Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | TERESA ALMEIDA | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO ERRO DE JULGAMENTO NOVOS FACTOS INDEFERIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 06/08/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE REVISÃO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - O Recorrente não apresenta factos novos nem novos meios de prova. O que o arguido, verdadeiramente, questiona é a conformidade da norma do art. 449.º do CPP com a norma do n.º 6 do art. 29.º da CRP. II - O direito à revisão de sentença está consagrado no n.º 6 do art. 29.º da CRP, na categoria dos direitos, liberdades e garantias, prevendo, expressamente, o seu condicionamento pela lei. III - O direito à revisão de sentença pressupõe, pela sua própria natureza de providência extraordinária face ao esgotamento das vias de recurso ordinário, a formação de caso julgado formal. IV - A figura do caso julgado tem proteção constitucional alicerçada, quer no disposto no n.º 3 do art. 282.º, quer nos princípios da confiança e da segurança jurídica, decorrentes da própria ideia de Estado de Direito, emergente do art. 2.º, ambos da CRP. V - A tensão entre a segurança jurídica e a justiça pode manifestar-se, expressivamente, em situações de anomalia grave da decisão judicial ou em que a realidade se imponha com factos ou meios de prova de conhecimento superveniente. VI - O direito ao recurso de revisão pode, pois, ser objeto de restrição, na ponderação de interesses constitucionalmente protegidos, como é o caso do princípio da segurança e certeza jurídica, mostrando-se a norma do art. 449.º do CPP em conformidade com a norma do n.º 6 do art. 29.º e no respeito pelo n.º 3 do art. 18.º ambos da CRP. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO a. O arguido AA, identificado no processo, interpôs recurso extraordinário de revisão do Acórdão em Processo Comum com intervenção de Tribunal de Júri, proferido em 02/11/2010, nos autos nº 438/07.2PBVCT, que o condenou na pena única de 18 anos de prisão, pela prática de dois crimes de Homicídio qualificado tentado, 2 crimes de Roubo, 3 crimes de Ofensa à Integridade Física qualificada, 1 crime de Falsificação de documento e 2 crimes de Detenção de arma proibida. Para tanto invoca o disposto no artigo 449, nº 1, alínea d), do Código de Processo Penal, terminando a motivação do recurso com a formulação das seguintes conclusões: “1.ª O Recorrente foi condenado pela prática de 2 crimes de homicídio, na forma tentada, na pessoa de 2 agentes da P.S.P. 2.ª Dos factos provados resulta que os factos materiais considerados como idóneos para tirar a vida aos 2 agentes da P.S.P., que são os descritos nos artigos 41 a 49 da fundamentação, não têm potência para tirar a vida a um adulto, a mais de 5 metros de distância do atirador ao visado. 3.ª Os disparos referidos nesses artigos 41 a 49 foram feitos a uma distância de 30 metros entre os autores dos disparos e os agentes da PSP, como consta do artigo 5 (transcrição) 4 dos factos julgados provados. 4.ª Esses disparos causaram nos ofendidos ligeiros ferimentos cutâneos (de superfície), a generalidade deles de 5 milímetros de diâmetro, e nenhum com mais de 15 milímetros de extensão, referidos no artigo 53 dos factos julgados provados. 5.ª Os disparos referidos nos artigos 41 a 49 da fundamentação de facto foram feitos com cartuchos do tipo referidos nos artigos 99 a 101 da fundamentação de facto do acórdão recorrido, em que cada cartucho contém cerca de 300 grãos, com menos de 2 milímetros cada um. 6.ª Um disparo com tais cartuchos não tem potência para matar um adulto, não lhe provocando mais que ferimentos na superfície cutânea, como os descritos no artigo 54 dos factos julgados no acórdão. 7.ª Tais disparos não podiam tirar a vida aos agentes da PSP, como não tiraram. 8.ª No acórdão recorrido, não podia ter sido julgado provados que “Os arguidos (…) agiram livre, deliberada e voluntariamente (…) disparando tiros em direcção às zonas vitais dos dois agentes policiais, a curta distância, o que só não conseguiram por facto que lhes foi alheio e que não dominaram”, porque nenhum facto houve que impedisse que os agentes fossem atingidos em zonas vitais. 9.ª A expressão, vertida nesse artigo 104, de que os arguidos “só não conseguiram (a morte dos 2 agentes) por facto que lhes foi alheio e que não denominaram”, é um gravíssimo erro de julgamento, pois, não só não foram julgados provados quaisquer factos que, enquanto premissas, justificassem essa conclusão, como nem ficcionados foram. Essa expressão é uma conclusão sem premissas. 10.ª A situação julgada provada subsume-se no n.º 3 do art.º 23.º do C.P. 11.ª Carecem também de factos julgados provados os juízos constantes do artigo 104 da fundamentação, segundo os quais o Recorrente e demais arguidos agiram “em conjugação de esforços, com o intuito de matarem os dois agentes policiais (…) em consonância com o plano previamente delineado”, pois, em parte alguma, se encontra a descrição de factos que consubstanciam a delienação do plano de matar 2 agentes policiais. -Esses juízos também são conclusões sem premissas. 12.ª A condenação do Recorrente pela prática de 2 crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, foi consequência de graves erros de julgamento da matéria de facto, subsumíveis ao disposto no art.º 22.º da Constituição e ao art.º 13.º, 1 da Lei n.º 67/2007. 13.ª Não fora esse erro, o Recorrente não teria sido condenado em pena superior a 7 anos e 6 meses de prisão, e não na pena de 14 anos e 6 meses que vem cumprindo. 14.ª A revisão desta sentença é pedida com base no disposto no n.º 6 do art.º 29.º da Constituição, que consagra o direito fundamental, que resulta do seguinte sentido: Os cidadãos injustamente condenados têm o direito à revisão da sentença. 15.ª Esta disposição legal não pode sofrer qualquer limitação ou parcelação, porque, conferindo um direito fundamental ao cidadão injustamente condenado, esse direito não colide com qualquer outro direito fundamental. E por isso, qualquer restrição ou parcelação, não só violará a disposição constitucional que consagra esse direito, que se aplica directamente por força do art.º 18.º, 1, como violaria o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio de justiça consagrado no art.º 1.º, bem como os princípios de direito, do Estado de direito e os que a este são imanentes, consagrados no art.º 2.º (todos da Constituição). 16.ª Este recurso é interposto ao abrigo da al. d) do n.º 1 do art.º 449.º do C.P.P., cuja interpretação, na sequência do que vem aduzido nas conclusões 12.ª e seguintes, deve ser a seguinte: “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando (…) que descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, bem como nos casos de injustiça decorrente de erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto”, nos termos consagrados no art.º 13.º, n.º 1 da lei n.º 67/2007”. Conclui, requerendo que: “No caso da existência de dúvidas de que os factos dos artigos 41 a 49 da fundamentação de facto do acórdão recorrido, no que respeita aos disparos aí descritos, não tinham qualquer potência (idoneidade) para provocar a morte dos dois agentes policiais, mas apenas lesões do tipo das descritas no artigo 54 desse acórdão, requer que seja solicitado ao Instituto Português de Criminologia informação que responda à questão seguinte: - Uma caçadeira com 2 canos sobrepostos, usando cartuchos 12, com a inscrição “JR OURO AVANCA ESTARREJA PORTUGAL” disparando sobre um adulto, a uma distância de 30, um desses cartuchos, pode provocar-lhe a morte ou apenas ferimentos idênticos aos descritos no artigo 53 da fundamentação?” Declara que este recurso “é interposto ao abrigo da al. d), do n.º 1 do art.º 449.º do C.P.P., com a interpretação referida, inter alia, na conclusão 16.ª”. b. O acórdão recorrido, cuja revisão agora se requer, julgou provados os seguintes factos relevantes para a condenação do recorrente pela prática de dois crimes de homicídio qualificado, na forma tentada: 1 - Os arguidos BB, AA, CC, DD, juntamente com EE, nascido em 5NOV1981, desenvolveram entre si fortes relações de amizade e interesses mútuos, mantendo entre todos um convívio permanente. (NUIPC 232/07…) 2 - Os arguidos BB, AA, CC, DD, e FF, juntamente com EE, projectaram assaltar um estabelecimento de ourivesaria e um museu de ourivesaria, sitos na Rua ..., em ..., tendo delineado entre todos o modo de actuação, os meios de transporte e as tarefas de cada um. 3 - Mais estipularam que para o efeito intimidariam o respectivo dono e funcionários com espingardas de caça, de dois canos sobrepostos, e pistolas, com as quais feririam ou matariam qualquer um daqueles, ou eventuais transeuntes ou agentes policiais que lograssem impedir o assalto ou detê-los. 4 - As tarefas de execução do assalto foram distribuídas do seguinte modo: - condução do veículo de transporte ao centro da cidade e funções de vigilância e protecção externa do grupo, com recurso a uma pistola: a cargo do arguido AA; - funções de vigilância e protecção interna e externa do grupo, com recurso a espingarda de caça, na entrada e saída do estabelecimento de ourivesaria e do museu de ourivesaria, acrescidas da recolha de artigos de ouro: a cargo dos arguidos BB e CC, respectivamente: - funções de recolha de artigos de ouro: a) no estabelecimento de ourivesaria: - utilização de sacos: a cargo de EE; - utilização de martelo: a cargo do arguido FF; b) no museu de ourivesaria: - utilização de saco e martelo: a cargo do arguido DD. 5 - O espaço do museu é de dimensões reduzidas por comparação com o estabelecimento de ourivesaria, pelo que ao primeiro se dirigiram apenas dois assaltantes e ao segundo três. 6 - Para alcançar tal objectivo, três indivíduos, de entre seis (dos cinco arguidos e de EE), não concretamente identificados, deliberaram apoderar-se pela força, com recurso a espingardas de caça, de dois canos sobrepostos, de um veículo automóvel destinado a ser utilizado no assalto aos referidos estabelecimentos. 7 - No dia 4SET2007 (terça-feira), cerca das 00,00 horas, três indivíduos, de entre seis (dos cinco arguidos e de EE), não concretamente identificados, deslocaram-se ao Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., num veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca e modelo ...”, sobre cujas chapas de matrícula sobrepuseram outras placas, com a inscrição ..-BZ-.., correspondentes a um motociclo da marca .... 8 - Para o efeito, imobilizaram o veículo automóvel junto dos semáforos situados na Via ..., sita no referido Lugar ..., ..., onde aguardaram pela paragem momentânea dum veículo automóvel do espécime que haviam seleccionado para utilizar no assalto às ourivesarias. 9 - Nesse momento, GG conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, do tipo “station wagon”, da marca e modelo ... (...)”, de cor ..., com a matrícula ...-DV-..., no valor de €60.000,00, pertencente à sociedade “R... Unipessoal, Ldª.”, de que é sócio-gerente. 10 - Logo que GG imobilizou a viatura junto do referido semáforo, um indivíduo de entre os três referidos em 7), colocou o veículo automóvel ..., com a matrícula ...-BZ-..., do lado esquerdo do veículo automóvel de matrícula ...-DV-..., após o que lhe barrou a saída, pondo-o à frente do mesmo, em sentido transversal. 11 - De imediato, ocultando a cabeça com gorros e munidos de espingardas de caça, de dois canos sobrepostos, os três indivíduos referidos em 7), circundaram o veículo automóvel de ..-DV-.., apontaram as armas a GG e ordenaram-lhe em alta vozearia que abrisse as portas. 12 - Receando ser alvejado, GG destrancou as portas, momento em que um dos três indivíduos referidos em 7) o agarrou, arrastou para o exterior e tombou-o no solo, apontando-lhe de seguida uma das referidas espingardas de caça. 13 - Entretanto, os demais assaltantes dividiram-se pelas duas viaturas, com as quais arrancaram em direcção a .... (…) 15 - Em ordem a ultimar os preparativos do assalto, no dia 6SET2007, no período compreendido entre as 7,34 horas e as 8,19 horas, os arguidos CC e DD, bem como EE, trocaram diversas mensagens de telemóvel entre si. 16 - Em concretização do plano de assalto delineado, os arguidos BB, AA, CC, DD e FF, juntamente com o EE, distribuíram-se por três veículos automóveis, a seguir descritos, com os quais arrancaram em direcção ao concelho ..., munidos com, pelo menos, duas espingardas de caça, uma pistola e duas latas de spray, contendo gás tóxico: a) veículo automóvel da marca e modelo ...”; b) veículo automóvel da marca e modelo ..., ..., com a matrícula ...-...-TE, de cor ..., pertencente a EE (registado a favor de terceiro); c) veículo automóvel da marca e modelo ... (...)”, com a matrícula ...-DV-..., de cor ..., atrás referido, no qual sobrepuseram as placas de matrícula com a inscrição ...-CH-..., pertencentes a um veículo automóvel da marca e modelo ...”. 17 - Os veículos automóveis de matrícula ...-...-TE e o ... permaneceram na zona industrial de ..., em .... 18 - Por sua vez, o veículo automóvel “...”, com a matrícula ...-CH-..., foi escolhido como meio de transporte dos elementos operacionais do assalto. 19 - Assim, cerca das 10,15 horas, os arguidos BB, AA, CC, DD e FF, juntamente com o EE, dirigiram-se para o centro da cidade ..., no veículo automóvel “...”, com a matrícula ...-CH-..., conduzido pelo arguido AA. 20 - Para tanto, o arguido AA dirigiu o veículo automóvel com a matrícula ...-CH-... pela Rua ..., em ..., em sentido ascendente e em contra-mão, tendo logrado alcançar a Rua ...,06 horas, altura em que o imobilizou defronte do “...”. 21 - Nessa artéria, atento o sentido sul - norte, à esquerda, situam-se sucessivamente os estabelecimentos “...” e “Ourivesaria F.…”, no prédio com o nº. ...6, contíguos e sem comunicação interior, ambos pertencentes a HH. 22 - Nesse momento caminhavam várias dezenas de peões pela Rua ... e pela Praça .... 23 - De imediato, em execução do plano traçado, os assaltantes saíram abruptamente do veículo automóvel com a matrícula ...-CH-..., com excepção do condutor. 24 - Três deles, BB, EE e FF, dirigiram-se em correria à “Ourivesaria F.…”, enquanto CC e DD se dirigiram em passo apressado ao “...”, todos pela ordem indicada. 25 - Entrementes, o arguido AA avançou alguns metros com o veículo automóvel de matrícula ...-CH-... pela Rua ..., inverteu a marcha do mesmo e imobilizou-o defronte do “...”, com a frente direccionada para a Rua .... 26 - Seguidamente, trajando uma peruca encaracolada comprida, de cor escura, calças de ganga de cor azul, camisola escura e luvas de cor clara, o arguido AA, com 1,72 metros de altura, foi deambulando pela Rua ..., locomovendo-se com grande abertura dos pés, no limite compreendido entre os dois estabelecimentos, com uma pistola empunhada, em função de vigilância e intimidação dos transeuntes que lograssem opor-se à execução do assalto. 27 - Pelas 10,32,14 horas, na “Ourivesaria F.…”, onde se encontravam quatro funcionárias e quatro clientes, entrou em primeiro lugar o assaltante BB, com 1,84 metros de altura, trajando um capuz de cor azul, com uma única abertura para a zona dos olhos, vulgo “passa-montanhas”, luvas de cor clara, casaco escuro e calças de cor cinzenta ou verde, e sapatilhas da marca ..., de cor .... 28. Empunhando uma espingarda de caça, de dois canos sobrepostos, BB anunciou que estava a proceder a um assalto e ordenou a todos os presentes que se deitassem no chão, ao que os mesmos anuíram por temerem ser alvejados. 29 - Seguidamente, entrou no estabelecimento o assaltante EE, com 1,68 metros de altura, munido com dois sacos, um de cor branca e outro de cor preta, da marca ..., trajando um capuz de cor preta, com a mesma configuração do atrás referido, luvas de cor clara, calças de fato de treino de cor ... claro e risca vertical de cor ..., casaco escuro, e calçado de cor escura. 30 - Por fim, entrou no estabelecimento o arguido FF, com 1,71 metros de altura, munido de um martelo, trajando um capuz de cor cinzenta, com configuração similar aos já referidos, luvas de cor clara, calças de cor azul e casaco de cor cinzenta ou verde, e calçado de cor preta. 31 - Enquanto o arguido FF foi partindo os vidros de diversos expositores com o martelo que empunhava, EE foi retirando dos mesmos várias peças, isoladas ou dispostas por tabuleiros, que recolheu nos sacos que segurava, enquanto BB vigiava as funcionárias e os clientes, num primeiro momento, passando a colaborar com os seus pares posteriormente, quer partindo os vidros dos expositores, quer acondicionando as peças. 32 - Entretanto, pelas 10,32,17 horas, o arguido CC, com 1,77 metros de altura, irrompeu pelo “...”, trajando uma peruca de cabelos encaracolados compridos, de cor escura, sobre um capuz, luvas de cor clara, um casaco de fato de treino de cor ... e listras horizontais de cor ..., calças de ganga de cor azul e calçado escuro. 33 - Munido de uma espingarda de caça de extracção automática, de dois canos sobrepostos, o arguido CC ordenou à funcionária II que se deitasse no chão, ao que esta anuiu, agachando-se, com receio de ser vítima de algum disparo. 34 - Logo atrás do arguido CC entrou no “...” o arguido DD, com 1,78 metros de altura, munido de um martelo e de um saco de cor clara, trajando um capuz de cor ..., com configuração similar aos já referidos, luvas de cor clara, camisola de cor ... com riscas horizontais, calças de cor ... e calçado com tons claros e escuros. 35 - Enquanto a única visitante se retirou de imediato, o arguido DD foi partindo com o mencionado martelo os vidros de vários expositores, donde foi retirando juntamente com o arguido CC diversas peças, separadas ou dispostas em tabuleiros. 36 - Por sua vez, o arguido CC foi recolhendo e acondicionando na mala traseira do veículo automóvel de matrícula ...-CH- ... as referidas peças, o que fez por cinco vezes, assim tendo procedido de igual modo o arguido DD, numa ocasião, transportando diversas peças e o saco de cor clara. 37 - Pelas 10,34,36 horas, avisados através de comunicação rádio sobre o assalto em curso, acorreram ao início da Rua ..., pelo lado norte, dois agentes da ... e JJ, provindos da Rua ..., encontrando-se o primeiro devidamente uniformizado e o segundo trajando à civil, ambos em exercício de funções. 38 - Alertado pela vozearia que se fazia sentir com a aproximação da força policial o arguido AA deu alguns passos pela Rua ..., de arma em riste, no sentido ..., para se certificar do que estava a ocorrer, após o que retornou ao veículo automóvel de matrícula ...-CH-..., advertindo os arguidos CC e DD da agitação que alastrava por entre os populares aglomerados nas imediações que assistiam ao desenrolar do assalto. 39 - Às 10,34,38 horas, em face do aviso dado pelo arguido AA, os arguidos CC e DD interromperam o assalto em curso no “...” e dirigiram-se para junto do veículo do veículo automóvel com a matrícula ...-CH-... em cujo porta-bagagem depositaram as peças que detinham nas mãos. 40 - Cerca das 10,34,41 horas, igualmente alertados pelo crescente alarido, os assaltantes BB, FF e EE, suspenderam o assalto na “Ourivesaria F.…” e prepararam-se para abandonar a ourivesaria. 41 - Pelas 10,34,43 horas, imobilizando-se a cerca de 21,30 metros do veículo automóvel com a matrícula ...-CH-..., o agente da PSP ... gritou em direcção aos assaltantes: «Alto, Polícia», disparando um tiro para o ar. 42 - Nesse momento, encontrando-se de pé, junto à porta lateral traseira direita do veículo automóvel com a matrícula ...-CH-..., o arguido CC, de forma destemida, efectuou dois disparos em direcção à parte superior do corpo dos dois agentes da PSP, com o intuito de lhes tirar a vida. 43 - Por força desses disparos os dois agentes da PSP viram-se obrigados a refugiar-se sobre a parte inferior da frente de um veículo automóvel ligeiro de mercadorias, da marca e modelo ...”, de matrícula ...-...-TT, estacionado no referido início da Rua ..., do lado esquerdo, atento o sentido ..., na esquina com a Rua ..., com a parte da frente direccionada para a Praça ... e a parte traseira direccionada para a Rua .... 44 - Ao mesmo tempo, o arguido AA posicionou-se ao volante do veículo automóvel com a matrícula ...-CH-..., enquanto o arguido DD entrou para a viatura pela porta lateral traseira esquerda sentando-se junto da mesma. 45 - Pelas 10,34 horas, o arguido BB posicionou-se à porta da “Ourivesaria F.…” e efectuou um disparo em direcção aos dois agentes da PSP, com o intuito de lhes tirar a vida, após o que saiu em correria em direcção ao veículo automóvel com a matrícula ...-CH-..., seguido dos assaltantes FF e EE, pela ordem indicada. 46 - Em resposta aos tiros desfechados pelos arguidos CC e BB os dois agentes da PSP foram disparando vários tiros na direcção dos assaltantes com o intuito de porem cobro ao ataque e defenderem as suas vidas. 47 - Pelas 10,34,49 horas, de forma arrojada e sem se proteger ou desviar da trajectória dos tiros disparados pelos dois agentes da PSP, o arguido CC efectuou mais um disparo na direcção destes com o intuito de lhes retirar a vida. 48 - Às 10,34,50 horas, enquanto EE ainda corria em direcção ao veículo automóvel com a matrícula ...-CH-..., segurando os sacos com as peças retiradas da “Ourivesaria F.…”, o arguido CC efectuou um quarto disparo na direcção dos dois agentes da PSP, com o desígnio já referido e sem se mover da posição onde se encontrava, apesar dos tiros que eram disparados na sua direcção. 49 - Seguidamente, postando-se ao lado do arguido CC, o arguido BB efectuou um disparo na direcção dos dois agentes da PSP, com o intento supramencionado. 50 - Em simultâneo, o arguido AA arrancou lentamente com o veículo automóvel de matrícula ...-CH-..., com a porta da bagageira aberta, para onde os demais assaltantes lograram entrar sucessivamente, cerca das 10,34,54 horas, pela ordem seguinte: - pela porta lateral traseira direita, sentando-se no banco de trás, o arguido CC, seguido do arguido FF; - pela porta lateral dianteira direita, sentando-se no banco da frente, o arguido BB e, em último lugar, EE. (…) 53 - Em resultado dos disparos efectuados pelos arguidos CC e BB: a) KK, agente da PSP, foi alvejado com vários chumbos no tórax, no braço esquerdo e na perna direita, nas circunstâncias descritas; b) LL foi alvejado com vários chumbos nas pernas quando atravessava a Rua ... provindo da Praça ..., a cerca de 30 metros de distância dos arguidos; c) MM foi alvejado com vários chumbos na cara, no abdómen e nas pernas quando se dirigia da Praça ... para a Rua ..., a cerca de 30 metros de distância dos arguidos; e, d) NN, agente da PSP, foi alvejado com um chumbo na região supra mamária esquerda, quando se encontrava na Praça ..., desfardado, a cerca de 30 metros de distância dos arguidos. 54 - Por força desses disparos: a) KK sofreu: - três feridas perfurantes no tórax: uma no hemitorax esquerdo, outra na face anterior lateral mediana, e outra na zona axilar inferior esquerda, com o diâmetro de 0,5 x 0,5 cm; - duas feridas perfurantes no membro superior esquerdo: uma na face anterior do cotovelo esquerdo, com a extensão de um cm, e outra, com a mesma extensão, na face lateral do antebraço esquerdo; - uma ferida perfurante no 1/3 mediano da face anterior da coxa direita, com o diâmetro de 0,5 x 0,5 cm; - tais lesões demandaram dez dias de doença, sete dias de incapacidade para o trabalho profissional e três dias de incapacidade para o trabalho geral. b) LL sofreu ferimentos múltiplos na perna e joelho direitos, bem como na perna esquerda, que demandaram oito dias de doença, sem incapacidade para o trabalho. c) MM sofreu: - um orifício na região malar esquerda, com a extensão de 0,5 cm; - um orifício na região do flanco direito do abdómen; - múltiplos orifícios nos membros inferiores, com hematomas associados, desde as coxas até aos tornozelos; - tais lesões demandaram oito dias de doença, sem incapacidade para o trabalho. d) NN sofreu um traumatismo na região supra mamária esquerda. 58 - No meio da confusão gerada, o arguido AA arrancou a grande velocidade com o veículo automóvel “...”, com a porta da mala aberta, seguindo pela Rua ..., percorrendo a Rua ..., em sentido descendente, em direcção à Alameda .... (…) 104 - Os arguidos CC e BB, agiram livre, deliberada e voluntariamente, por mútuo acordo e em conjugação de esforços, com o intuito de matarem os dois agentes policiais que pretendiam detê-los e pôr cobro ao assalto, em consonância com o plano previamente delineado e a vontade expressa dos restantes arguidos DD, AA e FF, e do assaltante EE, disparando vários tiros em direcção às zonas vitais dos dois agentes policiais, a curta distância, o que só não conseguiram por facto que lhes foi alheio e que não dominaram; de modo a conseguirem a evasão de todos os assaltantes e evitarem a interrupção do assalto e as consequências das respectivas detenções; cientes de que os visados se tratavam de agentes policiais no exercício das respectivas funções, e que a conjugação concertada dos disparos efectuados era passível de atingir diversos transeuntes nas imediações. O Tribunal fundamentou a decisão, quanto aos crimes de homicídio nas seguintes provas: “Também se atentou nas declarações do assistente HH que de uma forma firme, em consonância com a prova mencionada, lembra-se de um assaltante na ourivesaria com actuação agressiva e ameaçadora, viu um assaltante a disparar contra os agentes de autoridade “com ferocidade”, “não os matando por sorte” e viu os assaltantes a fugir levando os objectos roubados. De igual modo, na sequência dos relatos dos depoentes acima mencionados, conjugando os depoimentos dos ofendidos KK, LL, NN e MM, com os episódios de urgência, a documentação clínica e exames periciais (cf. fls 49-51, boletins clínicos de fls. 996-1001- 4.º volume - e exame médico de fls. 6168-6172 – 23.º volume, boletins clínicos de fls. 985-987 – 4.º volume - e exame médico de fls. 6092-6095 - 23.º volume, boletins clínicos de fls. 991-995 – 4.º volume - e exame médico de fls. 6179-6182 e de fls. 6175-6178 – 23.º volume), o tribunal convenceu-se de quais as lesões e que as mesmas provieram de disparos de armas transportadas pelos assaltantes. Quanto à intenção de matar os agentes policiais o tribunal formou a sua convicção com base nos depoimentos dos agentes visados: a) KK (que referiu que após ter efectuado um tiro para o ar, o assaltante que estava de peruca, óculos escuros, cabeleira e a empunhar uma caçadeira efectuou disparos na direcção dos agentes, o que obrigou os agentes a refugiaram-se atrás de uma carrinha, continuando a receber tiros dos assaltantes, sendo que foi atingido nas pernas, braços e peito, afirmando que sentiu os chumbos a entrar na sua pele e que se tivessem entrado em parte mole do corpo como os olhos teriam aptidão para matar); b) JJ (em consonância com o testemunho de KK refere que o assaltante de cabeleira, depois de dizerem polícia e dispararem um tiro para o ar, virou-se na direcção dos agentes e efectua disparo de caçadeira e que após se esconderem atrás da carrinha, continuam a receber tiros, que lhe dá sensação ser mais de um assaltante a disparar, sendo que sente chumbos a passarem ao lado da cabeça, o que demonstra o direccionamento dos tiros para zonas letais); Ora, tais relatos, atento os tiros efectuados e a sua direcção, bem como a capacidade perfurante dos chumbos relatada pelo agente KK é demonstrativa da intenção de matar que tinham os assaltantes, bem sabendo tratar-se de polícias, já que se anunciaram em voz alta, sendo que a fuga que se seguiu demonstra de forma indubitável que os tiros de caçadeira visaram proporcionar a referida fuga e não serem “apanhados” pela polícia. Aliás, o intuito de atingir os agentes também deriva dos chumbos que foram encontrados no veículo atrás do qual aqueles se protegeram conforme se pode visualizar na reportagem fotográfica de fls 951 a 955 e das declarações do proprietário da carrinha OO. A potencialidade letal dos tiros disparados pelos assaltantes resulta de forma evidente da conjugação da distância a que estavam os polícias, com os esclarecimentos do inspector da polícia judiciária PP (que de forma espontânea afirmou que a 25 metros com um tiro de caçadeira é possível matar), e de QQ (perito de balística do laboratório de polícia cientifica, que afirmou que a 25 metros um tiro de caçadeira, com um chumbo 7,5, como aqueles utilizados pelos assaltantes, se acertar em zona letal, como por exemplo pescoço, pode matar). De tudo isto resulta a conformação por parte dos assaltantes em atingir o corpo dos transeuntes com os tiros que efectuaram, pois como referido pelos agentes KK e JJ, encontravam-se muitas pessoas na Praça ... atrás de si, que aliás vieram a ser atingidos, sendo que, atento o circunstancialismo em concreto, obviamente que os assaltantes prefiguraram tal hipótese, tal como o faria qualquer pessoa normal nessa posição, no entanto, conformaram-se, já que o seu objectivo era conseguirem a fuga.” c. A Ex.ma Juíza titular do processo, observando o disposto no art.º 454º do CPP. emitiu a seguinte Informação: (transcrição) “Neste novo recurso de revisão veio o arguido AA dizer que: 1) Os factos dados como provados como idóneos para tirar a vida a 2 agentes da PSP não têm potência para tirar a vida a um adulto a mais de 5 metros de distância; 2). Que os disparos foram feitos a uma distância de 30 metros; 3). Um disparo com os cartuchos em causa nos autos não tem potência para matar um adulto; 4) Pelo que a condenação pela prática de 2 crimes de Homicídio, na forma tentada, configura uma tentativa impossível, logo não punível, padecendo do vício de erro de julgamento. Apreciando. O fundamento previsto na al. d) do nº 1 do art. 449º do CPP exige tão-somente que os meios de prova de per si analisados e considerados com os meios de prova já analisados no processo suscitem fortes dúvidas sobre a justiça da condenação (neste sentido Ac do STJ, de 10/10/96, in CJ, Ano IV, T. III, pág. 161). Ora, afigura-se-nos inequívoco que a prova que o condenado pretende ver realizada – solicitar ao Instituto Português de Criminologia a seguinte informação: saber se uma caçadeira com 2 canos sobrepostos, usando cartuchos 12, com a inscrição “JR OURO AVANCA ESTARREJA PORTUGAL” disparando sobre um adulto, a uma distância de 30, um desses cartuchos, pode provocar-lhe a morte ou apenas ferimentos idênticos aos descritos no artigo 53 da fundamentação? - não tem a virtualidade de suscitar quaisquer dúvidas quanto à justiça da condenação. Como bem diz a Ex. Sr.ª Procuradora, não obstante o fundamento do recurso ser o da al. d) do nº 1 do art. 449º CPP, o arguido não alega novos meios de prova, ele vem, agora, requerer novos meios de prova, o que é algo totalmente diferente. Nos autos existia uma perícia e foi ouvido o Sr. Inspector da PJ e um Perito em balística do LPC. Assim, não é possível extrair, do que alega, o efeito pretendido pelo condenado, pelo que, somos de parecer que não dever ser dado provimento ao presente recurso.” d. A Magistrada do Ministério Público na 1.ª Instância respondeu ao recurso pela forma seguinte (transcrição): “Em 19/02/2021 interpôs recurso de revisão de sentença, com base na al. d) do art. 449º, n.º 1 do C. Processo Penal, limitando-se a colocar em causa a suficiência de prova do elemento subjetivo dos crimes, sem indicar factos novos ou novos meios de prova, pugnando pela correção da medida concreta pena. Vem agora o arguido interpor novo recurso de revisão de sentença, com base também na al. d) do art. 449º, n.º 1 do C. Processo Penal. Alega, para tanto e em síntese, que: (…) Termina, requerendo a realização de perícia a solicitar ao Instituo Português de Criminologia, a fim de responder à seguinte questão: “Uma caçadeira com 2 canos sobrepostos, usando cartuchos 12, com a inscrição “JR OURO AVANCA ESTARREJA PORTUGAL” disparando sobre um adulto, a uma distância de 30, um desses cartuchos, pode provocar-lhe a morte ou apenas ferimentos idênticos aos descritos no artigo 53 da fundamentação?” O Ministério Público pugna pela rejeição do recurso, concluindo: I. O recurso de revisão com base na al. d) do n.º 1 do art. 449º do CPP tem como fundamento se se descobrirem novos factos ou meios de prova. II. O recorrente não indica novos factos ou novos meios de prova. III. Limita-se a colocar em causa a suficiência de prova e a requerer prova que já foi realizada. IV. A capacidade letal foi comprovada pelos 2 agentes da PSP atingidos (KK e JJ), pelas declarações do Inspector da PJ (PP) e pelo Perito em balística do LPC (QQ). e. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu o seguinte Parecer (transcrição): “1. O arguido AA veio interpor recurso de revisão, invocando o fundamento previsto na al. d) do n.º 1 do art.º 449º do Código de Processo Penal. 2. A tal recurso respondeu a Exma. Sra. Procuradora da República, pugnando pela respectiva improcedência. A Exma. Sra. Juiz de Direito prestou a informação prevista pelo art.º 454º do CPP, pronunciando-se, igualmente, pelo indeferimento da requerida revisão. 3. A exaustividade e pertinência de ambas as peças processuais dispensam-nos de maiores comentários. Cremos, com efeito, que, in casu, se não verifica o pressuposto do qual depende a admissão de um recurso extraordinário desta natureza. 4. Recordemos, aliás, que o próprio arguido reconhece, neste seu novo pedido de revisão, que: “Como não há factos novos nem meios de prova novos, a condenação manifestamente injusta do Recorrente, condenado por 2 crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, que não cometeu, não poderá ser revista.” Neste ponto concordamos inteiramente com o arguido: não há, de facto, factos novos que justifiquem a interposição deste novo recurso; que é motivado como se de um recurso ordinário se tratasse – e não é! Como é sabido, o recurso de revisão não se destina a colmatar estratégias de defesa que, no momento próprio, se delinearam insuficientemente ou não obtiveram o sucesso desejado. Recorde-se que a revisão, tal como se escreveu no acSTJ de 14-05-2008, “constitui um meio extraordinário de reapreciação de uma decisão transitada em julgado, e tem como fundamento principal a necessidade de se evitar uma sentença injusta, de reparar um erro judiciário, por forma a dar primazia à justiça material em detrimento de uma justiça formal.” E “assenta num compromisso entre a salvaguarda do caso julgado, que é condição essencial da manutenção da paz jurídica, e as exigências da justiça. Trata-se de um recurso extraordinário, de um “remédio” a aplicar a situações em que seria chocante e intolerável, em nome da paz jurídica, manter uma decisão de tal forma injusta (aparentemente injusta) que essa própria paz jurídica ficaria posta em causa.” – cfr. acSTJ de 04-07-2007, Proc. n.º 2264/07 - 3.ª secção” Como muito bem disse a nossa Exma. Colega, “o recurso extraordinário de revisão é (…) um meio extraordinário de reacção contra uma decisão já transitada em julgado e não uma forma de requerer produção de prova ou perícias que atempadamente não se requereu e que, no caso, já foram realizadas.” 5. Em suma, os fundamentos invocados pelo arguido não se afiguram suficientemente ponderosos para suscitar graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação, pelo que, em conformidade, nos parece dever ser negada a requerida revisão”. f. O recorrente respondeu, salientando que conhece a letra do art.º 449.º, 1, d), mas disse e concluiu (conclusões 14.ª a 16.ª) que tal norma, interpretada à letra, era inconstitucional formulando na conclusão 16.ª modo como deve ser interpretada (no seu entendimento). E que: “4.ª - Objetivamente, para o Ministério Público a força normativa da letra do disposto na al. d), do n.º 1 do art.º 494.º do C.P.P tem força ético-jurídica superior ao disposto nos art.ºs 1.º e proémio do art.º 2 da Constituição, e mesmo do n.º 6 do seu art.º 29.º, derrogando, assim, a força normativa do n.º 1 do art.º 18.º. 5.ª – Como consequência da conclusão 4.ª, a Eminente Dignidade da Pessoa Humana, a Verdade e a Liberdade da Pessoa, como, até, “a fortiori”, o Estado de direito, são coisificados, são meio sacrificado ao dito prestígio dos tribunais, que é a finalidade que prossegue o disposto na al. d), do n.º 1 do art.º 494.º do C.P.P. 6.ª – Por isso cabe ao Supremo Tribunal de Justiça a escolha: a Opção Radical.” O recorrente tem legitimidade para requerer a revisão (artigo 450.º, n.º 1, al. c), do CPP), este tribunal é o competente (artigos 11.º, n.º 4, al. d), e 454.º do CPP) e nada obsta ao conhecimento do recurso. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência a que alude o artigo 455.º, n.º 3, do Código de Processo Penal. Cumpre decidir. II. Fundamentação 1. O objeto do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas da motivação apresentada pelo recorrente. As questões a apreciar respeitam à aferição da verificação do fundamento de admissibilidade da revisão de sentença previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, do Código de Processo Penal e à conformidade desta norma com o texto constitucional. O Acórdão recorrido transitou em julgado, relativamente ao arguido AA, em 10-09-2013. 2. Da verificação do fundamento de admissibilidade da revisão de sentença previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, do Código de Processo Penal Dispõem a alínea d) do n.º 1 e o n.º 3 do artigo 449.º do Código de Processo Penal: 1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. 3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada. A jurisprudência deste tribunal tem sublinhado, de forma consolidada, que, para efeitos da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, são factos novos ou novos meios de prova os que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e que, sendo desconhecidos da jurisdição no ato de julgamento, permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado. Novos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, que não foram apresentados no processo da condenação. A novidade, neste sentido, refere-se a meio de prova – seja pessoal, documental ou outro –, e não ao resultado da produção. No caso de provas pessoais, a “novidade” refere-se à testemunha na sua identidade e individualidade e não ao resultado da prova efetivamente produzida (acórdãos de 10.04.2013, proc. 127/01JAFAR-C.S1, e de 09.02.22, proc. 163/14.8PAALM-A.S1, ambos da 3.ª Secção). E novos são apenas os factos ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal (acórdãos de 26.10.2011 proc. 578/05.2PASCR.A.S1, 3.ª Secção, de 30.1.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1, 3.ª Secção, com indicação exaustiva de jurisprudência e doutrina, e de 19.03.2015, proc. 175/10.0GBVVD-A.S1, 5.ª Secção). À novidade, assim considerada, dos factos ou meios de prova, acresce a necessidade de que eles, por si ou em conjugação com os já apreciados no processo, sejam de molde a criar dúvidas fundadas sobre a justiça da condenação. A dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada pela sua gravidade. (acórdãos de 09.02.22, proc. 163/14.8PAALM-A.S1 de 30.1.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1 e de 29.4.2009, proc. 15189/02.6.DLSB.S1, 3.ª Secção). E, finalmente, o recurso extraordinário de revisão não visa corrigir a qualificação jurídica dos factos, mesmo que aparentemente injusta, mas produzir um novo julgado, verificada a gravidade das dúvidas suscitadas por novos factos ou novos elementos de prova, como superiormente se explicita no Acórdão de 10-01-2018, no Proc. n.º 63/07.8PBPTM-D.S1: “I - A al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP admite a revisão de sentença transitada sempre que se descubram novos factos ou meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. II - São portanto dois os requisitos a) Que apareçam factos ou elementos de prova novos, isto e, desconhecidos ao tempo do julgamento, e por isso não considerados na sentença condenatória; b) Que tais elementos novos suscitem graves dúvidas, e não apenas quaisquer dúvidas, sobre a justiça da condenação. Só a cumulação destes dois requisitos garante a excecionalidade do recurso de revisão, só assim se justificando a lesão do caso julgado que a revisão necessariamente envolve. II - Expressamente afasta a lei a possibilidade de este recurso ter como único fim a “correção” da pena concreta (nº 3 do art. 449º do CPP). E igualmente vedado está “corrigir” a qualificação jurídica dos factos, ainda que ela se afigure “injusta” ou “errada”. Para essas situações existe o recurso ordinário. O caso julgado cobre inexoravelmente todos os erros de julgamento. Doutra forma, a certeza e a segurança jurídicas seriam irremediavelmente lesionadas”. É indiscutível que o Recorrente não apresenta factos novos nem novos meios de prova. Tal é, aliás, expressamente afirmado pelo próprio, na seguinte passagem da motivação “Como não há factos novos nem meios de prova novos, a condenação manifestamente injusta do Recorrente, condenado por 2 crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, que não cometeu, não poderá ser revista.” Limita-se, no que a factos e meios de prova se refere, a reapresentar a defesa que formulara em julgamento e nos sucessivos recursos interpostos. A final, requer a realização de uma diligência de prova que se destina à reapreciação de factos já julgados, com fundamento em prova pessoal, material e pericial. Não se dá, pois, por verificada a invocada base legal para o recurso de revisão. 3. Sobre a conformidade constitucional da alínea d) do artigo 449.º do Código de Processo Penal O que o arguido, verdadeiramente, questiona é a conformidade da norma do artigo 449.º do CPP com a norma do n.º 6 do artigo 29.º da CRP, ao arrepio da jurisprudência constante deste Tribunal, do Tribunal Constitucional e da Doutrina. Alega, em suma, que uma disposição constitucional que consagra um direito fundamental “não pode sofrer qualquer limitação ou parcelação” e que não se vislumbra outro direito fundamental com o qual o direito à revisão de sentença possa estar em colisão. E, concretizando, defende que se a redação do art. 449.º do Código de Processo Penal fosse, no respeito pela Constituição, a por si sugerida, com o aditamento do segmento “bem como nos casos de injustiça decorrente de erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto “, seriam reparados, em sede de revisão de sentença, os “graves erros de julgamento” que identifica. O direito à revisão de sentença tem assento constitucional, na categoria dos direitos, liberdades e garantias, dispondo o n.º 6, do artigo 29.º da Constituição: Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos. A formulação do direito à revisão da sentença, em caso de condenação injusta, prevê, expressamente, o seu condicionamento pela lei. O direito à revisão de sentença integra, como dissemos, a categoria dos direitos, liberdades e garantias, cujo regime se encontra consagrado no art. 18.º da Constituição. Estatui o n.º 2 que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. E o n.º 3 do mesmo artigo que as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. Ora, o direito à revisão de sentença pressupõe, pela sua própria natureza de providência extraordinária face ao esgotamento das vias de recurso ordinário, a formação de caso julgado formal. A figura do caso julgado tem proteção constitucional alicerçada, quer no disposto no n.º 3 do artigo 282.º, quer nos princípios da confiança e da segurança jurídica, decorrentes da própria ideia de Estado de Direito, emergente do artigo 2.º, ambos da Constituição. O Tribunal Constitucional vem reafirmando a natureza da intangibilidade do caso julgado como subprincípio do princípio da segurança e certeza jurídica, inerente ao modelo do Estado de direito democrático. Entre outros, o recente Acórdão n.º 192/22, de 17 de março, seguindo o Acórdão n.º 151/2015, de 4 de março, deu, novamente, corpo à jurisprudência sobre o fundamento constitucional do caso julgado, mesmo tratando-se de caso julgado formal: «O princípio da segurança e certeza jurídica, inerente ao modelo do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição, no âmbito dos atos jurisdicionais, justifica o instituto do caso julgado, o qual se baseia na necessidade da estabilidade definitiva das decisões judiciais transitadas em julgado. Daí que seja reconhecida, enquanto subprincípio, a intangibilidade do caso julgado, revelado em preceitos constitucionais como o artigo 29.º, n.º 4, e 282.º, n.º 3, o qual também abrange o denominado caso julgado formal, relativo às decisões que têm por objeto a relação processual (neste sentido, J.J. Gomes Canotilho, em “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, pág. 264-265, da 7.ª ed., Almedina, Rui Medeiros, em “A decisão de inconstitucionalidade”, pág. 557, ed. de 1999, da Universidade Católica Editora, Isabel Alexandre, em “O caso julgado na jurisprudência constitucional portuguesa”, em Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, pág. 12-14, ed. de 2003, da Almedina, e os Acórdãos n.º 255/98, 61/2003 e 370/08, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt)”. Contudo, a tensão entre a segurança jurídica e a justiça pode manifestar-se expressivamente, em situações de anomalia grave da decisão judicial ou em que a realidade se imponha com factos ou meios de prova de conhecimento superveniente. Como se salienta no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 680/2015, de 10 de dezembro“[s]e é certo que a função jurisdicional implica, num Estado de Direito, que as decisões jurisdicionais não possam, em princípio, ser postas em causa – visando a certeza e a segurança, ínsitos naquele, na regulação definitiva das relações jurídicas intersubjetivas –, é igualmente certo que a expressão da função jurisdicional do Estado não se encontra imune ao erro, assim justificando institutos jurídicos dirigidos à reparação dos efeitos do mesmo (como é o caso do instituto da responsabilidade civil do Estado por erro imputável ao Estado-Juiz) ou, excecionalmente, à modificação da própria sentença – como é o caso do instituto de revisão de sentença”. Ensinava o Professor José Alberto dos Reis, “A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio. Quer dizer, pode a sentença ter sido obtida em condições tão estranhas e anómalas, que seja de aconselhar fazer prevalecer o princípio da justiça sobre o princípio da segurança. Por outras palavras, pode dar-se o caso de os inconvenientes e as perturbações resultantes da quebra do caso julgado serem muito inferiores aos que derivariam da intangibilidade da sentença» Código de Processo Civil Anotado, vol. VI, Coimbra Editora, Coimbra, 1953, pp. 336-337. A leitura conjugada do n.º 6, do artigo 29.º da Constituição e do artigo 449.º do CPP, encontram lugar paralelo na disposição sintética do artigo 4.º, n.º 2, do Protocolo n.º 7 à Convenção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH) que permite a quebra do caso julgado «(…) se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afetar o resultado do julgamento» Ao invés do afirmado pelo Recorrente, o direito ao recurso de revisão pode, pois, ser objeto de restrição, na ponderação de interesses constitucionalmente protegidos, como é o caso do princípio da segurança e certeza jurídica. Como este Tribunal tem reafirmado, “A revisão é um recurso extraordinário que possibilita a quebra do caso julgado de sentenças condenatórias que devam considerar-se injustas por ocorrer qualquer dos motivos taxativamente previstos na lei. A linha de fronteira entre a segurança jurídica resultante da definitividade da sentença, por esgotamento das vias processuais de recurso ordinário ou do decurso do prazo para esse efeito, enquanto componente das garantias de defesa no processo (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), estabelece-se, como garantia relativa à aplicação da lei penal (artigo 29.º da Constituição), no limite resultante da inaceitabilidade da subsistência de condenações que se revelem injustas. A injustiça da condenação, por virtude da demonstração de qualquer dos fundamentos contidos no numerus clausus definido na lei, sobrepõe-se à eficácia do caso julgado, em homenagem às finalidades do processo – a realização da justiça do caso concreto, no respeito pelos direitos fundamentais –, assim se operando o desejável equilíbrio entre a segurança jurídica da definitividade da sentença e a justiça material do caso" (Acórdão deste Tribunal e Secção, de 11.10.2017, no Processo n.º 1459/05.5GCALM-B) Note-se que o recurso extraordinário de revisão tem natureza específica que, no próprio plano da Lei Fundamental, se autonomiza do genérico direito ao recurso garantido no processo penal pelo artigo 32.º, n.º 1. Na Constituição e na lei processual penal, em concordância plena, o recurso de revisão é remédio excecional contra decisões gravemente injustas, “permitindo a sua revisão naqueles casos em que a subsistência da decisão (injusta) seria insuportável para a comunidade”. (acórdão STJ, de 10.09.2008, proc. nº 08P1617) Como este Tribunal tem reafirmado, “o recurso extraordinário de revisão não tem por objeto a reapreciação da decisão judicial transitada. Não é uma fase normal de impugnação da sentença penal. É um procedimento autónomo especialmente dirigido a obter um novo julgamento e, por essa via, rescindir uma sentença condenatória firme (Acórdão de 15.09.21, no proc. 699/20.1GAVNF-A.S1, 3.ª secção). Em conclusão, e em concordância com o recorrente, juiz do processo e o Ministério Público nas instâncias, não se identifica qualquer elemento que possa constituir novo facto ou meio de prova novo suscetível de, com base nele, se assentar qualquer dúvida grave sobre a justiça da condenação, que possa constituir fundamento do recurso de revisão, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP. Por outro lado, não assiste razão ao arguido quanto à alegada desconformidade constitucional da norma contida no n.º 1 do art. 449.º do Código de Processo Penal. Pelo que, carecendo, manifestamente, de falta de fundamento, deve o recurso improceder, negando-se a revisão. Quanto a custas Nos termos do disposto no artigo 456.º do CPP, se o Supremo Tribunal de Justiça negar a revisão pedida pelo assistente, pelo condenado ou por qualquer das pessoas referidas no n.º 2 do artigo 450.º, condena o requerente em custas e ainda, se considerar que o pedido era manifestamente infundado, no pagamento de uma quantia entre 6 UC a 30 UC. De acordo com o artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e da Tabela III em anexo, a taxa de justiça é fixada entre 1 e 5 UC, tendo em conta a complexidade do processo. Em conformidade com estas disposições, considera-se adequada a condenação do recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC. Por o recurso ser manifestamente infundado, deve o recorrente ser condenado no pagamento de uma quantia que se fixa em 6 UC. III. Decisão Termos em que se delibera em conferência na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: a) Denegar a revisão da sentença condenatória requerida pelo condenado AA. b) Julgar o pedido de revisão manifestamente infundado. c) Condenar o requerente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC. d) Condenar o requerente na quantia de 6 UC, por o pedido de revisão ser manifestamente infunda Supremo Tribunal de Justiça, 08 de junho de 2022 Teresa de Almeida (Relatora) José Luís Lopes da Mota (Adjunto) Nuno Gonçalves (Presidente da Secção) |