Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | MOREIRA ALVES | ||
| Descritores: | ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO OCUPAÇÃO DE IMÓVEL OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR | ||
| Nº do Documento: | SJ2009052605311 | ||
| Data do Acordão: | 05/26/2009 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA | ||
| Sumário : | I - Se, por facto ilícito de terceiro, o proprietário do prédio está impedido, durante um certo período, de o usar, como pretendia, essa perturbação do seu direito de propriedade gera, segundo as regras da experiência comum e do bom senso, prejuízos na sua esfera jurídica, havendo, consequentemente que repôr a situação anterior através da indemnização correspondente à perda temporária dos poderes de gozo e fruição. II - Competindo ao lesado provar o dano ou prejuízo que quer ver ressarcido, não chega a prova da privação da coisa, pura e simples, mostrando-se ainda necessário que o A. demonstre que pretende usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou alguma delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela actuação ilícita da lesante. III - Sendo a coisa em questão um prédio urbano, será suficiente demonstrar que se destinava a ser colocado no mercado de arrendamento ou que o seu destino era a habitação própria, se pudesse dispor dele em condições de normalidade. Mas será dispensável a prova efectiva que estava já negociado um concreto contrato de arrendamento e a respectiva renda acordada ou os prejuízos efectivos decorrentes de o não poder, desde logo, habitar. IV - No primeiro caso, a indemnização pela privação do uso corresponderá ao valor locativo que o A. indicará por mera aproximação com os preços praticados no mercado, valor que poderá vir a ser apurado em execução de sentença. No segundo caso, se não estiver disponível factualidade que permita determinar, com exactidão o valor do dano, nem for possível relegar a sua quantificação para execução de sentença, nem por isso deve ser negada uma indemnização a calcular segundo juízos de equidade. V - Pode colocar-se uma outra situação em que não será necessário alegar-se e provar-se que se pretendia usar a coisa para dela usufruir determinada utilidade que ela era susceptível de proporcionar. Trata-se dos denominados casos de lucro por intervenção de terceiros que darão lugar à restituição por enriquecimento sem causa, embora possa não ocorrer empobrecimento do titular do direito, visto que, mesmo então, a deslocação patrimonial carece de causa justificativa e foi obtida à custa do titular. V - Tendo-se demonstrado que o lote do A., embora apenas com 120 m2, comportava o parqueamento de 5 viaturas, podendo o A. colher dessa actividade um rendimento mensal não apurado, desde que previamente tivesse obtido licenciamento para o efeito, e que o não obteve porque a Ré Freguesia com a anuência ou cobertura da R. Município, a quem competiria autorizar o licenciamento, ocupava o referido lote, apenas haveria que apurar se, em condições de normalidade, em que o A., proprietário do lote, tivesse dele total disponibilidade, poderia obter tal licenciamento. Nada indiciando que o licenciamento não fosse possível, antes pelo contrário, (pois a Junta da Freguesia utilizava o local para parqueamento público automóvel), deve ter-se por demonstrado que a ocupação do lote por parte da Ré Freguesia, acarreta um prejuízo concreto para o A.. VI - Devem, pois, os RR. indemnizar o A. pela privação daquele uso concreto, isto é, pelo valor locativo do lote que, de forma ilícita e culposa, afectaram a estacionamento público, e isto independentemente de a Junta de Freguesia cobrar ou não pelo parqueamento, visto que o A. não tem qualquer obrigação de ceder à Junta, gratuitamente, o seu prédio. | ||
| Decisão Texto Integral: | Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Loures, AA e BB, intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra o Município de Loures e Freguesia de Sacavém, pedindo: — a condenação dos RR. a reconhecerem e a respeitarem o direito de propriedade do A. sobre o lote de terreno n.º 12 da Urbanização da Quinta de ..., identificado no artigo 1º da p. inicial, com a área 450m2, constituído em resultado da operação de loteamento que incidiu sobre aquela Quinta, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º 3.470, Livro B-10, presentemente referida na ficha n.º 521 da freguesia de Sacavém, com as características e aptidão construtiva reconhecidas pela deliberação da Câmara Municipal Ré, em 22/10 e 26/11/95 e em 17/9/96, todos descritos no artigo 18 da petição; — a condenação das RR. a indemnizar o A. pelos prejuízos sofridos, no montante de 6.869.200$00 já vencidos, bem como nos vincendos a partir da data da instauração da presente acção, calculados à razão de 50.000$00 por cada mês de mora na restituição do lote e pela sua ilegítima privação não consentida, a que acrescerão as contribuições autárquicas inerentes ao lote reivindicado que se vierem a liquidar até à entrega ao A.; — a condenação da Ré Freguesia a restituir ao A. o lote em questão, desembaraçado de pessoas e coisas.Alega em fundamento a factualidade que julgou pertinente para fundar o alegado direito de propriedade sobre o mencionado lote, com a área de 450 m2, que agora, não interessa considerar, por estar já decidido definitivamente a questão de propriedade do lote (embora apenas com 120 m2) e da sua restituição ao A..Em fundamento do pedido indemnizatório que aqui interessa considerar, única questão objecto da revista, alegou o A. no essencial:- A Ré Freguesia, através da respectiva Junta, ocupou em Fevereiro de 1993 o referido lote, apesar da oposição reiterada pelo A., por cartas registadas de 25/2 e 16/3/93, documentadas nos autos; - e continua detendo o lote, afectando-o a parqueamento público com a cobertura do R. Município que igualmente pretende, hoje, afectá-lo para parqueamento público; - a situação assim gerada provoca graves prejuízos ao A., porquanto se encontra impossibilitado de usufruir e rentabilizar o investimento realizado com a aquisição do lote e isso por virtude da conduta das Rés, pelo menos desde Fevereiro de 1993. - Ora, desde então, o A. poderia extrair do prédio o rendimento resultante da sua afectação à actividade remunerada de parqueamento automóvel, directamente ou mediante a sua locação para tal fim. - Face à sua área e à razão de 25 m2 por unidade, o prédio do A. admite o parqueamento de, pelo menos, 18 viaturas, pelo que a locação do prédio para tal fim, garantiria ao A. um rendimento mensal não inferior a 50.000$00; - Daí que a indevida ocupação do lote pela Ré Freguesia, causou ao A. um prejuízo não inferior a 5.250.000$00 à data da instauração da acção.Contestaram as Rés. No que aqui interessa, alegaram no essencial - que possuindo o lote apenas 120 m2 o A. apenas poderia parquear 5 viaturas e não as 18 que refere. - que apenas poderia auferir um rendimento resultante de parqueamento automóvel remunerado, caso a afectação a essa finalidade tivesse sido devidamente licenciada, o que não é o caso.Elaboram-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.Realizado o julgamento e lida a decisão sobre a matéria de facto, foi proferida sentença final que julgou à acção parcialmente procedente, decidindo em consequência: - Declarar o A. titular do direito de propriedade sobre o lote n.º 12 da Urbanização da Quinta de ..., freguesia de Sacavém, concelho de Loures, destacado do prédio rústico descrito na Conserv. do R. Pred. De Loures, sob o n.º 3470 do Livro B-10, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Sacavém sob o n.º 2801 e descrito na Conserv. com a área de 120m2, sob o n.º 00742/880512; - condenar os RR. a tal reconhecer; - condenar a Ré Freguesia a restituir o lote ao A. completamente desimpedido de pessoas e bens, e - absolver as RR. do pedido de indemnização formulado pelo A..Inconformado recorreu o A. (apelação).A Relação, considerando que a simples privação do uso constitui dano autónomo de natureza patrimonial indemnizável nos termos dos arts. 483 e 566 do C.C., embora tivesse mantido, no mais, a sentença recorrida, julgou parcialmente procedente a apelação e, por isso, condenou os RR/apelados a pagarem ao A/apelante a indemnização que se liquidar em execução de sentença, devida pela ocupação que tem vindo a ser feita, desde Fevereiro de 1993, até entrega efectiva, sob a parcela de terreno do A. com a área de 120 m2.É deste acórdão que, inconformados, recorrem agora os Réus, de revista e para este S.T.J.. Conclusões:Apresentaram tempestivamente alegações, que terminaram com as seguintes conclusões: Conclusões do R. Município 1. O Recorrido peticionou a condenação da Recorrente a indemnizá-lo pelos prejuízos sofridos, do montante de Esc 6.869.200$00 e dos vencidos à razão de Esc. 50.000$00 por cada mês de mora na restituição do lote. 2. Para tanto, alegou que o arrendamento para parqueamento automóvel do lote de terreno que alegou ter 450 m2 de área, lhe proporcionaria um rendimento não inferior a Esc. 50.000$00 mensais. 3. O Recorrido não logrou, porém, provar que poderia extrair um rendimento proveniente de parqueamento automóvel, antes se tendo provado que, no território da ora Recorrente, o parqueamento público não é remunerado; 4. Destinando-se a acção a efectivar a responsabilidade extracontratual da Recorrente, e não se tendo provado o dano alegado, entendeu a sentença da 1ª instância não se encontrarem reunidos os requisitos do art. 483° do Cód. Civil pelo que, nesta parte, absolveu a Recorrente do pedido; 5. O douto Acórdão sob recurso, considerando embora não se encontrarem reunidos, quer os requisitos da responsabilidade civil extracontratual, quer os requisitos do enriquecimento sem causa, entendeu condenar a Recorrente pelo "dano autónomo" consistente na mera privação de uso; 6. O Recorrido identificou e quantificou danos que não provou; não alegou nem, consequentemente, provou, o dano autónomo com base no qual a Relação acaba por condenar o Recorrente; 7. O objecto da condenação a que procede o Tribunal da Relação è, assim, qualitativamente diferente do objecto do pedido, Destarte, 8. O Acórdão recorrido violou a proibição contida na segunda parte do n°. 1, do art. 661° do Cód. Proc. Civil, incorrendo na nulidade da ai. e), do n°, 1, do art. 668° do mesmo diploma legal; 9. Por outro lado, não tendo sido alegado o "dano autónomo" não foi, sobre o mesmo, exercido o contraditório, conhecendo o Acórdão de questão que lhe estava vedado conhecer, incorrendo na nulidade prevista na ai. d), do n°. 1, do art. 668° do Cód. Proc. Civil igualmente violando a proibição das "decisões - surpresa" (art. 3º do Cód. Proc. Civil). 10. O Acórdão "sub judice" igualmente viola o disposto no n°. 2, do art. 661° do Cód. Proc. Civil uma vez que a condenação em liquidação não se destina a determinar danos não alegados. 11.Finalmente, impõe-se concluir que a ocupação foi, no mínimo, tolerada pela Recorrida pelo que se não pode, em rigor, falar de violação ilícita do seu direito de propriedade que a Recorrente nunca questionou. Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser dado provimento ao recurso revogando-se o Acórdão "sub judice" pois, só assim, se fará JUSTIÇA! Conclusões da Ré Freguesia 1ª. O, ora, Recorrido apenas peticionou prejuízos advenientes do facto de não ter podido arrendar o prédio para estacionamento, tendo-se provado que o parqueamento público ali existente não era remunerado e que e que não se encontra licenciado qualquer afectação a essa finalidade (o que seria extremamente difícil face à exiguidade do lote), não tendo o Recorrido logrado provar a existência de prejuízos concretos, pelo que não pode o douto acórdão recorrido condenar o Recorrente em danos que não foram alegados e provados em sede de julgamento. 2ª. O Recorrido nunca formulou pedido com base em danos emergentes da mera privação do uso, pelo que, decidindo nesse sentido, o douto acórdão recorrido incorreu na nulidade prevista no n.° 1, al. e) "in fine", do art.° 668°, do CPC. 3ª. E, não tendo o Recorrido alegado e provado o invocado "dano autónomo", o douto acórdão recorrido, ao levá-lo em linha de conta, incorreu, igualmente, na nulidade prevista na al. d) "in fine", do n.° 1, do art.° 668°, do CPC, bem como violou o disposto no art.° 660°, do mesmo diploma legal. 4ª. Não tendo tal questão sido peticionada, não foi possível à contraparte o exercício do contraditório, pelo que o douto acórdão violou o princípio do contraditório plasmado no art.° 3º , do CPC. 5ª. Caso assim não se entenda (o que não se concede), sempre se dirá que para a determinação do dano é necessário que o lesado concretize e demonstre a situação hipotética que existiria se não fosse a lesão. 6ª. Assim, "in casu", tomava-se necessário que o recorrido tivesse provado qual a utilização possível não fora a ocupação e qual teria sido a sua situação hipotética vantajosa que saiu frustrada pela ocupação, o que não foi o caso, como resulta da matéria de facto provada. 7ª. O Recorrido não logrou provar qualquer prejuízo concreto, não existindo dano, pelo que inexiste, igualmente, nexo de causalidade que obrigue à indemnização, não se verificando os requisitos previstos no art.° 483°, do C. Civil, pelo que, ao decidir em sentido contrário, o douto acórdão recorrido violou o disposto no referido preceito legal. 8ª. Considera o douto acórdão recorrido que a ocupação do prédio do Recorrido era ilícita; porém, este pretendeu ver o lote aumentado (ou permutado) para 450m2 (uma vez que com a área de 120m2 não retirava dele qualquer rendimento) e, nesse sentido, esteve, durante anos a negociar com o Recorrente, sendo que durante esse período não se opôs nem reivindicou a propriedade, antes tolerou a referida ocupação. Nestes termos e nos mais de direito, com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser considerado procedente, por provado e, em consequência, ser o douto acórdão recorrido substituído por outro que acolha a tese do Recorrente, com o que se fará a costumada e inteira JUSTIÇA!Não foram oferecidas contra-alegações. OS FACTOSForam os seguintes os factos fixados pelas instâncias. II - FACTOS PROVADOS Instruída e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: 1) - Por escritura pública de compra e venda de 1 de Julho de 1987, lavrada a fls. 23v° e segs. do Livro n°. 172-H do 16° Cartório Notarial de Lisboa, o A. declarou adquirir aos seus anteriores proprietários e legítimos possuidores, D. Maria ..., Marido e Outros, e mediante o pagamento do preço de Esc. 3 200 000$00, "um lote de terreno para construção com a área de-450 m2,-designado por lote n°. 12, sito na Urbanização da Quinta de ..., freguesia de Sacavém, concelho de Loures, a confrontar do Sul e Poente com a Escola Preparatória, do Norte com arruamento e com a Urbanização, e do Nascente com a Rua Heróis do Ultramar, a destacar, para ficar a formar prédio distinto, do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n°. 3470 do Livro B-10, ali inscrito a favor dos vendedores (cfr. doc. de fls. 11 a 15) - al. A) da matéria de facto assente. 2) - Aquele lote de terreno encontra-se inscrito na matriz predial urbana da Ré Freguesia sob o art°. 2801, que se acha averbado a favor do A. (cfr. doc. de fls. 16 e 17) - al. B) da matéria de facto assente. 3)- O lote de terreno referido em A) resultou da operação "de loteamento licenciado pelo alvará n°. 119, emitido pelo órgão executivo do R. Município em 15/03/74 (al. C) da matéria de facto assente). 4) - No alvará de loteamento n°. 119 consta o referido lote 12 como tendo a área de 120 m2, com o esclarecimento de que a área do lote, para atingir os 450 m2, teria de ser completada com terrenos adjacentes (al. D/ da matéria de facto assente e resposta aos quesitos 1º e 2º). 5)- O mencionado lote de terreno n°. 12- encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de Loures com a área de 120 m2, a favor dos vendedores identificados na escritura pública supra referida em 1) sob o n°. 00742/880512 (cfr. doe. de fls. 273 e 274). - 6) - O alvará referido em C) e D) incidia sobre a parte rústica do prédio misto conhecido por "Quinta de ...", sito na área da Ré Freguesia, composto pelos três prédios urbanos sitos na Rua ..., em Sacavém, descritos na 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob. os n°s 23 691, 23 699 e 23 698 do Livro. B-66, e pelo prédio rústico sito no mesmo lugar, inscrito na matriz sob. o art°. 30 da Secção C, descrito naquela Conservatória sob o n°. 3470 a fls. 166 do Livro B-10 (cfr. doc. de fls. 18a 25) - al. E) da matéria de facto assente. 7) - Os vendedores identificados na escritura pública referida em A) haviam herdado a dita Quinta de ... de seus antepassados, Octávio... e mulher Maria .... (al. F/ da matéria de facto assente). 8) - Por si e seus ante possuidores referidos em F), possuíram o mencionado prédio por mais de 30 anos, habitando-o, cultivando-o, conservando-o, melhorando-o, procedendo ulteriormente à sua urbanização, extraindo assim dele todas as utilidades de que era passível em cada momento e suportando os inerentes encargos, à vista de toda a gente, sem qualquer oposição, de forma ininterrupta e sempre na firme convicção de que sobre ele exerciam um direito próprio, como seus donos (al. G/ da matéria de facto assente). 9) - Por escritura de 14/10/86, lavrada perante o Notário Privativo do órgão executivo do R. Município, foram a este vendidos os três prédios que integravam então a Quinta de ... atrás referida, e uma parcela de terreno com a área de 6 945 m2, destacada da parte agrícola da dita Quinta, inscrita na matriz rústica sob o art°. 30 da Secção C, parcela esta anexada para jardim a um dos prédios urbanos transmitidos (cfr. doc. de fls. 26 a 31) - al. H) da matéria de facto assente). 10) - Essa venda foi realizada pelo preço então fixado de Esc. 16 000 000$00, a pagar em três prestações efectivadas a seu tempo (al. I/ da matéria de facto assente). 11) - O negócio referido em H) e I) foi condicionado pelo previamente acordado entre os vendedores e o R. Município, aprovado pelas deliberações tomadas pelo seu órgão executivo - a Câmara Municipal - nas reuniões de 22/10/85, 26/11/85 e 17/09/86 (cfr. doc. de fls. 26 a 31) - al. J/ da matéria de facto assente. 12) - Já anteriormente, por deliberação de 2/08/83, a Câmara Municipal se havia proposto adquirir tais prédios que integravam a Quinta de... por Esc. 18 000 000$00 (al. K/ da matéria de facto assente). 13) - Os alienantes reduziram o preço para Esc. 16 000 000$00, propondo em contrapartida, à Câmara Municipal, para além da prorrogação do período de validade do alvará de loteamento n°. 119, a autorização para a construção de um armazém, com piso térreo para estabelecimentos comerciais e cave para arrumações, no lote n°. 12, com a área de implantação de sensivelmente 450 m2 (400 m2 para construção e 50 m2 para logradouro) - al. L/ da matéria de facto assente). 14) - Na sua reunião de 22/10/85, a Câmara Municipal aceitou a proposta dos alienantes, condicionando-a, no entanto, às condições da aprovação do projecto de construção a apreciar e à utilização da cave para estacionamento (cfr. doe. de fls. 32 a 35) - al. M/ da matéria de facto assente). 15) - Perante a recusa dos proprietários, a Câmara Municipal veio alterar aquela posição na sua reunião de 26/11785, prescindindo da afectação da cave do edifício a construir no lote 12 para estacionamento, uma vez que, tecnicamente, tal seria impossível (cfr. doc. de fls. 36) - al. N/ da matéria de facto assente). 16) - Posteriormente, em 30/05/88, o então proprietário do lote, Sr. José ...., submeteu à aprovação da Câmara Municipal de Loures um projecto de construção para o local, que foi indeferido, em virtude dos limites do lote não se encontrarem claramente definidos no estudo de urbanização, as obras de infra-estruturas ainda não se encontrarem concluídas e o alvará de loteamento não se encontrar em vigor (al. O/ da matéria de facto assente). 17) - A aprovação da aptidão construtiva proposta para o lote n°. 12, nos termos referidos em L), foi condição essencial e determinante para os proprietários da Quinta de... aceitarem a venda, pois de outra forma, esta não teria sido realizada, o que o 1º R. bem sabia (al. P/ da matéria de facto assente). 18) - O R. Município propôs-se permutar o lote do A., tendo para o efeito, em 1996, procedido através dos seus Serviços à avaliação do lote do A., bem como de outros lotes potencialmente permutáveis com aquele (cfr. doc. de fls. 44 a 50) - al. Q) da matéria de facto assente). 19) - E solicitou a um dos seus consultores jurídicos parecer sobre "Os direitos do proprietário do lote 12 da Urbanização da Quinta de...", sendo que nesse parecer vem reconhecida a validade da deliberação da Câmara Municipal de 22/10/85 (cfr. doc. de fls. 51 a 53) - al. R) da matéria de facto assente). 20) - Desde 1993 que o A. vem suportando o encargo da Contribuição Autárquica que incide sobre o seu lote (ai. S) da matéria de facto assente). 21) - O referido encargo tributário, liquidado entre 1993 e 2000, custou ao A. a quantia total de Esc. 1.619.200$00 (cfr. doc. de fls. 56 a 62) - al. T/ da matéria de facto assente). 22) - Em 1988 a Quinta de... passou a estar inscrita na matriz sob o art°. 89 da Secção C, da freguesia de Sacavém, sendo extractada tabelarmente a sua descrição para a ficha n°. 521 da freguesia de Sacavém, na Conservatória do Registo Predial (al. U/ da matéria de facto assente). 23) - Por escritura pública de 11 de Dezembro de 1989, lavrada no Notariado Privativo do R. Município, foi pelos seus donos transmitida a favor deste a propriedade de parcela destacada daquela Quinta, com a área de 5 768 m2, a confrontar do Norte com aquela Quinta, do Sul com a Escola Preparatória, do Nascente com terrenos do domínio público da Urbanização da Quinta de ... e do Poente com a zona de protecção da auto-estrada (cfr. doe. de fls. 63 a 68) - al. W/ da matéria de facto assente). 24) - Em contrapartida, o R. Município obrigou-se a pagar a terceiros um débito dos vendedores emergente da execução de obras das infra-estruturas da urbanização então ainda em curso, e assumiu, ainda, para si a obrigação de executar as obras de urbanização impostas pelo respectivo alvará de loteamento n°. 119, que se encontravam ainda por executar, delas isentando os vendedores até aí loteadores (al. X/ da matéria de facto assente). 25) - A Ré Freguesia, através da sua Junta, ocupou em Fevereiro de 1993 o lote identificado em A) contra a vontade do A. (resp. ao ques. 3º), apesar da oposição reiterada pelo A., por cartas registadas de 25 de Fevereiro e 16 de Março daquele ano (resp. ao ques. 4º). 26) - Com o pretexto de ser seu objectivo tão-somente garantir a limpeza do local, a 2ª Ré vem detendo o referido lote, afectando-o a parqueamento público, (resp. aos ques. 5° e 14°). 27) - O R. Município tem vindo a dar cobertura à actuação da Ré Freguesia, no que concerne à afectação do lote do A. para parqueamento público (resp. ao ques. 6°). 28) - A fim de regularizar a situação registral do lote identificado em A), o A. tem diligenciado, directa e indirectamente, junto do R. Município no sentido deste certificar o destaque do lote n°. 12 da Quinta de..., com a área e aptidão referidas em L) - resp. ao quês. 7°). 29) - Apesar de, por ofício de 12/06/2000, expressar o propósito de satisfazer o requerido e de reconhecer a propriedade do A. sobre o aludido lote, o R. Município não emitiu até hoje tal certificação (resp. ao ques. 8º). 30) - A Ré Freguesia continua a deter o lote do A. (resp. ao quês. 9º). 31) - Por virtude da conduta dos RR. e, pelo menos, desde Fevereiro de 1993, o A. encontra-se impossibilitado de usufruir o mencionado lote (resp. ao ques. 10°). 32) - O estacionamento automóvel no referido lote é qualificado como "provisório" e "com autorização do proprietário", conforme referido na placa "existente no local (resp. ao ques. 15°). 33)- A 2ª Ré não aufere qualquer rendimento proveniente do estacionamento automóvel no lote em causa (resp. ao ques. 16°). 34) - Os 450 m2 invocados pelo A. como área do lote 12 respeitam a uma autorização para construção (resp. ao quês. 17°). 35)- Para que esta autorização tivesse viabilidade, seria necessário "completar"- o lote 12, o que não aconteceu, com o esclarecimento de que o mesmo poderia ser completado com terrenos adjacentes, o que implicaria a alteração do alvará de loteamento (resp. ao ques. 18°). 36) - O lote em questão apenas comportaria o parqueamento de 5 viaturas (resp. ao ques. 19°). 37) - O A. apenas poderia auferir um rendimento resultante de parqueamento automóvel remunerado, caso a afectação a esta finalidade tivesse sido devidamente licenciada (resp. ao ques. 20°), o que não aconteceu no caso ora em apreço (resp. ao ques. 21°). 38) - O R. Município não retira qualquer rendimento do terreno em questão (resp. ao ques. 22°). FundamentaçãoComo se vê das conclusões das duas revistas, embora expostas de modo diferente, são as mesmas as questões suscitadas. Ambos os Réus acusam o acórdão de ter condenado em objecto diverso do pedido, cometendo, por isso, a nulidade prevista na alínea e) do n.º 1 do Art. 668º do C.P.C..Além disso, teria apreciado questão de que não podia tomar conhecimento, porque não alegada pelo A., incorrendo, assim, na nulidade da alínea b) do n.º 1 do citado preceito legal.Acresce que, não tendo o A. suscitado a questão da ressarcibilidade da privação do uso como dano autónomo, não puderam as Rés exercer o contraditório pelo que teria sido violado o disposto no Art. 3º do C.P.C..De qualquer modo, a determinação do dano concreto é sempre necessária para que surja a obrigação de indemnizar, daí que o A. teria de provar, não só que a ocupação o privou de usar o prédio, como qual a utilização possível que saiu frustrada pela ocupação. Assim, não tendo provado que tivesse prejuízos concretos com a situação descrita nos autos, não existe, desde logo, dano pelo que ao condenar os RR. a indemnizar o A. o acórdão teria violado o disposto no Art. 483º do C.C..Alegam finalmente que nem terá havido facto ilícito, por não poder ver-se como tal a utilização do prédio por parte da R. Freguesia. Estando todas as questões logicamente encadeadas trataremos conjuntamente todas elas sem deixar de considerar cada uma das críticas feitas ao acórdão.Vejamos então.No que respeita à indemnização pela privação do uso, alegou o A. no essencial: - Aproveitando-se da ausência do A. e contra a sua vontade, a Ré Freguesia, através da sua Junta, ocupou em Fevereiro de 1993 o lote identificado em 1 (da p. inicial); - Apesar da oposição reiterada pelo A., por cartas registadas de 25/2 e 16/3/1993 – cof. doc. de fls. 37 e 39/40 - ; - Pretextando ser seu objectivo tão somente garantir a limpeza do local, afectando-o a parqueamento público; - Sendo que, entretanto, o R. Município tem vindo a dar cobertura à actuação da co-Ré Freguesia, também ele pretendendo, hoje, afectar o lote do A. para parqueamento público. - nesse sentido propôs-se permutar o lote do A. ... não tendo sido possível alcançar acordo sobre este assunto; - Seja como for a R. Freguesia continua a deter o lote do A., afectando-o para a satisfação dos seus interesses; - A situação assim gerada provocou grave prejuízo ao A., porquanto se encontra impossibilitado de usufruir e rentabilizar o investimento realizado na aquisição do lote, por virtude da conduta dos Réus, pelo menos, desde Fevereiro de 1993. - Será incontroverso que desde então, o A. poderia extrair do prédio o rendimento resultante da sua afectação à actividade remunerada de parqueamento automóvel, directamente, ou mediante a sua locação para tal fim; - Em face da sua área e à razão de 25 m2 por unidade, o prédio admite o parqueamento de pelo menos, 18 viaturas pelo que; - A locação do prédio para tal fim geraria ao A. um rendimento mensal não inferior a 5.250.000$00 à data da instauração da presente acção.Em resposta a esta matéria de facto, alegaram, no que ora interessa, os RR.:- O lote apenas possui a área de 120 m2; - Por isso, nele, o A. apenas poderia parquear 5 viaturas; - E apenas poderia auferir um rendimento resultante de parqueamento automóvel remunerado, caso a afectação a essa finalidade tivesse sido devidamente licenciada, o que não aconteceu; - a Ré Freguesia não aufere rendimento proveniente do estacionamento automóvel no lote em causa. - O estacionamento é qualificado como provisório e com autorização do proprietário.Ora, como se vê da matéria de facto fixada pelas instâncias (cof. pontos 25, 26, 27, 18, 30, 31, 33, 34, 35, 36 e 37 da matéria de facto provada) ficou essencialmente demonstrada a alegação do A., embora por referência a um lote com apenas 120 m2 e não com os 450 m2 que alegara. Porém, há que atentar que, no que se refere aos danos ou prejuízos concretos alegados pelo A. foram formulados 3 quesitos com a seguinte redacção: 9.11. “Desde aquela data (alude-se à data da ocupação do lote pela Ré Freguesia – Fev. de 1993 - ) o A. podia extrair do prédio o rendimento resultante da sua afectação à actividade remunerada de parqueamento automóvel?” 9.12. “Em face da sua área e à razão de 25 m2 por unidade, o prédio admite o parqueamento de, pelo menos, 18 viaturas?” 9.13. “A locação do prédio para tal fim geraria ao A. um rendimento mensal não inferior a Esc. – 50.000$00”Todos estes quesitos mereceram resposta negativa de NÃO PROVADOS. Porém, em relação à mesma matéria dos danos concretos, na sequência da posição assumida pelas RR., de que o lote do A. apenas tinha 120 m2, como vieram a provar, alegaram o que acima já se descreveu e que veio a dar origem a outros 3 quesitos assim formulados:9.19. “O lote em questão apenas comportaria o parqueamento de 5 viaturas?” 9.20. “O A. apenas poderia auferir um rendimento resultante do parqueamento automóvel remunerado, caso a afectação a esta finalidade tivesse sido devidamente licenciada?” 9.21. “O que não aconteceu no caso ora em apreço?” Estes quesitos mereceram a resposta de PROVADOS.Ora, perante este quadro factual, tendo em consideração as respostas negativas aos citados quesitos 11º, 12º e 13º, a sentença de 1ª instância julgou improcedente a pretensão indemnizatória do A. com o argumento de que este, provando, é certo, que se encontra impossibilitado de usufruir o mencionado lote (com a área de 120 m2), não provou que dessa situação de privação lhe tenha resultado um prejuízo concreto. Quer dizer, não haveria dano e consequentemente não existiria obrigação de indemnizar.Por sua vez, a Relação, apreciando a questão da indemnização (única que ora vem suscitada), entender que a mera privação do uso constitui dano autónomo de natureza patrimonial indemnizável nos termos dos Arts. 483 e 566 do C.C.. Como, porém, no caso concreto, não existissem elementos que permitissem quantificar tal dano ou prejuízo, relegou para execução de sentença a respectiva liquidação.É desta parte do acórdão recorrido que agora recorrem as RR..Postas estas prévias considerações, começaremos por analisar a questão de direito substantivo, isto é, a problemática do direito à indemnização pela Privação do uso. As diferentes posições das instâncias reflectem a divergência que, em relação ao direito de indemnização do dano decorrente da privação do uso se tem verificado na doutrina e jurisprudência. Na verdade, enquanto uns entendem que a atribuição de uma tal indemnização depende da prova do dano concreto, ou seja, para a determinação do dano deve o lesado concretizar e demonstrar a situação hipotética que existiria se não fosse a lesão (ocupação ou privação do uso), o que quer dizer, por outras palavras, que há-de provar-se qual teria sido a situação vantajosa concreta que saiu frustrada pela privação da coisa (o que se reconduz à aplicação da teoria da diferença), outros defendem que a simples privação do uso de certa coisa constitui um dano indemnizável, independentemente da utilização que se faça ou não faça do bem em causa durante o período da privação.É a primeira tese a defendida pelas R.R., mas, salvo melhor opinião, aproximamo-nos mais da segunda orientação, embora com uma formulação algo diversa.Na verdade, não haverá dúvidas sérias de que a privação injustificada do uso de uma coisa pelo respectivo titular constitui um ilícito susceptível de gerar a obrigação de indemnizar, uma vez que, na normalidade dos casos, impedirá o seu proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, impede-o de usar a coisa, de fruir as utilidades que ela normalmente lhe proporcionaria, enfim, impede-o de dela dispor como melhor lhe aprouver (Art. 1305 do C.C.).Podem, porém, configurar-se situações em que o titular da coisa não tenha interesse algum em usá-la, não pretenda dela retirar as utilidades que o bem normalmente lhe podia proporcionar (o que até constitui uma faculdade inerente ao direito de propriedade) ou pura e simplesmente não usa a coisa. Em situação como estas, se o titular se não aproveita das vantagens que o uso normal da coisa lhe proporcionaria, também não poderá falar-se de prejuízo ou dano decorrente da privação do uso, visto que, na circunstância, este não existe, e, não havendo dano não há, evidentemente que ressarci-lo.Por isso, competindo ao lesado provar o dano ou prejuízo que quer ver ressarcido, não chega a prova da privação da coisa, pura e simplesmente, mostrando-se ainda necessário que o A. demonstre que pretende usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou alguma delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela actuação ilícita da lesante. E, tal exigência não se nos afigura exorbitante. Apresenta-se, tão só, na sequência lógica da realidade das coisas, como pressuposto mínimo da existência do dano e como índice seguro para que o tribunal possa arbitrar a indemnização pretendida com base na utilidade ou utilidades que o titular queria usufruir já que, de contrário, sendo a coisa adequada a proporcionar vários utilidades ou vantagens, teria de ser o tribunal a escolher aquela ou aquelas em que iria fundar a indemnização, o que contraria o princípio do pedido e poderia ser arbitrário. Aliás, a prova de tal circunstancialismo de facto, em muitos casos concretos poderá advir de simples presunções naturais ou judiciais a retirar pelas instâncias da factualidade envolvente.A título de exemplo, quando a privação do uso recaia sobre um veículo automóvel, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente (o que na generalidade das situações concretas constituirá um facto notório ou poderá resultar de presunções naturais a retirar da factualidade provada) para que possa exigir-se do lesante uma indemnização a esse título que corresponderá, regra geral, ao custo do aluguer de uma viatura de idênticas características, mesmo que o lesado não tenha recorrido ao aluguer de um veículo de substituição, uma vez que bem pode acontecer que não tenha disponibilidade económica para isso, sem que tal signifique que não sofreu danos ou prejuízos pela privação do uso do seu veículo. Não necessita, por isso, de provar directa e concretamente prejuízos efectivos como por exemplo, que deixou de fazer, esta ou aquela viagem de negócios ou de lazer, que teve de utilizar outros meios de transporte (táxi, transportes públicos, etc.) com o custo correspondente. Tudo isso estará abrangido pela privação do uso do veículo a ressarcir nos termos referidos ou, em última análise, se necessário, segundo critérios de equidade, sem prejuízo de se poder, evidentemente, alegar e provar outras danos emergentes ou lucros cessantes.Se a coisa em questão for, por exemplo, um prédio urbano, será suficiente demonstrar que se destinava a ser colocado no mercado de arrendamento ou que o seu destino era a habitação própria, se se pudesse dispor dele em condições de normalidade. Mas, será já dispensável a prova efectiva que estava já negociado um concreto contrato de arrendamento e a respectiva renda acordada ou os prejuízos efectivos decorrentes de o não poder, desde logo, habitar.No primeiro caso, a indemnização pela privação do uso corresponderá ao valor locativo que o A. indicará por mera aproximação com os preços praticados no mercado, valor que poderá vir a ser apurado em execução de sentença.No segundo caso, se não estiver disponível factualidade que permita determinar, com exactidão o valor do dano, nem for possível relegar a sua quantificação para execução de sentença, nem por isso deve ser negada uma indemnização a calcular segundo juízos de equidade. Na verdade, se por facto ilícito de terceiro, o proprietário do prédio está impedido, durante um certo período, de o habitar, como pretendia, essa perturbação do seu direito de propriedade gera, segundo as regras da experiência comum e do bom senso, necessários prejuízos na sua esfera jurídica, havendo, consequentemente que repôs a situação anterior através da indemnização correspondente à perda temporária dos poderes de gozo e fruição. (Tal indemnização corresponderá aos danos concretos apurados ou a apurar em execução de sentença, ou se tal não for possível a uma quantia fixada em termos de equidade.).É, pois, esta frustração do uso que se queria, mas não se pode exercer, por causa da conduta do lesante, que caracteriza a dano ou prejuízo emergente da privação do uso, que, se não puder ser ressarcido segundo o princípio da reconstituição natural, deverá sê-lo através de uma indemnização em dinheiro equivalente, ou se tal não for possível, por recurso às regras da equidade.Pode colocar-se uma outra situação em que não será necessário alegar-se e provar-se que se pretendia usar a coisa para dela usufruir determinada utilidade que ela era susceptível de proporcionar. Trata-se dos denominados casos de lucro por intervenção de terceiros que darão lugar à restituição por enriquecimento sem causa, embora possa não ocorrer empobrecimento do titular do direito, visto que, mesmo então, a deslocação patrimonial carece de causa justificativa e foi obtida à custa do titular. Importa por isso articular a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa com a obrigação de indemnizar baseada na responsabilidade civil. Como observa A. Varela (Das Obrigações em geral – vol. I – 6ª ed. – fls. 471) “Os dois institutos podem concorrer na qualificação da mesma situação, principalmente nos casos de intromissão nos bens ou direitos alheios ... Se a intromissão não envolve responsabilidade civil (porque não há culpa, ou porque não há dano), mas há enriquecimento sem causa justificativa, o carácter subsidiário da obrigação de restituir nela fundada não impede, como é óbvio, a sua aplicabilidade”.As duas situações são, como se vê, diferentes, pois, enquanto no âmbito da responsabilidade civil há que reparar um dano sofrido pelo lesado (e por isso mesmo, se não houver dano não há lugar à indemnização) no enriquecimento sem causa visa-se restituir aquilo que foi obtido sem justa causa e à custa do titular, isto é, em última análise, aquilo que, nos termos do ordenamento jurídico devia pertencer ao titular dos bens ou do direito, ainda que ele não estivesse disposto a utilizar a coisa ou o seu direito para obter aquela concreta utilidade.Postas estas prévias considerações há que regressar ao caso concreto. Ora, como resulta dos autos, está perfeitamente demonstrado que o A. pretendia utilizar o seu prédio (toda a acção o afirma à exaustão) e por isso mesmo se provou que, por virtude da conduta dos RR., pelo menos desde Fevereiro de 1993, o A. se encontra impossibilitado de usufruir o seu lote.Designadamente, o A. alegou a utilidade concreta que se propunha retirar do lote se não fosse estar dele privado. Tal utilidade traduzia-se na exploração do espaço para parqueamento automóvel ou locação para o efeito. No fundo é o valor locativo do prédio que o A. invoca em fundamento da sua pretensão indemnizatória.Todavia, como se viu, face às respostas negativas aos quesitos 11º, 12º e 13º, entendeu a 1ª instância que o A. não provou o dano concreto que havia alegado, isto é, não provou que por não ter utilizado o lote para parqueamento automóvel deixou de obter determinada vantagem concreta (no caso, o rendimento mensal de 50.000$00). Diferentemente, entendeu a 2ª instância que a simples privação do uso justifica a indemnização, embora relegasse para execução de sentença a sua quantificação.Vimos já qual a nossa posição, sendo certo que, perante ela, se justificava, igualmente, a indemnização a fixar em execução de sentença.Não será, no entanto, necessário recorrer a qualquer construção jurídica mais elaborada para se concluir que, no caso, se justifica a atribuição de uma indemnização a liquidar em execução de sentença.Na verdade, no caso concreto, a interpretação da prova, considerada na sua globalidade, implica que se tenha por demonstrado que o lote do A., embora apenas com 120 m2, comportava o parqueamento de 5 viaturas, podendo o A. colher dessa actividade um rendimento mensal não apurado, desde que previamente tivesse obtido licenciamento para o efeito. De facto, apesar das respostas negativas aos quesitos 11º, 12º e 13º, não pode ignorar-se as respostas positivas aos quesitos 19º e 20º, que apontam inequivocamente nesse sentido (cof. matéria de facto atrás descrita).Dir-se-á, então, que está provado que o referido licenciamento não foi obtido no caso em apreço, o que inviabilizaria, por si só, a obtenção do alegado rendimento. O argumento prova demais. É claro que no caso concreto não ocorreu o necessário licenciamento, nem podia, naturalmente, ocorrer, desde logo porque o espaço em causa estava ilicitamente ocupado pela Ré Freguesia com a anuência ou cobertura da R. Município, a quem competiria autorizar o licenciamento para tal actividade (parqueamento automóvel). Ora, sendo os RR. os infractores, seria inadmissível que pudessem beneficiar de qualquer modo da sua conduta lesiva dos direitos do A..Podia ainda questionar-se. E seria possível, noutras condições, isto é, em condições de normalidade em que o A., proprietário do lote, tivesse dele total disponibilidade, obter tal licenciamento? Nada nos autos indicia que o licenciamento não fosse possível, nem os RR. tal alegaram. Aliás, seria pelo menos insólito e preocupante que, podendo a Junta da Freguesia utilizar o local (que parcialmente pertence ao A.) para parqueamento automóvel o proprietário desse espaço não o pudesse fazer, na parte que lhe pertence ... Além disso, na resposta ao quesito 20 está implícita a possibilidade de licenciamento.Portanto, deve ter-se por demonstrado que a ocupação do lote A., com a área de 120m2 por parte da Ré Freguesia, acarreta um prejuízo concreto para o A., embora não quantificado, porquanto, ser-lhe-ia possível rentabilizar a parcela em questão com o parqueamento de 5 viaturas, obtida a prévia autorização, se não fosse a privação ilícita do uso dela.De qualquer modo, o certo é que a Junta da Freguesia ocupou a parte do terreno que pertencia ao A., utilizando-o no seu interesse. E, diferentemente do que alegam os recorrentes, está provado que tal ocupação e utilização foi efectuada contra a vontade do A. que a isso se opôs por escrito e, por outro lado, sabe-se perfeitamente que a área ocupada pertencente ao A., tem 120 m2. Consequentemente, porque foi violado o direito de propriedade do A. os RR. actuaram ilicitamente e com culpa, pois não ignoravam que nenhum título possuíam que lhes permitisse a afectação a parqueamento da parte do terreno pertencente ao A.. Há consequentemente, a obrigação de indemnizarem o A. pela privação daquele uso concreto, isto é, terão os RR. de indemnizar o A. pelo valor locativo do lote de 120 m2, que usaram indevidamente e isto independentemente de a Junta de Freguesia cobrar pelo parqueamento, visto que o A. não tem qualquer obrigação de ceder à junta, gratuitamente, o seu prédio.Como se sabe, a impossibilidade de quantificar o prejuízo que se provou, não impede a procedência do pedido indemnizatório, implicando apenas a sua liquidação em execução de sentença. Decidida assim a questão de fundo é fácil entender que se impunha a condenação dos RR. a indemnizar a A. na quantia que se liquidar em execução de sentença (que corresponderá ao valor locativo do lote do A. com a área de 120 m2), embora com fundamentação jurídica algo diversa de utilizada pela Relação. E, como é óbvio, tal não implica que se condene em quantidade ou objecto diverso do pedido ou que se tenha conhecido de questão que não devesses conhecer-se, nem representa qualquer decisão surpresa com a qual os RR. não pudessem contar. Todas essas questões meramente formais ficam prejudicadas ou se se preferir, ultrapassadas, pela apreciação jurídica da questão do mérito que aqui se fez.De qualquer forma, a posição assumida pela Relação a respeito da indemnização do dano emergente da privação do uso não passa de uma questão de direito em relação à qual o Tribunal não está submetida às alegações das partes, pelo que nunca representaria o conhecimento de questão de que não pudesse conhecer-se, ou o conhecimento de questão diversa daquela que é objecto da acção. Por isso, ao condenar os RR. a indemnizar o A. pela privação do uso da parcela a este pertencente, não se ultrapassaram os limites do pedido, não se verificando qualquer das nulidades imputadas ao acórdão (que, a verificarem-se, estariam ultrapassados, como acima se disse). Improcedem, assim, todos as conclusões das revistas. DecisãoTermos em que acordam neste S.T.J. em negar revista quer à Ré Freguesia, quer ao Réu Município, confirmando-se o acórdão recorrido, embora com diversa fundamentação. Sem custas por delas estarem isentas os RR (C.C.J., aplicável ao caso).Lisboa, 26 de Maio de 2009. Moreira Alves( relator) Alves Velho Moreira Camilo |