Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | MOREIRA CAMILO | ||
Descritores: | GRAVAÇÃO DA PROVA ARGUIÇÃO DE NULIDADES PRAZO DE ARGUIÇÃO ALEGAÇÕES DE RECURSO SIMULAÇÃO ABUSO DE REPRESENTAÇÃO VENDA DE COISA ALHEIA | ||
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Nº do Documento: | SJ200807010018061 | ||
Data do Acordão: | 07/01/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA | ||
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Sumário : | I - O art. 2.º do DL n.º 39/95, de 15-02, diploma que veio estabelecer o registo da prova nas audiências finais, aditando ao CPC os arts. 522.°-A, 522.°-B e 522.°-C, é omisso quanto à fixação, seja de início, seja de termo, de qualquer prazo para arguição das anomalias ocorridas na gravação. II - Contudo, apesar da falta de indicação expressa da lei, afigura-se-nos que ela fornece as seguintes duas linhas de orientação: por um lado, até ao encerramento da audiência, pelo menos, a repetição do registo deve ter lugar sempre que, em qualquer momento, se tomar conhecimento da anomalia; por outro lado, as partes não estão sujeitas a qualquer prazo para solicitar a entrega da cópia, mas apenas a Secretaria Judicial, e, por isso, se a parte interessada na obtenção do registo o pede quando está a correr o prazo para apresentação da sua alegação, cumprido que seja pela Secretaria o prazo máximo para a entrega, terá de sofrer as inerentes consequências que corresponderão, pelo menos, a um encurtamento do prazo que lhe era legalmente concedido para a prática do acto recursivo, prazo que, no limite, pode ficar reduzido a apenas um dia. III - Tratando-se de nulidade processual, e ultrapassado o campo de aplicação do art. 9.º do DL n.º 39/95, o prazo para a arguição é de 10 dias e conta-se a partir do dia em que, depois de cometida a irregularidade, "a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência" - arts. 205.°, n.º 1, e 153.º, n.º 1, do CPC. IV - Pode, assim, concluir-se que o prazo para arguir tal nulidade terá de ser o que está a decorrer para a prática do acto de que a regularidade do acto omitido é condição necessária e cuja regularidade igualmente pressupõe, ou seja, o prazo para a apresentação das alegações, sem ou com multa, salvo se se demonstrar que o reclamante teve conhecimento do eventual vício mais de dez dias antes do termo desse prazo. V - Do disposto no art. 240.º, n.º 1, do CC, decorre que são necessários três requisitos para que haja simulação: divergência entre a vontade real e a vontade declarada, intuito de enganar terceiros e o acordo simulatório. VI - Dos factos provados resulta inequivocamente estarem preenchidos os primeiro e terceiro dos indicados requisitos, ou seja, a divergência entre a vontade real e a vontade declarada e o acordo simulatório. VII - No entanto, na situação dos presentes autos, não se verifica o intuito de enganar terceiros, pois que a aqui Autora não é um terceiro, mas é parte nos negócios em causa, pois foi aí representada pelo Réu, através de procuração anteriormente por ela outorgada, na qual lhe conferia poderes para realizar tais negócios: o contrato-promessa de compra e venda da fracção aqui em causa e o respectivo contrato de compra e venda. VIII - Também não se está perante a situação de abuso de representação, mas a de falta de poderes do Réu para a celebração de tais negócios, no tocante à quota-parte pertencente à Autora, face à revogação da procuração que neles foi utilizada. IX - Não possuindo o Réu poderes representativos da Autora, encontramo-nos perante uma situação de venda de coisa alheia, na parte respeitante à Autora, que, juntamente com o Réu, era comproprietária da fracção que foi objecto de alienação. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Nº 477 I – Nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, AA instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra BB e CC - Imobiliária, Lda, pedindo que fosse proferida sentença “a) que considere os negócios celebrados pelos RR ou individualmente pelo R e indicados nos arts. nºs 15° e 16° desta p.i. usando procuração emitida pela A nulos e de nenhum efeito por simulados; b) Se assim não for entendido que considere os referidos negócios ineficazes em relação à A.; c) que condene a 2a R. a entregar à A. a fracção autónoma devoluta e livre de pessoas e bens; d) que condene os RR a restituírem à A. os bens a esta pertencentes e que se encontravam na posse daqueles protestando juntar-se relação dos mesmos; e) em qualquer caso seja ordenado o cancelamento de todos os registos relativos à fracção em litígio posteriores ao registo da aquisição pela A., nomeadamente a apresentação 14 de 01/10/2004”. Fundamentou a sua pretensão no facto de ter outorgado diversas procurações a favor do seu então marido e aqui 1° Réu com a finalidade de este tratar de todos os assuntos relacionados com o património de ambos, visto a sua profissão de hospedeira de bordo não lhe permitir estadias de grande duração em Portugal, tendo o mesmo feito uso ilegítimo de tais procurações. Por tal facto, em 10.07.2003 intentou uma acção de condenação contra o 1° Réu para revogação de uma dessas procurações e que corre termos pela 3a Secção da 14a Vara Cível de Lisboa sob o n° ....../03,4TVLSB. Em 01.08.2003, notificou judicialmente o 1° Réu para que, entre outras coisas, este se abstivesse, até à decisão judicial do aludido processo, de utilizar qualquer procuração que a Autora lhe tivesse passado, por ter perdido a confiança no mesmo. Alegou ainda que, aproveitando a ausência da Autora no período entre 29.9.2004 e 10.10.2004, o 1° Réu retirou parte dos bens pertencentes à mesma e depositou-os numa garagem propriedade de ambos. Referiu ainda que descobriu no passado dia 15.10.2004 que o 1º Réu, munido de uma procuração de 27.09.1999, outorgou primeiro um contrato-promessa e depois uma escritura pela qual vendeu à 2a Ré a casa de morada de família, que era compropriedade de ambos. Confirmou ainda que o 1 ° Réu usou a procuração contra a sua vontade e depois de já ter sido notificado para se abster de a usar. Afirmou, por fim, que o contrato de compra e venda é nulo por simulação, visto que a escritura pública foi celebrada pelos Réus de forma concertada com o intuito de a enganar apenas para que esta não pudesse usar a casa. Contestaram os Réus, alegando, em síntese, que as procurações foram emitidas pela Autora como reconhecimento de que nada tinha a ver com os negócios dos ora Réus e, por outro lado, porque nessa altura aquela estava envolvida com um terceiro, com quem pensava ir viver e queria separar-se, o que de facto aconteceu, pelo que foram então emitidas as procurações, bem como uma declaração na qual a mesma reconheceu que nada era seu e que prescindia de tudo. Mais alegaram que o contrato-promessa e o contrato de compra e venda da fracção foram celebrados ao abrigo de legítimos poderes conferidos pela Autora. Argumentaram que nenhuma sentença existe que revogue a procuração irrevogável e que as revogações juntas como docs. nºs 7 e 8 não foram efectuadas e transmitidas em tempo útil para os efeitos que a Autora pretende. No decurso do processo a Autora reduziu o pedido, eliminando o que formulou no que se refere à devolução dos seus bens pessoais, por já ter recuperado alguns desses mesmos bens (cfr. supra alínea d)). Proferido despacho judicial que designou data para a realização de Audiência Preliminar, com prévia tentativa de conciliação, foi notificado o Exmo. Mandatário dos Réus a quem estes tinham outorgado procuração com poderes especiais. Não tendo comparecido o mandatário dos Réus ou estes, o processo ficou a aguardar a apresentação de prova. Posteriormente, o mandatário dos Réus foi notificado com cópia da Acta da Audiência Preliminar, ali se fazendo menção da data para a realização de julgamento. O Exmo. Mandatário dos Réus foi notificado desta Acta no dia 11 de Março de 2006 - fls. 180 dos autos. Em 20 de Março de 2006, os Réus apresentaram novas procurações forenses a favor de outros mandatários e, no dia seguinte, um outro requerimento em que indicaram prova e alegaram que só naquela data tinham tido conhecimento da realização da audiência preliminar. O Sr. Juiz de 1ª Instância não admitiu, por extemporâneo, o requerimento de prova apresentado. Inconformados, os Réus interpuseram recurso de agravo desta decisão. No decurso da Audiência de Julgamento, o Sr. Juiz proferiu decisão em que condenou os RR. em multa pela falta de colaboração face à não junção aos autos dos extractos de todas as contas bancárias de Julho de 2004 até Novembro de 2004, na sequência da notificação que lhes tinha sido dirigida para esse efeito. Em tal despacho foram ainda referidos os efeitos legais decorrentes de tal omissão. Inconformados, os Réus interpuseram novo recurso de agravo. A final, foi proferida sentença que considerou a acção procedente, por provada, e, em consequência, declarou a nulidade dos negócios jurídicos identificados no processo, com fundamento na sua simulação, condenando a 2ª Ré a entregar à Autora a fracção autónoma referida nos autos, devoluta e livre de pessoas e bens, ordenando ainda o cancelamento do registo de aquisição a favor da 2ª Ré. Após recurso dos Réus, foi, no Tribunal da Relação de Lisboa, proferido acórdão, a julgar não providos os dois agravos e improcedente a apelação, confirmando-se, assim, as decisões recorridas. Ainda irresignados, vieram os Réus interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido. Os recorrentes apresentaram alegações e respectivas conclusões, pedindo que, com a procedência do recurso, seja revogada a decisão recorrida, absolvendo-se os recorrentes do pedido. A recorrida não contra-alegou. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – Nas instâncias, foram dados como provados os seguintes factos: 1. A Autora e o primeiro Réu casaram no dia 26 de Março de 1997, sob o regime de separação de bens, conforme certidão de assento de casamento de fls. 100 (al. A)). 2. A aquisição da fracção autónoma designada pela letra "L", correspondente ao 9° andar, do prédio sito na Avenida da República, n° 56 – B/C/D, descrito na 8a Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n° ......./......., da freguesia de São Sebastião da Pedreira, foi registada a favor da Autora e do primeiro Réu, pela Ap. 14 de 19.07.1999, convertida em definitivo pela Ap. 11 de 19.11.1999, por compra, e encontra-se actualmente registada a favor da segunda Ré pela Ap. 14 de 01.10.2004, por compra, conforme certidão de fls. 76 a 80, que aqui se dá por reproduzida (al. B). 3. A Autora, que é hospedeira de bordo de profissão, outorgou diversas procurações a favor do primeiro Réu (al. C). 4. Uma dessas procurações foi outorgada no dia 13.02.2003, no 4° Cartório Notarial de Lisboa, e pela mesma a Autora declarou que constituía seu bastante procurador o primeiro Réu, a quem conferia todos os poderes necessários para, em seu nome, ceder e/ou prometer ceder a quem quisesse e pelo preço e condições que entendesse convenientes a quota, com o valor nominal de € 12.968,74, de que é titular na segunda Ré. Declarou ainda que o mandatário ficava expressamente dispensado de prestar contas, podendo, ainda, requerer certidões, promover registos, celebrar contratos e outorgar a escritura pública relativa à cessão da mencionada quota, conforme certidão de fls. 26 a 29 dos autos de procedimento cautelar, que aqui se dá por reproduzida (al. D). 5. Correm seus termos na 3a Secção da 14a Vara Cível de Lisboa, sob o n° 6276/03.4TVLSB, uns autos de acção declarativa, com processo comum na forma ordinária, instaurados em 10.07.2003 pela ora Autora contra o ora primeiro Réu, na qual aquela pede que seja decretada a revogação da procuração referida em D), bem como todas e quaisquer outras, outorgadas pela ora Autora, que o ora primeiro Réu tenha eventualmente na sua posse, conforme certidão de fls. 111 a 150, que aqui se dá por reproduzida (al. E)). 6. Por decisão datada de 14.01.2005, que julgou a acção parcialmente procedente, foi anulada a procuração referida em D) e absolvido o primeiro Réu do demais peticionado (al. F)). 7. Foi interposto recurso da decisão referida em 6. (al. G)). 8. Por notificação judicial avulsa efectuada em 01.08.2003, a ora Autora notificou o ora primeiro Réu «(...) de que a Requerente interpôs acção de condenação para que a procuração outorgada» em 13.02.2003 «seja judicialmente revogada, bem como, todas e quaisquer outras, outorgadas pela Autora, que o Requerido, eventualmente, tenha na sua posse e para que o Requerido se abstenha até à decisão judicial de utilizar tal procuração "irrevogável" ou qualquer outra que a Requerente lhe tenha passado e se encontre, eventualmente na sua posse», conforme doc. de fls. 21 a 31 dos autos de procedimento cautelar, que aqui se dá por reproduzido (al. H)). 9. Por acordo datado de 02.12.1999, o primeiro Réu e a Autora, aquele por si e em representação da Autora, prometeram vender a DD, que prometeu comprar, a fracção autónoma descrita em 2., pelo peço de Esc. 33.500.000$00, conforme documento de fls. 33 a 35 dos autos de procedimento cautelar (al. I)). 10. Por acordo datado de 13.01.2000, o primeiro Réu e a Autora, aquele por si e em representação da Autora, prometeram vender a Prominur Promoção de Investimentos Urbanos, Lda., tendo EE, na qualidade de representante da referida sociedade, prometido comprar, a fracção autónoma descrita em 2., pelo preço de Esc. 33.500.000$00, conforme documento de fls. 36 e 37 dos autos de procedimento cautelar, que aqui se dá por reproduzido (al. J). 11. Por acordo datado de 26.08.2004, o primeiro Réu e a Autora, aquele por si e em representação da Autora, prometeram vender à segunda Ré, que prometeu comprar, a fracção autónoma descrita em 2., pelo preço de € 187.050,00, conforme documento de fls. 49 a 53 dos autos de procedimento cautelar, que aqui se dá por reproduzido (al. L)). 12. Por escritura pública outorgada em 24.09.2004, no 8° Cartório Notarial de Lisboa, o primeiro Réu, por si, na qualidade de procurador da Autora e de gerente e em representação da segunda Ré, declarou que, em seu nome e no da Autora, pelo preço de € 187.050,00, que declarou já ter recebido, vende à sociedade sua representada, a fracção autónoma descrita em 2., e que, para a sociedade sua representada, aceita o presente contrato, e que a fracção ora adquirida pela sociedade se destina a revenda, conforme certidão de fls. 38 a 42 dos autos de procedimento cautelar, que aqui se dá por reproduzida (al. M)). 13. Por procuração datada de 27.09.1999, a Autora constituiu seu bastante procurador o primeiro Réu, a quem conferiu os poderes para, em seu nome e representação, prometer vender, vender, a quem quisesse, pelo preço e condições que entendesse convenientes, assinar contratos promessa de compra e venda, receber o preço e dar dele quitação, outorgar e assinar a respectiva escritura de compra e venda (...), requerer e assinar tudo quanto fosse necessário aos fins indicados, relativamente, entre outras, à fracção autónoma referida em 2., conforme certidão de fls. 43 a 47 dos autos de procedimento cautelar, que aqui se dá por reproduzida (al. N)). 14. A procuração referida em 13. e o contrato-promessa aludido em 11. foram exibidos aquando da outorga da escritura pública referida em 12. e arquivados como parte integrante da mesma (al. O)). 15. Por instrumento de revogação de procuração outorgado em 04.11.2004, a autora declarou revogar e considerar nulas e de nenhum efeito, a partir da referida data "(...) as procurações outorgadas em 27.09.1999 e efectuado o reconhecimento da letra e assinatura no 3° Cartório Notarial de Lisboa; a procuração outorgada a 23.10.2002, n° 12° Cartório Notarial de Lisboa e a procuração outorgada a 23.10.2003, também no 12° Cartório Notarial de Lisboa, todas a favor de BB(...)", conforme documento de fls. 157, que aqui se dá por reproduzido (al. P)). 16. A revogação de procurações referida em 15. foi comunicada aos Réus por cartas datadas de 04.11.2004, conforme documentos de fls. 57 a 62, que aqui se dão por reproduzidos (al. Q)). 17. A segunda Ré encontra-se matriculada na 4a Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n° ............, constando da mesma as inscrições constantes da certidão de fls. 104 a 110, que aqui se dá por reproduzida (al. R)). 18. A fracção referida em 2. era a casa de morada de família do casal constituído pela Autora e primeiro Réu (1°). 19. Com a outorga das procurações referidas em 3. pretendeu a Autora que o primeiro Réu tratasse de todos os assuntos relacionados com o património de ambos, visto a sua profissão não lhe permitir estadias de grande duração em Portugal ( 2°). 20. A Autora requereu a notificação judicial avulsa do 1° Réu nos termos constantes em 8., por ter perdido a confiança neste (3º). 21. Os acordos referidos em 9. e 10. foram celebrados de forma concertada pelos seus contraentes, os quais não tinham intenção de cumprir os seus termos (4°). 22. O 1° Réu usou a procuração referida em 13. na outorga do contrato-promessa de compra e venda e da escritura pública de compra e venda aludidos, respectivamente, em 11. e 12., bem sabendo os Réus que aquele usava a procuração contra as indicações e vontade expressas na notificação judicial avulsa ( 5°). 23. Com a celebração do contrato-promessa de compra e venda e da escritura pública de compra e venda, respectivamente, referidos em 11. e 12., o 1 ° Réu não quis prometer vender, nem quis vender, e a segunda Ré não quis prometer comprar, nem quis comprar (6°). 24. Mas apenas, por acordo entre os Réus, estes quiseram impedir que a Autora ocupasse a fracção autónoma objecto dos contratos (7°). 25. Em data não concretamente determinada, mas seguramente anterior ao facto referido em 12., o 1° Réu propôs à Autora a venda da fracção descrita em 2. a terceiros e a divisão do produto da venda entre eles ( 8°). 26. A Autora não aceitou a proposta do 1° Réu (9º - 1 a parte) 27. A Autora contribuiu, na sua maior parte, com os seus rendimentos para a amortização dos dois empréstimos hipotecários (com os n°s ............ e ............., ambos do actual Banco Santander Totta e com início em 10.09.1999) contraídos para a aquisição da fracção descrita em 2. e de um outro empréstimo hipotecário contraído posteriormente (com o n° ..............., do actual Banco Santander Totta e com início em 30.08.2000) (9º - 2a parte). 28. O 1° Réu desenvolveu actividade no ramo imobiliário (11°). 29. Por sentença de 17.11.2005, já transitada em julgado, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre a Autora e o 1º Réu, ficando, consequentemente, dissolvido o respectivo casamento – certidão de fls. 249-251. III – 1. Começam os recorrentes por insistir com a questão de uma eventual irregularidade nas gravações efectuadas aquando das audiências de discussão e julgamento, relativamente ao facto de o Tribunal a quo, aquando da fundamentação da prova produzida, fazer referência ao facto de a testemunha FF, irmão da Autora, ter um ódio de estimação, relativamente ao Réu. Refere que “acontece que, em momento algum durante a audição das cassetes, se ouve a testemunha proferir tal afirmação, mas a realidade é que esta foi proferida, até porque foi referida pelo Tribunal a quo na sua Motivação (vide fls 2 da decisão dos quesitos)”. Entendem, assim, que se está perante uma nulidade, o que conduz à anulação da decisão da matéria de facto e da sentença proferida. Depreende-se que os ora recorrentes, ao insistirem com a existência da arguida nulidade, não reconhecida no acórdão recorrido, apontam a esta um erro de julgamento. 2. Vejamos o que sobre este ponto se escreveu no acórdão recorrido: “Assim, desde logo referem que a gravação da prova não pode ser atendida uma vez que, desde logo, não se encontra correctamente efectuada, no sentido de não se encontrar completa. A ilustrar tal afirmação referem que o Sr. Juiz de 1ª Instância faz expressa menção na fundamentação da matéria de facto fixada que a testemunha FF, irmão da Autora, tem uma relação de “ódio de estimação” (como a própria expressamente confirmou) com o 1º Réu, BB, frase essa que não consta da gravação e que põe em causa o teor das gravações. Qualificando a situação como de nulidade. Ora, parece haver um equívoco na posição assumida pelos RR. Com efeito, se atentarmos bem, nunca os RR. afirmaram que esta frase não foi produzida, sendo certo que aqueles estiveram regularmente representados na Audiência de Julgamento em que a testemunha em causa foi ouvida, ali tendo estado também presente o 1º Réu – fls. 348/ss dos autos. Por outro, e embora sendo uma questão colateral, sempre teríamos de ter em atenção a data em que teve lugar a audição desta testemunha – 27 de Setembro de 2006 – a data em que foi lida a matéria de facto dada como provada – 11 de Janeiro de 2007 – e a data da interposição do recurso – 15 de Março de 2007 – o que nos levaria a concluir que a possibilidade de arguição da nulidade secundária ora invocada estava há já muito precludida. Na verdade, tendo os RR. tido conhecimento da afirmação proferida pelo Sr. Juiz no 11 de Janeiro de 2007, dispunham então de dez dias para arguirem tal nulidade secundária, prazo esse que não utilizaram. Pretenderem utilizar um prazo geral de recurso que se prende com a reapreciação da matéria de facto para suscitarem uma questão de nulidade secundária decorrente da irregularidade da gravação, não parece ser a forma processual correcta de abordar a questão. Esta questão, porém, não se esgota nesta apreciação. Por um lado, a afirmação em causa apenas poderia ser favorável à tese defendida pelos RR. na acção, uma vez que pode descredibilizar o testemunho produzido e, nessa medida, não se vê o interesse dos RR. em tal arguição; por outro lado, tratando-se de uma irregularidade de gravação, ainda que tivesse sido produzida e se encontrasse omissa na gravação, não determinaria, por si só, a nulidade de toda a prova produzida em audiência, por não ser susceptível de poder causar tal efeito, por falta de relevância na apreciação geral da prova. Aliás, nem os RR. afirmam que tal “frase” tivesse alterado, ou fosse susceptível de alterar, qualquer resposta, em concreto, à matéria de facto fixada. A análise desta questão parece-nos, no entanto, revestir-se de maior gravidade na forma como foi alegada em sede de recurso. Com efeito, procedendo-se à audição de toda a prova gravada produzida em Audiência de Julgamento, e mais concretamente à desta testemunha - FF – podemos afirmar que não assiste qualquer razão aos Apelantes. Desde logo em resposta às perguntas que lhe foram formuladas pelo Exmo. Mandatário da A. esta testemunha teve o cuidado de referir que “[…] não gosto da pessoa em si, do Réu […] não acho uma pessoa idónea”, demonstrando, assim, a sua animosidade contra o mesmo, pelas razões que também expressamente declarou e que se encontram gravadas. Em resposta às perguntas que lhe foram formuladas pela Exma. Mandatária dos RR. e na sequência de esta o ter interrogado sobre a “raiva” que esta testemunha teria para com o 1º Réu, aquele referiu: “não gosto do Réu BB […] foi direccionado (o depoimento) para essa raiva, esse ódio, pode mesmo dizê-lo […] mas isso não deturpa o meu depoimento […]”. Ora, perante estas afirmações é perfeitamente compreensível que aos sentimentos que a testemunha nutre pelo 1º Réu se aplique o termo “ódio de estimação”, o que mais não é do que a concretização do teor do depoimento cujos extractos acima se reproduziram”. 3. O artigo 2º do Decreto-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro, diploma que veio estabelecer o registo da prova nas audiências finais, aditando ao CPC os artigos 522º-A, 522º-B e 522º-C, é omisso quanto à fixação, seja de início, seja de termo, de qualquer prazo para arguição das anomalias ocorridas na gravação, limitando-se o artigo 9º do mesmo diploma a prescrever que “Se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade”. Acrescenta-se no nº 1 do artigo 7º que “Durante a audiência são gravadas simultaneamente uma fita magnética destinada ao tribunal e outra destinada às partes”. “Incumbe ao tribunal que efectuou o registo facultar, no prazo máximo de oito dias após a realização da respectiva diligência, cópia a cada um dos mandatários ou partes que a requeiram” e “O mandatário ou a parte que use da faculdade a que alude o número anterior fornecerá ao tribunal as fitas magnéticas necessárias” – nºs 2 e 3 do mesmo artigo. Contudo, apesar da falta de indicação expressa da lei, afigura-se-nos que ela fornece as seguintes duas linhas de orientação: - por um lado, até ao encerramento da audiência, pelo menos, a repetição do registo deve ter lugar sempre que, em qualquer momento, se tomar conhecimento da anomalia; - por outro lado, as partes não estão sujeitas a qualquer prazo para solicitar a entrega da cópia, mas apenas a Secretaria Judicial, e, por isso, se a parte interessada na obtenção do registo o pede quando está a correr o prazo para apresentação da sua alegação, cumprido que seja pela Secretaria o prazo máximo para a entrega, terá de sofrer as inerentes consequências que corresponderão, pelo menos, a um encurtamento do prazo que lhe era legalmente concedido para a prática do acto recursivo, prazo que, no limite, pode ficar reduzido a apenas um dia. Tratando-se de nulidade processual, e ultrapassado o campo de aplicação do referido artigo 9º, o prazo para a arguição é de 10 dias e conta-se a partir do dia em que, depois de cometida a irregularidade, “a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência” – artigos 205º, nº 1, e 153º, nº 1, do CPC. A admitir-se haver o acto viciado apontado pelos recorrentes – e veremos mais tarde que o mesmo não existe –, teremos de reconhecer que o mesmo não cabe directamente na previsão legal sobre o momento do seu conhecimento para efeitos de início do prazo preclusivo de sanação. Com efeito, “o acto processual viciado” não está patente no processo por forma a poder ser directamente detectado através do exame dos autos, como pressupõe o citado artigo 205º, nº 1. Diferentemente, o “acto viciado” encontra-se oculto e o seu conhecimento depende da prática de um outro acto material da parte, instrumental de outro acto processual – a alegação de recurso –, mas praticado fora do processo. Por isso, terá a norma sobre o momento de conhecimento do “acto viciado” de ser entendida à luz dessa especial situação e a ela devidamente adaptada. O momento do conhecimento de eventuais irregularidades que inviabilizem o efeito útil dos registos fonográficos coincidirá, logicamente, com o momento da sua audição. A lei não fixa, nem prevê, quaisquer prazos, quer para que a parte proceda ao pedido e levantamento dos suportes de registo da prova, quer para que leve a efeito o seu exame e audição para, a partir deles, denunciar vícios de gravação. Assim, apesar da possibilidade da extensão do prazo para alegações por 10 dias, nos termos do artigo 698º, nº 6 (o que não foi requerido nos presentes autos), nada impede e pode bem acontecer que a parte proceda à audição das cassetes apenas no último dia do prazo para apresentação da alegação, desde que ainda em tempo de praticar o acto – entrega do suporte da alegação de que pudesse constar a impugnação da matéria de facto – em juízo, sem ou com alguma das multas previstas no artigo 145º, nºs 5 e 6. Na verdade, o último dia de um prazo processual é, como o primeiro, tempo útil para a prática válida do acto e, sendo certo que não pode presumir-se que, pelo facto de a parte ter levantado as cassetes, a parte logo tomou conhecimento dos defeitos de registo, também não pode ter-se por exigível que proceda à audição em termos de invocar eventuais anomalias nos dez dias subsequentes a essa entrega ou em qualquer outro prazo de dez dias que não o da data do efectivo conhecimento do vício – data que, tratando-se de acto praticado fora do processo, não se vislumbra como demonstrar – que integra a nulidade e, por via disso, classificar de negligente o comportamento da parte. Pode, assim, concluir-se que o prazo para arguir tal nulidade terá de ser o que está a decorrer para a prática do acto de que a regularidade do acto omitido é condição necessária e cuja regularidade igualmente pressupõe, ou seja, o prazo para a apresentação das alegações, sem ou com multa, salvo se se demonstrar que o reclamante teve conhecimento do eventual vício mais de dez dias antes do termo desse prazo. 4. Divergimos, assim, da orientação perfilhada no acórdão ora impugnado. De qualquer forma, não ocorre a arguida nulidade, dada a ausência do apontado vício na gravação da prova, como bem se entendeu no acórdão recorrido. Nas conclusões das suas alegações no recurso interposto da sentença proferida na 1ª instância, os recorrentes transcrevem parte do depoimento da testemunha em causa, onde, de forma insofismável, se infere haver uma certa animosidade do FF, irmão da Autora, para com o Réu BB, dizendo ele mesmo não gostar de ninguém que faça mal à sua família, “seja o Réu BB, seja quem quer que seja”. Facilmente se intui que o “ódio de estimação” a que o Senhor Juiz se reporta na “Motivação da decisão sobre a matéria de facto” mais não é do que a ilação tirada dessas palavras do FF. Não se trata, portanto, de uma expressa afirmação daquele, como, aliás, os recorrentes bem entenderam, como é por demais óbvio. 5. No tocante às respostas aos quesitos 1º, 7º e 9º da base instrutória, com as quais os recorrentes discordam, e independentemente do acerto da decisão tomada na Relação, diremos o seguinte: Segundo o nº 2 do artigo 722º do CPC, “”O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. “Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado” – artigo 729º, nº 1. “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº 2 do artigo 722º” – nº 2 do mesmo artigo. Não ocorrendo qualquer das situações excepcionais previstas no citado nº 2 do artigo 722º, está fora deste STJ a cognição da impugnação da matéria de facto, nesta parte (cfr. artigo 712º, nº 6). 6. Nas suas complexas e longas alegações e conclusões, os recorrentes suscitam ainda a questão da possibilidade ou não de prova testemunhal, tendo em conta o disposto no artigo 394º do Código Civil. Segundo alegam, a Autora, por ser “terceiro”, relativamente ao negócio simulado, não pode valer-se da prova testemunhal e por presunção judicial para provar o acordo simulatório. Não se pode conhecer de tal questão. Os recursos são meios destinados a obter a reforma das decisões dos tribunais inferiores – visam a reapreciação e, eventualmente, a modificação dessas decisões – e não vias jurisdicionais para criar decisões sobre matéria nova, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 660, nº 2, 676º, nº 1, 680º, nº 1, e 690º, nº 1, do CPC). Ora, aquando do recurso de apelação que os Réus interpuseram para a Relação da sentença proferida na 1ª instância, tal questão não foi colocada, o que significa que estamos perante uma nova questão, a qual não foi objecto de apreciação no acórdão ora recorrido. Logo, e porque se não trata de questão de conhecimento oficioso do tribunal, não nos podemos pronunciar sobre esta questão nova. 7. Decorre, assim, do exposto que se tem de considerar definitivamente assente a matéria de facto acima enunciada. IV – 1. Na sentença proferida na 1ª instância, concluiu-se que se está perante a figura jurídica da simulação. Como no recurso de apelação os recorrentes se limitaram a impugnar a matéria de facto, pedindo, em consequência das pretendidas alterações a diversas respostas a quesitos da base instrutória, a revogação da decisão recorrida e a improcedência da acção, a Relação, perante a improcedência dos dois agravos, e após indeferir o pedido de alteração da decisão sobre a matéria de facto, concluiu que, não havendo quaisquer outras questões a analisar, se impunha também confirmar a decisão da 1ª instância. Entendem os recorrentes que não se encontram provados os requisitos da simulação, pois que esta exige divergência entre a vontade real e a vontade declarada, acordo simulatório e intuito de enganar terceiros. Referem que a recorrida não poderia ter sido considerada terceira, o recorrente BB outorgou a escritura de compra e venda com poderes de representação conferidos pela recorrida, em nome desta, em quem foram produzidos os efeitos jurídicos do negócio, e que a recorrida quis vender e o seu procurador cumpriu o negócio desejado por esta (a compra e venda), pelo que nunca poderia existir acordo fraudulento e divergência entre a vontade real e a declarada, nem tal acordo ficou demonstrado. 2. Estamos aqui perante a qualificação jurídica dos factos, a qual compete ao tribunal (cfr. artigo 664º do CPC). Assim, haverá aqui que apreciar a questão suscitada, que é a de saber se estamos perante a nulidade dos negócios jurídicos celebrados, por simulação, e, na hipótese de tal não suceder, saber se os mesmos são nulos ou ineficazes em relação à Autora, por abuso de representação ou por outro motivo, com as inerentes consequências. Na sentença, após se aludir a determinados preceitos legais, escreveu-se: “Segundo o conceito do art. 240º, a simulação consiste na divergência entre a declaração e a vontade real, precedente de acordo entre o declarante e o declaratário determinada pelo intuito de enganar terceiros. Decompondo a definição, temos que são três os requisitos para que se considere um negócio como simulado: a) Existência de um acordo entre declarante e declaratário (acordo simulatório); b) Intuito de enganar terceiros (finalidade); c) Divergência entre a declaração negocial e a vontade do declarante. In casu, com a celebração do contrato-promessa de compra e venda e da escritura pública de compra e venda, respectivamente referidos em 2.1.11. e 2.1.12., o 1º Réu não quis prometer vender, nem quis vender, e a segunda Ré não quis prometer comprar, nem quis comprar. Mas apenas, por acordo entre os Réus, quiseram impedir que a Autora ocupasse a fracção autónoma objecto dos contratos. Portanto, existe o acordo simulatório, o intuito de enganar a Autora e divergência entre as declarações negociais dos intervenientes (um deles representado pelo outro), no contrato-promessa e no contrato de compra e venda, e a vontade manifestada por cada um deles. Daqui decorre que os referidos negócios jurídicos são simulados e por isso nulos, o que cumpre declarar. Sendo tais negócios nulos, a situação registral da fracção autónoma deve reflectir essa realidade e, sendo assim, imporá ordenar o cancelamento do registo de aquisição a favor da 2ª Ré, identificada na certidão junta aos autos como G20041001014 – apresentação 14 de 01.10.2004 [v. arts. 8º, nº 1, 3º, nº 1, als. a) e b), 2º, nº 1, al. a), 10º e 13º, todos do Código do Registo Predial]. Finalmente, em consequência da declaração de nulidade dos referidos negócios jurídicos e, desde logo, de harmonia com o disposto no art. 289º, nº 1, do Código Civil, deve ser restituída à Autora a fracção autónoma em causa. Acresce que sendo a Autora comproprietária da fracção e não dispondo a 2ª Ré de título legítimo para deter tal bem, sempre aquela poderia reivindicar desta o imóvel ao abrigo do disposto no art. 1405º, nº 2. Com efeito, cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro. Importa unicamente ressalvar que o 1º Réu, enquanto comproprietário, tem idêntico direito ao da Autora para usar a fracção autónoma comum – v. art. 1406º, nº 1 – enquanto não ocorrer a respectiva divisão. Não compete regular o uso da coisa comum, por esse não ser o objecto desta acção. Procedendo o primeiro pedido formulado e os outros dois que são decorrência daquele, fica prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário, relativo ao abuso de representação”. 3. Segundo o nº 1 do artigo 240º do Código Civil, “Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado”. “O negócio simulado é nulo” – nº 2 do mesmo artigo. Daqui decorre, então, que são necessários três requisitos para que haja simulação: divergência entre a vontade real e a vontade declarada, intuito de enganar terceiros e o acordo simulatório. Dos factos constantes dos nºs 11., 12., 13, 14., 22., 23. e 24., acima aludidos (cfr. supra II), resulta inequivocamente estarem preenchidos os primeiro e terceiro dos indicados requisitos, ou seja, a divergência entre a vontade real e a vontade declarada e o acordo simulatório. No entanto, não ocorre o outro requisito, o qual consiste no intuito de enganar terceiros, o qual, como é sabido, não se deve confundir com o intuito de prejudicar. Na verdade, e como diz o Prof. Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1992, pág. 170), enganar quer dizer iludir e pode ter-se em vista enganar terceiro não para prejudicá-lo, mas para se defender um legítimo interesse próprio ou até para beneficiar esse terceiro. O que constitui elemento de simulação é, pois, o intuito de enganar ou iludir (animus decipiendi) e não o intuito de prejudicar, isto é, de causar um dano ilícito (animus nocendi). Ora, na situação dos presentes autos, não se verifica o intuito de enganar terceiros, pois que a aqui Autora não é um terceiro, mas é parte nos negócios em causa, pois – bem ou mal – foi aí representada pelo Réu BB, através de procuração anteriormente por ela outorgada, na qual lhe conferia poderes para realizar tais negócios: o contrato-promessa de compra e venda da fracção aqui em causa e o respectivo contrato de compra e venda. Infere-se, assim, que não existe aqui a figura jurídica da simulação, ao contrário do que foi decidido na 1ª instância. 4. Será, então, que estamos perante a figura jurídica do abuso de representação, conducente à ineficácia dos negócios em relação à Autora? O artigo 269º do Código Civil manda aplicar o regime do artigo anterior, respeitante à representação sem poderes, no caso de o representante ter abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso. Como diz a Drª Helena Mota, in “Do Abuso de Representação” (Uma análise da problemática subjacente ao artigo 269º do Código Civil de 1966), Faculdade de Direito da Universidade do Porto, pág. 164: “São assim três os elementos destacáveis do facti species do art. 269º: 1. Uma actividade abusiva do representante. 2. Conhecimento ou dever de conhecer o abuso, por parte de terceiro. 3. Verificados os pressupostos anteriores, a cominação da ineficácia do negócio representativo, para o representado, nos mesmos termos do art. 268º do Código Civil”. Refere ainda a Drª Helena Mota (obra citada, pág. 144): “No abuso de representação há fundamentalmente dois interesses opostos: o do terceiro que quer o negócio e o do representado que o não quer. Como se chegou a tal dissenso? Naturalmente por obra da actuação do representante que sabendo qual o interesse do representado, não actuou em conformidade… Mas será necessário que o representante tenha utilizado conscientemente os seus poderes em prejuízo do representado? Pressupõe o facti species do art. 269º do CC e a figura do abuso de representação que o representante tenha algum propósito definido ao agir abusivamente, defendendo um interesse próprio ou de terceiro? Parece-nos, salvo melhor opinião, que o que está em causa no abuso de representação é um afastamento objectivo às directrizes impostas pelo representado e uma actuação que não serve, notoriamente, os seus interesses: em suma, um mau negócio, desde que isso resulte de um desvio claro do procurador, ainda que não intencional ou para servir interesses ocultos, às instruções que lhe foram fornecidas, ou aos fins genéricos queridos pelo representado com o negócio representativo”. No caso dos autos, mostra-se provado o seguinte: 5. Correm termos na 3ª Secção da 14ª Vara Cível de Lisboa, sob o nº 6276/03.4TVLSB, uns autos de acção declarativa, com processo comum na forma ordinária, instaurados em 10.07.2003 pela ora Autora contra o ora primeiro Réu, na qual aquela pede que seja decretada a revogação da procuração referida em D), bem como todas e quaisquer outras, outorgadas pela ora Autora, que o ora primeiro Réu tenha eventualmente na sua posse, conforme certidão de fls. 111 a 150. 6. Por decisão datada de 14.01.2005, que julgou a acção parcialmente procedente, foi anulada a procuração referida em D) e absolvido o primeiro Réu do demais peticionado. 7. Foi interposto recurso da decisão referida em 6.. 8. Por notificação judicial avulsa efectuada em 01.08.2003, a ora Autora notificou o ora primeiro Réu “(…) de que a Requerente interpôs acção de condenação para que a procuração outorgada” em 13.02.2003 “seja judicialmente revogada, bem como, todas e quaisquer outras, outorgadas pela Autora, que o Requerido, eventualmente, tenha na sua posse e para que o Requerido se abstenha até à decisão judicial de utilizar tal procuração irrevogável” ou qualquer outra que a Requerente lhe tenha passado e se encontre, eventualmente, na sua posse”, conforme doc. de fls. 21 a 31 dos autos de procedimento cautelar. 11. Por acordo datado de 26.08.2004, o primeiro Réu e a Autora, aquele por si e em representação da Autora, prometeram vender à segunda Ré, que prometeu comprar, a fracção autónoma descrita em 2., pelo preço de € 187.050,00, conforme documento de fls. 49 a 53 dos autos de procedimento cautelar. 12. Por escritura pública outorgada em 24.09.2004, no 8º Cartório Notarial de Lisboa, o primeiro Réu, por si, na qualidade de procurador da Autora e de gerente e em representação da segunda Ré, declarou que, em seu nome e no da Autora, pelo preço de € 2187.050,00, que declarou já ter recebido, vende à sociedade sua representada, a fracção autónoma descria em 2., e que, para a sociedade sua representada, aceita o presente contrato, e que a fracção ora adquirida pela sociedade se destina a revenda, conforme certidão de fls. 38 a 42 dos autos de procedimento cautelar. 13. Por procuração datada de 27.09.1999, a Autora constituiu seu bastante procurador o primeiro Réu, a quem conferiu os poderes para, em seu nome e representação, prometer vender, vender, a quem quisesse, pelo preço e condições que entendesse convenientes, assinar contratos promessa de compra e venda, receber o preço e dar dele quitação, outorgar e assinar a respectiva escritura de compra e venda (…), requerer e assinar tudo quanto fosse necessário aos fins indicados, relativamente, entre outras, à fracção autónoma referida em 2., conforme certidão de fls. 43 a 47 dos autos de procedimento cautelar. 14. A procuração referida em 13. e o contrato-promessa aludido em 11. foram exibidos aquando da outorga da escritura pública referida em 12. e arquivados como parte integrante da mesma. 22. O 1º Réu usou a procuração referida em 13. na outorga do contrato-promessa de compra e venda e da escritura pública de compra e venda aludidos, respectivamente, em 11. e 12., bem sabendo os Réus que aquele usava a procuração contra as indicações e vontade expressas na notificação judicial avulsa. 23. Com a celebração do contrato-promessa de compra e venda e da escritura pública de compra e venda, respectivamente, referidos em 11. e 12., o 1º Réu não quis prometer vender, nem quis vender, e a segunda Ré não quis prometer comprar, nem quis comprar. 24. Mas apenas, por acordo entre os Réus, estes quiseram impedir que a Autora ocupasse a fracção autónoma objecto dos contratos. 25. Em data não concretamente determinada, mas seguramente anterior ao facto referido em 12., o 1º Réu propôs à Autora a venda da fracção descrita em 2. a terceiros e a divisão do produto da venda entre eles. 26. A Autora não aceitou a proposta do 1º Réu. 5. Estamos, assim, perante o exercício ilegítimo ou anormal dos poderes que haviam sido conferidos ao Réu pela Autora, sua mulher, dado que esta não pretendia já, certamente face à deterioração das relações entre ambos (o seu divórcio viria a ser decretado por sentença de 17.11.2005, já transitada em julgado), que aquele utilizasse as procurações por ela outorgadas, de forma a poder considerar-se que estamos perante a figura do abuso de representação, com a consequente ineficácia dos contratos celebrados (releva aqui o contrato definitivo de compra e venda da fracção autónoma em causa) em relação à Autora (cfr. artigos 268º e 269º do Código Civil)? Afigura-se-nos que não. Como se depreende dos termos da procuração certificada a fls. 43 a 47 dos autos de procedimento cautelar apenso (cfr. supra Facto 13.), outorgada em 27.09.1999, não estamos perante uma procuração irrevogável, pois do seu teor não decorre que a mesma tenha sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro (cfr. artigos 262º, nº 1, e 265º, nºs 2 e 3, do Código Civil). Assim sendo, e como resulta do citado nº 2 do artigo 265º, tal procuração é livremente revogável pelo representado (a aqui Autora). Como vimos (cfr. Facto 8.), através de notificação judicial avulsa efectuada em 01.08.2003, a Autora notificou o Réu «(…) de que a Requerente interpôs acção de condenação para que a procuração outorgada em 13.02.2003 “seja judicialmente revogada, bem como todas e quaisquer outras outorgadas pela Autora, que o Requerido, eventualmente, tenha na sua posse e para que o Requerido se abstenha até à decisão judicial de utilizar tal procuração irrevogável” ou qualquer outra que a Requerente lhe tenha passado e se encontre, eventualmente, na sua posse». A Autora confirmou tal posição, quando, por instrumento de revogação de procuração, outorgado em 04.11.2004, declarou revogar e considerar nulas e de nenhum efeito, a partir da referida data, diversas procurações, incluindo a aqui em causa (cfr. supra Facto 15.). Segundo o nº 1 do artigo 224º do Código Civil, “ A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida”. Estamos na presente situação perante uma declaração (expressa – cfr. artigo 217º, nº 1) unilateral e receptícia, pelo que produziu efeitos quando chegou ao poder do destinatário (o aqui Réu), o que sucedeu aquando da aludida notificação judicial avulsa, ocorrida antes da celebração da escritura pública posta em causa nos presentes autos. Aliás, mostra-se provado que tal notificação judicial avulsa foi requerida pelo facto de a Autora ter perdido a confiança no Réu, seu então marido, que o Réu usou tal procuração na outorga do contrato-promessa de compra e venda e da escritura de compra e venda da fracção em causa bem sabendo os Réus (aquele e a sociedade comercial por ele representada) que a procuração era usada contra as indicações e vontade expressas na notificação judicial avulsa, que, anteriormente, o Réu havia proposto à Autora a venda da fracção a terceiros e a divisão do produto da venda entre eles, e que aquela não aceitou tal proposta (cfr. supra Factos 20., 22., 25. e 26.). Conclui-se, assim, que se não está perante a situação de abuso de representação, mas a de falta de poderes do Réu para a celebração de tais negócios, no tocante à quota-parte pertencente à Autora, face à revogação da procuração que neles foi utilizada. Assim, não possuindo o Réu poderes representativos da Autora, encontramo-nos perante uma situação de venda de coisa alheia, na parte respeitante à Autora, que, juntamente com o Réu, era comproprietária da fracção que foi objecto de alienação. De acordo com o artigo 892º do Código Civil, “É nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar; mas o vendedor não pode opor a nulidade ao comprador de boa fé, como não pode opô-la ao vendedor de boa fé o comprador doloso”. Logo, o contrato de compra e venda celebrado entre os Réus, concernente à fracção em causa, sendo ineficaz relativamente à Autora, apenas produziu efeitos na parte respeitante ao Réu, como comproprietário da fracção. Teremos, assim, de declarar nula a venda quanto à Autora, pelo que subsistirá apenas a alienação da quota-parte do Réu. 6. A declaração de nulidade parcial da venda – com a procedência deste pedido subsidiário deduzido pela Autora, embora com fundamentação jurídica diversa – conduz apenas ao cancelamento de todos os registos relativos à fracção em litígio posteriores ao registo da aquisição pela Autora (e pelo Réu), pois que, no tocante ao pedido de entrega à Autora da fracção, não se pode ordenar tal entrega pelo facto de a validade da venda da quota-parte do Réu à co-Ré não poder ser aqui posta em causa. V – Nos termos expostos, acorda-se em conceder parcialmente a revista e, em consequência, decide-se alterar o acórdão recorrido – que confirmou a sentença da 1ª instância – no sentido de, improcedendo o pedido principal formulado, julgar procedentes os pedidos deduzidos na petição inicial pela Autora sob as alíneas b) e e), nos termos acima expostos, ou seja, declarar nula a venda da quota-parte pertencente à Autora na fracção em causa e ordenar o cancelamento de todos os registos relativos à fracção em litígio posteriores ao registo da aquisição pela Autora (e pelo Réu), nomeadamente a apresentação 14 de 01.10.2004. Custas, aqui e nas instâncias, pelos recorrentes e pela recorrida, na proporção de 9/10 e 1/10, respectivamente. Lisboa, 1 de Julho de 2008 Moreira Camilo (Relator) Urbano Dias Paulo Sá |