Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
236/07.3GEALR.E1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: REPETIÇÃO DA MOTIVAÇÃO
COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
RELATÓRIO SOCIAL
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
OBRIGATÓRIO
FACULTATIVO
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
BEM JURÍDICO TUTELADO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
FÓRMULAS TABELARES
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
CONHECIMENTO OFICIOSO
Data do Acordão: 03/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIAS
Decisão: PROVIDO
Sumário : I  -   Em matéria de poderes de cognição do STJ relativamente a recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, a lei adjectiva penal –  art. 434.º do CPP – limita aqueles poderes ao reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no art. 410.º, n.ºs 2 e 3.
II -  Como se disse no Ac. do STJ de 07-11-2007, Proc. n.º 3990/07 - 3.ª, “Quando a questão objecto do recurso interposto para o Supremo seja a mesma do recurso interposto para a Relação, tem o recorrente de alegar (motivando e concluindo) como fundamento do recurso, as razões específicas que o levam a discordar do acórdão da Relação: é que o acórdão recorrido é o acórdão do tribunal superior – o Tribunal da Relação –, que decidiu o recurso interposto e não o acórdão proferido na 1.ª instância.
III - Não aduzindo o recorrente discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, que infirme os fundamentos apresentados pela Relação, no conhecimento e decisão da mesma questão já suscitada no recurso interposto da decisão da 1.ª instância, há manifesta improcedência do recurso assim interposto para o STJ.
IV - Porém, se nos afastarmos dessa perspectiva um tanto redutora ou restritiva, de ordem processual formal, poderá dizer-se que embora o recorrente reedite no presente recurso para o Supremo, as mesmas conclusões apresentadas no recurso interposto para a Relação – e, por isso, as questões ventiladas no recurso são as mesmas, embora não aduza discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, não explicitando razões jurídicas novas perante o acórdão da Relação, que infirmem os fundamentos apresentados pela Relação no conhecimento e decisão das mesmas questões –, não significa, contudo, que fique excluída a apreciação dessas mesmas questões, mas agora relativamente à dimensão constante do acórdão recorrido, o acórdão da Relação, no que for legalmente possível em reexame da matéria de direito – e sem prejuízo do disposto no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, nos termos do art. 434.º, ambos do CPP – perante o objecto do recurso interposto para o Supremo, pois que o recurso enquanto remédio jurídico, é expediente legal para eventual correcção da decisão recorrida (não seu mero aperfeiçoamento), como meio de impugnar e contrariar a mesma, e, sem prejuízo de, se nada houver, de novo a acrescentar relativamente aos fundamentos já aduzidos pela Relação na fundamentação utilizada para o julgamento dessas mesmas questões, e que justifique a alteração das mesmas, é de concluir por manifesta improcedência do recurso, pois que caso concorde com a fundamentação da Relação, não incumbe ao Supremo que justifique essa fundamentação com nova argumentação”.
V -  Enquanto as Relações conhecem de facto e de direito – art. 428.° do CPP, já “o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito”, mas “sem prejuízo do disposto no art. 410.º, n.ºs 2 e 3”. Nos termos do art. 119.° do CPP, constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas entre outras disposições legais: al. e) – a violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no art. 32.º, n.º 2.
VI - O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação in casu seria nulo se o recurso para ele interposto tivesse sido sobre questão exclusivamente de direito, tanto mais que conforme Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2007, de 14-03-2007, in DR 107, Série I, de 2007-06-04, «Do disposto nos artigos 427.º e 432.º, al. d), do CPP, este último na redacção da Lei 59/98, de 25-08, decorre que os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo visando exclusivamente o reexame da matéria de direito devem ser interpostos directamente para o Supremo Tribunal de Justiça».
VII - Porém, no recurso interposto para a Relação, o recorrente alegava: “O acórdão emanado pelo Ilustre Colectivo padece ainda do vício de falta de fundamentação uma vez que se limita a fazer alusão à personalidade do recorrente, sem que no entanto defina as características desta, que possibilitem o conhecimento da motivação da acção delituosa”. E a Relação apreciou esta questão como questão de facto eventualmente indiciadora do vício aludido no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, tanto mais que o recorrente pedia o apuramento de factos sobre sua situação pessoal, económica e social, entendendo o recorrente que o Tribunal Colectivo deveria ter-se socorrido da elaboração de relatório social. Não pode, por isso, concluir-se que o Tribunal da Relação julgasse e decidisse ao arrepio dos seus poderes de cognição, como configurou o objecto do recurso.
VIII - A realização e junção aos autos de relatório social, era obrigatória antes da actual redacção do art. 370.º do CPP, introduzida pela Lei 59/98, de 25-08, relativamente a arguidos menores de 21 anos de idade, por dever equacionar-se, em caso de condenação os pressupostos da atenuação especial da pena. A requisição do relatório social podia assim, revestir duas modalidades: a facultativa, que constituía a regra, e a obrigatória, verificado o pressuposto subjectivo da idade do arguido – inferior a 21 anos à data da eclosão dos factos – e os elementos consignados no n.º 2 do art. 370.° do CPP.
IX - Ainda assim, entendia-se que a omissão de relatório social, quando obrigatória a sua requisição, não era fundamento de nulidade, constituindo mera irregularidade que se tinha como ultrapassada se a matéria de facto provada consentisse a formulação de uma imagem precisa e favorável do arguido menor. Caso contrário, a ausência de relatório social, quando obrigatório, determinava o vício da al. a) do art. 410.º, n.º 2, do CPP.
X -  Com a Lei 59/98, de 25-08, não há obrigatoriedade legal de realização e junção de relatório social. Alias, o relatório social não constitui prova pericial, mas somente uma informação auxiliar do juiz, a ter em conta, no âmbito da livre apreciação da prova a que alude o art. 127.° do CPP. Logo, a inexistência do reclamado relatório social não constitui nulidade de per se.
XI - Os limites legais da pena aplicáveis ao cúmulo são, em qualquer circunstância, os impostos pelo n.º 2 do art. 77.º – o máximo, correspondendo à soma das penas concretamente aplicadas e, o mínimo, à pena concreta mais elevada entre aquelas aplicadas –, sendo que na medida da pena devem ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
XII - Na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente. Mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral e, especialmente na pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente.
XIII - Não se pode olvidar que, no caso sub judice, terá de se ter em consideração o conjunto dos ilícitos praticados, ligados, sobretudo, com o cometimento de crimes de roubo, furto, furto qualificado e de condução de veículo sem habilitação legal. O conjunto dos factos apurados esclarece a gravidade dos crimes praticados globalmente considerados, bem como, permite dimensionar a personalidade do arguido, de forma a concluir que esse conjunto é reconduzível a uma propensão criminosa.
XIV - Conforme o art. 78.º, n.º ,1 do CP, se depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o arguido praticou antes daquela condenação outro ou outros crimes, é condenado numa única pena conforme estabelecido no art. 77.° do mesmo diploma. Por outro lado, o artigo 71.º, n. 3, do CP, determina que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena. Este critério especial, da determinação da medida da pena conjunta do concurso – que é feita em função das exigências gerais da culpa e da prevenção – impõe que do teor da decisão conste uma especial fundamentação, em função de tal critério. Só assim se evita que a medida da pena do concurso surja consequente de um acto intuitivo, da apregoada e ultrapassada arte de julgar, puramente mecânico e, por isso, arbitrário. Embora não seja exigível o rigor e a extensão nos termos do n.º 2 do mesmo art. 72.º, nem por isso tal dever de fundamentação deixa de ser obrigatório, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista material, e, sem prejuízo de que os factores enumerados no citado n.º 2, podem servir de orientação na determinação da medida da pena do concurso.
XV - A decisão que fixa a pena conjunta, ao determinar a medida concreta da pena do cúmulo em relação a cada condenado – objecto de audiência especificamente para esse efeito –, há-de correlacionar conjuntamente os factos e a personalidade de cada um deles no domínio do ilícito, de modo a caracterizar a dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, na valoração do ilícito global perpetrado. Deve descrever um resumo ou síntese dos factos, identificando os crimes e as datas da sua prática, bem como das decisões condenatórias e respectivo trânsito em julgado, além das circunstâncias sobre a condição pessoal e económica de cada condenado, bem como dos seus antecedentes criminais, e em que termos a natureza e a gravidade dos factos reflecte a personalidade do respectivo agente ou a influenciou, para que se possa obter uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é produto de tendência criminosa do agente, ou revela pluriocasionalidade, com vista à fixação da medida concreta da pena conjunta dentro da moldura penal do concurso, bem com ainda a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
XVI - Afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.
XVII - Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.
XVIII - Não basta aludir-se à identificação dos ilícitos e aos antecedentes criminais do arguido para fundamentar sem qualquer análise crítica a ponderação conjunta dos factos e personalidade. A fundamentação da legalmente necessária ponderação conjunta, pressupõe um exame crítico, uma análise exteriorizada ou objectivada de convicção, na interligação dos factos com a personalidade, com vista a determinar concretamente a pena aplicada e não outra, dentro dos limites legais. A fundamentação não é arbitrária, e embora discricionária, é vinculada, explicitada ou demonstrada por um raciocínio analítico objectivo, que na realização do cúmulo traduz a referida ponderação conjunta dos factos e da personalidade, conditio sine qua non da credibilidade e validade substancial da decisão.
XIX - Na determinação da pena do cúmulo, não é um exame crítico das provas que está em causa, porque estas alicerçaram a matéria de facto fixada, mas sim um exame crítico que revele essa ponderação conjunta, sobre a interligação entre os factos e a personalidade do condenado, de molde a poder valorar-se o ilícito global perpetrado.
XX - Donde, ao omitir a necessária avaliação o Tribunal da Relação omitiu pronúncia sobre questão que tinha de apreciar e decidir, o que determinaria a nulidade da respectiva decisão. Nulidade essa constante do art. 379.º, n.º 2, do CPP, de conhecimento oficioso, uma vez que o Tribunal não conheceu de questão de que era obrigado a conhecer e decidir. Na verdade, a omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas; as questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 660.°, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

_

No processo comum nº 236/07.3GEALR da comarca de Almeirim, após ter sido realizada a audiência nos termos do artº 471º nº 1 do CPP, para efectuar o cúmulo de penas aplicadas ao arguido AA, solteiro, filho de BB e de CC, nascido a 01 de Novembro de 1985, natural de Setúbal, residente na Rua da E…, n.º x, em A… e actualmente detido no Estabelecimento Prisional de Alcoentre, foi proferido o acórdão de 29 de Junho de 2011, em que o Tribunal Colectivo condenou o referido arguido  na pena única de dez (10) anos e quatro (4) meses de prisão e 20 (vinte) dias de multa, à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz a multa de 100,00 € (cem euros). 

_

Inconformado, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Évora, concluindo na motivação de recurso:

“1.  “O presente recurso vai interposto do douto acórdão proferido que procedeu ao cúmulo jurídico de diversas penas aplicadas ao recorrente, e que se encontram identificadas em sede de motivação.

2.   Entende o recorrente que com a prolação deste acórdão, foi violado o disposto no art. 471º, n.º 2 do CPP, uma vez que a última condenação do recorrente teve lugar no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Rio Maior, por sentença proferida em 31.01.2011 transitada em julgado em 19.01.2011, por crime praticado em Dezembro de 2007.

3.  Sem prescindir do exposto, sempre se dirá que o acórdão recorrido violou igualmente o estatuído no art. 78º, n.º 1 do CP, uma vez que não procedeu ao desconto da pena cominada no Proc. n.º 150/07.2 PTSTR (identificado no ponto 14 dos factos dados como provados), quando a mesma se encontra extinta pelo cumprimento.

4.  O acórdão emanado pelo Ilustre Colectivo padece ainda do vício de falta de fundamentação uma vez que se limita a fazer alusão à personalidade do recorrente, sem que no entanto defina as características desta, que possibilitem o conhecimento da motivação da acção delituosa.

5.  Paralelamente, e salvo melhor opinião, não descortinamos qualquer alusão às exigências de prevenção especial, não sendo feita qualquer consideração sobre os efeitos previsíveis da pena sobre o comportamento futuro do recorrente.

6.  De acordo com o art. 370º do CPP, entende o recorrente, que o Tribunal Colectivo deveria ter-se socorrido da elaboração de Relatório Social, a fim de melhor poder determinar a situação pessoal, económica e social do recorrente.

7.  A existência deste vicio determina o reenvio do processo para novo julgamento – art. 426º do CPP – devendo apurar-se os referidos factos.

8.  Ainda que nenhuma das questões suscitadas tivesse [a]colhimento junto de V. Exa. sempre se dirá que a pena única de 10 anos e 4 meses de prisão é manifestamente excessiva, comprometendo de forma irremediável a reinserção social do recorrente, violando o disposto no art. 40º do CP.

9.  Com o acórdão proferido foram violadas as seguintes disposições legais: 370º, 374º e 471º do CPP, art. 40º, 78º, n.º 1 do CP

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exa. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado provido, revogando-se o douto acórdão proferido, de acordo com o alegado, assim sendo feita Justiça.”


_

O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 18 de Outubro de 2011, decidiu “conceder provimento parcial ao recurso, devendo a pena de 1 ano de prisão, já cumprida pelo arguido e declarada extinta em 05.01.2011, aplicada no citado processo n.º 150/07.2PTSTR, ser descontada na pena única de prisão. Esta fixa-se, assim, em nove (9) anos e quatro (4) meses de prisão e 20 (vinte) dias de multa, à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), o que perfaz a multa de 100,00 € (cem euros)” mantendo “no mais, o acórdão recorrido”

_

De novo inconformado, recorreu o arguido para este Supremo Tribunal, concluindo na motivação do recurso:

1.  O presente recurso vai interposto do douto acórdão proferido que procedeu ao cúmulo jurídico de diversas penas aplicadas ao recorrente, e que se encontram identificadas em sede de motivação.

2.  O acórdão emanado pelo Tribunal de 1ª instância e confirmado pelo Tribunal da Relação padece do vício de falta de fundamentação uma vez que se limita a fazer alusão à personalidade do recorrente, sem que no entanto defina as características desta, que possibilitem o conhecimento da motivação da acção delituosa.

3.  Paralelamente, e salvo melhor opinião, não descortinamos qualquer alusão às exigências de prevenção especial, não sendo feita qualquer consideração sobre os efeitos previsíveis da pena sobre o comportamento futuro do recorrente.

4.  Entende o recorrente, que o Tribunal a quo deveria ter determinado o reenvio do processo para o tribunal de primeira instância, a fim de se proceder à elaboração de relatório social, de forma a poder determinar a situação pessoal, económica e social do recorrente (art. 370° do CPP).

5.  Ainda que nenhuma das questões suscitadas tivesse [a]colhimento junto de V. Exca. sempre se dirá que a pena única de 9 anos e 4 meses de prisão é manifestamente excessiva, comprometendo de forma irremediável a reinserção social do recorrente, violando o disposto no art. 40° do CP.

6.  Com o acórdão proferido foram violadas as seguintes disposições legais: 370°, 374° e 426° do CPP, art. 40°, 78°, n.° 1 do CP

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exc. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado provido, revogando-se o douto acórdão proferido, de acordo com o alegado, assim sendo feita justiça.


_

Respondeu o Ministério Público à motivação do recurso, concluindo:

I- As questões que se pretendem ver reapreciadas pelo tribunal ad quem, foram já objecto de apreciação e pronúncia pelo acórdão da segunda instância sendo confirmativas dos entendimentos do tribunal de Ia instância.

II- Deverá o presente recurso ser rejeitado, por carência absoluta de motivação, nos termos do disposto nos artigos 414° n° 2 e 417°, n° 6 ai a) e c) e 420°, n°1 todos do Código de Processo Penal.

Rejeitando o presente recurso Vas Exas, farão, como sempre

Justiça


_

Neste Supremo, a Dig.ma Magistrada do Ministério Público emitiu douto Parecer onde suscita a questão prévia de que:

“Sendo invocadas omissões ou nulidades por falta de fundamentação num acórdão que apenas procedeu ao cúmulo jurídico das diversas penas aplicadas por decisões transitadas, e que apenas tem de ter nos fundamentos, a personalidade e os factos que já não podem ser objecto de recurso, para o reexame da matéria de direito de aplicações de penas superiores a 5 anos, em recurso, só é competente o Supremo Tribunal de Justiça, segundo dispõe o art. 432º, nº 1, al. c) do CPP..

            (…)

            É que o Tribunal da Relação só poderá apreciar matéria de direito em condenações por crimes punidos com penas superior a 5 anos, quando “havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito”, pois terão todos de ser julgados conjuntamente. (nº 8 do art. 414º).

            No entanto no caso concreto nem o acórdão/recorrido proferido na 1ª instância nem o recurso interposto versa questões de facto, pois a falta de fundamentação p. na al. c) do artº 379º do CPP – ter-se deixado de pronunciar sobre a personalidade do arguido, bem como o disposto no artº 77º nº 1 por força do disposto no artº 78º nº 2 do CP é uma questão de direito que o tribunal da 1º instância ao estabelecer a medida da pena pode ter omitido.

(…)

            Na formulação do cúmulo jurídico resultante do concurso de crimes já julgados e com condenações transitadas não “há factos” novos a conhecer, mas apenas a descrição dos factos praticados efectivamente e em que circunstâncias, ainda que sintéticas, juntamente com a citação dos tipos de crimes cometidos, a que será acrescentada, quanto à personalidade, a interligação da sua conduta e como se manifesta essa personalidade na maneira de actuar (Ac. do STJ de 10/2/2010, p. 39/03.4GCLSB.A.L1.S1, 3ª sec) (Ac. do STJ de 8/2/12, p. 8534/08.2, 5ª sec).

            A falta de Relatório Social que tal como está previsto no artº 370º e definido na al. g) do artº 1º do CPP não constituiu uma omissão de pronúncia, sendo uma informação dos serviços de reinserção social que tem por objectivo dá-la a conhecer ao tribunal (juiz do processo) que não sendo obrigatória, poderá ser pedida ou enviada pela a reinserção social independente do pedido (também neste sentido, Ac. do STJ de 20/10/2010, p. 845/09.6JDLSB.S1, 3ª sec.).

            É certo que o arguido/recorrente ao defender e a pugnar pela elaboração do relatório social, a fim de determinar a sua situação pessoal, económica e social invoca o disposto no nº 1 do artº 370º do CPP se pede o seu reenvio à 1ª instância para obter esse efeito.

            Mas “este” reenvio não pode significar que o arguido recorrente AA recorreu para o Tribunal da Relação suscitando questões sobre a matéria de facto ou vícios do nº 2 do artº 410º do CPP que nunca são referidos na indicação das normas violadas ou até na motivação e nas suas conclusões.

            O relatório social como já atrás referimos está definido nas als. g) e h) do artº 1º do CPP como uma informação e não é matéria de facto que só possa ser conhecida em recurso no tribunal da relação.

            A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido unânime ao conhecer sempre e todos os recursos interpostos dos cúmulos jurídicos resultantes de concurso efectuados ao abrigo do disposto do artº 78º do CP, sendo inúmeros os acórdãos em que é anulado o acórdão recorrido por falta de fundamentação de factos e de direito da pena única aplicada, alguns dos quais por ter sido considerado que a ausência de relatório social actual era imprescindível para encontrar tal medida da pena.

            O reenvio p. no nº 1 do artº 426º do CPP só se poderá verificar quando “existirem os vícios, referidos nas alíneas do nº 2 do artº 410º do CPP e o reenvio decretado pelo Supremo Tribunal de Justiça previsto no nº 2 (do artº 246º) parece-nos só poder acontecer quando, em recurso interposto da relação, oficiosamente, forem conhecidos esses vícios, sendo ordenada a sua remessa ao tribunal recorrido para admitir a renovação da prova ou reenviar para a 1ª instância fazer novo julgamento.

            No caso concreto, não havendo matéria de facto designadamente vícios do artº 410º nº 2 pois as nulidades p. no artº 379º do CPP não dão origem a reenvio, não nos parece poder ser conhecido o próprio acórdão do Tribunal da Relação de Évora para ser apreciado o recurso.

(…)

O Acórdão proferido em recurso pelo Tribunal da Relação de Évora, parece-nos ser nulo, nos termos da al. e) do art. 119.º do CPP, devendo por isso tal ser declarado (neste sentido o Ac. do S.T.J. de 5/5/2011, p. 38/00.8TAPRD.P1.S1).

            Parece-nos, assim, que o conhecimento do recurso interposto pelo arguido AA deverá abranger ainda o acórdão proferido na 1ª instância, devido à incompetência do Tribunal da Relação, para o ter apreciado (artºs 432º nº 1 al. c) e 119º al. e) do CPP).”

E, quanto ao mérito do recurso, refere o douto Parecer:

“O arguido recorrente AA, no essencial, apresenta como objecto do seu recurso duas questões – incompetência do Tribunal de Almeirim porque há uma outra condenação transitada em Janeiro de 2011 proferida noutro tribunal e a medida da pena única que resultou do concurso dos crimes da sua autoria e pelos quais foi condenado por diversas vezes por defender que há falta de fundamento.

Para nos podermos pronunciar vejamos quais os acórdãos em que foi condenado o arguido AA, anteriormente ao proferido no processo principal onde foi agora julgado para o cúmulo.

A- Proc. nº 236/07.3GCALM, Tribunal de Almeirim, por sentença de 11/02/2010, transitado em 15 de Março de 2010.

- 6 meses de prisão – por 1 crime de condução de veiculo sem habilitação legal  cometido em 26/3,

- 1 ano e 3 meses de prisão – por 3 crimes de condução sem habilitação legal cometidos em  27/7, 11/7 e 30/8 todos de 2007.

B- Proc. nº 68/09.4GAMAC do Tribunal de Mação, por sentença de 21/04/2009, transitada em julgado em 2 de Setembro de 2009.         

          - 1 ano de prisão – por 1 crime de condução de veiculo sem habilitação legal, cometido em 1/4/09.

 C- Proc. nº 589/04.5TASTB do Tribunal de Setúbal, por sentença de 22/1/2009, transitada em julgado em 23 de Março de 2009

            - 2 anos de prisão – por 1 crime de furto qualificado, cometido em 22/10/2003.

            - 2 anos e 6 meses de prisão – cada um dos 3 crimes de roubo, cometidos em 21/3/2004 e 4/4/2004.

            D- Proc. nº 346/08.0PAABT do Tribunal de Abrantes, por sentença de 11/12/2009, transitada em julgado em 28 de Janeiro de 2010.

            - 14 meses de prisão – por 1 crime de furto qualificado cometido em 13/10/2008

            - 3 anos e 2 meses – por 1 crime de furto qualificado cometido em 18/10/2008

            E- Proc. nº 434/06.7GEALR do Tribunal de Almeirim, por sentença de 4/6/2008, transitada em julgado em 11de Julho de 2008

            - 12 meses de prisão – por 1 crime de condução sem habilitação legal, cometido em 11/7/2006.

            - 18 meses de prisão – por 1  crime de condução sem habilitação legal cometido em 14/7/2006.

            Por despacho de 29/9/2010 foi revogada a suspensão da execução da pena que logo havia sido declarada quanto ao cúmulo.

F- Proc. nº 273/06.5GEALR do Tribunal de Almeirim, por sentença de 18/1/2010, transitada em julgado em 17 de Fevereiro de 2010.

            - 14 meses de prisão – por 1 crime de dano simples, por factos ocorridos em 16/4/2006, suspensa na sua execução por igual período.

G- Proc. nº 111/06.9PBSTM do 2º Juízo do Tribunal de Santarém, por sentença de 31/1/2008, transitada em julgado em 20 de Fevereiro de 2008.

- 90 dias de multa à taxa de 3 € – por 1 crime de furto simples, ocorrido em 11/2/2006, declarada extinta esta pena em 17/6/2010.

H- Proc.nº 150/07.2PTSTM do 1º Juízo do Tribunal de Santarém, por sentença de 6/11/2007, transitada em julgado em  22 de Maio de 2008.

- 1 ano de prisão – por 1 crime de condução de veiculo sem habilitação legal, ocorrido em 10/10/2007, declarada extinta pelo cumprimento em 5/01/2011.

I- Proc. nº 387/07.4GEALR do Tribunal de Almeirim, por sentença de 4/06/2007, transitada em julgado em 19 de Junho de 2007.

- 8 meses de prisão – por 1 crime de condução de veiculo sem habilitação legal, ocorrido em 23/5/2007.

 Esta pena foi declarada extinta pelo cumprimento em 10/12/2009.

 J- Proc. nº 65/08.7GACCH do Tribunal de Almeirim, por sentença de 31/7/2008,  transitada em julgado em 30 de Setembro de 2008.

- 11 meses de prisão, substituídos por 66 períodos de prisão por dias livres de 36 horas – por 1 crime de condução de veiculo sem habilitação legal, ocorrido em 28/7/2008.

L- Proc. nº 660/05.6GELRS do Tribunal de Loures, por sentença de 15/12/2009,  transitada em julgado em 1 de Fevereiro de 2010.

- 6 meses de prisão, substituída por igual período de multa a 2 € – por 1 crime de condução de veiculo sem habilitação legal, ocorrido em 24/12/2005.

K- Proc. nº 10/05.1PTSTB do Tribunal de Setúbal, por sentença de 15/2/2006,  transitada em julgado em 3 de Julho de 2006.

- 110 dias de multa – por 1 crime de condução de veiculo sem habilitação legal, ocorrido em 8/1/2005.

Em 2/4/2011 o crime de desobediência foi considerado descriminalizado e a multa dos 110 dias foi julgada extinta por prescrição

M- Proc. nº 424/09.1PTSTB (GEALM) do Tribunal de Almeirim, por sentença de 20/9/2009,  transitada em julgado em 13 de Setembro de 2010.

- 8 meses de prisão – por 1 crime de condução de veiculo sem habilitação legal, ocorrido em 2/7/2009.

N- Proc. nº 51/06.1GEALM do Tribunal de Almeirim, por sentença de 23/1/2006,  transitada em julgado em 17 de Fevereiro de 2006.

- 90 dias de multa à taxa diária de 2 €  – por 1 crime de condução de veiculo sem habilitação legal, ocorrido em 21/1/2006.

O- Proc. nº 99/06.6GEBNV do Tribunal de Benavente, por sentença de 26/4/2006,  transitada em julgado em 15 de Setembro de 2006.

- 180 dias de multa à taxa diária de 4 €  – por 1 crime de condução de veiculo sem habilitação legal, ocorrido em 2/4/2006.

1- No acórdão do Tribunal da 1ª instancia, tendo teoricamente afastado o cúmulo por arrastamento não referindo expressa, mas genericamente as datas em que foram cometidos os ilícitos e em que transitaram as decisões condenatórias, apresentando apenas como referência os números correspondentes que lhe havia aposto, e ainda referido a duas penas de prisão e a multa extinta pelo cumprimento, foi considerado/decidido que se verificavam os pressupostos do concurso superveniente que a todos abrangia.

Mas assim sendo parece-nos que houve cúmulo por arrastamento, conforme resulta da apreciação da decisão.

1.1 A fixação da pena única foi situada no mínimo de 3 anos e 2 meses e no máximo de 25 anos e 6 meses de prisão e 180 dias de multa e 510 dias de multa.

A pena foi fixada em 11 anos de prisão e 350 dias de multa e na pena única de prisão foram descontados 8 meses de prisão por já terem sido cumpridos e declarada extinta esta pena.

1.2 Não nos parece tão simples quanto foi decidido pelo douto acórdão proferido na primeira instância pois só pelas datas do trânsito em julgado e das datas em que foram cometidos os crimes poderão ter sido incluídos no cúmulo, ou apenas tem sido afastadas por já terem sido declaradas extintas.

É que o limite, determinante e intransponível, da consideração da pluralidade de crimes para efeito de aplicação de uma pena única, é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente tiver ocorrido por qualquer dos crimes praticados anteriormente; no caso de conhecimento superveniente aplicam-se as mesmas regras, devendo a última decisão que condene por um crime anterior, ser considerada como se fosse tomada ao tempo do trânsito da primeira, se o tribunal, a esse tempo, tivesse tido conhecimento da prática do facto (ac. de 14.05.2009, p. 606/09, 3ª sec.). 

 2- Os crimes pelos quais o arguido/recorrente foi condenado com trânsito em julgado em 2006 – procºs 10/05.1PTSTB (K), 51/06.1GEALM (N) e 99/06.6GEBNV (O), não podem ser incluídos no cúmulo que inclua todas as outras condenações por factos ocorridos depois de Fevereiro ou Setembro de 2006.

Em 2006 ocorreram mais factos - proc. nº 111/06.9 (G) factos de 11/2/2006 e julgado e condenado com transito em 20/2/2008 e proc. 273/05.6 (F) factos de 16/4/2006 julgado e condenado em transito em 17/2/2010.

Mas também em datas anteriores - 2004 e 2005 foram cometidos outros crimes - p. nº 660/05.6 (L) factos de 24/5/2005 julgado e condenado com transito em 1/2/2010 e 589/04.5 (C) por factos de 23/10/2003 e 31 de Março e 4 de Abril de 2004 por decisão transitada em 23/7/2009. 

  2.1 Estas condenações posteriores ao trânsito das duas decisões de 2006 por factos/crimes anteriores, têm os pressupostos necessários para entrarem em dois cúmulos diferentes, isto é o processo 660/05.5 (L) que foi julgado e transitou em 1/2/2010 poderá/deverá incluir estas seis condenações nestes cinco processos, mas também poderá cumular com todas as outras excluindo as transitadas no ano de 2006. 

2.1.1 É certo que se fosse possível, como acontecia antes da nova redacção do nº 1 do artº 78º do CP, considerar que as penas extintas por cumprimento prescrição não entravam no cúmulo, as penas transitadas em 2006 não fariam parte do cúmulo e por isso nem poderia questionar a hipótese do cúmulo por arrastamento que nos parece ter ocorrido no acórdão condenatório agora em recurso.

O artº 78º nº 1 do CP na redacção actual veio prescrever que o cúmulo jurídico superveniente de novo crime, que se integra no concurso, não exclui, antes passa a abranger, as penas já cumpridas (ou extintas pelo cumprimento), procedendo-se, após essa inclusão, no cumprimento da pena única … (Ac. STJ de 16/12/2010, p. 11/02.1PECTB.C2.S1).

3- Assim não podemos deixar de suscitar também esta questão, prévia ao conhecimento dos fundamentos do recurso interposto pelo arguido/recorrente AA, sobre os elementos essenciais que afastam, como é jurisprudência assente do Supremo Tribunal de Justiça, o cúmulo por arrastamento e que o acórdão proferido pelo Tribunal de Almeirim terá efectuado, embora tenha referenciado o contrário.        

 4- Mas se esta hipótese de ser decidida a reformulação total de todas as condenações devido ao conhecimento superveniente do concurso p. no art. 78º nºs 1 e 2 do CP de que deverão resultar, em princípio, dois cúmulos, não vier a ser acolhida então parece-nos que nos restará responder ao recurso interposto pelo arguido/recorrente quanto à medida da pena que lhe foi aplicada no cúmulo.

             A medida da pena deverá ser estabelecida tal como também parece resultar da jurisprudência e da doutrina, nomeadamente Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, § 521, “a avaliação de personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou mesmo a uma “carreira” criminosa), só no primeiro caso sendo cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.

            Parece haver alguma ligação ou conexão entre o elevadíssimo número de crimes, especialmente, de condução de veículo sem habilitação legal que deverá ser tida em conta embora também se tenha de concluir que nenhuma condenação o tem impedido de voltar a cometer o mesmo crime.

No acórdão/recorrido (proferido na 1ª instância) além de ter sido referido genericamente na fundamentação sobre os factos pelos quais o arguido foi condenado, especialmente a gravidade da conduta quanto aos crimes de roubo e de condução de veiculo sem estar habilitado para o efeito, pouco é dito sobre a sua personalidade, especialmente depois de ter cometido o último crime.

No entanto o arguido apenas foi condenado por três crimes de roubo ocorridos em 2004 para além dos outros 20 crimes, 15 dos quais por conduzir sem habilitação legal sem constar que tinha provocado acidente de viação.      

O tribunal de 1ª instância sem ter considerado a personalidade do arguido depois do cometimento dos crimes e sobre os factos em especial da falta de documento legal para conduzir, parece-nos omisso na fundamentação sobre os factos e a descrição sumária deles, para se poder conhecer “a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos” (Ac. do STJ de 24.02.2011).

 Assim e por tudo isto parece-nos que, previamente, além de não dever ser considerado e apreciado o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, por ser nulo (artº 119º al. e) do CPP), poderá/deverá ser anulado o acórdão proferido no 1º Juízo Criminal de Almeirim por deverem ser reformulados os cúmulos resultantes do conhecimento superveniente do concurso (art. 78º nº 1 do CP e jurisprudência do STJ). Mas se tal anulação não for declarada, parece-nos que o recurso do arguido/recorrente Joaquim Manual dos Santos Guerreiro, poderá obter provimento, mas por outros fundamentos.”


_

Cumpriu-se o disposto no artigo 417º nº 2 do CPP

_

Não tendo sido requerida audiência, seguiram os autos para conferência, após vistos legais e simultâneo.

_

Consta do acórdão da Relação, com referência ao acórdão da 1ª Instância:
2.1 - O teor do acórdão recorrido, na parte que importa, é o seguinte:
“ (…) Encontram-se provados os seguintes factos:
1. Por sentença proferida em 11.02.2010 nos autos do Processo Comum Singular n.º 236/07.3 GEALR deste Tribunal de Almeirim (nosso processo), transitada em julgado em 15.03.2010, foi o arguido AA condenado, pela prática em 26.03.2007, 27.07.2007, 11.07.2007 e 30.08.2007, de quatro crimes de condução de veículo sem habilitação legal, um na pena de 6 meses de prisão e três nas pena de 1 ano de prisão, cada um (cfr. fls. 202 e ss. dos autos).
2. Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo.
3. Por sentença proferida em 21.04.2009 nos autos de Processo Sumário n.º 68/09.4 GAMAC do Tribunal de Mação, transitada em julgado em 02.09.2009, foi o arguido AA condenado, pela prática em 01.04.2009, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de um ano de prisão (cfr. fls. 247 e ss. dos autos).
4. Por acórdão proferido em 22.01.2009 nos autos de Processo Comum Colectivo n.º 589/04.5 TASTB do Tribunal de Setúbal, transitado em julgado em 23.07.2009, foi o arguido AA condenado, pela prática em 22.10.2003, 31.03.2004 e 04.04.2004, de um crime de furto qualificado e de três crimes de roubo, nas penas de 2 anos e 3 meses e 2 anos e 6 meses, cada um, respectivamente.
5. Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 5 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo (cfr. fls. 308 e ss. dos autos).
6. Por sentença proferida em 11.12.2009 nos autos de Processo Comum Singular n.º 346/08.0 PAABT do Tribunal de Abrantes, transitada em julgado em 28.01.2010, foi o arguido AA condenado, pela prática em 13.10.2008 e 18.10.2008, de dois crimes de furto qualificado, nas penas de 14 meses de prisão e 3 anos e 2 meses de prisão.
7. Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 3 anos e 8 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo (cfr. fls. 327 e ss. dos autos).
8. Por sentença proferida em 04.06.2008 nos autos de Processo Comum Singular n.º 434/06.7 GEALR do Tribunal de Almeirim, transitada em julgado em 11.07.2008, foi o arguido AA condenado, pela prática em 14.07.2006, de dois crimes de condução de veículo sem habilitação legal, nas penas de 12 meses de prisão e 18 meses de prisão.
9. Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 20 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo (cfr. fls. 346 e ss. dos autos), suspensão esta revogada por despacho de 29.09.2010.
10. Por despacho proferido em 29.09.2010, foi revogada a suspensão de execução da pena em que foi condenado, naqueles autos.
11. Por sentença proferida em 18.01.2010 nos autos de Processo Comum Singular n.º 273/06.5 GEALR do Tribunal de Almeirim, transitada em julgado em 17.02.2010, foi o arguido AA condenado, pela prática em 16.04.2006, de um crime de dano simples, na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo (cfr. fls. 359 e ss. dos autos).
12. Por sentença proferida em 31.01.2008 nos autos de Processo Comum Singular n.º 111/06.9 PBSTR do 2.º juízo criminal do Tribunal de Santarém, transitada em julgado em 20.02.2008, foi o arguido AA condenado, pela prática em 11.02.2006, de um crime de furto simples, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 3 € (cfr. fls. 389 e ss. dos autos).
13. Tal pena foi declarada extinta por despacho proferido em 17.06.2010.
14. Por sentença proferida em 06.11.2007 nos autos de Processo Sumário n.º 150/07.2 PTSTR do 1.º juízo criminal do Tribunal de Santarém, transitada em julgado em 22.10.2008, foi o arguido AA condenado, pela prática em 10.10.2007, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de um ano de prisão (cfr. fls. 397 e ss. dos autos).
15. Tal pena foi declarada extinta pelo cumprimento por despacho proferido em 05.01.2011.
16. Por sentença proferida em 04.06.2007 nos autos de Processo Sumário n.º 387/07.4 GEALR do Tribunal de Almeirim, transitada em julgado em 19.06.2007, foi o arguido AA condenado, pela prática em 23.05.2007, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 8 meses de prisão, suspensa pelo período de 2 anos (cfr. fls. 423 e ss. dos autos).
17. Tal pena foi declarada extinta pelo cumprimento por despacho proferido em 10.12.2009.
18. Por sentença proferida em 31.07.2008 nos autos de Processo Sumário n.º 65/08.7 GACCH do Tribunal de Almeirim, transitada em julgado em 30.09.2008, foi o arguido AA condenado, pela prática em 28.07.2008, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 11 meses de prisão, substituída por 66 períodos de prisão por dias livres de 36 horas cada (cfr. fls. 433 e ss. dos autos).
19. Por sentença proferida em 15.12.2009, nos autos de Processo Comum Singular n.º 660/05.6 GELSB do Tribunal de Loures, transitada em julgado em 01.02.2010, foi o arguido AA condenado, pela prática em 24.12.2005, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 6 meses de prisão, substituída por igual período de multa, à taxa diária de 2,00 € (cfr. fls. 450 e ss. dos autos).
20. Por sentença proferida em 15.02.2006 nos autos de Processo Abreviado n.º 10/05.1 PTSTB do Tribunal de Setúbal, transitada em julgado em 03.07.2006, foi o arguido AA condenado, pela prática em 08.01.2005 e 10.01.2005, respectivamente, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal e de um crime de desobediência, nas penas de 110 dias de multa e 130 dias de multa, respectivamente (cfr. fls. 459 e ss. dos autos).
21. Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 130 dias de multa, à taxa diária de 4,00 €.
22. Por despacho de 02.04.2011 foi considerado que não era exigível o cumprimento da pena quanto ao crime de desobediência, por descriminalização, e quanto ao crime de condução de veículo sem habilitação legal foi a pena de 110 dias de multa julgada extinta por prescrição.
23. Por sentença proferida em 20.09.2009 nos autos de Processo Sumário n.º 424/05.1 PTSTB do Tribunal de Almeirim, transitada em julgado em 13.09.2010, foi o arguido AA condenado pela prática em 02.07.2009, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de oito meses de prisão (cfr. fls. 500 e ss. dos autos).
24. Por sentença proferida em 23.01.2006, transitada em julgado em 17.02.2006 nos autos de Processo Sumário n.º 51/06.1 GEALR do Tribunal de Almeirim, foi o arguido AA condenado, pela prática em 21.01.2006, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 2 €.
25. Por sentença proferida em 26.04.2006, transitada em julgado em 15.09.2006 nos autos de Processo Sumário n.º 99/06.6 GEBNV do Tribunal de Benavente, foi o arguido AA condenado, pela prática em 02.04.2006, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 4 €.
26. O arguido encontra-se preso no E.P. de Alcoentre em cumprimento de uma pena que termina no dia 02 de Julho de 2011.
27. Tem uma companheira e duas filhas menores com quem vivia; exercia a profissão de vendedor ambulante.
28. No E.P., o arguido estuda no 1.º ano de escolaridade.
 (…)”

_

            Cumpre apreciar e decidir

1. O recorrente pretende a revogação do acórdão alegando que “o acórdão emanado pelo Tribunal de 1ª instância e confirmado pelo Tribunal da Relação padece do vício de falta de fundamentação uma vez que se limita a fazer alusão à personalidade do recorrente, sem que no entanto defina as características desta, que possibilitem o conhecimento da motivação da acção delituosa.” (conclusão 2ª) e que não descortina “qualquer alusão às exigências de prevenção especial, não sendo feita qualquer consideração sobre os efeitos previsíveis da pena sobre o comportamento futuro do recorrente.”(conclusão 3ª), entendendo que “o Tribunal a quo deveria ter determinado o reenvio do processo para o tribunal de primeira instância, a fim de se proceder à elaboração de relatório social, de forma a poder determinar a situação pessoal, económica e social do recorrente (art. 370° do CPP).” (conclusão 4ª)

Diz ainda que “a pena única de 9 anos e 4 meses de prisão é manifestamente excessiva, comprometendo de forma irremediável a reinserção social do recorrente, violando o disposto no art. 40° do CP.”(conclusão 5ª)

Estas questões trazidas ao Supremo Tribunal como objecto do recurso, são as mesmas, quase ipisi verbis, das conclusões 4ª a 8ª do recurso adrede interposto para o Tribunal da Relação

2. Em matéria de poderes de cognição do STJ relativamente a recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas Relações, a lei adjectiva penal - art. 434.º - limita aqueles poderes ao reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no art. 410.º, n.ºs 2 e 3.

Como se disse no acórdão deste Supremo e desta 3ª Secção, de 7 de Novembro de 2007, Proc. nº 3990/07: 

 “Quando a questão objecto do recurso interposto para o Supremo seja a mesma do recurso interposto para a Relação, tem o recorrente de alegar (motivando e concluindo) como fundamento do recurso, as razões específicas que o levam a discordar do acórdão da Relação: - É que o acórdão recorrido é o acórdão do tribunal superior – o tribunal da Relação -, que decidiu o recurso interposto e não o acórdão proferido na 1ª instância.

Não aduzindo o recorrente discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, que infirme os fundamentos apresentados pela Relação, no conhecimento e decisão da mesma questão já suscitada no recurso interposto da decisão da 1ª instância, há manifesta improcedência do recurso assim interposto para o Supremo.


-

Porém, se nos afastarmos dessa perspectiva um tanto redutora ou restritiva, de ordem processual formal, poderá dizer-se que embora o recorrente reedite no presente recurso para o Supremo, as mesmas conclusões apresentadas no recurso interposto para a Relação -  e, por isso, as questões ventiladas no recurso são as mesmas, embora não aduza discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, não explicitando razões jurídicas novas perante o acórdão da Relação, que infirmem os fundamentos apresentados pela Relação no conhecimento e decisão das mesmas questões -, não significa, contudo, que fique excluída a apreciação dessas mesmas questões, mas agora relativamente à dimensão constante do acórdão recorrido, o acórdão da Relação, no que for legalmente possível em reexame da matéria de direito – e sem prejuízo do disposto  no artigo 410º nºs 2 e 3, nos termos do artº 434º, ambos do CPP -  perante o objecto do recurso interposto para o Supremo, pois que o recurso enquanto remédio jurídico, é expediente legal para eventual correcção da decisão recorrida (não seu mero aperfeiçoamento), como meio de impugnar e contrariar a mesma, e, sem prejuízo de, se nada houver, de novo a acrescentar relativamente aos fundamentos já aduzidos pela Relação na fundamentação utilizada para o julgamento dessas mesmas questões, e que justifique a alteração das mesmas, é de concluir por manifesta improcedência do recurso, pois que caso concorde com a fundamentação da Relação, não incumbe ao Supremo que justifique essa fundamentação com nova argumentação.”

3. A Exma Magistrada do MºPº junto deste Supremo invoca a incompetência do Tribunal da Relação para conhecer do cúmulo, porquanto referindo-se a questão de direito, é o Supremo Tribunal de Justiça competente para dela conhecer.

Na verdade, enquanto as relações conhecem de facto e de direito – artº 428º do CPP, já “o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.” mas “sem prejuízo do disposto no artigo 410º, nºs 2 e 3 “ . artº 434º do CPP.

Nos termos do artº 119º do CPP, constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas entre outras disposições legais:

e) A violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no artº 32º nº 2

O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora seria nulo se o recurso para ele interposto tivesse sido sobre questão exclusivamente de direito, tanto mais que conforme Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 8/2007, de 14.03.2007, in  DR 107 Série I de 2007-06-04

«Do disposto nos artigos 427.º e 432.º, alínea d), do Código de Processo Penal, este último na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, decorre que os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo visando exclusivamente o reexame da matéria de direito devem ser interpostos directamente para o Supremo Tribunal de Justiça.»

Porém, na conclusão 4ª da motivação do recurso interposto para a Relação, o recorrente alegava: “O acórdão emanado pelo Ilustre Colectivo padece ainda do vício de falta de fundamentação uma vez que se limita a fazer alusão à personalidade do recorrente, sem que no entanto defina as características desta, que possibilitem o conhecimento da motivação da acção delituosa.”

A Relação apreciou esta questão como questão de facto eventualmente indiciadora do vício aludido no artº 410º nº 2 al. a) do CPP., tanto mais que o recorrente nas conclusões 6ª e 7ª no recurso para ela interposto, pedia o apuramento de factos sobre sua situação pessoal, económica e social, entendendo o recorrente, que o Tribunal Colectivo deveria ter-se socorrido da elaboração de Relatório Social.

4. A Relação veio a considerar no ponto 4.3 com referência ao acórdão da 1ª instância:
“4.3 - Terceira questão
Nulidade do acórdão, por não ter sido feita a fundamentação especial da medida da pena do concurso.
Não nos parece que lhe assista razão ao invocar a nulidade do acórdão com esse fundamento.
É inquestionável que “…a pena de concurso é imposta em audiência de julgamento, realizada com respeito pelas garantias de defesa do condenado e pautada pela obediência ao princípio do contraditório, e é fixada em decisão fundamentada, nos termos dos arts. 205.º, n.º 1, da CRP, e 374.º, n.º 2, do CPP.

Mas essa fundamentação afasta-se da prevista, em termos gerais, no art. 374.º, n.º 2, do CPP, tudo se resumindo a uma especial e imprescindível fundamentação, onde avultam, na fixação da pena unitária, a valoração, em conjunto, dos factos, enquanto “guia”, e a personalidade do agente, mas sem o rigor e a extensão pressupostos nos factores de fixação da pena previstos no art. 71.º do CP.” (Ac. do STJ, de 15 de Fevereiro de 2006, proc. N.º 116/P6-3ª).

Da análise do texto do acórdão recorrido, verifica-se que o mesmo contém (ainda que sucintamente, no que concerne ao exame crítico da prova, apreendendo-se o processo lógico e racional na apreciação da prova, com a indicação, criteriosa e objectiva, dos meios de prova, essencialmente documental, explicável neste tipo de decisão que se limita a efectuar um cumulo jurídico das penas), todas as menções referidas no artigo 374º, nºs 2 e 3, alínea b), do Código de Processo Penal. O mesmo mostra-se, devidamente, fundamentado, de facto e de direito, não se vislumbrando qualquer omissão de relevo que integre nulidade, pois obedeceu a todos os requisitos legais impostos no citado preceito legal.
O acórdão e respectiva fundamentação de facto e de direito, não contém contradições insanáveis, ilógicas, ou apreciações da prova violadoras das regras da experiência comum. A matéria de facto apurada é suficiente e justificativa da decisão proferida.
Não se verificando, deste modo:
- Qualquer nulidade, designadamente as invocadas;
- Vício, nomeadamente os expressos no art. 410º n.º 2, do CPP.
Falece, assim, razão ao recorrente..”

E, no ponto 4.4, a Relação considerou:

“No que respeita à falta de requisição, por parte do tribunal “a quo”, do relatório social, atenta a actual previsão do art. 370º, do CPP, na redacção introduzida pelas Lei nº 59/98, de 25/8 e Lei n.º 48/2007, de 29/8, a mesma não é obrigatória. Em princípio, o mesmo só será de exigir, se se mostrar necessário para a determinação da espécie e da medida da pena.

Portanto, é acertado afirmar-se que “no regime da lei actualmente vigente, o relatório em causa perdeu significado para efeitos de fundamentação da decisão, servindo essencialmente para elucidar o tribunal sobre a necessidade de reabertura da audiência nos termos do art. 371º do CPP” (cfr. nº 3 do art. 370º do mesmo diploma e as anotações ao art. 370º de Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal.

(…)

Acresce que a matéria de facto consignada nos pontos 1º a 28º, é suficiente para finalidade da prolação do acórdão recorrido - realização do cúmulo jurídico de penas - o que afasta, desde logo,  como já afirmado no ponto anterior, qualquer insuficiência da matéria de facto para a decisão e da nulidade invocada pelo recorrente.”

           O Tribunal da Relação ao decidir a invocada falta de fundamentação na determinação da medida da pena do cúmulo, considerou-a como uma questão facto, de suficiência ou não de factos sobre a situação pessoal, económica e social do recorrente, entendendo-a como reportada a vício que não se verificava.

           Não pode por isso concluir-se que o Tribunal da Relação julgasse e decidisse ao arrepio dos seus poderes de cognição, como configurou o objecto do recurso, pelo que improcede a questão prévia suscitada pela Dig.ma Magistrada do Ministério Público em seu douto Parecer.

5. No recurso interposto para o Supremo, o recorrente repristina esta mesma questão.

O Supremo, como tribunal de revista apenas pode sindicar a decisão recorrida quanto a eventuais nulidades (nos termos do nº 3), e sem prejuízo do conhecimento de vícios (nos termos do nº2) do artº 410º do CPP.

Há pois que examinar a decisão recorrida – o acórdão da Relação.

Relativamente ao Relatório Social:

O artº 370º nº 1 do CPP, dispõe:- O tribunal pode, em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correcta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respectiva actualização quando aqueles já constarem do processo,

A realização e junção aos autos de relatório social, era obrigatória antes da actual redacção, introduzida pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, relativamente a arguidos menores de 21 anos de idade, por dever equacionar-se, em caso de condenação os pressupostos da atenuação especial da pena,

A requisição do relatório social podia assim, revestir duas modalidades: a facultativa que constituía a regra e, a obrigatória verificado o pressuposto subjectivo da idade do arguido – inferior a 21 anos à data da eclosão dos factos – e os elementos consignados no nº 2 do artº 370º do CPP (v.vg. Ac. deste Supremo e desta Secção de 19 de Abril  de 1991, Proc. 41719.

Ainda assim, entendia-se que a omissão de relatório social, quando obrigatória a sua requisição, não era fundamento de nulidade, constituindo mera irregularidade que se tinha como ultrapassada se a matéria de facto provada consentisse a formulação de uma imagem precisa e favorável do arguido menor, (v v. g. o Ac. deste Supremo e desta Secção, de 10 de Janeiro de 1993, proc. nº 43850.

Caso contrário, ou seja quando a matéria de facto fosse insuficiente para a decisão da matéria de facto, então a ausência de relatório social, quando obrigatório, determinava o vício da alínea a) do artº 410º nº 2 do CPP. (v.v.g. Acº deste Supremo e desta Secção de 3 de Dezembro de 1998, proc. nº 974/98 – 3ª, SASTJ, nº 26º, 74.

            Com a Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, como refere Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Português Anotado – Legislação complementar, 17ª edição – 2009, p 839, nota 1: “Em relação ao texto originário notam-se as seguintes alterações:

- Deixou de ser obrigatória a realização de relatório social relativo a menores de 21 anos à data da prática do crime;

Possibilidade de, em função da prova produzida, o tribunal poder solicitar a elaboração de informação dos serviços de reinserção social( na versão originária só havia referência a relatório social;

(…)”

Não há pois obrigatoriedade legal de realização e junção de relatório social.

Alias, o relatório social não constitui prova pericial, mas somente uma informação auxiliar do juiz, a ter em conta, no âmbito da livre apreciação da prova a que alude o artº 127º do CPP. como já decidia o Ac. deste Supremo de 17 de Novembro de 1999, proc. 867/99, SASTJ, nº 35, 80.

Na verdade como refere a alínea g) do artº 1º do CPP, o Relatório Social é “informação sobre a inserção familiar e sócio-profissional do arguido, e, eventualmente da vítima, elaborada por serviços de reinserção social, com o objectivo de auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido, para os efeitos e nos casos previstos neste diploma;”

            Em idêntico sentido também recentemente, o Ac. deste Supremo e desta Secção, de 20-10-2010, proc. nº 845/09.6JDLSB.

            Como se disse nesse Acórdão, “a requisição obedece ao critério de necessidade”

Por outro lado, como já há algum tempo decidiu o Tribunal Constitucional (v. Ac. de 22 de Março de 1999, proc. nº 759/98, in Diário da República, II série, de 9 de Junho de 1999) A norma ínsita no nº 1 do artº 370º do C.P.P., o não impor ao tribunal o dever de solicitar a elaboração de um inquérito social e concedendo tão-só uma mera faculdade, não é contrária ao princípio do asseguramento das garantias de defesa no processo criminal consagrado no artº 32º da Lei fundamental.

            A inexistência do reclamado relatório social não constitui nulidade de per se, indo nesse sentido a decisão recorrida na análise que efectuou no ponto 4.4. quando refere: “a inexistência do relatório social não se mostrará imprescindível e fundamental para a boa apreciação e análise da matéria em causa, nem para a fixação da pena única.

Não se verifica, pois, a nulidade invocada.”

6. Todavia, a questão relevante para a decisão da causa e assinalada no mesmo ponto 4.4, é de saber se a matéria de facto consignada nos pontos 1º a 28º, é suficiente para finalidade da prolação do acórdão recorrido - realização do cúmulo jurídico de penas e fixação da pena única.

6.2. Disse a Relação:

4.5 - Quinta questão
O recorrente, apenas, questionou a pena única de prisão imposta, alegando que a pena de “10 anos e 4 meses de prisão – se revela excessiva”.
Por essa razão, limitado esse objecto de recurso, apenas, sobre ela, nos pronunciaremos.
Tal como refere o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, do, Editorial Notícias, 1993, a pág.283, definidas as penas singulares a englobar no cúmulo e em resultado do consagrado sistema da pena única ou pena do concurso, melhor denominada pena conjunta, nos termos do art.77º, nº.1, do CP, “ Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, a cuja avaliação global e conjugada haverá que proceder.
Este mesmo Prof. Figueiredo Dias, na ob. cit. a pág.291, adianta: “ Tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pruriocasionalidade que não radica na personalidade.
 Os limites legais aplicáveis ao cúmulo são, em qualquer circunstância, os impostos pelo nº 2 do mesmo art.77º - o máximo, correspondendo à soma das penas concretamente aplicadas e, o mínimo, à pena concreta mais elevada entre aquelas aplicadas -.
Portanto, nos termos supra mencionados, o limite máximo da pena unitária a aplicar é o que resulta da soma das penas concretamente aplicadas; e o limite mínimo é a mais elevada das penas parcelares – art. 77.º, n.º 2, do Código Penal, sendo que na medida da pena devem ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-03-2004, proc. 03P4431, sobre esta matéria, refere: “na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.
Mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral e, especialmente na pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente.
Não se pode olvidar que, no caso “sub Júdice”, terá de se ter em consideração o conjunto dos ilícitos praticados, ligados, sobretudo, com o cometimento de crimes de roubo, furto e furto qualificado e de condução de veículo sem habilitação legal.
 O conjunto dos factos apurados esclarece a gravidade dos crimes praticados globalmente considerados, bem como, permite dimensionar a personalidade do arguido, de forma a concluir que esse conjunto é reconduzível a uma propensão criminosa.
Jorge de Figueiredo Dias, in “As consequências Jurídicas do Crime”, págs. 227 e seguintes, reconhecendo as dificuldades que podem resultar da fórmula consagrada na lei, conclui que “uma coisa é segura: a determinação da medida da pena será feita pelo juiz em função (...) da culpa e da prevenção» (idem, pág. 209).
Como se refere no acórdão recorrido, “ (…) Deverá notar-se que o roubo constitui uma conduta repudiada pela sociedade com intensidade semelhante à de crimes como o homicídio, as ofensas graves, a violação, o sequestro ou o tráfico de estupefacientes.
As necessidades de prevenção geral positiva (ou de integração e reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de confiança no direito) são elevadas, atendendo a que os crimes contra o património constituem, reconhecidamente, a principal causa do crescimento da criminalidade e da insegurança na sociedade portuguesa. (…) A consideração da protecção de bens jurídicos, alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção e no reforço da validade da norma jurídica violada (prevenção geral), permite, em função do abalo, daquelas expectativas, sentido pela comunidade, traçar os limites, óptimo e mínimo, da moldura de prevenção, dentro dos limites gerais da pena. Tem-se, ainda, em consideração a personalidade do arguido manifestada nos factos, a sua idade á data dos mesmos e, ainda, relativamente a três processos, a confissão, embora não relevante porque referente a processos em que se julgavam crimes por condução de veiculo sem habilitação legal”.

Verifica-se, assim, que o acórdão recorrido realizou e fundamentou a punição do concurso de harmonia com os critérios legalmente válidos”

6.1. Como se sabe, o artigo 77º nº 1 do Código Penal, estabelece as regras da punição do concurso, dispondo: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”

E, conforme art. 78º 1 do mesmo diploma, se depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o arguido praticou antes daquela condenação outro ou outros crimes, é condenado numa única pena conforme estabelecido no art. 77º do mesmo Diploma

Por outro lado, o artigo 71º nº 3 do mesmo diploma determina que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena

Este critério especial, da determinação da medida da pena conjunta do concurso – que é feita em função das exigências gerais da culpa e da prevenção – impõe que do teor da decisão conste uma especial fundamentação, em função de tal critério. Só assim se evita que a medida da pena do concurso surja consequente de um acto intuitivo, da apregoada e, ultrapassada arte de julgar, puramente mecânico e, por isso arbitrário.

Embora não seja exigível o rigor e a extensão nos termos do nº 2 do mesmo artº 72º, nem por isso tal dever de fundamentação deixa de ser obrigatório, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista material, e, sem prejuízo de que os factores enumerados no citado nº 2, podem servir de orientação na determinação da medida da pena do concurso. (Figueiredo dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 291)

Como salienta Maia Gonçalves (Código Penal Português Anotado e comentado 18ª ed, pág. 295, nota 5) “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença.

A decisão que fixa a pena conjunta, ao determinar a medida concreta da pena do cúmulo em relação a cada condenado – objecto de audiência especificamente para esse efeito –, há-de correlacionar conjuntamente os factos e a personalidade de cada um deles no domínio do ilícito, de modo a caracterizar a dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, na valoração do ilícito global perpetrado.

Deve descrever um resumo ou síntese dos factos, identificando os crimes e as datas da sua prática, bem como das decisões condenatórias e respectivo trânsito em julgado, além das circunstâncias sobre a condição pessoal e económica de cada condenado, bem como dos seus antecedentes criminais, e em que termos a natureza e a gravidade dos factos reflecte a personalidade do respectivo agente ou a influenciou, para que se possa obter uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é produto de tendência criminosa do agente, ou revela pluriocasionalidade, com vista à fixação da4medida concreta da pena conjunta dentro da moldura penal do concurso, bem com ainda a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização.

            6.2. Ora, a decisão recorrida abona-se na fundamentação da 1ª instância, a qual, porém, não obedece à fundamentação necessária imposta por lei, porque se limita a apresentar um quadro sobre a data e identificação dos ilícitos, as respectivas penas aplicadas, a data da decisão e do respectivo trânsito, e não enumera de ainda que de forma concisa ou, em síntese, os factos dados como provados, não referindo as circunstâncias em que os mesmos foram cometidos, a gravidade dos mesmos, e personalidade e postura do agente

Por outro lado, é fácil de ver – face à omissão da síntese dos factos integrantes dos ilícitos indicados - que a decisão recorrida não explica em que termos a natureza e a gravidade dos factos reflecte a personalidade do respectivo agente ou a influenciou, de forma a obter-se uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é produto de tendência criminosa do agente, ou revela mera pluriocasionalidade, bem como a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

Acresce que a decisão recorrida, não demonstra a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta - dos factos e da personalidade, e , sem prejuízo de que os factores enumerados no citado nº 2, do artº 71º do CP, podem servir de orientação na determinação da medida da pena do concurso.

Na verdade, não tendo o legislador nacional optado pelo sistema da acumulação material, é forçoso concluir que com a fixação da pena unitária pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda que se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente. (v. artºs 77º nº 1 e, 78º nº1, ambos do CP)

O concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza. Por outro lado ainda, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.

Afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto.

Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade.

As qualidades da personalidade do agente manifestada no facto devem ser comparadas com as supostas pela ordem jurídica e a partir daí se emitam juízos, mais fortes ou mais acentuados, de valor ou desvalor.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)» -Figueiredo Dias, ibidem; e v.g. Acs de 11-10-2006 e de 15-11-2006 deste Supremo  e Secção in Proc. n.º 1795/06, e Proc. n.º 3268/04.

Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado. (v.Ac. deste Supremo e desta 3ª Secção, de 09-01-2008 in Proc. n.º 3177/07 )

A decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta - dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber – como já se aludiu - se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou actuação irreflectida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido.

6.3. A decisão recorrida limita-se a referir, como já supra se encontra descrito:
“Da análise do texto do acórdão recorrido, verifica-se que o mesmo contém (ainda que sucintamente, no que concerne ao exame crítico da prova, apreendendo-se o processo lógico e racional na apreciação da prova, com a indicação, criteriosa e objectiva, dos meios de prova, essencialmente documental, explicável neste tipo de decisão que se limita a efectuar um cumulo jurídico das penas), todas as menções referidas no artigo 374º, nºs 2 e 3, alínea b), do Código de Processo Penal. O mesmo mostra-se, devidamente, fundamentado, de facto e de direito, não se vislumbrando qualquer omissão de relevo que integre nulidade, pois obedeceu a todos os requisitos legais impostos no citado preceito legal.
O acórdão e respectiva fundamentação de facto e de direito, não contém contradições insanáveis, ilógicas, ou apreciações da prova violadoras das regras da experiência comum. A matéria de facto apurada é suficiente e justificativa da decisão proferida.”

                     No ponto 4.5. do acórdão recorrido, a propósito da determinação da pena do concurso escreve-se a dado passo:
“Não se pode olvidar que, no caso “sub Júdice”, terá de se ter em consideração o conjunto dos ilícitos praticados, ligados, sobretudo, com o cometimento de crimes de roubo, furto e furto qualificado e de condução de veículo sem habilitação legal.
 O conjunto dos factos apurados esclarece a gravidade dos crimes praticados globalmente considerados, bem como, permite dimensionar a personalidade do arguido, de forma a concluir que esse conjunto é reconduzível a uma propensão criminosa.
Jorge de Figueiredo Dias, in “As consequências Jurídicas do Crime”, págs. 227 e seguintes, reconhecendo as dificuldades que podem resultar da fórmula consagrada na lei, conclui que “uma coisa é segura: a determinação da medida da pena será feita pelo juiz em função (...) da culpa e da prevenção» (idem, pág. 209).
Como se refere no acórdão recorrido, “ (…) Deverá notar-se que o roubo constitui uma conduta repudiada pela sociedade com intensidade semelhante à de crimes como o homicídio, as ofensas graves, a violação, o sequestro ou o tráfico de estupefacientes.
As necessidades de prevenção geral positiva (ou de integração e reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de confiança no direito) são elevadas, atendendo a que os crimes contra o património constituem, reconhecidamente, a principal causa do crescimento da criminalidade e da insegurança na sociedade portuguesa. (…) A consideração da protecção de bens jurídicos, alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção e no reforço da validade da norma jurídica violada (prevenção geral), permite, em função do abalo, daquelas expectativas, sentido pela comunidade, traçar os limites, óptimo e mínimo, da moldura de prevenção, dentro dos limites gerais da pena. Tem-se, ainda, em consideração a personalidade do arguido manifestada nos factos, a sua idade á data dos mesmos e, ainda, relativamente a três processos, a confissão, embora não relevante porque referente a processos em que se julgavam crimes por condução de veiculo sem habilitação legal”.
Verifica-se, assim, que o acórdão recorrido realizou e fundamentou a punição do concurso de harmonia com os critérios legalmente válidos.”

           6.4. Ora, com o devido respeito, o conjunto dos factos apurados não esclarece a gravidade dos crimes praticados globalmente considerados, bem como, não permite dimensionar a personalidade do arguido, de forma a concluir que esse conjunto é reconduzível a uma propensão criminosa, pois que não vêm indicados factos – a síntese dos factos ilícitos típicos, e factos sobre a personalidade - para que possa efectuar-se a necessária ponderação conjunta.

            Pese embora que uma coisa é segura: a determinação da medida da pena será feita pelo juiz em função (...) da culpa e da prevenção como ensina Figueiredo Dias, não pode contudo, esquecer-se que: “Na medida da pena  são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente-“- artº 77º nº 1 do CP

Não basta aludir-se à identificação dos ilícitos e aos antecedentes criminais do arguido para fundamentar sem qualquer análise crítica a ponderação conjunta dos factos e personalidade.

A fundamentação da legalmente necessária ponderação conjunta, pressupõe um exame crítico, uma análise exteriorizada ou objectivada de convicção, na interligação dos factos com a personalidade, com vista a determinar concretamente a pena aplicada e não outra, dentro dos limites legais. (v. artº 374º nº2 do CPP)

A fundamentação não é arbitrária, e embora discricionária, é vinculada, explicitada ou demonstrada por um raciocínio analítico objectivo, que na realização do cúmulo traduz a referida ponderação conjunta dos factos e da personalidade, conditio sine qua non da credibilidade e validade substancial da decisão.

Na determinação da pena do cúmulo, não é um exame crítico das provas que está em causa, porque estas alicerçaram a matéria de facto fixada, mas sim um exame crítico que revele essa ponderação conjunta, sobre a interligação entre os factos e a personalidade do condenado, de molde a poder valorar-se o ilícito global perpetrado.

6.5. In casu, perante o que consta da pretensa fundamentação da medida da pena única, apesar da realização de audiência na 1ª instância, específica para o efeito, fica-se sem saber de factos que caracterizem a personalidade do condenado, em que termos a sua personalidade se projectou nos factos, ou foi influenciada por eles; se os crimes se encontram relacionados ou interligados e, em que termos, se resultam de pluriocasionalidade ou tendência criminosa, qual a dimensão da gravidade dos mesmos e em que termos se analisou o efeito previsível que a pena fixada possa ter na socialização do arguido.

Se objectivamente o registo criminal do arguido aponta para uma personalidade criminógena e desconforme com as regras de uma sã convivência social (…)”, apenas se poderá concluir que o arguido revela falta de preparação para manter conduta lícita – a qual como refere Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p 251) “relevará para a medida da pena pela via da culpa” - mas não se essa falta de preparação resulta de tendência criminosa ou de mera pluriocasionalidade.

Ma verdade, a falta de preparação do agente para manter conduta lícita pode resultar dos eventos criminais que ocasionalmente se lhe deparam e o motivam, ou pode resultar de tendência da sua personalidade, uma apetência viciada para o crime.

 A pluriocasionalidade pode não radicar na personalidade do agente mas em circunstâncias exógenas.

Não se descreveu pois por súmula, a conduta factual delituosa do condenado, nem se enumeraram os factos provados atinentes à personalidade do arguido, o que tornaria nula a decisão nos termos do artº 379º nº 1 a) do CPP., uma vez que as relações conhecem de facto e de direito- artº 428º do CPP.

Não foi feita uma apreciação em conjunto dos factos e a personalidade dos arguidos, como determina o artº 77º nº 1 CP.

Em síntese e, como elucida o Ac. deste Supremo, de 20-12-2006, in Proc. n.º 3379/06, desta 3ª Secção:

Na consideração dos factos (do conjunto de factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.

Na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente. Mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral e, especialmente na pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente.

6.6. Donde, ao omitir a necessária avaliação o tribunal da Relação omitiu pronúncia sobre questão que tinha de apreciar e decidir, o que determinaria a nulidade da respectiva decisão - art. 379.º do CPP. -Ac. deste Supremo e 3ª Secção, de  22-11-2006 Proc. n.º 3126/96

Nulidade essa constante do artigo 379º nº 2 do Código de Processo Penal, de conhecimento oficioso, uma vez que o Tribunal não conheceu de questão de que era obrigado a conhecer e decidir.

Na verdade, a omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas: as questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.

Termos em que, decidindo:

Acordam os deste Supremo – 3ª Secção – em dar provimento ao recurso e, consequentemente, declaram nulo o acórdão recorrido por omissão de fundamentação e de pronúncia, nos termos do artº 379º nº 1 a) (1ª parte) e c) do CPP, sobre a ponderação conjunta dos factos e da personalidade dos arguido, relevantes para a determinação da medida concreta da pena única, devendo por isso, ser reformulado tendo em conta o supra exposto, e, o disposto nos artºs 77º nºs 1 e 2 e 78º nºs 1 e 2 do CP.

Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 15 de Março de 2012

Pires da Graça (relator)
Raul Borges