Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | RICARDO COSTA | ||
Descritores: | NULIDADE DE ACÓRDÃO AMBIGUIDADE OBSCURIDADE RECURSO DE REVISTA DUPLA CONFORME REJEIÇÃO DE RECURSO INCONSTITUCIONALIDADE USO ANORMAL DO PROCESSO | ||
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Data do Acordão: | 01/12/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - A nulidade do acórdão, por aplicação dos arts. 615.º, n.º 1, al. c), 2.a parte, e 666.º, , n.º 1, 685.º do CPC, fundada em «ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível», implica que, seja na decisão, seja na fundamentação, se chegue a resultado que possa traduzir dois ou mais sentidos distintos e porventura opostos, que permita hesitar sobre a interpretação adoptada, ou não possa ser apreensível o raciocínio do julgador, quanto à interpretação e aplicação de determinado regime jurídico, considerados os factos adquiridos processualmente e visto o decisório in totum. II - Não se preenche tal vício se a construção do acórdão é lógica e perceptível e o sentido final é coerente com todo o argumentário usado e tendente ao resultado decretado – o não conhecimento do objecto do recurso por aplicação do art. 671.º, n.º 3, do CPC (“dupla conformidade decisória”) –, consubstanciando a reacção pela via oblíqua da arguição da nulidade o inconformismo do recorrente relativamente à valoração e ao julgamento do acórdão recorrido, de forma despropositada e extemporânea e tão-só visando a modificação do julgado, obtido com conformidade pelas instâncias. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 4258/18.0T8SNT.L1.S1 Revista – Tribunal recorrido: Revista – Tribunal recorrido: Relação….., …Secção Recorrentes: AA; «Lua Maia – Distribuição e Comércio, Lda.» e BB Reclamação para a Conferência: arts. 615º, 1, c), 666º, 1 e 2, 685º, CPC; Reclamante: AA
Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça 6.ª Secção
I. RELATÓRIO 1. AA instaurou acção especial de destituição de titulares de órgãos sociais e de nomeação judicial, sendo enxertado pedido cautelar de suspensão imediata de funções, contra «Lua Maia – Distribuição e Comércio, Lda.» e BB, sujeita às regras próprias dos processos de jurisdição voluntária, previstas nos arts. 986º, 1053º e 1055º do CPC. Peticionou a destituição da segunda requerida das suas funções de gerente da primeira Requerida, com pedido de decretamento da suspensão imediata do cargo de gerente, intimação a abster-se de praticar quaisquer actos em representação da sociedade Requerida e outros, e a nomeação judicial provisória de gerentes para a sociedade requerida (o Requerente e pessoa idónea a designar pelo Tribunal ou, se assim fosse de entender, o seu filho). Foi proferida sentença pelo Juiz … do Juízo de Comércio ….. do Tribunal Judicial da Comarca ……. em 26/7/2018 (cfr. fls. 285 e ss), que julgou a acção parcialmente procedente, porque provada em parte e, em consequência, decidiu: “a) Absolver as requeridas dos pedidos de suspensão e destituição de BB do cargo de gerente da sociedade comercial “LUA MAIA, – Distribuição e Comércio, Lda.; b) Nomear como gerente da sociedade comercial “LUA MAIA – Distribuição e Comércio, Lda.”, CC (…)”.
2. Inconformado, o Requerente interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação ….. (TR..), que, em 7/3/2019, proferiu acórdão através do qual: — modificou a decisão de facto da 1.ª instância, alterando os factos provados 9., 19., 41., 42. e aditando o facto provado 9-A. (fls. 565v e ss); — julgou não ser nula a sentença recorrida, uma vez que não se preenchia o art. 615º, 1, d), do CPC, que prevê excesso de pronúncia (fls. 577v-578); — manteve a decisão da 1.ª instância no segmento decisório sob a), respeitante ao pedido da Autora e Requerente relativo à suspensão e destituição da Requerida gerente (reflectido no dispositivo decisório: “acordam os juízes em negar provimento à apelação mantendo a decisão recorrida”); — revogou a decisão da 1.ª instância no segmento decisório sob b), decretando-se em sua substituição “nomear como gerente da sociedade comercial “Lua Maia Distribuição e Comércio Lda.” pessoa constante da lista oficial de administradores de insolvência que o Meritíssimo Juiz do Tribunal recorrido indicará da lista oficial”.
3. O Requerente AA interpôs recurso de revista para o STJ, suscitando-se a interpretação e a aplicação do art. 257º, 6, do CSC, para efeitos de revogação parcial do acórdão recorrido no que toca à absolvição do pedido de destituição da gerente requerida e a sua substituição por decisão que determine essa destituição, assim como a nomeação judicial do Recorrente como gerente (revista I, fls. 612 e ss). As Requeridas «Lua Maia – Distribuição e Comércio, Lda.» e BB interpuseram também recurso de revista para o STJ, invocando a nulidade da decisão recorrida, tendo por base os arts. 615º, 1, b) e c), 666º, 1, e 671º, 1, 674º, 1, b), do CPC, e pedindo a revogação do acórdão recorrido na “parte referente à decisão de revogação da decisão de primeira instância de nomeação como gerente o senhor CC, ordenando a sua substituição”, “devendo manter-se a decisão constante da alínea b) da sentença proferida no tribunal a quo” (revista II, fls. 639v e ss). Por despacho proferido pelo aqui Relator, foram julgados findos ambos os recursos por não haver lugar ao conhecimento dos respectivos objectos (art. 652º, 1, h), ex vi art. 679º, CPC).
4. O Requerente e Recorrente AA, inconformado, veio reclamar para a Conferência, pugnando pela revogação da decisão singular e consequente admissibilidade da revista tendo em conta a não verificação de uma situação de dupla conforme impeditiva do conhecimento do recurso por si interposto. Em acórdão proferido nesta Secção do STJ em 10/11/2020, julgou-se improcedente a Reclamação, confirmando-se o despacho reclamado quanto ao não conhecimento do objecto do recurso interposto pelo Reclamante.
5. Notificado, veio novamente o Recorrente AA, manifestando que não se resignava perante o resultado decisório, reclamar para a Conferência, agora mediante a arguição da nulidade do acórdão proferido, nos termos do art. 615º, 1, c), 2.ª parte, aplicável por força, conjugadamente, dos arts. 666º, 1, e 685º do CPC, assente em alegada «ambiguidade ou obscuridade» da decisão quando aborda as consequências na argumentação usada pelo acórdão recorrido da Relação da alteração do facto provado 41. e do aditamento do facto provado 9-A., ao abrigo dos poderes atribuídos pelo art. 662º, 1, do CPC: em síntese, “numa e noutra decisão, os Tribunais estiveram perante um segmento fáctico e jurídico distinto”, sendo, por isso e nessa parcela, imputável ao tribunal recorrido uma fundamentação “necessariamente nova e completamente distinta daquela que foi utilizada pelo Tribunal de 1.ª instância”; é na resposta dada pelo acórdão reclamado quanto à abrangência dessa fundamentação no âmbito de aplicação do art. 671º, 3, do CPC, que radicaria essa «ambiguidade ou obscuridade», uma vez que tal reapreciação da matéria de facto contendeu com a interpretação da norma constante do art. 257º, 6, do CSC, que não fora avaliada em 1.ª instância. Por fim, não deixou de invocar que a interpretação feita do art. 671º, 3, do CPC se revelara desconforme com o art. 20º da CRP e o princípio de tutela jurisdicional efectiva que nele se consagra. Em resposta, as Requeridas «Lua Maia – Distribuição e Comércio, Lda.» e BB contestaram a conduta do Reclamante, que somente pretende com a presente impugnação “evitar o trânsito em julgado de uma decisão fáctica e de Direito há muito proferida”.
Foram dispensados os vistos legais (art. 657º, 4, ex vi art. 679º, CPC).
II. APRECIAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO 6. Apreciando a pretensão da Reclamante, importa ter presente que o art. 615º, 1, c), do CPC prescreve com a nulidade a decisão em que «os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão inintelegível». Pois bem. Mesmo seguindo este entendimento, não absoluto e instrumental à motivação jurídica, o resultado concreto nesta sede de não desconformidade entre as instâncias (analisada na economia interna da decisão recorrida) é o mesmo. Na verdade: O aditamento do facto provado 9-A respeita à atribuição à Requerida BB da condição-qualidade de gerente de facto da sociedade «Lua Maia», em cumulação com a condição-qualidade de gerente de direito do AA, Requerente e aqui Reclamante, durante o período referido no facto provado 9. (sendo este objecto de modificação no acórdão recorrido), correspondente a exercício único da administração enquanto gerente de direito ou formal, com inscrição da respectiva designação no registo comercial. Por sua vez, a modificação do facto provado 41. teve como objecto excepcionar o depósito bancário referido no facto provado 39. no contexto das actuações da Requerida BB. Em conjunto, tais alterações da matéria de facto permitiram: Não se vê que tais modificações e aditamento sejam relevantes para a motivação jurídica crucial e confirmativa que funda a reiteração em 2.ª instância da insubsistência de fundamento da destituição enquanto e na medida em que a Requerida pratica actos de gestão, com título idóneo e equiparador para o efeito. Antes a clarificam e a sustentam em desenvolvimento, no âmbito da questão de direito elencada no acórdão recorrido (“III.4. Saber se alterando-se a decisão de facto como propugnado se verificam os pressupostos da justa causa de destituição da recorrida BB nos termos do n.º 6 do art. 257 do CSC”). Nem, ademais, contraria o resultado declarado pela sentença apelada e a construção que está na base da parte dispositiva da decisão. Mais uma vez se verifica que há argumentação acrescida na leitura e subsunção dos factos ao direito aplicável, mas sem que tal conduza a uma alteração estrutural ou essencial de regime jurídico aplicável e seguido na fundamentação da decisão recorrida. Em suma, sem que daí se tenha extraído solução jurídica diversa da seguida pela 1.ª instância[7]. O que, in totum, implica chegarmos ao mesmo resultado por esta via: a inadmissibilidade da revista do Recorrente que aqui se apresenta como Reclamante.”
Em consequência. Não se verifica ambiguidade ou obscuridade da decisão jurídica obtida perante a questão de apreciação da dupla conformidade decisória no âmbito da reapreciação da matéria de facto. De facto, não se vislumbra que se tenha chegado a um resultado ambíguo ou obscuro ou ambíguo em linha com a fundamentação usada, em virtude de esse resultado poder traduzir dois ou mais sentidos distintos e porventura opostos, que permitisse fazer hesitar sobre a interpretação adoptada, ou por não poder ser apreensível, em face do raciocínio lógico anteriormente adoptado quanto à interpretação e aplicação do art. 671º, 3, do CPC, considerados os factos adquiridos processualmente e visto o decisório in totum[8]. Não se preenche tal vício se a construção do acórdão é lógica e perceptível e o sentido final é coerente com todo o argumentário usado e tendente ao resultado decretado. O que se verifica é inconformismo da Recorrente relativamente à valoração e ao julgamento do acórdão recorrido que, aproveitando no final a “janela” de arguição de uma nulidade de decisão, a conduz a intentar por esta via oblíqua (e novamente) a reapreciação da subsunção da matéria de facto ao quadro jurídico seguido pelas instâncias (violação grave dos deveres do gerente e destituição com justa causa) de forma despropositada e extemporânea – e assim obter, ainda e uma vez mais, a modificação do julgado (cfr., em esp. os pontos V., VI., VIII. a X., das Conclusões), obtido com conformidade pelas instâncias.
III. DECISÃO Em razão do exposto, acorda-se em indeferir a reclamação apresentada. * Custas pelo Reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UCs.
STJ/Lisboa, 12 de Janeiro de 2021 Ricardo Costa (Relator)
Ana Paula Boularot
José Rainho
Sumário do Relator (arts. 663º, 7, 679º, CPC).
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Recentemente, v. o Ac. do STJ de 29/9/2020, processo n.º 909/18.5T8PTG.E1.S1, Rel. RICARDO COSTA, in www.dgsi.pt. |