessárias para amar, cuidar e acompanhar a filha no seu desenvolvimento, era expectável que viesse ela a constituir a principal referência na vida da criança, mercê do seu papel de principal cuidadora (só residualmente assumindo o pai tais funções) ...foi a mãe que, “a tempo inteiro”, tratou da filha desde que ela nasceu, tanto que deixou os estudos e nunca trabalhou (pontos 8. e 33. dos factos provados). Fê-lo sem interrupções, mesmo quando, em 2018 e 2019, se deslocava à Dinamarca por razões académicas (pontos 28. e 35. dos factos provados) ...E só em 2020, por períodos de uma ou duas semanas, se separou da criança - por ter ficado impedida de a levar consigo –falta que a CC sentiu (pontos17., 23. e28. dos factos provados) ...o pai só providencia tais cuidados na ausência da mãe (pontos 2., 7., 18. e 24. dos factos provados). E não há notícia de que a CC tenha evidenciado sentir a falta do pai durante os períodos em que acompanhava a mãe à Dinamarca.” VI. E com base nos factos dados como provados, concluiu que “a solução que menos afectará a estabilidade emocional da CC e que lhe permitirá, com menor sofrimento, enfrentar esta situação de inevitável transição e perdas, será a de conservar a especial e securitária relação diária entre mãe e filha, ou seja, será a de determinar a residência da CC com a mãe.” VII. Pelo que, carece de fundamento a alegação do Recorrente segundo a qual os factos provados não permitem concluir pela existência de uma figura primária de referência. VIII. Não existindo, portanto, qualquer erro manifesto de interpretação, pelo Tribunal da Relação ..., da matéria de facto provada, ao concluir ser a Recorrida a figura primária de referência, com a qual a criança mantém uma relação de grande proximidade, acautelando o acórdão recorrido devidamente o superior interesse da menor. IX. Alega também o Recorrente que a figura primária de referência ou doutrina do Primary Caretaker, não deveria ter sido o critério relevante utilizado pelo Tribunal da Relação ..., para fixar a residência da CC junto da Recorrida, por se encontrar ultrapassado. X. Importa distinguir o critério do Primary Caretaker ou figura primária de referência do critério da preferência maternal, segundo o qual as crianças, sobretudo na chamada primeira infância, devem ficar com as mães, assentando o referido princípio em razões históricas, sociológicas e culturais e, mesmo, em razões de ordem biológica, designadamente as relacionadas com a gestação, o parto, a amamentação, propiciadoras de grande proximidade física entre a mulher e os filhos), este sim ultrapassado. XI. Este princípio da preferência materna perdeu atualidade e foi substituído pelo critério da figura primária de referência “Primary Caretaker”, sendo atualmente ambos os progenitores considerados numa posição de igualdade, de acordo com a Convenção dos Direitos da Criança e o art.º 36.º da Constituição da República Portuguesa. XII. Refira-se ainda que, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... teve como base o critério do interesse objetivo da menor, referindo o mesmo que: “o modo como deve ser regulado o exercício das responsabilidades parentais da CC – em particular no que à sua residência respeita – atenderá, principalmente, ao critério do interesse objectivo da menor (artigos 1906º nº 5, 6 e 8 do Cód. Civ. e 40º nº 1 do RGPTC). C) Por se tratar de um conceito indeterminado que, em cada caso, o juiz há-de necessariamente concretizar, escreve Maria Clara Sottomayor (Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, Almedina, Coimbra, 2000:32-34): “Da análise da jurisprudência resultam uma série de sub-critérios ou factores que servem de fundamento à determinação do interesse do menor. Estes factores são tantos e tão variados como as situações de facto que surgem perante o tribunal, mas apesar da sua heterogeneidade é possível enumerá-los. Podemos dividi-los em factores relativos à criança e factores relativos aos pais. Os primeiros englobariam as necessidades físicas, religiosas, intelectuais e materiais da criança, a sua idade, sexo e grau de desenvolvimento físico e psíquico, a continuidade das relações da criança, a adaptação da criança ao ambiente extra-familiar de origem (escola, comunidade, amigos, actividades não escolares), assim como os efeitos de uma eventual mudança de residência causadas por uma ruptura com este ambiente, o seu comportamento social e a preferência por ela manifestada. Os segundos abrangem a capacidade dos pais para satisfazer as necessidades dos filhos, o tempo disponível para cuidar destes, a saúde física e mental dos pais, o sexo destes (a preferência maternal ou o princípio da atribuição da guarda ao progenitor que tem o mesmo sexo da criança), a continuidade da relação de cada um dos pais com a criança, o afecto que cada um dos pais sente pela criança, o seu estilo de vida e comportamento moral, a sua religião, a sua situação financeira, a sua ocupação profissional, a estabilidade do ambiente que cada um pode facultar aos filhos, a vontade que cada um deles manifesta de manter e de incentivar a relação dos filhos com o outro progenitor. Existem, ainda, outros factores, não ligados à pessoa dos pais ou da criança, que contribuem para a decisão final. São eles, por exemplo, condições geográficas, como a proximidade da casa de cada um dos pais da escola dos filhos, condições materiais, como as características físicas de cada casa, a possibilidade de criação de um espaço próprio para a criança, o número de ocupantes da casa e condições familiares, a companhia dos outros irmãos e a assistência prestada a um dos pais por outros membros da família, por exemplo, os avós.” D) Quando há que decidir com qual dos progenitores deve ser fixada a residência do menor, “o processo de decisão começa, pois, por uma selecção negativa, isto é, pela procura de aspectos a apontar fortemente contra a atribuição da guarda a um dos pais” (Maria Clara SottoMayor, obra citada, pág. 27). É o que Juan Montero Aroca (Guarda y Custodia de los Hijos, tirant lo blanch, Valencia, 2001:87-95) qualifica como “critérios negativos de atribuição”, entre os quais refere o consumo habitual de drogas ou de álcool, o exercício da prostituição, a prisão e a doença, mental ou física. Avancemos desde já que, no caso em apreço, nada se demonstrou que possa justificar não poder/dever ser atribuída a guarda da criança a qualquer dos progenitores, por especiais condutas ou características que, liminarmente, o desaconselhem.” Prossigamos, pois. “Porque a continuidade na relação psicológica principal da criança é essencial para o seu bem-estar, principalmente quando a estabilidade da família se rompe com o divórcio ou com a separação dos pais”, o critério que “parece mais correcto e conforme ao interesse da criança, é que esta seja confiada à pessoa que cuida dela no dia-a-dia, o chamado Primary Caretaker ou figura primária de referência. Esta regra permite, por um lado, promover a continuidade da educação e das relações afectivas da criança e por outro atribuir a guarda dos filhos ao progenitor com mais capacidade para cuidar destes e a quem estes estão mais ligados emocionalmente” (Maria Clara Sottomayor, obra citada, pág. 46-47). XIII. Tendo sido consideradas pelo Tribunal da Relação de Évora todas as circunstâncias relevantes para concretizar o conceito do superior interesse da criança, ao contrário do que alega o Recorrente. XIV. Constituindo o critério da figura primária de referência um sub-critério ou factor que serve de fundamento à determinação do interesse do menor. XV. Alega ainda o Recorrente que a CC encontra-se perfeitamente integrada em Portugal, frequenta o primeiro ano no colégio “..., em ... e vive numa casa com todas as comodidades, encontrando-se o Recorrente, em virtude das suas condições económicas em melhores condições para provir por todas as necessidades da menor. XVI. As condições materiais só por si, não constituem critério decisivo, desde que não seja posto em causa o superior interesse da criança. XVII. A ora Recorrida dispõe das condições necessárias a nível habitacional, para garantir o bem estar e conforto da sua filha. XVIII. No que se refere ao percurso escolar da CC, a mesma iniciou o 1.º ano do primeiro ciclo do ensino básico, no presente ano letivo, tendo integrado a nova escola, há poucos meses, pelo que não terá a mesma dificuldade de adaptação e integração no novo estabelecimento de ensino na Dinamarca, local onde irá residir com a mãe. XIX. A continuidade do referido percurso escolar não é, de forma nenhuma, posta em causa com a decisão recorrida, uma vez que a criança já tem garantida a uma vaga na Escola ..., para que a mesma possa retomar imediatamente o seu percurso escolar na Dinamarca, sem qualquer interrupção. XX. Alega o Recorrente que se encontra em melhores condições para promover e assegurar os contactos entre a menor e a Recorrida e a sua família alargada e terá maior disponibilidade, em função da sua situação profissional, para acompanhar a filha, o que não resulta da matéria dada como provada, apontando os factos provados em sentido contrário, nomeadamente, nos pontos 19, 28, 32 e 33. XXI. No sentido de reforçar a posição assumida, segundo a qual o superior interesse da menor será melhor acautelado através da fixação da residência da mesma com o pai, vem o Recorrente, juntar aos autos parecer da Psicóloga FF, segundo o qual a menor deveria “continuar em proximidade do progenitor que não a condicione à deslocação para um espaço geográfico distante, com hábitos, costumes tradições e comportamentos diferentes aos da sociedade onde está inserida.” XXII. O parecer em causa representa apenas a opinião do técnico que o subscreve, sobre a solução de determinado problema e têm a autoridade que o seu autor lhes confere. XXIII. Relativamente à mesma questão, podem ser apresentados, por técnicos diferentes parecer não coincidentes, de acordo com a avaliação realizada pelos mesmos, não valendo como meio de prova pericial. XXIV. Não concorda a Recorrida com o teor do parecer junto aos autos pelo Recorrente, uma vez que a mudança de residência da CC para a Dinamarca não constitui uma “deslocação para um espaço geográfico distante, com hábitos, costumes, tradições e comportamentos diferentes aos da sociedade em que está inserida.” XXV. Pois tal como resulta dos factos provados nos autos, a CC é filha de pai e mãe Dinamarqueses, comunica com os pais na língua materna, desde o seu nascimento sempre foi com regularidade e frequência à Dinamarca, país no qual reside toda a família materna e paterna, bem como amigos, os quais esta visitou regularmente até 2020 e com quem sempre manteve uma relação de grande proximidade. XXVI. Situação que apenas cessou na sequência da retenção do passaporte da CC, por parte do ora Recorrente, impedido desta forma o mesmo que a filha acompanhasse a mãe nas viagens à Dinamarca, privando-a do convívio com os familiares. XXVII. Apesar de ter residido em ... e em Portugal, até ao momento, a CC mantém com a Dinamarca um forte vínculo, bem como com todos os seus familiares maternos, familiares paternos e amigos aí residentes. XXVII. Alega também o Recorrente que o acórdão recorrido, “ao fixar a residência da menor com a Recorrida com fundamento na identidade de género da criança viola de forma gritante e de forma particularmente grave o princípio da igualdade entre progenitores.” XXVIII. Invocando a violação do princípio constitucional da igualdade, bem como do princípio constitucional do direito à família contidos nos artigos 13.º e 36.º, ambos da Constituição da República Portuguesa. XXVIV. Refere o acórdão recorrido que: A “repartição de tarefas” acordada entre os pais (pontos 8., 32. e 33. dos factos provados) – totalmente legítima, diga-se – terá pretendido, nomeadamente, providenciar à CC os cuidados privilegiados de um progenitor (e não de um substituto), sendo certo que era o pai o único que trabalhava, obtendo, aliás, rendimentos mais do que suficientes para toda a família. Mas, dispondo a mãe das competências necessárias para amar, cuidar e acompanhar a filha no seu desenvolvimento, era expectável que viesse ela a constituir a principal referência na vida da criança, mercê do seu papel de principal cuidadora (só residualmente assumindo o pai tais funções). E, efectivamente, foi a mãe que, “a tempo inteiro”, tratou da filha desde que ela nasceu, tanto que deixou os estudos e nunca trabalhou (pontos 8. e 33. dos factos provados). Fê-lo sem interrupções, mesmo quando, em 2018 e 2019, se deslocava à Dinamarca por razões académicas (pontos 28. e 35. dos factos provados). E só em 2020, por períodos de uma ou duas semanas, se separou da criança - por ter ficado impedida de a levar consigo – falta que a CC sentiu (pontos 17., 23. e 28. dos factos provados). Não há dúvida de que o pai é inteiramente capaz de cuidar da criança e de assegurar as suas rotinas. Mas, mesmo depois de o casal se ter separado (embora continuem a viver na mesma casa) em Setembro de 2019, o pai só providencia tais cuidados na ausência da mãe (pontos 2., 7., 18. e 24. dos factos provados). E não há notícia de que a CC tenha evidenciado sentir a falta do pai durante os períodos em que acompanhava a mãe à Dinamarca. Não se escamoteia a vinculação afectiva que – felizmente - a menor tem relativamente ao pai (ponto 16. dos factos provados). Mas o facto de a mãe sempre ter sido a sua principal cuidadora, aliado à idade e género da criança, apontam com segurança para a existência de uma ligação entre ambas mais forte e profunda que a ligação que a CC tem ao pai. E cremos ser esse o aspecto que mais decisivamente importa preservar.” XXX. Como resulta do douto acórdão de 13 de janeiro de 2022, pelo Tribunal da Relação ... foram considerados diversos factores, nomeadamente, o facto de ser a Recorrida a principal cuidadora da filha desde que esta nasceu, ter cuidado da filha desde sempre, acompanhando e cuidando da mesma, constituindo esta a sua figura primária de referência, assumindo o Recorrido tais responsabilidades, apenas por curtos períodos, na ausência da mãe. XXXI. Com base no princípio do superior interesse da criança, concretizado com os critérios supra referidos e atendendo à idade e género da criança, decidiu o Tribunal da Relação ..., fixar a residência da menor junto da mãe. XXXII. Não constituindo tal decisão uma violação do princípio da igualdade quando acompanhada de fatores, que avaliados pelo julgador, à luz do interesse da criança, apontam para que a guarda seja confiada à mãe, tal como ocorre no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação .... Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao recurso do Recorrente, confirmando-se, na íntegra, o douto acórdão recorrido. Assim decidindo, farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!”. O recurso foi admitido pelo Senhor Juiz Desembargador com efeito suspensivo, decisão que se mantém. II – Questões a decidir Decorre da conjugação do disposto nos arts. 608.º, n.º 2, 609.º, n.º 1, 635.º, n.º 4, e 639.º, do CPC, que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o respetivo thema decidendum. E este diz respeito à fixação da residência da menor em função do seu superior interesse. III – Fundamentação A) De Facto Foram considerados como provados os seguintes factos: “1. A criança CC nasceu a .../.../2015 e é filha de AA e BB. 2. Os progenitores viveram como se de marido e mulher se tratassem, entre agosto de 2014 a setembro de 2019. 3. Aquando do nascimento da criança, os progenitores residiam em Londres. 4. Em meados de 2016, no contexto do “Brexit”, os progenitores optaram por alterar a sua residência e escolheram Portugal para fixar nova morada. 5. A escolha de Portugal baseou-se nos seguintes fatores: Portugal está integrado no espaço Shengen e na UE, a segurança do país, o clima, o ... é uma região multicultural, com um custo de vida relativamente baixo e o sistema fiscal permite ao progenitor retirar mais dividendos da sua atividade. 6. Desde então a menor encontra-se a residir com os seus pais em Portugal. 7. Os progenitores, apesar de separados, continuam a habitar a mesma casa. 8. De comum acordo entre os progenitores, a mãe não trabalhou desde o nascimento da filha e deixou os estudos. 9. A progenitora retomou os estudos e está a tirar um curso de fisioterapia em ..., Dinamarca, nacionalidade de ambos os progenitores. 10. O progenitor apresentou à progenitora um acordo de forma a que ambos pudessem viver em Portugal e continuarem com uma residência alternada junto da menor. 11. A progenitora pretende regressar à Dinamarca, alegando que o único motivo que prende o progenitor a Portugal são os motivos fiscais. 12. A escolha de Portugal e da escola da CC foi uma decisão mútua entre os progenitores. 13. A CC está integrada na escola que frequenta, junto das suas educadoras e dos seus pares, com quem tem definidas relações de hierarquia, de afetividade, confiança e amizade. 14. A CC tem na casa do pai o seu quarto e os seus brinquedos 15. A CC é uma criança feliz, vive numa casa espaçosa, com piscina e jardim, onde pode correr e brincar. 16. A CC demonstra vinculação a ambos os progenitores. 17. Os períodos em que a requerida permanecia na Dinamarca tanto podem ser uma como duas semanas. 18. E nessa altura era o requerido quem cuidava da sua filha, provendo a todas as suas necessidades básicas, banho, alimentação, tempo de convívio com os seus pares e com o próprio progenitor, horários escolares e todas as rotinas no dia-a-dia da CC. 19. O pai não tem suporte familiar em Portugal, mas conta com a ajuda da sua empregada doméstica e com o apoio da família desta. 20. A par da relação profissional, o requerido mantém com a sua empregada doméstica e com o seu marido e filhos uma relação de amizade que se foi desenvolvendo, sendo normal o filho daquela passar tempo na casa do requerente a brincar com a CC. 21. No ano de 2018 e 2019, a requerida deslocou-se à Dinamarca na companhia da sua filha, o que fazia por questões académicas. 22. A família materna e paterna visitava a CC em Portugal com frequência, o que veio a diminuir em virtude do confinamento. 23. A CC, nesta última fase em que a mãe se deslocava à Dinamarca sozinha, sentiu a falta da mãe. 24. O requerente é o principal prestador de cuidados da CC na ausência da mãe. 25. A requerida quando está em Portugal pede ao seu namorado, através de videoconferências, que leia uma história quando vai deitar a CC. 26. A CC fala em dinamarquês com os seus pais e com o resto da família, todos de nacionalidade dinamarquesa e residentes na Dinamarca. 27. A CC também comunica em inglês e português, nomeadamente na escola. 28. A menor desde o seu nascimento que ia com regularidade e frequência à Dinamarca, visitando os seus familiares e amigos, com exceção do ano de 2020, em virtude de o progenitor reter o passaporte da menor. 29. O requerente é empresário por conta própria, trabalha em casa e organiza o seu tempo e período laboral. 30. O requerente residiu em ..., ... e Portugal. 31. O requerente adquiriu duas propriedades em Portugal. 32. Desde o nascimento da menor que o requerente declarou assumir todas as despesas do casal e da filha. 33. Em contrapartida, a requerida assumia o acompanhamento da educação da menor, abdicando da sua vida profissional. 34. A menor pratica ténis há quase três anos e o requerente só a viu nessa atividade algumas vezes. 35. Quando a requerida recomeçou os estudos (licenciatura em fisioterapia) na Dinamarca, a menor acompanhava a mãe. 36. Atualmente, a requerida está a frequentar um mestrado em psicologia na Dinamarca. 37. Requerente e Requerida não dominam a língua portuguesa e nenhum familiar materno ou paterno fala português. 38. Na Dinamarca, o horário laboral semanal é de 30-37 horas e com um salário superior à média em Portugal. 39. A requerida e a menor na Dinamarca residirão na casa de uma amiga, mais propriamente numa cave (26m2), de uma habitação sita em ..., a norte de ..., 30 minutos do aeroporto, 20 minutos do centro de .... 40. Na Dinamarca todos níveis de ensino são gratuitos. 41. A progenitora declarou auferir, enquanto estudante, um subsídio, da parte do Estado dinamarquês, no montante de cerca de € 1.000,00. 42. O progenitor, no âmbito da sua atividade profissional – diretor de empresa que se dedica a software na área das apostas futebolísticas – estimou em média um volume de negócios na ordem dos €200 a € 300 mil euros”. Foram dados como não provados os seguintes factos: “a) Durante o ano de 2018, a relação entre os progenitores começou a deteriorar-se. b) Desde meados de 2018 que a requerida se ausenta para a Dinamarca, quase mensalmente, ficando o requerente com a sua filha. c) No ano de 2020, a requerida ausentou-se num total de 141 dias. d) A requerida tem conversas com a filha nas quais lhe diz que ela nasceu na Dinamarca e que vai voltar a viver na Dinamarca com a mãe. e) Diz-lhe que o pai é mau e deixou de dar dinheiro à requerida. f) Diz-lhe que a casa do pai não é divertida e que a casa do namorado da mãe é muito mais divertida e que quando forem viver para a Dinamarca irão muitas vezes ao parque de diversões juntos. g) A menor, no seu estabelecimento de ensino, tem como amigos preferenciais os filhos de emigrantes de nacionalidade .... h) Os amigos de escola da CC têm o inglês como língua nativa. i) A menor passava na Dinamarca as datas mais importantes para si e para a sua família. j) A CC sempre manifestou preferência por estar na Dinamarca e sempre que voltava a Portugal depois de lá passar as férias manifestava essa opinião e chorava muito. k) O local de residência do requerente prendeu-se sempre com motivos fiscais. l) A requerida tinha um apartamento que vendeu, em 2014, cujo produto foi na íntegra utilizado em despesas do casal e da menor. m) A requerida assumiu em exclusivo a educação da menor. n) O requerente impedia a requerida de frequentar eventos sociais fora do período escolar e de atividades da menor o) Foi sempre a requerida a acompanhar a menor, antes e depois do período que passava na escola, todas as noites e ao fim-de-semana. p) A CC esteve na dança e na natação e o desinteresse do requerente foi total. q) O requerente contratou uma babysitter para acompanhar a CC. r) Sempre ficou definido entre os pais que quando a CC atingisse uma idade escolar relevante iria voltar para a Dinamarca e ali estudar. s) Sempre que a CC se separava da mãe a menor chorava e dizia para regressar muito rápido”. De Direito. Na regulação do exercício das responsabilidades parentais a guarda da criança pode ser confiada a qualquer dos pais, junto de quem a criança passará a ter a sua residência principal ou habitual (art. 1906º, nº 5, do CC), devendo atender-se, para esse efeito, ao critério do interesse superior da menor (arts. 1906º, nos 5, 6 e 8, do CC, e 40º, nº 1, do RGPTC). Entendeu o Tribunal de 1.ª instância - no caso concreto, de CC, com 7 anos de idade feitos em 25 de Março de 2022- que os seus progenitores são igualmente dotados de adequadas competências parentais, capazes de perceber as necessidades da filha e de satisfazer essas necessidades, querem o melhor para ela, acautelam a sua saúde e educação, demonstram disponibilidade para promover os convívios dela com ambos os pais e com a família alargada; por outro lado, considerou que a menor tem uma forte vinculação afectiva aos pais e à família alargada materna e paterna. Concluiu, deste modo, que a menor CC estaria bem com qualquer dos progenitores. Contudo, porque a idade da criança aconselha a continuidade das suas rotinas caseiras, escolares, sociais e desportivas, que o pai continuará a assegurar, enquanto o projecto de vida da mãe não apresenta estabilidade para a filha, entendeu que o superior interesse da CC seria mais bem satisfeito se ela residisse com o pai. Por isso o determinou, fixando um regime de visitas e uma pensão de alimentos. Porém, e distintamente, o Tribunal da Relação ... considerou que o superior interesse da menor CC seria mais bem satisfeito se residisse com a progenitora, por ser com esta que a menor mantém uma relação mais próxima, tendo a mãe constituído para ela a principal referência, mercê do seu papel de principal cuidadora (só residualmente assumindo o pai tais funções). Objecta o recorrente que o critério “primary caretaker” (figura primária de cuidador), que foi considerado pela Relação no que se refere à guarda e residência da criança, se mostra ultrapassado. Todavia, não foi esse o entendimento deste Supremo, como se pode ver através do Ac. de 17.12.2019, proc. 1431/17.2T8MTS.P1.S1, relatado pelo Sr. Conselheiro que subscreve o presente acórdão como 2º Adjunto (e disponível em www.dgsi.pt). É evidente que não deve ser o único critério, mas é, por certo, um dos critérios mais relevantes, sobretudo em caso de crianças de tenra idade. Argumenta o recorrente que, de todo o modo, os factos provados não permitem concluir pela existência de uma figura primária de referência ( mãe ou pai), pois, se é verdade que, por força da repartição de tarefas acordadas entre os pais, nos primeiros anos de vida, a recorrida não trabalhou para se dedicar às lides da casa e acompanhar mais de perto a educação da menor, não é menos verdade que o recorrente, mercê da sua flexibilidade em organizar o seu próprio tempo, esteve sempre presente e acompanhou igualmente a educação da menor. Mas também aqui não tem razão: a esse nível, os progenitores não estão no mesmo patamar. Com efeito, ficou provado que: “de comum acordo entre os progenitores, a mãe não trabalhou desde o nascimento da filha e deixou os estudos “(facto 8); e “que desde o nascimento da menor que o requerente declarou assumir todas as despesas do casal da filhas, sendo que em contrapartida assumia o acompanhamento da educação da menor, abdicando da sua vida profissional (facto 33). É verdade que nos períodos em que a requerida permanecia na Dinamarca era o requerido quem cuidava da sua filha (facto 18) e que ele era o “principal” (não exclusivo, portanto) prestador de cuidados na ausência da mãe (facto 24). Todavia, não se deve ignorar que tal terá acontecido apenas depois de 2019 (pois até esse ano a requerida deslocava-se à Dinamarca na companhia da sua filha). E se em 2020 a mãe não levou a filha consigo nas deslocações que fez à Dinamarca, a essa circunstância não terá sido alheio o facto de o progenitor ter retido o passaporte durante esse ano (facto 28), impedindo, desse modo, as viagens da filha com a mãe. Assim, se foi cuidador, durante esse ano, apenas o foi porque impediu a menor de viajar com a mãe. Aliás, esse é um facto que não abona muito em seu favor se tivermos em conta a disponibilidade que ele teria no futuro em ordem a promover relações habituais da filha com a mãe, se acaso lhe fosse confiada a guarda principal (art. 1906º, nº 5 do CC). É certo que se não se pode afirmar/presumir que o pai “só” providenciou cuidados na ausência da mãe (factos 2, 7, 18 e 24). Porém, não está provado que os tenha providenciado noutras alturas e durante tanto tempo quanto aqueles que a mãe providenciou. E não se argumente que “a ausência do pai foi compensada com a disponibilidade da mãe, foram ambos cuidadores, a menor só beneficiou da mãe a tempo inteiro porque o pai investiu e trabalhou para isso, o que não faz do pai menos cuidador do que a mãe, o pai investiu no bem-estar da sua filha, tanto quanto a mãe.", pois não se está a tratar tanto do cuidado físico e económico quanto da ligação psicológica-emocional, que resulta do contacto próximo, da vinculação afectiva entre o progenitor e a criança. Assim, se é verdade que a menor demonstra vinculação a ambos os progenitores (facto 16) parece que a vinculação da menor à mãe será maior (de tal maneira que na última fase a CC sentia saudades da mãe, facto 23). E não se diga que o facto de não se ter provado que a menor não teve saudades do pai (quando dele estava ausente) não significa que ela não tenha sentido saudades dele. Se não significa que não as teve também não significa que as teve. Só um facto provado, neste último sentido, podia ser levado em conta, a benefício do recorrente. Não sobram, pois, dúvidas de que a mãe constituiu (e tem constituído) para a criança a figura primária de referência, com quem a CC desenvolveu uma relação afectiva mais profunda. Considera o recorrente que apenas ele apresentou um projecto de vida adequado ao desenvolvimento físico, psíquico e emocional da menor, o qual passa por manter o projecto de vida que ambos os progenitores para ela escolheram, no conforto da sua casa, do seu quarto, numa escola multicultural e, em suma, na estabilidade que só um lar pode transmitir, enquanto o projecto de vida apresentado pela recorrida passa apenas por ir viver para a Dinamarca com a sua filha, numa cave de 26 m2, vivendo de favor em casa de uma amiga, terminar os seus estudos e inscrever a sua filha na escola. Em primeiro lugar, não há como ignorar que o projecto que os progenitores idealizaram para a criança foi concebido quando estavam juntos; e que agora estão separados, tencionando a mãe regressar à Dinamarca. Ora, não é possível, nessas circunstâncias, como é, aliás, jurisprudência dominante (cfr. aliás, o supracitado Ac. STJ de 17.12.2019) obrigar a progenitora a renunciar à sua vida pessoal e profissional na terra da sua naturalidade para poder estar perto da filha a residir em Portugal, uma vez que tal redundaria, mediata ou imediatamente, em prejuízo da filha, que passaria a contar com uma mãe presente em Portugal mas frustrada em relação à sua realização pessoal e profissional. E, nesse aspecto, não se pode deixar, obviamente, de se valorizar a mãe que, apesar de ter abdicado da sua vida profissional, de comum acordo com o companheiro (factos 8 e 33), recomeçou os estudos (licenciatura em fisioterapia) e está actualmente a frequentar um mestrado em psicologia na Dinamarca (factos 35 e 36). E depois há todo o ambiente familiar, de que a menor, a ser confiada à mãe, poderá desfrutar de mais perto; ambiente que é extremamente importante para o desenvolvimento da menor, que sempre esteve ligada à família paterna e materna (ver factos 28, 26, 22, 19). Ora, estando a família na Dinamarca é natural que a menor conviva mais frequentemente com a família, independentemente do local de residência dela (e do facto de os pais da mãe viverem a 4 horas de carro de ..., como consta da fundamentação probatória). Em princípio, as deslocações serão mais fáceis e de menor custo; em Portugal, confiada ao pai, a menor ficará naturalmente privada do contacto regular com a família, designadamente, da materna. E não se diga que a presença da empregada e do filho pode suprir essa ausência de contacto com a família biológica. A relação de amizade com a empregada, com o marido e o filho de ambos (com quem a menor brinca), não pode ser vista ao mesmo nível (factos 19 e 20), assim se nos afigura. Observa o recorrente que a residência da criança em Portugal é indispensável para assegurar a frequência de uma escola óptima e a continuação das rotinas da menor. Todavia, não se vê que o ensino não seja bom na Dinamarca e que uma criança de 6 anos (agora com 7), tenha assim umas rotinas tão vincadas e importantes que impossibilite a mudança de ambiente escolar e de país. Na Dinamarca, uma criança desta idade se não puder desenvolver as mesmas rotinas (sociais, desportivas ou escolares) rapidamente adquirirá outras, estabelecendo novas amizades. Além disso, não se pode falar em qualquer alteração “abrupta” de país: a menor fala dinamarquês e relaciona-se com a família que é dinamarquesa (facto 28). Não há evidência de qualquer risco de ruptura séria no desenvolvimento pessoal e social em razão da alteração da sua residência para a Dinamarca. Assim, não se pode desmerecer o projecto de vida apresentado pela recorrida de ”passar por ir viver para a Dinamarca com a sua filha, numa cave de 26 m2”. É evidente que o pai dispõe de condições financeiras superiores às da mãe, suficientes para proporcionar um boa vida à filha em termos económicos e educacionais. Porém, a situação económica não pode ser erigida em critério principal para fixar a residência da menor. Se o pai dispõe dessas condições também as pode proporcionar à filha na Dinamarca, que sejam as necessárias, sobretudo, para a sua educação (em escola de qualidade) e para o alojamento, que não seja numa “cave” e não tenha de dividir com uma amiga da mãe. Nesta fase difícil, em que os pais vão viver geograficamente separados, pensamos, portanto, que é do superior interesse da menor ficar a residir com a mãe (ainda que, por ora, em casa de uma amiga), por ser aquela que (apesar de estar em má situação financeira) está em melhores condições de proporcionar à filha um bom desenvolvimento pessoal/familiar, intelectual e, sobretudo, emocional. Finalmente, sempre se diga que, tendo em consideração o alto custo de vida da Dinamarca e os rendimentos de um e outro progenitor (ele com um rendimento de mais de 16.000 euros por mês e ela com apenas 1.000 euros), se nos afigura que os alimentos fixados ao pai no montante de 1.000 euros (que este, aliás, não contesta) se mostram ajustados para a mãe poder face a todas as despesas de alojamento, alimentação, educação, e actividades extracurriculares a que a menor está já habituada. Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC): “Se a mãe de nacionalidade dinamarquesa assumiu por acordo com o pai, da mesma nacionalidade, o acompanhamento da educação da filha desde pequena (a não ser nos períodos de duas ou três semanas em que se deslocou à Dinamarca para prosseguir os seu estudos) e se é na Dinamarca que se encontra a família paterna e materna da criança, é do superior interesse da menor que ela continue a residir com a mãe, ainda que esta, que vive, por ora, na mesma casa do requerido, em Portugal, pretenda regressar à Dinamarca para aí residir e prosseguir os seus estudos.” Pelo exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente, * Lisboa, 11 de Maio de 2022 António Magalhães (relator) Jorge Dias Maria João Vaz Tomé (com voto vencido, que segue) *** Segue o voto de vencido da Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé Declaração de voto de vencida Salvo melhor juízo e com o devido respeito: 1. O superior interesse do menor constitui um princípio fundamental enformador de qualquer decisão atinente à regulação do exercício das responsabilidades parentais, porquanto estas não se traduzem em faculdades conferidas no interesse dos seus titulares. 2. O Tribunal “decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor” (art. 1906.º, n.º 7, do CC), levando em devida linha de conta “todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do com o outro” (art. 1906.º, n.º 5, do CC, aplicável aos pais que viviam em união de facto entretanto dissolvida ex vi do art. 1911.º do mesmo corpo de normas). 3. No caso sub judice, se ambos os progenitores quisessem viver próximos um do outro e, assim, da escola da criança, o superior interesse de CC corresponderia a uma situação de residência alternada, tal como foi proposto pelo pai (facto provado sob o n.º 10). Contudo, enquanto o pai deseja continuar a residir em Portugal, a mãe pretende regressar à Dinamarca. Ambos os progenitores estão afetivamente ligados a CC e são claramente capazes para receber a sua guarda e cuidar dela, o que dificulta a decisão. 4. Nada no elenco dos factos provados indica que a relação emocional ou afetiva de CC seja mais forte com a mãe do que com o pai - ou vice-versa -, ainda que se pudesse dizer que aquela cuidou mais da menor do que este enquanto todos co-habitaram na mesma casa na vigência da união de facto. Na verdade, não parece haver qualquer diferença na profundidade e intensidade da relação afetiva mantida entre CC e cada um dos seus progenitores (facto provado sob o n.º 16). Também ambos os pais permitem o desenvolvimento da relação de CC com o outro, têm disponibilidade para lhe prestar os cuidados necessários à sua saúde, alimentação e educação social, cultural e moral, e nenhum deles tem o apoio dos avós para cuidar da criança quer em Portugal, quer na Dinamarca. 5. Considerando a continuidade das relações da criança, a sua adaptação ao ambiente extra-familiar habitual - escola, amigos, atividades extra-curriculares – (cf. facto provado sob o n.º 13), os efeitos de uma eventual mudança de residência causadas por uma rutura com esse ambiente (a menor seria confrontada, num curto período de tempo, com a separação dos pais, com uma mudança de país, de cultura, de escola, de amizades e de rotinas em geral, assim como com o afastamento do progenitor com quem convive diariamente), a estabilidade do ambiente que cada um dos progenitores lhe pode facultar, as condições materiais, como as características físicas de cada casa e a possibilidade de criação de um espaço próprio (cf. factos provados sob os n.os 14, 15 e 39), as respetivas condições económicas, pode entender-se que a solução que atualmente melhor salvaguarda a sua estabilidade - a continuidade do ambiente em que tem vivido -, é a que lhe permite continuar a residir onde quase sempre tem residido (cf. factos provados sob os n.os 1, 3 e 6). Trata-se de acautelar a estabilidade da vida da menor, do seu ambiente habitual, que em muito contribui para o seu bem estar, não a desenraizando daquele que é o seu ambiente. A ponderação do superior interesse de CC – porquanto é este que releva - conduz a este resultado: a atribuição da sua guarda ao pai, junto de quem continuaria a ter a sua residência principal ou habitual (art. 1906.º, n.º 5, do CC). 6. Acresce que os factos provados não permitem concluir pela existência de uma única figura primária de referência. Se por força da repartição de tarefas acordada entre os pais, nos primeiros anos de vida da menor, a mãe não trabalhou para se dedicar à gestão da vida familiar e ao cuidado da filha, também o pai esteve sempre presente e acompanhou a educação da menor. Não pode, pois, descurar-se que o pai trabalha a partir de em casa e organiza o seu próprio tempo e período de trabalho (cf. facto provado sob o n.º 29), estando totalmente disponível para prestar todo o apoio necessário e acompanhar a menor na sua vida quotidiana. 7. Note-se ainda que o superior interesse da criança pressupõe uma ponderação mais ampla do que a determinação da figura primária de referência, porquanto os hábitos de vida construídos durante a vida em comum não podem assumir um papel absolutamente decisivo na determinação do regime subsequente à sua dissolução. 8. Por outro lado, a mudança da residência de um progenitor que impossibilita a residência alternada do menor (em virtude da distância entre residências), sem a alegação de razões sérias e suficientes do ponto de vista do interesse do menor, é um fator suscetível de conduzir a que residência do menor seja fixada com o outro progenitor. 9. Deste modo, ponderando especialmente o superior interesse de CC – pois que é esse que importa - entendo que a solução que melhor salvaguarda atualmente a sua estabilidade é a que lhe permite continuar a residir onde quase sempre residiu. Teria julgado procedente o recurso de revista interposto pelo pai, revogado o acórdão recorrido e repristinado a sentença do Tribunal de 1.ª Instância. Maria João Vaz Tomé |