Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1119/11.8TBALQ.L1.S2
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: PODERES DA RELAÇÃO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
ALTERAÇÃO DOS FACTOS
PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO
DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DIREITO DE PROPRIEDADE
PRÉDIO RÚSTICO
USO COMUNITÁRIO
CAMINHO PÚBLICO
SERVIDÃO DE PASSAGEM
UTILIDADE PÚBLICA
Data do Acordão: 04/03/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. O exercício pelo Tribunal da Relação do poder-dever funcional previsto no artigo 662º, nº1, do CPC, pode ser objecto de sindicação em revista se, exercido dentro dos poderes de reapreciação da matéria de facto, houver motivo para censura, por não uso ou uso deficiente ou patológico (error in procedendo) ou ilegal (error in judicando) relativo à identificação, interpretação e aplicação de normas de direito probatório material.

II. A natureza publicistica do caminho pode resultar do facto de o mesmo, desde tempos imemoriais, estar no uso directo e imediato do público e a afectação à utilidade pública, no sentido de interesses colectivos relevantes ou com certo grau de relevância.

III. A demonstração de utilização pouco consistente de um colectivo de pessoas com interesses eminentemente de índole particular, como no caso das explorações agrícolas dos proprietários dos terrenos confinantes ou próximos, é de excluir a dominial idade pública do caminho.

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes na 2ªsecção do Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. AA e BB demandaram na presente acção declarativa com processo comum, CC e DD e que, face ao falecimento do R. CC na pendência da ação, prossegue contra DD, EE e FF.

Formularam os seguintes pedidos:

- Condenação dos réus a reconhecer que os autores são donos e legítimos proprietários” do prédio identificado na p.i. e, por conseguinte, que os Réus se abstenham de impedir os Autores de livremente cultivarem o mesmo, designadamente a parcela com a área aproximada de 450 m2, sita a Sul/Poente, que fica entre o leito do caminho e o prédio deles Réus, como vêm fazendo, assim como se abstenham da prática de quaisquer actos ou procedimentos que impeçam os autores e o púbico em geral, de circular livremente e em condições de segurança no caminho supra identificado, consoante se conclua que o mesmo é público, ou se trata apenas de uma servidão, com a largura de três metros, aberta em terreno deles Autores, e em toda a extensão da sua propriedade lado Sul e com início na estrada principal que vai da ... aos Casais ..., no sentido Nascente/Poente - vide doe. n° 5, e vai terminar no final do prédio rústico - lado Sul -inscrito na matriz sob o artigo 34, pertencente a GG — vide doe. n° 5, já que os prédios pertencentes a HH (artigo 35 secção S) e GG (artigo 34 secção S), não têm acesso por qualquer outro lado. Mais pretendem que os Réus sejam condenados a remover a "cancela" que veda o acesso dos Autores à sua propriedade;

- Condenação dos Réus no pagamento de uma indemnização aos Autores no valor de €.: 10 000,00 (dez mil euros), acrescida de €.: 500,00, por cada ano que passar a contar da presente data e até os AA. poderem retirar as uvas da sua propriedade utilizando livremente o caminho, uma vez que são obrigados a despender a mais tal quantia para retirar, em cada ano, as uvas da sua propriedade.

Para o efeito, alegaram, em síntese, que:

i) a sul/poente do prédio dos autores existe um caminho aberto que existe há mais de 50 anos e que é e sempre foi utilizado pelos proprietários dos prédios pelos quais passa e pela generalidade das pessoas, para através dele acederem aos mesmos prédios, circulando por ele diariamente, a pé, com tratores e máquinas agrícolas, outros veículos motorizados ou de pedais;

ii) há cerca de ano e meio, por referência à data da entrada da petição inicial, o Réu marido decidiu colocar dois ferros (pilares) de cada lado, e atravessou um outro que vai assentar as suas extremidades naqueles, barrando o acesso ao prédio dos autores, através daquele caminho, o que lhes causa prejuízos de ordem patrimonial e não patrimonial.

2. Os Réus contestaram e deduziram pedido reconvencional, peticionando a aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre a parcela de terreno onde se inclui o caminho descrito.

3. Prosseguiu a instância os regulares trâmites e após a audiência final, foi proferida sentença que culminou com o dispositivo que se reproduz:

«a) Condeno os réus a reconhecerem que o caminho descrito em 4 dos factos é vicinal, público, e a removerem a barreira referida em 21 dos factos, abstendo-se de impedirem o respetivo acesso e circulação.

b) Mais condeno os réus a reconhecerem que o prédio dos autores descrito em 1 dos factos abrange uma área, a determinar em ulterior liquidação, da parcela referida em 7 dos factos

c) Condeno, ainda, os réus a pagarem a cada um dos autores, a quantia de €750,00 (setecentos e cinquenta euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais.

No mais peticionado pelos autores, vão os réus absolvidos.

Mais julgo o pedido reconvencional improcedente deleabsolvendo os autores.1»

4. Inconformados, os Réus interpuseram recurso de apelação; em síntese, impugnaram a decisão sobre a matéria de facto, pugnando pela sua reapreciação, e colocaram em crise a solução jurídica adotada na sentença quanto à qualificação do caminho em discussão nos autos como caminho público.

5. No Tribunal da Relação, o recurso foi admitido e julgado(parcialmente) procedente por decisão do Desembargador relator, e em reclamação para a conferência, confirmada por acórdão do colectivo, nos seguintes termos:

«Julgar procedente a apelação (...), revogar a douta sentença de 7 de julho de 2019, no segmento em que se condena “ainda, os réus apagarem a cada um dos autores, a quantia de €750,00 (setecentos e cinquenta euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais...", mantendo o demais decretado.»

6. Inconformados, os Réus pedem revista, concluindo, além do mais, que o acórdão recorrido padece de obscuridade que torna a decisão ininteligível, falta de fundamentação e omissão de pronúncia. Houve contra-alegação dos Autores, que defenderam a inadmissibilidade do recurso, quanto à parte que confirmou a sentença, por ocorrência de 'dupla conforme' e deduziu recurso subordinado quanto ao segmento revogatório da sentença.

Por acórdão proferido em 17.07.2023, o Supremo Tribunal julgou procedente a revista e deliberou, em consequência:

«Termos em que, na procedência do recurso, se declara nulo o acórdão recorrido, por falta de fundamentação, nos termos do disposto no art. 615. °, n.° 1, aí. b), do CPC, aplicável ex vi art. 666. ° do mesmo código, determinando a baixa do processo à Relação, a fim de ser reformado o acórdão agora anulado, se possível pelos mesmos desembargadores, conforme o disposto no artigo 684°, 2, do CPC.».

7. Em execução do assim determinado, o Tribunal da Relação, em acórdão proferido em 7.12.2023, julgou procedente o recurso de apelação interposto pelos Réus da sentença, conforme resulta do dispositivo que se transcreve:

«(..) revogando a sentença recorrida na parte em que condenou os RR. a reconhecer que o caminho – cuja qualificação se discutia- é um caminho público vicinal, a remover barreira que impedia acesso e circulação, a reconhecer que o prédio descrito em 1 da matéria de facto provada abrange uma área da parcela referida em 7 da matéria de facto provada e a pagar a cada um dos autores a quantia de €750,00, a título de danos não patrimoniais

8. Inconformados, agora, os Autores, interpuseram revista.

No final das alegações apresentam em conclusão os pontos que seguem:

«2- Relativamente à questão enunciada nas alíneas A), B) e C) supra, entendemos que o acórdão recorrido enferma de nulidade por conhecer desta questão, o que não foi ordenado pelo Supremo Tribunal de Justiça – artº 615º, nº 1, alínea b) do C. P. Civil.

3- Ainda quanto à questão da parcela reivindicada o Tribunal da Relação alterou o julgamento quanto à matéria de facto e de direito apenas no pressuposto, e, portanto, sem factos e fundamentação, o que inquina o decidido de nulidade, de que a dita parcela jamais poderia pertencer ao prédio dos AA., como decidiu o Tribunal “a quo”, porquanto era separada do restante prédio por um caminho, e só tinha um marco na sua extremidade.

4- Inúmeros são os prédios a que o cadastro geométrico atribuiu um só artigo e estão separados por estrada; e, por conseguinte, como não são autónomos do restante prédio, não têm marcos em todos os lados. A fotografia aérea da DGT, datada de 1956, junta aos autos por AA. e RR., deixa bem clara esta afirmação. 5- A páginas 28 do Acórdão o Tribunal da Relação declara não saber com segurança a estrema Sul do prédio dos AA., onde justamente se situa a parcela, e bem assim que não tem uma visão do todo - página 18.

6 – A significar que o Tribunal da Relação julgou confessadamente sem ter todos os elementos que a lei lhe impunha, que alterou respostas à matéria de facto sem provas suficientes, e em clara violação confessa, repita-se, do princípio da oralidade e da imediação, o que lhe estava vedado, e o que por fim torna nula a decisão – artigo 615º do C. P. Civil.

7- Finalmente, diz o Tribunal da Relação ainda no tocante à parcela, que o Registo Predial também não permite concluir que a mesma é dos AA., porquanto o registo é meramente declarativo.

Estamos de acordo quanto à natureza do registo, mas não podemos esquecer a presunção vertida no artigo 7.º do C. R. Predial; porque justamente o registo é declarativo a mesma presunção pode ser afastada, o que não sucedeu no caso em apreço, quando consta dos factos provados, e não foi alterada essa matéria, a área do prédio dos AA.; pelo que também aqui o Tribunal actuou com desacerto jurídico.

8 - O Tribunal da Relação confessa no Acórdão ora posto em crise que por não ter ido ao local, por não ter percebido para onde apontavam as testemunhas e a Senhora Juiz durante o julgamento por referência aos mapas, por não ter uma visão do todo, decidiu como tal fora de um contexto de imediação que admite constitui uma limitação efectiva no presente processo – pág. 17- então estava-lhe vedado alterar como fez a matéria de facto, o que torna nula a decisão, nos termos do artigo 615º do C. P. Civil, por violação, entre outros, do disposto no artigo 662º do mesmo Código.

9- Nestas circunstâncias estava inibido de alterar a matéria de facto, como fez, por violação dos princípios suprarreferidos e do vertido no artº 662º do C. P. Civil.

10- Na verdade, tal limitação levou seguramente a uma desorientação dos pontos cardiais, a contradições entre a fundamentação, o decidido e documentos juntos ao processo que impunham decisão diversa, conforme se demonstra na motivação, e o que aqui se convoca, porquanto fere o decidido de nulidade. Não falamos de livre apreciação da prova; falamos da violação de princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico.

11- Como se decidiu no acórdão do STJ de 19.05.2010, disponível na NET:

“I - A alteração pela Relação da matéria de facto objecto de decisão em sede de julgamento, está condicionada à possibilidade da reapreciação por aquela instância de recurso dos elementos de prova em que se fundou a decisão proferida pela 1.ª instância, o que pressupõe que tais elementos constem da prova documental junta aos autos ou da existência da gravação dos depoimentos respeitantes à prova testemunhal que haja sido produzida – arts. 690.º-A e 712.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.”

12- Ora, se o próprio tribunal da Relação confessa ter decidido sem essa possibilidade de reapreciação, afigura-se-nos obvio que estava legalmente impedido de o fazer.

13- O Acórdão recorrido conclui que o caminho em causa nos autos não é publico porquanto apenas era usado pelos proprietários e trabalhadores dos terrenos encravados e caçadores.

14- Uma vez mais as limitações confessas do Tribunal da Relação, e que o deveriam ter abstido de ter decidido como decidiu, levam a esta alteração da matéria de facto.

15- Caçadores, trabalhadores e proprietários que indistintamente passavam no caminho, em nossa opinião, já integra o conceito de generalidade das pessoas. Não há que fazer aqui qualquer interpretação restritiva do assento de 1989, nem o artigo 1383.º do C. Civil fica sem campo de aplicação, como refere o acórdão ora posto em crise atenta esta factualidade.

16- Acresce que no prédio dos RR., conforme documentado pelo Tribunal “a quo” aquando da inspecção ao local (com fotografia), está um marco geodésico que por imperativo legal tem de estar permanentemente acessível – D. Lei 143/82, de 26 de abril. Questão debatida no julgamento. Logo, também o caminho em questão serve este interesse colectivo e não o mero interesse privatístico contrariamente ao decidido pelo Tribunal da Relação. E aqui convocamos o artigo 1384.º do C. Civil que o acórdão recorrido nem sequer equacionou.

17 – Temos assim, contrariamente ao decidido, que o Tribunal da Relação actuou com desacerto jurídico quando deixou de considerar o caminho como público, atentos os motivos suprarreferidos, ademais quando apenas refere que parte dele (sem especificar) está em prédio dos RR.; e o restante? Não resulta que não seja público; o Tribunal da Relação nada disse quanto ao tema.

Por outro lado, não resultou provado que o caminho em causa atravesse várias propriedades privadas, mas tão só, segundo o Tribunal da Relação, parte da propriedade do R.

18 – Finalmente decidiu o Tribunal da Relação que o caminho em causa constitui uma servidão de passagem a favor dos prédios indicados em 5. Servidão essa que o Tribunal da Relação não esclarece em que prédios era imposta uma vez que dá como provado que apenas parte do caminho atravessa a propriedade dos RR., e ainda assim lhes confere o direito de o fecharem com cadeado para impedir a passagem dos AA:

19 – Na obstante, e uma vez que os AA. tinham solicitado ao Tribunal o pedido transcrito no artº. 52º da motivação, ou seja, a consideração da servidão consoante se entendesse que o caminho era público ou privado, e atentos os factos provados nos nºs, 16 a 18 e 25 a 30, com as alterações efetuadas, estava ainda o Tribunal da Relação obrigado a conhecer de tal pedido, a partir do momento em que concluiu que o caminho não era público, pelo que há também aqui uma omissão de pronúncia que fere de nulidade a sentença – artigo 615º, do C. P. Civil.»


*


Os Réus na resposta refutaram a argumentação dos Autores, que entendem sem fundamento, concluindo pela improcedência da revista e confirmação do acórdão recorrido.

II. Admissibilidade e objecto da revista

Verificados os pressupostos de recorribilidade e os fundamentos invocados, a revista é admissível -cfr. artigos 629º, nº1, 671, nº1 e 674, nº1, al) a) b) e nº 3 in fine do CPC.

Delimitados pelas conclusões do recurso, sem prejuízo de matéria de conhecimento oficioso, a revista tem por objecto a apreciação:

• Da nulidade por omissão de pronúncia e por excesso de pronúncia; • Da infundada alteração da decisão da matéria de facto;

• Do erro na qualificação do caminho como servidão de passagem.

III. Fundamentação A. Os Factos

Vem provado das instâncias: 1

1- Mostra-se inscrito a favor dos autores na Conservatória do Registo Predial, pela ap. 6 de 1998/02/11, o direito de propriedade sobre o prédio rústico denominado "Vinha ...", situado no sítio da ..., no ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo 47 da Secção S, e descrito naquela Conservatória de ... sob o n.° ..77, por aquisição fundada em compra - aí. A) dos factos assentes.

2- O prédio rústico denominado "P.......", com a área de 20.880 m2, inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo 48 da Secção S, que confronta a Norte com o prédio referido em 1., encontra-se inscrito a favor dos réus nessa mesma matriz predial - aí. B) dos factos assentes.

3-O prédio dos autores referido em 1. confronta do Norte com ... e II, do Sul com CC, do Nascente com JJ, atualmente KK, e do Poente pelo menos com CC - al. C) dos factos assentes.

4-Existe há mais de trinta anos um caminho de terra batida a Sul/Poente do prédio referido em 1., com uma largura entre dois e três metros, que se inicia na estrada que liga as povoações de Casais ... e ..., e que segue no sentido Nascente/Poente, terminando no final do prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 34. ° da Secção S, do lado sul - aí. D) dos factos assentes.

5-O caminho referido em 4. permite o acesso aos prédios inscritos na matriz sob os artigos 34. ° e 35. ° da Secção S e sempre foi usado pelos proprietários desses mesmos prédios e pelos proprietários do prédio referido em 2. - Aí. E) dos factos assentes.

6- Em 5 de Fevereiro de 2010, a Câmara Municipal de ... emitiu a certidão junta aos autos a fls. 24 como documento n.° 9 da petição inicial, na qual se pode ler: «em face dos elementos existentes neste Departamento, (...) o prédio rústico denominado "Vinha ...", situado no ..., freguesia de ..., deste concelho, inscrito na matriz cadastral da freguesia de ... sob o artigo 47, Secção S, confronta a Norte com caminho público asfaltado e a Poente com caminho vicinal em terra batida que serve vários prédios» -ai. F) dos factos assentes.

7 -Entre o caminho referido em 4 e o prédio referido em 2. e a Sul/Poente deste existe uma parcela de terreno com a área de cerca de 450 m2 - aí. G) dos factos assentes.

8-Os réus afirmam que a parcela referida em 7. lhes pertence - aí. H) dos factos assentes.

9-Está descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.° ..67/20111118, da freguesia de ..., o prédio rústico situado em ..., como inscrito na matriz rústica sob o art. .09, compondo-se de terra de semeadura, vinha e mato, a confrontar do Norte com LL, do Sul com KK, do Nascente com estrada e do poente com LL, que reproduz a descrição em livro n.° 7943 do livro n.° 21, e inscrito por compra a favor de LL, pela apresentação n.° 2 de 05/02/1953, que reproduz a inscrição em livro 24656 G-26- cf. certidão permanente do registo predial a fls. 293 e a fls. 396.

10-LL adquiriu o referido prédio por escritura pública de compra e venda outorgada em 31/12/1952 no Cartório Notarial de ... a MM e NN - cf. certidão da escritura junta a fls. 293v-396/346.

11-LL, pai do réu marido, faleceu em .../.../1980, tendo corrido processo de inventário obrigatório sob o n.° 2/1980 pelo Tribunal de ... para partilhados bens deixados por óbito do mesmo - cf. certidão junta a fls. 319-333.

12-Nesse inventário, por sentença de 22/01/1981, foi adjudicado ao réu marido, além do mais, o bem imóvel descrito sob a verba 2: prédio rústico, composto de vinha e mato, sito na freguesia de ..., do concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.° ..43, fls. 42, Livro B-21, e 13.322, fls. 152 verso do livro B-30 e inscrito na respetiva matriz sob o art. 48 da Secção S - cf. certidão junta a fls. 319-333.

13-O prédio referido em 1. está descrito no registo predial com a área de 22.800 m2 e composto de cultura arvense, macieiras, cerejeiras, vinha, mato e oliveiras - cf. certidão do registo predial a fls. 12.

14-O prédio referido em 1 compõe-se atualmente de vinha.

15- O prédio mencionado em 1 tem acesso ao caminho referido em 4 pelo lado sul, antes da estrema sul - poente.

16.17. 18- Para além do referido em 5, o caminho referido em 4 foi usado, a pé ou com veículo, pelos donos do prédio mencionado em 1 para aceder a esse prédio, à vista de todos.

19.A Junta de Freguesia de ... forneceu materiais e suportou o custo do espalhamento para o arranjo do caminho uma vez.

20- Os donos dos prédios mencionados em 2 e 5 nunca se opuseram ao uso do caminho referido em 16 a 18 até ao momento referido em 21.

21-Há cerca de ano e meio com referência à data da instauração da ação, o réu decidiu colocar no caminho mencionado em 4 dois ferros (pilares) de cada lado e atravessou um outro que vai assentar as suas extremidades naqueles e colocou um cadeado num dos lados dos ferros.

22-O que fez a cerca de trinta metros do início do caminho contados da estrada que liga as povoações de Casais ... e ....

23-Impedindo o acesso ao prédio referido em 1 através desse caminho. 24.O prédio referido em 1 é inclinado.

25. Para colherem as uvas que plantam no prédio entrando pelo lado voltado a Norte os autores têm de contratar trabalhadores.

26-Se acedessem à vinha pelo caminho referido em 4 os autores encostariam o carro ao prédio e transportavam as uvas à mão para o carro.

27-A colheita das uvas dura 60 dias por ano.

28-Os autores residem mais próximo do caminho referido em 4.

29-Para entrarem no seu prédio pela estrada referida em 3 os autores têm de dar a volta à população, despendendo tempo e gasóleo.

30-Os autores sentem tristeza, revolta, nervosismo e angústia por não poderem utilizar o caminho referido em 4.

31-Os prédios referidos em 5 não possuem acesso direto à via pública, constituindo o caminho aludido em 4 o único acesso à totalidade do prédio mencionado em 2.

32-Os autores apenas ocupam uma área de 21.832 m2 do prédio referido em 1.

33- Durante mais de 30 anos, os anteriores e atuais proprietários do prédio referido em 2 sempre o ocuparam com a configuração atual do mesmo, procedendo à sua exploração agrícola, fazendo seus os seus frutos e o produto destes.

34-O que fizeram em toda a extensão do prédio referido em 2, sem oposição de ninguém, publicamente e na convicção de serem donos do mesmo.

35-Os antecessores dos autores no prédio referido em 1 não se opuseram à utilização referida em 33 e 34.

36- Parte do caminho referido em 4 está em terreno do prédio mencionado em 2.

37- Sem prejuízo do referido no ponto 19, o caminho referido em 4 desde o seu início até ao início do prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 35 da Secção S, desde a data da aquisição do prédio referido em 2 pelos réus, foi cuidado exclusivamente por estes, que o mantêm transitável, arrancando as ervas e procedendo aos arranjos necessários à sua utilização quer a pé, quer através de veículos a motor.

38-Existe marco delimitador da estrema sul - nascente do prédio referido em 1. 39- 0 caminho está acima do prédio referido em 1 junto à estrema sul - nascente do prédio, desnível esse que vai diminuindo no sentido nascente - poente, deixando de existir antes da estrema sul – poente do prédio.

E, Não Provado:

a) A Sul/Poente do prédio referido em 1, o caminho mencionado em 4 está aberto em terreno daquele prédio.

b) Art. 11. ° da BI - provado apenas o constante em 22.

c) Quando os autores tentam passar no caminho referido em 4, o réu começa a gritar e ameaça que os mata.

d) Art. 16. ° da BI - não provado que utilizam uma máquina.

e) Durante pelo menos 15 dos 60 dias referidos para a colheita das uvas, os autores recorrem a uma máquina que custa por hora €30,00.

f) E pagam ao manobrador dessa máquina €5,00 por hora. g) Os autores têm receio de ser abordados pelo réu.

h) O caminho referido em 4 é o único acesso ao prédio inscrito na matriz sob o art. 46 da secção S. i) O caminho referido em 4 foi aberto pelos anteriores donos do prédio mencionado em 2

j) eliminado

k) E é utilizado apenas pelos réus e pelos proprietários dos prédios referidos em 5.

I) Os autores apenas utilizam o caminho indicado em 4 após pedir consentimento aos réus.

m) Os restantes 1.068 m2 estão ocupados pelo caminho referido em 4 e pela parcela referida em 7.

n) Devido ao referido em 8 e para evitarem conflitos com os réus, os autores deixaram de cultivar a parcela referida em 7.

o) São os réus que, desde há mais de 30 anos, cultivam a parcela referida em 7. p) O pai do réu marido sempre utilizou a área referida em 7.

q) eliminado.

r) eliminado

s) O caminho referido em 4 sempre foi usado pela generalidade das pessoas.

t) O caminho referido em 4 sempre foi usado pelos donos do prédio mencionado em 1 diária e ininterruptamente, há mais de cinquenta anos.

B. O Direito

Os AA. recorrentes sustentam que o acórdão recorrido padece de diversos vícios que devem ditar a sua revogação, e a procedência dos seus pedidos.

1. Nulidade por excesso de pronúncia

Desde logo, alegam que a Relação ao apreciar a questão relativa à reivindicação da parcela de terreno que a sentença considerou propriedade dos Autores, incorreu em excesso de pronúncia, por tal não ter sido ordenado pelo acórdão Supremo Tribunal de Justiça.

Como bem sabem os recorrentes, o acórdão anterior da Relação foi anulado por total omissão de fundamentação de facto e de direito que justificasse a decisão.

Correspondendo a viciação intrínseca do acto decisório que o invalida in totum (cfr. artigo 615º, nº1, al) b e nº4, do CPC e a tutela constitucional do artigo 205º da CRP).

Significando que competia agora à instância, em novo acórdão, decidir em conformidade com as exigências substanciais postuladas nos artigos 607º a 612º do CPC do mérito da apelação interposta pelos Réus.

Mal se compreende, pois, o argumento dos Autores quanto ao exorbitar o conhecimento de específica questão supostamente ordenada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Assim, dispensando outros desenvolvimentos, dada a evidência da falta de fundamento da alegação, improcede a apontada nulidade.

2. Omissão de pronúncia

Sustentam os recorrentes que o tribunal recorrido deixou de conhecer questões que estava obrigado a conhecer.

E, adiantam que, mesmo face à consideração da servidão, consoante se entendesse que o caminho era privado e não público, como preferencialmente se pretendia, tinha o tribunal de apreciar, nomeadamente, o seu pedido de remoção de obstáculos para a passagem.

Não lhes assiste a razão.

Os Autores recorrentes pediram, na verdade, a remoção da cancela.2

Sucede que de acordo com a matéria de facto provada e estabilizada - v.g. pontos 4º a 7º, 16º a 18º e 25º a 30º- não se consuma a invocada ilicitude da colocação da vedação que o Réu assentou, em data recente , conforme descrito nos pontos 20 ,21 e 22 dos factos provados - em local que não coincide com a “parcela” do prédio dos Autores abrangida pelo caminho, sendo que conforme ponto 15, o seu prédio tem acesso ao caminho referido em 4 pelo lado sul, antes da estrema sul - poente.

Leia-se no acórdão recorrido “ 4 - Existe mais de trinta anos um caminho de terra batida a sul do prédio referido em 1, com uma largura entre dois e três metros, que se inicia na estrada que liga as povoações de Casais ... e ..., e que segue no sentido Nascente/ Poente, terminando no final do prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 34.° da Secção S, do lado sul.7 -A sul/ poente do prédio referido em 1., entre o caminho referido em 4 e o prédio referido em 2., existe uma parcela de terreno com a área de cerca de 450 m2.15-0 prédio mencionado em 1 tem acesso ao caminho referido em 4 pelo lado sul, antes da estrema sul - poente. 16 a 18 - Para além do referido em 5, o caminho referido em 4 foi usado, a ou com veículo, pelos donos do prédio mencionado em 1 para aceder a esse prédio, à vista de todos.

A nulidade por omissão de pronúncia é a sanção pela violação do disposto no artigo 660.º, n.º 2, do CPC, o qual impõe ao julgador o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não resultem prejudicadas pelo conhecimento de outras.

Faltando base factual à referida existência de cancela, não tinha o tribunal que emitir pronunciamento adrede, decorrendo a improcedência, aliás, do dispositivo do acórdão- «...revogando a sentença recorrida na parte em que condenou os RR. a reconhecer que o caminho é público vicinal, a remover a barreira, a abster-se de impedir o acesso e circulação, a reconhecer que o prédio descrito em 1 da matéria de facto provada abrange uma área da parcela referida em 7 da matéria de facto…»

Improcede a nulidade.

3. Alteração da matéria de facto

Os Autores aduzem que a fundamentação que alicerçou a alteração da decisão da matéria de facto provada e não provada, levada a cabo pela Relação, carece da prova necessária e, ou resulta em sentido oposto, invocando ainda a violação do princípio da imediação e da oralidade.

A intervenção do Supremo Tribunal no campo dos factos justifica-se apenas nas situações excecionais em que se está perante erros de direito – ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova – que, por definição integram a sua competência.  

Sem embargo, o exercício do poder-dever funcional previsto no artigo 662º, 1, do CPC pode ser objecto de sindicação em revista se, exercido dentro dos poderes de reapreciação da matéria de facto, houver motivo para ser censurado por não uso ou uso deficiente ou patológico (error in procedendo) ou ilegal (error in judicando )relativo à identificação, interpretação e aplicação de normas de direito probatório material); no demais, rege o princípio da irrecorribilidade ditado pelo artigo 662º, 4, do CPC, que se confirma nos artigos. 682º, 1 e 2, e 674º, 3, do CPC, actuando em absoluto na decisão enformada pelas regras do jogo da livre apreciação da prova sem valor “tarifado”.

Que dizer no caso em análise?

Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º do CPC1 que “«1.A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»

Acerca dos termos de tal intervenção, observa ABRANTES GERALDES, que a Relação actua como tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de 1.ª instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova.

Nessa decorrência, explicita «quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação dever alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras da experiência.3»

O acórdão da Relação ora em revista (antítese do anterior, objecto de anulação), ilustra com clareza e transparência todo o processo cognitivo e valorativo que motivou o sentido probatório da reapreciação da matéria de facto impugnada, que não acompanhou a primeira instância acerca do pomo crucial da lide - a natureza de terreno em disputa.

As alterações introduzidas na decisão da matéria de facto – cfr. nota 1 no apartado III.A -resultaram da reapreciação dos depoimentos das testemunhas, devidamente identificadas, colocadas no contexto de tempo e lugar dos factos4 e dos documentos particulares sem valor confessório, inclusive sobre o invocado cadastro geométrico 5.

A actuação da Relação neste domínio não tendo por natureza o amparo dos factores da oralidade e da imediação, como reconheceu o tribunal ad quem, não fica, todavia, coartada nos objectivos.

Tratar-se-ia, pelo menos, de um aparente “paradoxo “na visão ampla do duplo grau de jurisdição, superável, através da aplicação do artigo 662º, nº2 al. a) e b) do CPC.

«Na verdade, fazendo uma efectiva aplicação das alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 662.º, o paradoxo deixa de existir, já que a Relação fica colocada em igualdade de circunstâncias no que respeita à apreensão dos referidos elementos não verbais ou registáveis que contribuem para a formação da convicção. Ou seja, quando tenha dúvidas sérias quanto à credibilidade ou sentido de um depoimento, a Relação determina a renovação da prova e o colectivo de juízes vê, ouve, analisa e conclui como entender [al. a)]; quando a Relação tenha dúvidas fundadas sobre a prova, determina a produção de novos meios de prova, habilitando o colectivo a uma elucidação que lhe permita obter alguma conclusão [al. b)].6»

Na situação que se aprecia, ao tribunal a quo não lhe sobraram dúvidas que justificassem a renovação ou produção de prova naquela instância, à qual, cabe em exclusivo, a avaliação casuística da necessidade do uso desse instrumento para reapreciar a matéria de facto.

A Relação actuou, por conseguinte, em consonância com a exigibilidade do caso e das circunstâncias, para formar a sua convicção, procedendo à escalpelização crítica de todos os meios de prova 7.

Fê-lo, no exercício dos poderes-deveres de reapreciação da matéria de facto da Relação, alcançando convicção própria, estribada na avaliação crítica de todos os elementos probatórios, maxime da prova testemunhal e outra de livre apreciação - explicitada detalhadamente na motivação.

O ponto está em que a divergência dos recorrentes, sobre o sentido valorativo da prova, para além dos parâmetros acima concretizados, exorbita a competência do Supremo Tribunal, enquanto tribunal de revista- cfr. Artigos 662º, nº4 e 674º, nº3, do CPC 8.


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Soçobra a insurgência dos recorrentes neste segmento.

4. A servidão de passagem e o caminho público

A procedência parcial da impugnação da decisão de facto implicou a alteração do sentido decisório, para concluir que, o caminho não é vicinal, constituindo uma servidão de passagem, sendo os prédios referidos em 5, os que dela beneficiam.

Como regista o acórdão recorrido «[..] passou a constar da matéria de facto provada que "parte do caminho referido em 4 está em terreno do prédio mencionado em 2".

Por força da procedência parcial da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deixou de constar da matéria de facto provada que "o caminho referido em 4 sempre foi usado pela generalidade das pessoas". [..] Conforme matéria de facto provada, "os prédios referidos em 5 não possuem acesso direto à via pública". E, da matéria de facto dada por provada pelo tribunal recorrido constava que o caminho terminava no final do prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 34 da Secção S.”

Posto isto, acompanhamos a conclusão retirada pelo acórdão recorrido – o caminho descrito no ponto 4 dos factos provados - não é um caminho público vicinal.

Decorre do artigo 6º do DL 34593, de 11 de maio de 1945, que os caminhos públicos são “as ligações de interesse secundário e local”, sendo “caminhos vicinais” aqueles “que normalmente se destinam ao trânsito rural”.

A natureza publicistica do caminho pode resultar, como decorre do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 19 de abril de 1989, do facto de o mesmo, desde tempos imemoriais, estar no uso directo e imediato do público.

A essas duas características, a que corresponderia a factualidade descrita sobre o caminho em causa, cumpre acrescentar outra: a afectação à utilidade pública.

Afectação pública que implica a satisfação de interesses colectivos dotados de certa relevância em termos de interesse público.

E, de acordo com a posição consolidada na jurisprudência, o referido Assento carece de interpretação restritiva, no sentido de se exigir, igualmente, quer a afectação à satisfação de interesses colectivo, quer a existência de interesses relevantes ou com certo grau de relevância9.

Face à demonstração de utilização pouco consistente de um colectivo de pessoas com interesses eminentemente de índole particular, como no caso das explorações agrícolas dos proprietários dos terrenos confinantes ou próximos, é de excluir a dominial idade pública do caminho, reconhecendo, outrossim, a existência de uma servidão da passagem, correspondendo à satisfação do pedido alternativo dos Autores.

Outras duas breves notas.

Dispõe o artigo 1543º do Código Civil - servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.

Postulando o artigo 1550º n° 1, do Código Civil “os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos”.

«A servidão de passagem (ou de trânsito) é uma “species” do “genus” servidão predial definida no artigo 1543.º do Código Civil, sendo um direito real, “jus in re aliena”, espécie de propriedade imperfeita sobre os prédios servientes10.»

Segunda nota.

Provou-se que o prédio identificado no ponto 1 está registado a favor dos AA., que "o prédio referido em 1. está descrito no registo predial com a área de 22.800 m2" e que "os autores apenas ocupam uma área de 21.832 m2 do prédio referido em 1".

Os recorrentes defendem a predominância do registo predial a seu favor e, portanto, do direito de propriedade de que se arrogam, suportados no disposto do artigo 7º do Registo Predial “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define".

Sem razão, diga-se.

É dado adquirido que a presunção resultante da inscrição do direito não abrange a área, limites ou confrontações dos prédios descritos no registo, finalidade que está excluída, precisamente, porque estes elementos assentam em mera declaração do interessado.

Neste sentido vem decidindo (em juízo, diria, pacífico e unânime) o Supremo Tribunal de Justiça, como atesta, inter alia, o recente Acórdão do STJ de 03.10.2024:11

«II- A presunção do art.7º do Código do Registo Predial diz apenas respeito à inscrição, não aos elementos descritivos do prédio, como a área, confrontações e/ou limite dos imóveis registados.»


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Em suma, o acórdão recorrido não merece censura, restando confirmar o seu julgado.

IV. Decisão

Pelo exposto, improcede a revista.


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As custas são a cargo dos Autores.

Lisboa, 3 de abril de 2025

Isabel Salgado (relatora)

Catarina Serra

Fernando Baptista de Oliveira

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1 O teor dos factos provados sob os pontos 4, 7, 15, 16 a 18, 20, 32, 33 resulta da alteração da decisão de facto introduzida pela Relação; a matéria provada, constante dos pontos 36 a 39, foi aditada; os factos não provados que constavam das alíneas j), q), e r) foram eliminados; foi alterada a redacção dos pontos não provados sob as alíneas i), m) e s).

2 Assim enunciado na petição - «que os RR. sejam condenados a remover a "cancela" que veda o acesso dos AA. à sua propriedade»

3 In Recursos em Processo Civil, 7ªedição, p.333

4 Cfr, exemplificadamente “Acresce dizer que a testemunha OO não referiu ter alguma vez pedido autorização para passar no caminho, sendo de salientar que ele é o dono do prédio encravado inscrito na matriz sob o artigo 34 da Secção S.”

5 Cfr. “Do documento de fls. 338 constam "as coordenadas dos marcos e pontos de estrema, definidores" do prédio inscrito na matriz sob o artigo 47 da Secção S. É um ponto e não um marco que, de acordo com esse documento, define a estrema sul - poente. A delimitação a amarelo do prédio inscrito na matriz sob o artigo 47 da Secção S constante do documento de fls. 336 foi feita pela testemunha PP com base nas coordenadas constantes do documento de fls. 338. Contudo, conforme consta deste documento, a errada coordenada pode chegar aos 2,5 metros…”

7 Não nos deparamos, portanto, com a situação em que a Relação, alterou factos com a afirmação tabelar, v.g, de que procedeu à audição do registo fonográfico dos depoimentos, que contrariamente ao tribunal recorrido, se entendeu que um depoimento se revelou com maior credibilidade do que o depoimento de outra testemunha.

8 Cfr. ex.o ACSTJ de 14.5.2024 , Revista 215/18.5T8MCN.P1.S1 - “I. O exercício do poder-dever funcional previsto no art. 662º, 1, pode ser objecto de sindicação em revista se, exercido dentro dos poderes de reapreciação da matéria de facto, houver motivo para ser censurado por não uso ou uso deficiente ou patológico (error in procedendo) ou ilegal (error in judicando relativo à identificação, interpretação e aplicação de normas de direito probatório material); no demais, rege o princípio da irrecorribilidade ditado pelo art. 662º, 4, do CPC, que se confirma nos arts. 682º, 1 e 2, e 674º, 3, do CPC, actuando em absoluto na decisão enformada pelas regras do jogo da livre apreciação da prova sem valor “tarifado” ou “vinculado”.

9 Cfr.inter alia, a jurisprudência citada no acórdão recorrido.

10 In ACSTJ 26-05-2015, atrás citado. 11 Revista nº3265/19.0T8FAR.E1. S1