Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO GONÇALVES | ||
Descritores: | RECURSO PENAL ROUBO BURLA INFORMÁTICA E NAS COMUNICAÇÕES CONCURSO APARENTE CONCURSO DE INFRAÇÕES CRIME CONTINUADO INIMPUTABILIDADE INIMPUTABILIDADE DIMINUÍDA REGIME ESPECIAL PARA JOVENS BEM JURÍDICO PROTEGIDO PREVENÇÃO GERAL PENA ÚNICA MEDIDA DA PENA PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 04/01/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - O roubo é um crime pluriofensivo de bens jurídico distintos, qualquer deles penalmente protegido por si só, também definido como “complexo” ou “composto” porque contém um crime contra direitos pessoais (a saúde, a integridade física, a liberdade) e um crime contra a propriedade de coisas móveis. II - A burla informática é também um crime composto ou complexo que incorpora um crime contra o património e um crime de acesso ilícito a sistema informático. III - Não coincidindo na proteção dos mesmos bens jurídicos, não há, por isso uma relação de sobreposição entre uma e a outra incriminação. IV - A consunção da burla informática pelo roubo desamparava a utilização não autorizada de dados que o legislador entendeu merecedora de sanção penal. V - Não são as ações naturalísticas que determinam a unidade ou pluralidade de crimes. A solução tem de assentar nos bens jurídicos tutelados. VI - Pelo que, afastada a consunção, o arguido tem de responder por tantos ilícitos penais quantos os tipos de crime efetivamente preenchidos por cada uma das suas condutas. VII - O crime continuado é uma construção dogmática, e normativa, que verificadas determinadas conexões objetivas e subjetivas, reconduz à unidade criminosa, uma pluralidade de crimes, subtraindo-os do regime punitivo do concurso efetivo de crimes. VIII - Absolutamente nuclear à afirmação da continuação criminosa é a existência da especial conformação exógena das coisas à sucumbência na repetição criminosa. Está, por isso, excluída quando a reiteração, menos que a tal disposição exterior das coisas, é devida a uma certa tendência da personalidade do criminoso. IX - A imputabilidade penal nada tem a ver com a continuação criminosa. Intercede com a capacidade do agente para avaliar a ilicitude do facto ou para agir de acordo com essa avaliação, isto é, com a culpa pelo facto (ou a sua [da culpa] negação). A continuação é uma forma de realização dos crimes, que intercede com as consequências jurídicas destes. X - Se a psicopatologia que afetava o arguido pode diminuir a sua imputabilidade e o respetivo grau culpa pelos factos, não integra, evidentemente, qualquer das situações exógenas que doutrina e a jurisprudência enunciam como suscetíveis de preparar as coisas para a repetição da atividade criminosa. XI - Regime penal dos jovens está especialmente concebido e vocacionado para tratar a “marginalidade criminosa juvenil”, geralmente conotada com o cometimento de crimes de pouca densidade valorativa, quando repetidos, em pequena escala, sem motivações elaboradas, regra geral orientados pelo imediatismo, pela irreflexão e irreverência e frequentemente cometidos em grupo de pares ou entre pares. XII - Ainda que os criminosos sejam jovens, quando cometem factos crimes com preparação e até sofisticação e que violam bens jurídicos fundamentais ou importantes, que reiteram várias vezes em fenomenologias criminais graves e que revelam tendências delinquentes, a finalidade e medida da correspondente consequência jurídico-penal, sobrepõe, a qualquer outra, a reafirmação da validade e da vigência da respetiva proteção, isto é, a eficaz proteção dos valores tutelados e do correspondente ordenamento jurídico. XIII - A dosimetria da pena única está submetida a um critério especial em que os fatores não operam aqui por referência a um crime nem a todos como se de unidade autónoma se tratasse, mas por referência aos factos numa visão interrelacionadada pela personalidade que revelam e à pena aplicada a cada crime. É esta referenciação aos crimes do concurso e às penas parcelares que confere autonomia dogmática ao sistema da pena conjunta e o diferencia do sistema da pena unitária (ou da pena unificada). XIV - A avaliação do comportamento juridicamente “unificado” (não unitário) pelo concurso de crimes deve assentar na ponderação conjugada da gravidade da ilicitude dos factos, pelo número, modo de execução e fenomenologia dos crimes, pela dimensão das penas parcelares englobadas e da respetiva ordem grandeza no âmbito da moldura da moldura penal e ainda da personalidade do arguido. XV - Nos casos de uma elevada pluralidade de crimes em concurso e de penas parcelares englobadas pode ainda ter-se em atenção a proporcionalidade da pena conjunta no âmbito do sistema punitivo instituído. | ||
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Decisão Texto Integral: | O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, acorda: I. RELATÓRIO: a) a condenação: No Juízo Central Criminal de … - Juiz … e no processo em referência, acusado pelo Ministério Publico, foi o arguido: - AA, solteiro, declarando a profissão de consultor …, de 19 anos de idade e os demais sinais dos autos, julgado e, por acórdão do tribunal coletivo, de 22 de julho de 2019, na procedência parcial da acusação, condenado pela prática dos seguintes crimes: - seis crimes de roubo agravado p, e p. pelos artigos 210°, n°s 1 e 2 al. b), com referência ao disposto no art.º 204°, n.º 2 al. f), e ainda ao art.º 73°, n.° 1, al.ªs. a) e b) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão por cada um deles; - um de roubo agravado, tentado p. e p. pelos artigos 22°, 23°, 73° n.º 1, als. a) e b), e 210º n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao disposto nos artigos 204°, n.º 2, al. f), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão; - seis de burla informática p. e p. pelo artigo 221°, n.º 1, 41°, n.º 1, 47°, n.º 1, e 73°, n.º 1, als. a), b) e c), do Código Penal), na pena de 5 (cinco) meses de prisão por cada um deles; - quatro de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 e pelos artigos 41.º, n.º 1, 47.º, n.º 1, e 73.º, n.º 1, als. a), b) e c), do Código Penal), na pena de 9 (nove) meses de prisão por cada um deles; - e, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão. Na procedência parcial dos pedidos de indemnização civil foi também condenado a pagar às demandantes: - BB da quantia de €1.668,00 (mil e seiscentos e sessenta euros), acrescida do pagamento de juros de mora: - CC da quantia de € 1.655,00 (mil e seiscentos e cinquenta e cinco euros), acrescida do pagamento de juros de mora. b) o recurso: Inconformado, recorreu diretamente para o STJ, rematando a sua alegação com as seguintes: - conclusões: 1ª- Na prática dos factos que tiveram por base a condenação de que ora se recorre, teve sempre uma resolução criminal única, de ação contínua, postulando sempre o mesmo modus operandi; Pelo que, 2ª A dupla condenação pelos crimes de roubo e burla informática é uma clara violação do n.º l do artigo 30° do Código Penal, assim como afronta diretamente o princípio ne bis in idem. 3ª como também condensa uma interpretação que deverá ser julgada inconstitucional à luz do n.º 5 do artigo 29° da Constituição da República Portuguesa Pelo exposto, 4ª deverá operar o mecanismo jurídico da consumpção entre os crimes de burla informática, pelos crimes de roubo. 5ª sendo o arguido absolvido dos primeiros e condenado pelos segundos. Porém, 6ª Caso o entendimento de Vossas Excelências venha a ser outro e decidam pela manutenção da incriminação do arguido no que tange aos crimes de burla informática. 7ª- Ressalta-se que o arguido sofre de perturbação de hiperatividade e défice de atenção - PHDA; 8ª A PHDA é uma doença que se manifesta com maior acuidade na infância e na juventude, esbatendo-se com a maturidade do sujeito que dela padece; 9ª O falso sentimento de impunidade que reinou no curto período de tempo em que o arguido utilizou os cartões de multibanco para fazer os levantamentos, é uma situação exterior à sua vontade e que por sua vez diminuem e mitigam a sua culpa, tornando aplicável a figura jurídica do crime continuado. 10ª pelo que, considerando a não consumpção, deverá ser imputado ao arguido não a prática de 6 (seis) crimes de burla informática, mas apenas 1 (um), na sua modalidade continuada; 11ª A obrigação de permanência na habitação com recurso a meios de vigilância eletrónica permitiu ao arguido a incorporação e interiorização de valores, demonstrando consciência das suas fragilidades psicológicas. 12ª procurando, pela primeira vez e por sua iniciativa, tratamento de forma voluntária; 13ª O referido acompanhamento psicológico tem surtido efeito e a adesão voluntária do Recorrente é um claro indício favorável no que concerne à sua regeneração e prevenção especial; 14ª A médica que elaborou a perícia sustentou ser imperativo que o arguido continue com o apoio psicológico, de forma a não ter nenhuma recaída e volte a agir de forma compulsiva, praticando crimes, resultado da PHDA; 15ª O supra referido acompanhamento é incompatível com o encarceramento do arguido; 16ª A experiência indica que um encarceramento sem o acompanhamento familiar e psicológico irá ter sérias repercussões no arguido, contribuindo de forma extremamente negativa para a sua futura ressocialização... 17ª assim como coloca em risco todo o caminho trilhado até ao presente momento; 18ª- As condições sociais apuradas do arguido demonstram que este tem uma situação social estável e acima da média nacional. 19ª que permite um juízo de prognose favorável de suporte familiar e que permitirá a sua reintegração futura; 20ª O arguido teve períodos na sua vida em que se conseguiu afastar dos contextos que o influenciaram na prática dos crimes pelos quais foi condenado, cumprindo com as obrigações, como é disso exemplo o cumprimento do regime de prova imposto no processo n.º 881/18… do Juízo Local de Pequena Criminalidade de … -J..; 21ª- Pese embora o arguido ainda não tenha meios próprios suficientes para garantir a sua subsistência de forma autónoma uma vez que se encontra em OPHVE, estava a trabalhar antes da determinação da medida de coação dos presentes autos, conseguindo autossustentar-se; 22ª- As suas condições pessoais apuradas nos autos e a perícia médica não foram devidamente relevadas para a atribuição da medida concreta da pena, sendo descuradas as concretas necessidades de prevenção especial do arguido. 23ª sobrevalorizando-se antes as necessidades de prevenção especial. Porém, 24ª- Estas podem ser atenuadas através da sujeição da suspensão da pena de prisão à condição resolutiva de indemnização integral às vítimas; 25ª- Afigura-se assim excessiva a medida da pena aplicada, tendo sido o arguido condenado na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão pelos crimes de roubo, roubo na forma tentada, burla informática e condução sem habilitação legal. 26ª O Tribunal a quo preponderou mais as necessidades de prevenção geral, do que as efetivas necessidades de prevenção especial, sem que para isso tenha apresentado fundamentos suficientemente fortes para encarcerar o arguido e interromper o acompanhamento psicológico que tem vindo a receber no domicílio e que lhe permite recuperar-se mentalmente e futuramente reintegrar-se; 27ª Fundamentos para a aplicação das penas mais próximas do seu limite mínimo, encontram-se especialmente na perícia médica, onde fica patente que o Recorrente padece de uma anomalia psíquica, assim como na postura processual do arguido; 28ª O regime penal aplicável a jovens delinquentes deveria ter sido aplicado pelo Tribunal a quo, especialmente por se tratar de um caso sui generis. 29ª- Dadas as circunstâncias particulares do arguido, considera-se que a medida da pena de prisão em cúmulo jurídico de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses viola os preceitos dos artigos 40° e 71° do Código Penal. 30ª- Pugna-se perante Vossas Excelências pela diminuição da pena aplicável, aplicando antes ao arguido as seguintes penas: a. uma pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, pela prática de cada um dos seis crimes de roubo agravado; b. de uma pena de prisão de 1 (um) ano pela prática do crime de roubo, na sua forma tentada; c. absolvição no que concerne aos crimes de burla informática por consumpção dos crimes de roubo a que será forçosamente condenado; d. a condenação em 9 (nove) meses de prisão pela prática de cada um dos quatro crimes de condução sem habilitação legal. 31ª- Operando o cúmulo jurídico, numa pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses. 32ª suspensa na sua execução sujeita a apertadíssimo regime de prova. 33ª Caso outro venha a ser o entendimento de Vossas Excelências quanto à consumpção dos crimes de burla informática, o que apenas se equaciona por cautela e dever de patrocínio, deverá ser aplicada ao arguido uma pena de prisão de 10 (dez) meses por 1 (um) crime continuado de burla informática, o que, tudo compulsado, e neste cenário que se pensa meramente hipotético, roga-se pela condenação do arguido, operando o cúmulo jurídico, numa pena única de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses, suspensa na sua execução, sujeita a apertadíssimo regime de prova. 34ª O regime de prova a aplicar deverá ser o seguinte: a. Continuar a frequência das aulas teóricas (que foram interrompidas com a prisão domiciliária), submeter-se a exame teórico, posteriormente frequentar as aulas práticas e submeter-se a exame prático, em semelhança com as condições de suspensão da pena que estava a cumprir à ordem dos autos n.º 881/18… do Juízo Local de Pequena Criminalidade de … -J... b. Manutenção obrigatória do acompanhamento semanal com a psicóloga que o vem seguindo; c. Cumprimento escrupuloso de plano individual de readaptação elaborado pela DGRSP; d. Pagamento integral das indemnizações fixadas pelo Tribunal a quo, no prazo máximo de um ano. Pelo exposto, (…) roga a Vossas Excelências (…) se dignem: determinar a consumpção, pelos 6 (seis) crimes de roubo, dos 6 (seis) crimes de burla informática em que o arguido foi condenado, absolvendo-o da sua prática; e, condenar o arguido numa pena única de máximo 4 (quatro) anos e 6 (seis) [meses], suspensa na sua execução, sujeita a apertadíssimo regime de prova, nomeadamente a subordinação à condição resolutiva de reparação integral e pagamento das indemnizações às ofendidas, assim como a obrigatoriedade de continuar a sujeitar-se às consultas de psicologia. ou subsidiariamente, condenar o arguido por apenas um crime de burla informática, na forma continuada numa pena de 10 (dez) meses [de prisão]; e, determinar uma pena única de máximo 4 (quatro) anos e 9 (nove meses), suspensa na sua execução, sujeita a apertadíssimo regime de prova, que se destaca a subordinação à condição resolutiva de reparação integral e pagamento das indemnizações às ofendidas, assim como a obrigatoriedade de continuar a sujeitar-se às consultas de psicologia. c) resposta do Ministério Público; A Digna Procuradora da República junto do tribunal recorrido respondeu, pugnando pelo improvimento do recurso e a confirmação da decisão recorrida. Culmina a contramotivação com as seguintes: - Conclusões: - Os bens jurídicos tutelados pelas normas que preveem e punem os crimes de roubo e burla informática- arts 210º e 221º, CP -só parcialmente se intercetam, sobejando uma zona específica em cada norma incriminadora (património e fiabilidade dos informáticos), além de que não existe relação instrumental entre eles (meio-fim), pois que o 2º crime é cometido após a consumação do 1º, como resulta dos factos provados, pelo que não se verifica relação de consumpção que integre concurso aparente de infrações nem violação do principio ne bis in idem, por se estar perante factos diversos e cronologicamente separáveis. - No caso dos autos entende-se que não se mostram verificados os pressupostos para a punição do crime de burla informática como um único crime continuado sendo a doença de que o arguido padece não um fator exterior ao mesmo que lhe reduza a culpa mas apenas um fator a ter conta, como foi, em sede de medida da pena. - Como bem refere o acórdão impugnado, dos factos provados ressaltam elevadas necessidades de ressocialização do jovem arguido, isto porque a aparente vida estruturada, em sede de integração familiar, profissional e social, não foi suficientemente incisiva, no sentido da prevenção de atos delituosos, mormente do género dos aqui levados a cabo. - E, assim, estamos perante circunstâncias que tornam justificada e fundada a conclusão de que existem sérias reservas para crer que da aplicação do regime especial de jovens adultos resultam inegáveis vantagens para a sua reinserção social. - A pena imposta no douto acórdão recorrido mostra-se justa e adequada aos factos, à medida da culpa do arguido às circunstâncias, processuais e pessoais fixadas e [aí] corretamente valoradas; - Da análise do douto acórdão impugnado verifica-se que todas as operações lógicas de determinação da medida da pena foram não só respeitadas como devidamente explicadas e fundamentadas, tendo sido ponderados todos os fatores suscetíveis de, in casu, determinar quais as concretas necessidades de prevenção que se fazem sentir e a culpa manifestada nos atos pelo agente. - A decisão recorrida não violou, pois, qualquer norma legal ou constitucional. d) parecer do Ministério Público: A Digna Procuradora-Geral Adjunta no STJ aderiu à resposta do Ministério Público na 1ª instância.
II - OBJETO DO RECURSO: O recorrente pretende ver decididas as questões seguintes: - consunção dos crimes de burla informática pelos crimes de roubo; - subsidiariamente, crime continuado de burla informática; - aplicação do regime penal dos jovens delinquentes; - medida das penas parcelares e da pena única; - pena suspensa. * Foi cumprido o disposto no art.º 417º n.º 2 do CPP. O processo foi aos vistos. Cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO: 1. factos O tribunal coletivo julgou os seguintes: - Factos provados: Da acusação: NUIPC 624/18… 1. No dia …de Maio de 2018, por volta das 17h08, com as credenciais de utilizador do seu pai, o arguido acedeu ao serviço de "carsharing" da empresa "Drive Now" e, através dele, alugou o veículo de marca BMW, com a matrícula 00-TH-00, que conduziu, depois, por diversos locais desta cidade, desde a Calçada … até Travessa …, em … local onde o estacionou, por volta da 01h57, do dia 10 de Maio de 2018. 2. Nesse dia, por volta das 02h00, na Rua …, em …, o arguido abordou DD, que se preparava para entrar no prédio que corresponde ao n.º 00, com o propósito previamente formulado de se apropriar do cartão bancário daquela e respetivo código pessoal, para por meio deles, proceder ao levantamento da conta bancária de DD de todas as quantias monetárias que conseguisse. 3. Para tanto, o arguido aproximou-se de DD, exibiu-lhe uma faca de características não concretamente apuradas, e, exigiu-lhe o cartão de crédito e o respetivo código PIN, dizendo-lhe que "se não lhe desse o código verdadeiro, sabia onde ela residia". 4. Temendo pela sua vida e integridade física, DD entregou ao arguido o seu cartão de débito do Banco BPI, associado à sua conta daquele banco com o número 0-0000000-000-001 e disse-lhe o respetivo código PIN. 5. Na posse do referido cartão e do respetivo código, o arguido abandonou o local e dirigiu-se para a Rua …, em … local onde veio a efetuar os três levantamentos consecutivos que de seguida se indicam, a partir da conta de DD, por meio da utilização do cartão subtraído e do respetivo código, que inseriu num terminal Multibanco ali existente: a) um levantamento registado sob a referência 10/05 Lev. ATM ELEC 0…/56, no valor de €150,00 (cento e cinquenta euros); b) um levantamento registado sob a referência 10/05 Lev. ATM ELEC 0…/57, no valor de €150,00 (cento e cinquenta euros); e c) um levantamento registado sob a referência 10/05 Lev. ATM ELEC 0…/58, no valor de €100,00 (cem euros). 6. Deste modo o arguido conseguiu retirar da conta bancária de DD a quantia total de €400,00 (quatrocentos euros), que fez sua. 7. Ao agir do modo descrito, o arguido quis e conseguiu intimidar DD mediante a utilização de uma faca, fazendo-a temer pela sua vida e integridade física, e deixando-a na impossibilidade de resistir à sua atuação, para, desse modo, fazer seus, como fez, os bens e valores supra descritos, apesar de bem saber que os mesmos não lhe pertenciam nem eram devidos a qualquer título. 8. O arguido sabia que ao introduzir o cartão bancário de DD na caixa multibanco, e ao digitar o respetivo código, tinha acesso à conta bancária de DD, como se se tratasse da própria, e, quis e conseguiu efetuar o levantamento das quantias descritas por esse meio, sem [que] para isso se encontrasse autorizado. 9. Ao fazer tais levantamentos o arguido quis e conseguiu obter para si um aumento patrimonial a que sabia não ter direito, bem sabendo também que dessa forma causaria, necessária e correspondentemente, um empobrecimento de igual montante a DD, como efetivamente aconteceu. 10. O arguido não é titular de carta de condução mas quis conduzir e conduziu o veículo automóvel supra referido na via pública, como acima descrito, apesar de bem saber que tal comportamento não lhe era permitido por a condução de veículos automóveis na via pública apenas se encontrar legalmente autorizada a quem se encontrar habilitado com carta de condução para o efeito. NUIPC 643/18.6PTLSB 11. No dia … de Maio de 2018, por volta das 23h00, com as credenciais de utilizador do seu pai, o arguido acedeu ao serviço de "carsharing" da empresa "Drive Now" e, através dele, alugou o veículo de marca BMW, com a matrícula 00-TH-00, que conduziu, depois, desde a Av. … até à Rua …, em …, local onde o estacionou por volta das 00h30 do dia … de Maio de 2018. 12. Nesse dia, por volta da 0 1h05, na Rua …, em …, o arguido abordou a ofendida BB, que se preparava para entrar no prédio que corresponde ao n° 0 daquela rua, com o propósito previamente formulado de se apropriar do cartão bancário daquela e respetivo código pessoal, para por meio deles, proceder ao levantamento de todas as quantias monetárias que conseguisse a partir da conta de BB. 13. Para tanto, o arguido aproximou-se de BB, exibiu-lhe uma faca de características não concretamente apuradas, apontando-a na sua direção, e, exigiu-lhe o cartão bancário e o respetivo código PIN. 14. Temendo pela sua vida e integridade física, BB estendeu-lhe a mala que usava naquela ocasião mas o arguido não a aceitou e gritou-lhe que queria o cartão de crédito e o código PIN. 15. Então, sempre com receio pela sua vida e integridade física, BB retirou da sua mala o cartão de crédito Visa Credit/Unibanco Clássico com o número 0…07, emitido em nome de BB, e entregou-o ao arguido dizendo-lhe também o respetivo código PIN. 16. Na posse do referido cartão o arguido começou a afastar-se, mas depois de andar alguns passos, voltou para junto de BB e exigiu-lhe novamente o código do cartão, ao que BB acedeu, sempre atemorizada. 17. Depois de ver confirmado o código do cartão, o arguido disse a BB "vê lá o que é que fazes que eu sei onde moras" e, de imediato, abandonou o local, dirigindo-se para a Rua …, em …, local onde veio a efetuar um levantamento a crédito da quantia de €150,00 (cento e cinquenta euros), por meio da utilização do cartão subtraído e do respetivo código, que inseriu no terminal Multibanco do Deutsche Bank ali existente. 18. Dali o arguido deslocou-se para a Rua … onde ainda tentou efetuar outro levantamento com o cartão de crédito de BB, no terminal multibanco do Banco Santander Totta ali existente, o que só não conseguiu por BB ter entretanto procedido ao cancelamento desse cartão, que, em consequência, ficou retido nessa máquina. 19. Mais tarde, por volta da 01 h51, o arguido voltou a conduzir o veículo automóvel supra mencionado desde o local onde o deixara estacionado Rua … até à Rua da …, em … . 20. Ao agir do modo descrito, o arguido quis e conseguiu intimidar BB mediante a utilização de uma faca, fazendo-a temer pela sua vida e integridade física, e deixando-a na impossibilidade de resistir à sua atuação, para, desse modo, fazer seus, como fez, os bens e valores supra descritos, apesar de bem saber que os mesmos não lhe pertenciam nem eram devidos a qualquer título. 21. O arguido sabia que ao introduzir o cartão bancário de BB na caixa multibanco, e ao digitar o respetivo código, tinha acesso ao seu plafond, como se se tratasse da própria, e, quis e conseguiu efetuar o levantamento da quantia descrita por esse meio, sem [que] para isso se encontrasse autorizado. 22. Ao fazer tal levantamento o arguido quis e conseguiu obter para si um aumento patrimonial a que sabia não ter direito, bem sabendo também que dessa forma causaria, necessária e correspondentemente, um empobrecimento de igual montante a BB, como efetivamente aconteceu. 23. O arguido não é titular de carta de condução mas quis conduzir e conduziu o veículo automóvel supra referido na via pública, como acima descrito, apesar de bem saber que tal comportamento não lhe era permitido por a condução de veículos automóveis na via pública apenas se encontrar legalmente autorizada a quem se encontrar habilitado com carta de condução para o efeito. NUIPC 714/18… 24. No dia … de Junho de 2018, por volta das 23h15, com as credenciais de utilizador do seu pai, o arguido acedeu ao serviço de "carsharing" da empresa "Drive Now" e, através dele, alugou o veículo de marca BMW, com a matrícula 00-TH-00 que conduziu, depois, desde a Travessa … até Rua …, em …, local onde o estacionou por volta das 23h38. 25. No dia … de Junho de 2018, por volta das 03h05, no interior da garagem do prédio sito na Rua …, n.º 0, em …, o arguido abordou CC, que ali acabara de estacionar o seu veículo automóvel, com o propósito previamente formulado de se apropriar do telemóvel e do cartão bancário daquela, bem como do respetivo código pessoal, para por meio deles, proceder ao levantamento de todas as quantias monetárias que conseguisse, a partir da conta bancária de CC. 26. Para tanto, o arguido aproximou-se de CC e, ao mesmo tempo que lhe exibiu uma faca de características não concretamente apuradas, ordenou-lhe que lhe entregasse o seu telemóvel e o seu cartão bancário com o respetivo código PIN. 27. Temendo pela sua vida e integridade física, CC entregou ao arguido o seu telemóvel de marca "Huawei" P8 lite. com o IMEI 00…07, com o valor declarado de €180,00 (cento e oitenta euros) e o seu cartão de débito Visa Electron do Banco BPI com o n.º 0…01, associado à sua conta bancária daquele banco com o n.º 0-0…01. 28. Na posse de tais bens o arguido abandonou o local e dirigiu-se para a Rua … n° …, em …, local onde veio a efetuar os três levantamentos consecutivos que de seguida se indicam da conta de CC, por meio da utilização do cartão subtraído e do respetivo código, que inseriu no terminal Multibanco do Banco Eurobic ali existente: a) um levantamento registado sob a referência ATM ELEC 0…/70, no valor de € 150,00 (cento e cinquenta euros); b) um levantamento registado sob a referência ATM ELEC 0…/71, no valor de € 150,00 (cento e cinquenta euros); c) um levantamento registado sob a referência ATM ELEC 0…/71, no valor de € 100,00 (cem euros); d) todos, no total de €400,00 (quatrocentos euros). 29. Deste modo o arguido conseguiu retirar da conta bancária de CC a quantia total de €400,00 (quatrocentos euros), que fez sua. 30. De seguida, o arguido voltou para o veículo automóvel supra mencionado que permanecia no local onde o deixara estacionado Rua … e conduziu-o até à Travessa …, em …, perpendicular à rua em que reside. 31. Ainda nessa madrugada, por volta das 03h44, no posto de abastecimento de combustível da GALP, sito na Av. …, em …, o arguido adquiriu um maço de tabaco tendo entregado para pagamento o cartão bancário de CC que, todavia, já fora, entretanto, cancelado. 32. Ao agir do modo descrito, o arguido quis e conseguiu intimidar CC mediante a utilização de uma faca, fazendo-a temer pela sua vida e integridade física, e deixando-a na impossibilidade de resistir à sua atuação, para, desse modo, fazer seus, como fez, os bens e valores supra descritos, apesar de bem saber que os mesmos não lhe pertenciam nem eram devidos a qualquer título. 33. O arguido sabia que ao introduzir o cartão bancário de CC na caixa multibanco, e ao digitar o respetivo código, tinha acesso à conta bancária de CC, como se se tratasse da própria, e, quis e conseguiu efetuar o levantamento das quantias descritas por esse meio, sem [que] para isso se encontrasse autorizado. 34. Ao fazer tais levantamentos o arguido quis e conseguiu obter para si um aumento patrimonial a que sabia não ter direito, bem sabendo também que dessa forma causaria, necessária e correspondentemente, um empobrecimento de igual montante a CC, como efetivamente aconteceu. 35. O arguido não é titular de carta de condução mas quis conduzir e conduziu o veículo automóvel supra referido na via pública, como acima descrito, apesar de bem saber que tal comportamento não lhe era permitido por a condução de veículos automóveis na via pública apenas se encontrar legalmente autorizada a quem se encontrar habilitado com carta de condução para o efeito. NUIPC 726/18… 36. No dia … de Junho de 2018, por volta das 23h 15, com as credenciais de utilizador do seu pai, o arguido acedeu ao serviço de "carsharing" da empresa "Drive Now" e, através dele, alugou o veículo de marca BMW, com a matrícula 00-TH-00 que, depois, conduziu desde a Rua … até Rua …, em …, local onde o estacionou por volta das 01h56 do dia … de Junho de 2018, por o serviço ter sido interrompido por problemas de pagamento relacionados com o cartão de crédito utilizado para o efeito, 37. Nesse dia, por volta das 02h40, no interior da garagem do prédio sito na Rua …, n.º 00 .., em …, o arguido abordou a ofendida EE, que ali acabara de estacionar o seu veículo automóvel, com o propósito previamente formulado de se apropriar do telemóvel e do cartão bancário daquela, bem como do respetivo código pessoal, para por meio deles, proceder ao levantamento de todas as quantias monetárias que conseguisse, a partir da conta bancária de EE. 38. Para tanto, o arguido aproximou-se de EE e, ao mesmo tempo que lhe exibiu uma faca de características não concretamente apuradas, ordenou-lhe que lhe entregasse o seu telemóvel e o seu cartão bancário com o respetivo código PIN. 39. Temendo pela sua vida e integridade física, a EE entregou ao arguido o seu telemóvel de marca e modelo Apple Iphone SE, com o IMEI 0…06 e o valor declarado de €400,00 (quatrocentos euros) e o cartão "porta moedas-virtual" Pocket NB, emitido pelo Novo Banco, recarregável e não associado a conta bancária, que naquele momento possuía €35,82 (trinta e cinco euros e oitenta e dois cêntimos) de plafond, bem como o respetivo código. 40. Na posse de tais bens o arguido abandonou o local e dirigiu-se para a Rua … n.º …, em …, local onde veio a efetuar um levantamento no valor de €20,00 (vinte euros), por meio da utilização do cartão subtraído e do respetivo código, que inseriu no terminal Multibanco da Caixa Geral de Depósitos ali existente. 41. Ao agir do modo descrito, o arguido quis e conseguiu intimidar EE mediante a utilização de uma faca, fazendo-a temer pela sua vida e integridade física, e deixando-a na impossibilidade de resistir à sua atuação, para, desse modo, fazer seus, como fez, os bens e valores supra descritos, apesar de bem saber que os mesmos não lhe pertenciam nem eram devidos a qualquer título. 42. O arguido sabia que ao introduzir o cartão bancário de EE na caixa multibanco, e ao digitar o respetivo código, tinha acesso ao seu plafond, como se se tratasse da própria, e, quis e conseguiu efetuar o levantamento da quantia descrita por esse meio, sem [que] para isso se encontrasse autorizado. 43. Ao fazer tal levantamento o arguido quis e conseguiu obter para si um aumento patrimonial a que sabia não ter direito, bem sabendo também que dessa forma causaria, necessária e correspondentemente, um empobrecimento de igual montante a EE, como efetivamente aconteceu. 44. O arguido não é titular de carta de condução mas quis conduzir e conduziu o veículo automóvel supra referido na via pública, como acima descrito, apesar de bem saber que tal comportamento não lhe era permitido por a condução de veículos automóveis na via pública apenas se encontrar legalmente autorizada a quem se encontrar habilitado com carta de condução para o efeito. NUIPC 672/18… 45. No dia … de Junho de 2018, por volta das 18h00, no parque de estacionamento do Centro Comercial …, em …, o arguido abordou FF quando a mesma acabara de entrar para o interior do seu veículo automóvel que ali deixara estacionado, com o propósito previamente formulado de se apropriar do cartão bancário daquela e respetivo código pessoal, para por meio deles, proceder ao levantamento de todas as quantias monetárias que conseguisse a partir da conta de FF. 46. Para tanto, aproximou-se do veículo automóvel de FF, abriu a porta dianteira do lado direito e entrou no seu interior, sentando-se no lugar do passageiro ao lado do condutor. 47. Ao mesmo tempo, exibiu a FF, que já se encontrava sentada no lugar do condutor, uma faca de características não concretamente apuradas e ordenou-lhe que lhe entregasse o cartão bancário e o respetivo código. 48. Temendo pela sua vida e integridade física, FF entregou ao arguido o seu cartão de débito Visa Electron, do Banco BPI, com o n° 0…05, emitido em nome de FF, associado à sua conta bancária daquele banco com o n° 0 …01 e disse-lhe o respetivo código PIN. 49. Na posse do referido cartão, o arguido disse a FF que "se esta lhe tivesse fornecido o código errado, tinha um carro ali parado, que a seguiria" e ordenou-lhe que permanecesse no interior do veículo. 50. Depois, saiu do veículo automóvel de FF, levando consigo o referido cartão e dirigiu-se para a Rua …, local onde veio a efetuar os três levantamentos consecutivos que de seguida se indicam da conta de FF, por meio da utilização do cartão subtraído e do respetivo código, que inseriu num terminal Multibanco ali existente: a) um levantamento registado sob a referência 12/06 Lev. ATM ELEC 0…/54, no valor de €150,00 (cento e cinquenta euros); b) um levantamento registado sob a referência 12/06 Lev. ATM ELEC 0…/55, no valor de €150,00 (cento e cinquenta euros); c) um levantamento registado sob a referência 12/06 Lev. ATM ELEC 0…/56, no valor de €100,00 (cem euros). 51. Deste modo o arguido conseguiu retirar da conta bancária de FF a quantia total de €400,00 (quatrocentos euros), que fez sua. 52. Ao agir do modo descrito, o arguido quis e conseguiu intimidar FF mediante a utilização de uma faca, fazendo-a temer pela sua vida e integridade física, e deixando-a na impossibilidade de resistir à sua atuação, para, desse modo, fazer seus, como fez, os bens e valores supra descritos, apesar de bem saber que os mesmos não lhe pertenciam nem eram devidos a qualquer título. 53. O arguido sabia que ao introduzir o cartão bancário de FF na caixa multibanco, e ao digitar o respetivo código, tinha acesso à conta bancária daquela, como se se tratasse da própria, e, quis e conseguiu efetuar o levantamento das quantias descritas por esse meio, sem [que] para isso se encontrasse autorizado. 54. Ao fazer tais levantamentos o arguido quis e conseguiu obter para si um aumento patrimonial a que sabia não ter direito, bem sabendo também que dessa forma causaria, necessária e correspondentemente, um empobrecimento de igual montante a FF, como efetivamente aconteceu. NUIPC 627/18… 55. No dia … de Junho de 2018, por volta das 21h20, no parque de estacionamento do Centro Comercial …, em Lisboa, o arguido abordou GG quando o mesmo acabara de entrar para o interior do seu veículo automóvel que ali deixara estacionado, com o propósito previamente formulado de se apropriar do cartão bancário daquele e do respetivo código, para, por meio deles, proceder ao levantamento de todas as quantias monetárias que conseguisse obter da conta de GG. 56. Para tanto, aproximou-se do veículo automóvel de GG, abriu a porta dianteira do lado direito e entrou no seu interior, sentando-se no lugar do passageiro ao lado do condutor, dizendo de imediato para GG: "Multibanco e código". 57. Como GG recusou entregar-lhe o seu cartão bancário e o respetivo código, o arguido exibiu-lhe uma faca de características não concretamente apuradas e disse-lhe: "Estás a ver isto? Estás a ver isto?". 58. Como GG continuou a recusar entregar-lhe o cartão bancário e o código, o arguido agarrou-o pelo pescoço, no movimento conhecido por "gravata", a fim de o conseguir imobilizar e de o impedir de lhe oferecer resistência. 59. Enquanto o fazia, GG debateu-se e conseguiu abrir a porta do veículo e gritar por socorro, numa tentativa de obter auxílio por parte de alguém que por ali passasse. 60. Como consequência desse comportamento de GG, o arguido fugiu do local antes que tivesse conseguido alcançar os seus intentos. 61. Ao agir do modo descrito, o arguido molestou física e psicologicamente GG com o propósito de se apropriar do seu cartão bancário e respetivo código, o que só não conseguiu porque GG lhe opôs resistência e gritou por socorro, levando-o a abandonar o local antes que pudesse lograr os seus intentos. NUIPC 749/18… 62. No dia … de Junho de 2018, por volta das 06h40, na Rua …, em …, o arguido abordou a ofendida HH, que acabara de estacionar o seu veículo automóvel, com o propósito previamente formulado de se apropriar do cartão bancário daquela e do respetivo código, para, por meio deles, proceder ao levantamento de todas as quantias monetárias que conseguisse obter a partir da conta de HH. 63. Para tanto, o arguido aproximou-se do veículo automóvel de HH, abriu a porta dianteira do lado direito e entrou no seu interior, sentando-se no lugar do passageiro ao lado do condutor. 64. De imediato, exibiu a HH uma faca de características não concretamente apuradas, com uma lâmina fina e comprida, e, disse-lhe "para estar quieta e que se o fizesse nada lhe aconteceria", exigindo-lhe, em seguida, o telemóvel, o cartão de crédito e o respetivo código PIN. 65. Temendo pela sua vida e integridade física, HH entregou-lhe o seu telemóvel de marca Vodafone Smart, com o IMEI 0…09, com o valor declarado de €121,00 (cento e vinte e um euros) e o seu cartão de crédito do Novo Banco, com o número 0….07, emitido em nome de Dra HH, associado à sua conta bancária daquele banco com o número 0….04, bem como o respetivo código PIN. 66. Na posse dos referidos bens, o arguido ordenou a HH que permanecesse no interior do veículo automóvel por cinco minutos, caso contrário "o seu amigo que supostamente estaria no exterior viria ter com ela". 67. De seguida, o arguido abandonou o local levando aqueles bens consigo e dirigiu-se para a na Rua …, em …, local onde veio a efetuar os três levantamentos consecutivos que de seguida se indicam da conta de HH, por meio da utilização do cartão subtraído e do respetivo código, que inseriu no terminal Multibanco do Banco Santander Totta ali existente: a) um levantamento no valor de €150,00 (cento e cinquenta euros); b) um levantamento no valor de €150,00 (cento e cinquenta euros); c) um levantamento no valor de €100,00 (cem euros). 68. Deste modo o arguido conseguiu retirar da conta bancária de HH a quantia total de €400,00 (quatrocentos euros), que fez sua. 69. Ao agir do modo descrito, o arguido quis e conseguiu intimidar HH mediante a utilização de uma faca, fazendo-a temer pela sua vida e integridade física, e deixando-a na impossibilidade de resistir à sua atuação, para, desse modo, fazer seus, como fez, os bens e valores supra descritos, apesar de bem saber que os mesmos não lhe pertenciam nem eram devidos a qualquer título. 70. O arguido sabia que ao introduzir o cartão bancário de HH na caixa multibanco, e ao digitar o respetivo código, tinha acesso à conta bancária de HH, como se se tratasse da própria e quis, e, conseguiu efetuar o levantamento das quantias descritas por esse meio, sem [que] para isso se encontrasse autorizado. 71. Ao fazer tais levantamentos o arguido quis e conseguiu obter para si um aumento patrimonial a que sabia não ter direito, bem sabendo também que dessa forma causaria, necessária e correspondentemente, um empobrecimento de igual montante a HH, como efetivamente aconteceu. 72. O arguido agiu em todos os momentos de modo deliberado e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 73. O arguido padecia, na data da prática dos factos acima enunciados, de uma “Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção”, tendo capacidade para avaliar a ilicitude daqueles factos, mas não a capacidade plena para se determinar de acordo com essa avaliação em virtude da referida “anomalia psíquica”, não se encontrando, assim, na plena posse das suas faculdades mentais em ordem a ser influenciado pelas penas aplicáveis. Do pedido de indemnização civil de BB 74. Em consequência da conduta do arguido BB deixou de se ausentar da sua residência, só o fazendo para se deslocar para o seu local de trabalho. 75. BB recorrentemente solicita o auxílio de pessoas amigas a fim de a acompanharem quer da sua residência para o local de trabalho, como, ao final do dia, na deslocação do local de trabalho para a sua residência porque receia que o sucedido se volte a repetir, o que a deixa em pânico. 76. O pânico que a ofendida sente, sempre que tem de se ausentar da sua residência, impede-a de fazer a sua vida com normalidade. 77. As palavras proferidas pelo arguido, afirmando saber onde a demandante vive, criaram nesta o receio que algum mal possa ocorreu com o seu filho, menor de idade, consigo convivente. 78. Desde o dia … de Maio de 2018 que a ofendida ficou muito afetada psicologicamente, 79. Em consequência da conduta do arguido BB sofreu uma depressão nervosa, revelando frequentemente sentimentos de tristeza e angústia, dificuldade em dormir e ansiedade generalizada. 80. A demandante despendeu a quantia de €15,60 (quinze euros e sessenta cêntimos), a título de encargos com a emissão de novo cartão e respetivo imposto de selo. Do pedido de indemnização civil de CC 81. CC aufere mensalmente, por força do seu trabalho, a quantia de €867,35 (oitocentos e sessenta e sete euros e trinta e cinco cêntimos). 82. O telemóvel que lhe foi subtraído pelo arguido foi recuperado e entregue à demandante, encontrando-se inutilizado. 83. A reparação do telemóvel que lhe foi subtraído pelo arguido importa em €252,02 (duzentos e cinquenta e dois euros e dois cêntimos). 84. A atuação do arguido causou na demandante medo e sensação de pânico. 85. A demandante, durante bastante tempo, não conseguia estacionar o seu veículo automóvel na garagem do prédio onde reside, entrando no prédio sempre com medo de entrar e sair de casa. Das condições pessoais do arguido 86. AA integra o agregado de origem, composto pelos pais e 3 irmãs, à semelhança do que se verificava à data dos factos do presente processo, onde beneficia de um enquadramento normativo em que os pais denotam preocupação na transmissão de normas e valores socialmente ajustados. 87. A dinâmica familiar apresenta-se funcional e harmoniosa, baseada em sentimentos de afetividade e pertença, ainda que os comportamentos do arguido, que estiveram na origem do presente processo e de outros passados, motivem algumas divergências, em especial com as irmãs. 88. A habitação onde residem apresenta boas condições de habitabilidade, encontrando-se integrada numa zona antiga e tranquila da cidade de … . 89. A nível económico, e tal como se verificava à data dos factos, AA encontra-se dependente do apoio dos pais, que assumem a sua subsistência, não sendo percetível a existência de fragilidades financeiras. 90. AA frequentou o 10.º ano de escolaridade sem que o tenha conseguido concluir. 91. O seu percurso escolar pautou-se pelo comportamento irrequieto e acentuadas dificuldades de concentração, ainda que tivesse um aproveitamento mediano. 92. A primeira reprovação surgiu no 7.º ano de escolaridade decorrente do acentuar das dificuldades de concentração existentes, de um processo de estigmatização e consequente desinteresse. 93. A segunda reprovação aconteceu por absentismo escolar. 94. Posteriormente, tentou prosseguir os estudos, através da via profissional, na Escola …, vindo a desistir cerca de três meses depois. 95. Por volta dos 17 anos, com o objetivo de assumir o pagamento das multas a que foi condenado, trabalhou no ramo …, tendo desenvolvido atividade laboral em duas agências, tendo na última celebrado em Junho de 2018 um contrato de trabalho com a duração de seis meses que veio a interromper na sequência da aplicação da OPHVE em curso. 96. Decorrente da hiperatividade, das dificuldades de concentração e de aprendizagem verificadas aquando do ensino básico, bem como derivado dos problemas de …. (até aos 5 anos) e … (até aos 16 anos), iniciou por volta dos seis anos um processo de avaliação e acompanhamento psicológico, tendo-lhe sido diagnosticado hiperatividade com deficit de atenção. 97. Em simultâneo, foi acompanhado em neuropediatria e observado, nos últimos tempos, em psiquiatria. 98. Há cerca de 3 anos os progenitores deixaram de conseguir conter os comportamentos desviantes do arguido, iniciados por volta dos 15/16 anos. 99. O arguido encontra-se, desde … de Dezembro de 2018 sujeito a OPHVE, tendo revelado, até ao momento, capacidade para suportar o confinamento habitacional, mantendo um comportamento consentâneo com as normas a que se encontra sujeito. 100. No decurso da OPHVE iniciou acompanhamento psicológico semanal e, ao contrário dos outros que manteve apenas formalmente, AA evidencia adesão ao acompanhamento, mostrando, atualmente, alguma consciência das suas fragilidades ao nível da impulsividade, do autocontrolo e da necessidade de trabalhar estas questões em contexto terapêutico. 101. Ainda que revele alguma interiorização de valores, AA apresenta-se como um jovem imaturo, com fraco pensamento consequencial e acentuadas dificuldades ao nível da impulsividade e na capacidade de autocontrolo. 102. Evidencia facilidade ao nível da comunicação e do relacionamento interpessoal, ainda que assuma uma postura pautada por alguma manipulação e sedução. 103. No seu discurso sobressai a necessidade de adrenalina e prazer imediato, que retira das práticas ilícitas ligadas à condução em que se envolve. 104. Relativamente, à matéria dos autos, evidencia sentimentos de vergonha denotando alguma descentração. 105. AA perspetiva habilitar-se com a carta de condução (processo já iniciado), conforme injunção judicialmente imposta, e retomar os estudos numa vertente técnico profissional e de acordo com os seus interesses, de forma a habilitar-se com o 12º ano de escolaridade. 106. Os progenitores de AA, não obstante o desgaste provocado pelos sucessivos contactos com o sistema da administração da justiça, manifestam disponibilidade para o continuarem a apoiar. 107. O arguido já foi condenado: a. Por sentença transitada em julgado em 12.12.2016, pela prática a … .10.2016, de um crime de condução sem habilitação legal (previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/99, de 3.01) e de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário (previsto e punido pelo artigo 291.º, n.º 1, al. b) do Código Penal), na pena única de cento e oitenta dias de multa, à taxa diária de cinco euros, no total de novecentos euros, já declarada extinta (processo n.º 886/16… do J.. do Juízo Local de Pequena Criminalidade de …, do TJC de …); b. Por sentença transitada em julgado em 1.06.2017, pela prática a … .04.2017, de um crime de condução sem habilitação legal (previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/99, de 3.01), na pena de duzentos e trinta dias de multa, à taxa diária de seis euros e cinquenta cêntimos, no total de mil e quatrocentos e noventa e cinco euros (processo n.º 420/17… do J.. do Juízo Local Criminal de …, do TJC de …); c. Por sentença transitada em julgado em 30.06.2017, pela prática a … .04.2017, de um crime de condução sem habilitação legal (previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/99, de 3.01), na pena de sete meses de prisão suspensa na sua execução por um ano, e de um crime de resistência e coação sobre funcionário (previsto e punido pelo artigo 347.º do Código Penal), na pena de cento e oitenta dias de multa, à taxa diária de cinco euros, no total de novecentos euros (processo n.º 267/17… do J.. do Juízo Local de Pequena Criminalidade de …,. do TJC de …); 2. d. Por sentença transitada em julgado em 5.12.2018, pela prática a … .08.2018, de um crime de condução sem habilitação legal (previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/99, de 3.01), na pena doze meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, condicionando-se esta suspensão à obrigação do arguido frequentar aulas teóricas e submeter-se ao exame teórico e posteriormente frequentar aulas práticas e submeter-se a exame prático (processo n.º 881/18… do J.. do Juízo Local de Pequena Criminalidade de …, do TJC de …). Não se provou qualquer outro facto com relevância para a decisão da causa e, designadamente, que: > O arguido disse a FF que lhe faria mal. > O arguido agiu em todos os momentos de modo completamente livre. 2. o direito: a) qualificação jurídica dos crimes de roubo: Ainda que não suscitada pelo recorrente de modo explícito, todavia, por decorrer implicitamente da pretendida unidade das duas infrações e em face da afirmação – que se vai seguir - do concurso efetivo entre os crimes de roubo e os crimes de burla informática, quando cometidos através do modus operandi documentado na factualidade provada, impõe-se ajuizar e decidir da admissibilidade da agravação dos crimes de roubo nas três situações em que subtraiu às ofendidas apenas um cartão de débito (a duas) e um cartão de crédito (a uma), porquanto, nos factos assentes, não lhe foi atribuído qualquer valor venal. E também assim e pelas mesmas razões o roubo tentado uma vez que o arguido tentou subtrair ao ofendido o cartão multibanco, igualmente não valorado, com o respetivo código. Já nada entorpece a agravação dos roubos nas restantes três situações em que o arguido, ademais: - do cartão de débito e do telemóvel valorado em €180,00, que subtraiu, coativamente, à ofendida CC e de que também ilegitimamente assim se apropriou; - do cartão porta moedas virtual e do iphone valorado em €400,00 que, subtraiu, coativamente, à ofendida EE e de que também ilegitimamente se apropriou; e - do cartão de crédito e do telemóvel valorado em €121,00 que subtraiu, coativamente, à ofendida HH e de que também ilegitimamente se apropriou. Estão, pois, estes três crimes de roubo, fundada e corretamente agravados porque em qualquer dos casos o valor das coisas móveis efetivamente subtraídas a cada uma das respetivas lesada, é superior a uma unidade de conta e, por isso, não sendo de valor diminuto – art.º 202º al.ª c) -, não desencadeia o funcionamento da desqualificativa prevista no art.º 204º n.º 4 do Cód. Penal. Não assim nos restantes crimes de roubo consumado e o crime de roubo tentado em que o arguido subtraiu a cada uma das ofendidas o cartão de crédito e o cartão de débito, aos quais não foi atribuído qualquer valor de mercado, nem sequer o valor do custo e/ou de anuidade, com exceção do cartão de crédito subtraído à ofendida BB que, nos factos provados atinentes à matéria do pedido civil de indemnização, tem o valor de custo fixado em €15,60, mas que por ser um valor diminuto não obsta ao desagravamento do correspondente crime de roubo. Em cada uma destas situações o roubo consumou-se com a subtração, coativa é certo, e corresponde apropriação daqueles cartões, que não tendo sido valorados nos factos provados, não podiam considerar-se para efeitos de incriminação senão como sendo de valor diminuto. Outro tanto valendo, ipsis literis, para o crime de roubo na forma tentada. Bem se compreenderá que o montante do enriquecimento ilegítimo do arguido obtido com a burla informática e o consequente prejuízo patrimonial assim causado a cada uma das ofendidas a quem mais não «roubou» que o cartão de crédito ou de débito, não pode valorar-se para afirmar a incriminação pela burla informática e, simultaneamente, servir para obstar ao desagravamento do crime de roubo, que foi agravado por ter sido cometido exibindo o agente uma faca (arma branca). Sendo assim, como se entende, impunha-se, impõe-se desagravar os correspondentes crimes de roubo consumados e o crime de roubo tentado, por força das disposições conjugadas do art.º 210º n.º 2 al.ª b) parte final e 204º n.º 4 do Cód. Penal. Deste modo, o arguido resultará afinal condenado pela prática em coautoria material de: - três crimes de roubo agravado (ofendidas CC, EE e HH) pelos quais vem condenado; - três crimes de roubo (ofendidas DD, BB e FF) p. e p. pelo art.º 210º n.º 1 do Cód. Penal; - um crime de roubo tentado (ofendido GG) p. e p. pelos art.s 210º n.º 1 e 22°, 23°, 73° n.º 1, als. a) e b do Cod. Penal. No demais, com a ressalva das implicações que este desagravamento dos crimes –favorável ao recorrente -, projeta na dosimetria das penas, a decisão recorrida não merece reparo, como se passa a demonstrar, fundamentando. b) concurso do roubo e da burla informática: i. a pretensão do recorrente: O recorrente alega que os crimes de roubo e a subsequente burla informática materializam “uma resolução criminal única, de ação contínua”. Argumenta que o crime de roubo consome a subsequente burla informática. Rematando que, interpretação diversa viola o disposto no art.º 30º n.º 1 do Cód. Penal, o princípio ne bis in idem, e art.º 29º n.º 5 da Constituição da República. Reclama a absolvição pelos crimes de burla informática. ii. a motivação na decisão recorrida: No acórdão recorrido, sem ter abordado a questão do concurso - efetivo ou apenas ideal - entre os crimes em referência, motiva-se a qualificação jurídica dos factos provados, subsumindo-os, concorrentemente, à previsão do crime roubo agravado e à previsão do crime de burla informática, expendendo: ª quanto ao crime de roubo: “O roubo é um crime complexo, tutelando com a respetiva incriminação bens jurídicos patrimoniais (o direito de propriedade) e bens jurídicos pessoais (a liberdade individual de decisão e ação, a integridade física e até a vida)”. “(…) pluriofensivo de bens patrimoniais e, essencialmente, bens pessoais (…)” “(…) incriminação do roubo combina no mesmo tipo penal a vertente de apropriação, como génese, e vertente referente ao meio de efetivação daquela apropriação, pressupondo, como requisito essencial (…), que sejam violentos ou constrangedores os meios que realizam o desiderato criminoso (a apropriação coisa móvel alheia)”. (…) (…) a conduta do arguido, em cada uma destas situações, integra todos os elementos típicos objetivos do crime de roubo (…). b. quanto ao crime de burla informática: «No crime de burla informática, p. p. pelo artigo 221, do Código Penal, o bem jurídico protegido é não só o património - mais concretamente, a integridade patrimonial - como, ainda, a fiabilidade dos dados e a sua proteção» (…). No caso em apreço, apurou-se que o arguido, em seis situações e com intenção de obter para si (…) enriquecimento ilegítimo, causando a outra pessoa prejuízo patrimonial, interferiu no resultado de tratamento de dados bancários mediante utilização de dados sem autorização. Em concreto, apurou-se que o arguido utilizou cartões bancários que havia subtraído às suas legítimas titulares e os respetivos códigos a que acedeu constrangendo a vontade daquelas, tendo acesso ao respetivo plafond, como se se tratasse das titulares, conseguindo efetuar o levantamento das quantias acima indicadas por esse meio, sem [que] para isso se encontrasse autorizado (conseguindo obter para si um aumento patrimonial a que sabia não ter direito, bem sabendo também que dessa forma causaria, necessária e correspondentemente, um empobrecimento de igual montante às titulares dos cartões bancários que subtraiu)”. iii. jurisprudência do STJ: A Jurisprudência deste Supremo Tribunal não é uniforme sobre a questão do concurso entre o crime de roubo e o crime de burla informática. Decidiu-se pela consunção, designadamente, nos Ac. de 5/12/2007, de 29/05/2008, de 5/11/2008, de 10/09/2009. Para alcançar tal resultado, interpretam que a burla informática é uma burla,[1] exigindo, como é típico desta, que o agente engane o sistema informático. “Por isso, a burla informática, na construção típica e na correspondente execução vinculada, há-de consistir sempre em um comportamento que constitua um artifício, engano ou erro consciente, não por modo de afetação direta em relação a uma pessoa (como na burla – art. 217.º do CP), mas por intermediação da manipulação de um sistema de dados ou de tratamento informático, ou de equivalente utilização abusiva de dados”[2]. Se o agente não ludibria o sistema informático, como sucede quando a faz funcionar através do cartão de débito autorizado e respetivo código, ainda que obtidos através de violência ou ameaça séria contra o respetivo titular, perde “qualquer autonomia, ou estando mesmo tipicamente excluída, a integração do crime de burla informática”. Decidiu-se pelo concurso efetivo, designadamente nos Ac. de 10/01/2001, de 4/11/2004, de 6/10/2005. Assim se interpretou em face da diversidade dos bens jurídicos protegidos. No acórdão de 6/10/2005, justifica-se: “(…) os tipos legais podem proteger mais do que bem jurídico. O que acontece com o roubo que protege o património, mas também valores da pessoa e com burla informática que protege o património, os programas informáticos, o respetivo processamento informático e os dados, na sua fiabilidade e segurança. Só que na burla informática a protecção dos dados e processamento se restringe aos casos em que o agente tem a intenção de obter um enriquecimento ilegítimo e causa a outra pessoa prejuízo patrimonial. E a explicação adiantada para a criação deste tipo legal aponta no mesmo sentido. Como lembram Leal-Henriques e Simas Santos (C. Penal, II, pág. 927-8): «de acordo com Lopes Rocha, foram de vária ordem as motivações aduzidas no seio da Comissão Revisora para a criação deste novo tipo legal de crime, e que exemplificativamente enumera (A Revisão do Código Penal – Soluções de Neocriminalização, Jornadas de Direito Criminal do CE, 93): – Frequência com que se verificaram utilizações abusivas de caixas automáticas; – A existência de condutas que, em geral, envolvem riscos consideráveis para o comércio jurídico e para o tráfico ou sistema de provas; – A difícil detecção dessas condutas, que mereciam uma repulsa social cada vez mais forte; – A insuficiência dos tipos penais tradicionais (de enriquecimento patrimonial) para protecção do bem jurídico». Ora, estas motivações apontam claramente no sentido enunciado, de que se quis tutelar aquelas situações que extravasam do crime patrimonial e que os tipos tradicionais (de protecção patrimonial) não protegiam suficientemente”[3]. Arestos posteriores deste Supremo Tribunal incidiram sobre decisões que condenaram os em concurso real, confirmando-as sem qualquer objeção ou, quando corrigidas. sem que tenha sido com fundamento na afirmação de concurso legal ou concurso aparente – máxime: Ac. de 31/01/2008, de 4/11/2015, de 2/03/2016, de 21/06/2018, de 9/01/2019, de 20/02/2019. iv. concurso efetivo: Segundo Jescheck “o direito penal tem por missão proteger bens jurídicos. Em todas a normas jurídico-penais subjazem juízos de valor positivo sobre bens vitais que são indispensáveis para a convivência humana na comunidade e que consequentemente devem ser protegidos, pelo poder coativo do Estado através da pena pública. (...) Todos os preceitos penais podem reconduzir-se à proteção de um ou vários bens jurídicos. O desvalor do resultado radica na lesão ou o colocar em perigo de um objeto da ação (ou do ataque) que o preceito penal deseja assegurar, do titular do bem jurídico protegido”[4] A propriedade privada é um direito económico, universalmente reconhecido, desde logo assim sucede na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) que, no art.º 17º estabelece: “1. Toda a pessoa, individual ou coletivamente, tem direito à propriedade. 2. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade.[5]” A Convenção Europeia dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (CEDH), no Protocolo adicional 1, (Paris, 20.3.1952), no art.º 1º (“proteção da propriedade”) reconhece que “1. (…) Ninguém pode ser privado do que é sua propriedade a não ser por utilidade pública e nas condições previstas pela lei e pelos princípios gerais do direito internacional.” A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2016/C 202/02). No art.º 17.º (“Direito de propriedade”) consagra: “1. Todas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte. Ninguém pode ser privado da sua propriedade, exceto por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indemnização pela respetiva perda, em tempo útil. A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral. A Constituição da República Portuguesa garante o direito de propriedade privada como direito económico. No art.º 62º n.º 1 estabelece: “1. A todos é garantido o direito à propriedade privada (…)”. Uma das vertentes desta garantia da propriedade privada é “o direito a não ser privado dela. “Revestindo o direito de propriedade, em vários dos seus componentes, uma natureza negativa, de defesa, ele possui natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, compartilhando por isso do respetivo regime especifico (cfr, art. 17.º)[6]”. Luís Osório, há praticamente um século, citando Manzini salientava que “o direito penal tutela a propriedade como interesse público declarado inviolável pela Constituição e não já como um mero interesse ou direito subjetivo privado[7]”. Está, pois, o legislador habilitado - e obrigado -, a conferir proteção ao interesse jurídico-constitucional que é a propriedade sobre as coisas. Designadamente, incriminando e punindo a ilegítima apropriação de coisas alheias. Em muitas situações a subtração ilícita de coisas móveis alheias verifica-se sem que concorra atentado contra outros direitos fundamentais do proprietário ou de quem possuiu a coisa ou a detém em nome daquele. Nestes casos o bem jurídico violado é apenas a propriedade (ou a posse) sobre a coisa móvel. A incriminação limita-se a proteger o direito do dono da coisa a não ser privado dela, contra a sua vontade ou sem o seu consentimento. Em outras situações, a subtração é executada “às claras”, “cara a cara”, com ofensa direta de outros direitos pessoais do proprietário ou de terceiro. Nestes casos, à violação do direito de propriedade soma-se o atentado aos direitos pessoais atingidos. Por isso, a incriminação tem de refletir, também a proteção desses direitos pessoais. É o que sucede com a incriminação do roubo vertida no art.º 210º do Cód. Penal. Neste crime, a subtração da coisa móvel alheia ou o constrangimento a que a coisa seja entregue ao agente ou a terceiro, é feita exercendo violência (física ou psíquica) contra uma pessoa, ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física ou colocando a vítima na impossibilidade de resistir. Consequentemente, objeto da proteção são, conjuntamente, a propriedade, a segurança da pessoa, a saúde, a integridade física, a liberdade de determinação, e até a própria vida. Na expressão de Eduardo Correia no roubo, “mais que a fazenda, poe-se em perigo a vida e a segurança das pessoas”[8]. O roubo é um crime que ofende sempre e pelo menos dois direitos, o direito de propriedade, e algum daqueles direitos pessoais, que são direitos fundamentais reconhecidos nos instrumentos convencionais mencionados e na Constituição da República. Daí que seja um crime pluriofensivo de bens jurídico distintos, qualquer deles penalmente protegido por si só, que também se vem definindo, desde há muito, como “crime complexo” ou “crime composto” porque contém um crime contra direitos pessoais (a saúde, a integridade física, a liberdade) e um crime contra a propriedade de coisas móveis. O acervo patrimonial de uma pessoa (física ou jurídica), ademais da propriedade sobre coisas móveis (e imóveis) pode incluir outros interesses económicos e bens materiais ou jurídicos com expressão monetária. A ilegítima apropriação por outrem desses bens ou interesses patrimoniais pode causar prejuízo ao legitimo dono. Património das pessoas que o legislador entendeu dotar de amparo penal, contra as condutas de outrem que, ilegitimamente, lhe causem prejuízo (patrimonial). Entre os atentados contra o património de outra pessoa, incluiu-se, desde 1 de outubro de 1995 (DL n.º 48/95 de 15/03), a burla informática, incriminada no art.º 221º do Cód. Penal, que teve por fonte o «computerbetrung» (fraude de computador) do StGB alemão. Tipo de ilícito que, conjuntamente com o património, também confere proteção penal aos dados informáticos[9] contidos em bases ou sistemas informáticos[10], punindo-se a interferência no resultado do seu tratamento, ou mediante a estruturação incorreta de programa informático, a sua utilização incorreta ou incompleta, a utilização sem autorização ou a intervenção por qualquer outro modo não autorizado no respetivo processamento. Posteriormente, a Convenção sobre o Cibercrime (Budapeste, 23 de novembro de 2001), visando “impedir os actos praticados contra a confidencialidade, integridade e disponibilidade de sistemas informáticos, de redes e de dados informáticos, bem como a utilização fraudulenta desses sistemas, redes e dados, prevendo a criminalização desses comportamentos”, nas “infrações relacionadas com o computador”, incluiu, (ademais da falsificação informática), no art.º 8º a “burla informática” que ocorre “quando praticado intencional e ilicitamente, o prejuízo patrimonial causado a outra pessoa por meio de: a) Qualquer introdução, alteração, apagamento ou supressão de dados informáticos; b) Qualquer interferência no funcionamento de um sistema informático; com intenção de obter para si ou para outra pessoa um benefício económico ilegítimo[11]. A incriminação da burla informática, protege o património, sem dúvida. Mas também sustém a utilização não fraudulenta de sistemas informáticos, de redes e de dados informáticos. A burla informática é também um crime composto ou complexo que incorpora um crime contra o património e um crime de acesso ilícito a sistema informático. Não é, pois, um crime uniofensivo de bens juridicos, em que esteja exclusivamente em causa a proteção do património de outra pessoa. Assentes nesta interpretação, logo se conclui que os bens jurídicos protegidos com a incriminação do roubo – a propriedade de coisas móveis (e somente destas) e a integridade física, a liberdade pessoal -, não amparam bens jurídicos protegidos com a tipificação da burla informática – o património e o acesso ilegítimo a sistema informático. Em linguagem geométrica não estamos, do ponto de vista dos bens jurídicos, perante dois círculos que coincidem na sua área maior e mais valiosa. Não há, por isso uma relação de sobreposição entre uma e a outra incriminação. A pretendida – pelo recorrente - consunção da burla informática pelo roubo desamparava a utilização não autorizada de dados que o legislador entendeu merecedora de sanção penal. O que exclui que possa afirmar-se uma relação de consunção entre o roubo e a burla informática, por ser inquestionável que aquele não abarca no seu campo de proteção os bens jurídicos que a incriminação desta visa defender. Dito de outra maneira, não há entre os dois tipos de ilícito em apreço uma relação “de mais e de menos entre os bens jurídicos que dominam os preceitos”[12]. O fundamento da diminuição da culpa indispensável à unificação de uma pluralidade de crimes no crime continuado tem de radicar no circunstancialismo exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto. “Pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da atividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.”, desde que “se não trate de um agente com uma personalidade particularmente sensível a pressões exógenas.[13]” “A diminuição sensível da culpa só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. Isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele ativamente a provoca.[14]” O recorrente, citando Eduardo Correia, olvidou-se de dizer que “a eficácia da consunção não só não está dependente da circunstância de efetivamente concorrerem dois preceitos cujos bens jurídicos se encontram numa relação de mais para menos, mas ainda de que, no caso concreto, a proteção visada por um seja esgotada, consumida pelo outro”[15]. Especificando que “a exclusão por consunção (...) dos delitos de realização intencionada, há-de naturalmente resultar da punição de infrações cujo conteúdo criminal os absorva objetiva e subjetivamente”[16]. E mais adiante que: “simplesmente, nunca poderá o interprete limitar-se a verificar o âmbito da intenção que carateriza e domina o primeiro delito, para poder fixar as incriminações de atividades que, pela sua punição ficam consumidas: ao seu lado deve, na verdade, tomar-se em conta a violação efetiva e concreta de bens jurídicos que aquele delito abrange e aquela a que as atividades posteriores dão lugar”[17]. Aclarando ser “forçoso que o tipo legal de crime que se pretende excluir por consunção impura se realize concretamente na sua maior parte pela aplicação de outro preceito (lex consumens impura). Quando a coincidência dos bens jurídicos só se verifica em abstrato e não em concreto, fica precludida a possibilidade de exclusão”[18]. Excluída a unidade de lei, isto é, que no conteúdo do ilícito típico do roubo se possa incluir o conteúdo do ilícito típico da burla informática, “de tal modo que, em perspetiva jurídico-normativa, a condenação pelo crime de roubo exprime já de forma bastante o desvalor de toda a conduta, do comportamento global, traduza-se ele numa unidade ou pluralidade de ações[19], resta aplicar a regra consagrada no art.º 30º n.º 1 do Cód. Penal. Isto é, tantos crimes quantos os tipos de crime efetivamente cometidos. Adverte J. Figueiredo Dias, “que não pode aceitar-se (…) que a unidade de resolução seja sinal seguro da unidade de sentido de ilícito revelada pelo comportamento global. Bem pelo contrário, a unidade de resolução é, em absoluto compatível com a pluralidade de sentidos autónomos de ilícito dentro do comportamento global, mesmo que não exista descontinuidade temporal entre os diversos atos praticados. E isto é assim, trate-se de bens jurídicos lesados eminentemente pessoais (…) ou não (…)”[20]. Não são as ações naturalísticas que determinam a unidade ou pluralidade de crimes. A solução tem de assentar nos bens jurídicos tutelados. De outra perspetiva, entende J. Figueiredo Dias que “o que se tem de contar são sentidos da vida jurídico-penalmente relevantes que vivem no comportamento global”. (…) “é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica (…) que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta acepção, de crimes”[21]. À justificação que se adiantou para a neocriminalização da burla informática e a sua inserção sistemática - citando Ac. deste Supremo Tribunal -, sem perder de vista a respetiva fonte e que aí não se exige o engano do sistema informático, somam-se os sentidos da vida jurídico-penalmente relevantes que vivem nas condutas levadas a cabo pelo arguido e que nenhum deles pode imolar-se no altar da teorética. Na mais pura heurística, a interpretação que sustenta a consunção (necessariamente impura), só poderia desembocar na conclusão de que a conduta daquele que animado com o propósito exclusivo de efetuar levantamentos nas caixas multibanco ou ATM, subtrai, violenta ou coativamente, apenas o cartão de débito de outra pessoa, ao mesmo tempo que lhe exige e obtém desta o código que lhe permite efetuar operações bancarias, designadamente transferências e levantamentos de numerário em qualquer terminal de pagamentos ou num caixeiro automático, afinal nenhum crime cometeria quando, por qualquer razão independente da sua vontade, não lograsse, afinal, que o sistema informático efetuasse as pretendidas e frustradas operações lesivas do património da vítima. Ou, quando muito, o roubo não poderia ir além da tentativa, não obstante o cartão de debito ou de crédito, ou o porta-moedas virtual, ou outros meios de pagamento eletrónico terem sido subtraídos ao seu legítimo titular e ilegitimamente apropriados pelo agente. O roubo é um delito intencional – exige a intenção de apropriação de coisa móvel alheia – pelo que, bem vistas as coisas, teria que entender-se que o agente não agiu com intenção de apropriação do cartão, e se o agente não conseguiu usa-lo para o único fim que comandou a sua atuação, também pode não ter causado prejuízo patrimonial. Sem o correspondente código, o cartão multibanco ou de crédito ou qualquer outro que conjuntamente com aquele PIN está habilitado a acionar o funcionamento de sistemas informáticos, não seria mais que um pedaço de plástico sem qualquer valor de mercado. Ao invés, ademais do seu custo e anuidade, em si mesmo, conjuntamente com o respetivo código tem, para a pessoa a que foi atribuído, valor igual ao do débito que permite efetuar eletronicamente ou do crédito que incorpora e que, enquanto meio de pagamento, pode atingir centenas e milhares de euros. Conduziria a que num caso como o dos autos o agente de um crime de roubo resultaria condenado apenas pelo referido crime, enquanto seria condenado por dois crimes – furto e burla informática -, aquele que, cometendo um furto (de uma carteira, numa casa ou estabelecimento, num automóvel), conjuntamente com outras coisas moveis alheias, se apropria de cartão de débito ou de crédito e, por mera acaso, leva também alguns códigos PIN (que podem ser de cartões, mas também de telemóveis ou de outras chaves de acesso a aparelhos eletrónicos). Mais tarde, num caixeiro automático introduz o cartão furtado e experimenta alguns daqueles códigos, acabando por conseguir efetuar levantamentos de numerário de que se apropria em prejuízo de outra pessoa. No caso, pelas razões expostas, afastada a consunção, resulta que o arguido tem de responder por tantos ilícitos penais quantos os tipos de crime efetivamente preenchidos por cada uma das suas condutas documentadas nos factos provados (crimes de roubo, crimes de burla informática, crimes de condução sem habilitação legal). Sem influir na interpretação adotada – do concurso efetivo de crimes -, salienta-se a diversidade dos objetos apropriados pelo arguido nos roubos pelos quais foi condenado. Em dois (sequencialmente o 3º e o 7º), sob ameaça séria, subtraiu a cada uma das respetivas ofendidas, ademais dos cartões, também um telemóvel. E em outro (o 4º dos factos provados), pelo mesmo processo executivo, subtraiu à ofendida um iphone. Factos que infirmam ter o arguido agido com a intenção de tão-somente subtrair os cartões de acesso a levantamentos nos terminais multibanco/ATM. Improcede, pois, a argumentação do recorrente e a sua pretensão de consunção das burlas informáticas pelos crimes de roubo consumado. v. princípio ne bis in idem: Decorre do que vem de dizer-se que está afastada a invocada – pelo recorrente – violação do princípio processual penal ne bis in idem, de matriz constitucional –art.º 29º n.º 5 da Constituição da República. Segundo J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, este princípio tem dupla dimensão: a dimensão de direito subjetivo, que garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto; a dimensão de princípio objetivo, que obriga o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto. O Tribunal Constitucional, incidindo sobre a dimensão subjetiva do princípio tem afirmado que impede que o mesmo agente seja sancionado mais que uma vez pela mesma infração, aclarando: “Para aferir da violação do referido princípio, o Tribunal tem partido do princípio de que o apuramento de tal violação pressupõe que as normas em concurso sancionem – de modo duplo ou múltiplo – substancialmente a mesma infração. Para aferir da identidade substancial das infrações, o Tribunal Constitucional tem adotado o critério enunciado no Acórdão n.º 102/99 (publicado no Diário da República, II Série, de 1 de abril de 1999), seguido em posteriores arestos, consistente no seguinte: «Verdadeiramente, pois, o que importa é saber se se está perante a “prática do mesmo crime” ou perante um concurso efetivo de infrações, quer este concurso seja real, quer seja ideal (Sobre todos estes conceitos, cf. EDUARDO CORREIA, Unidade e Pluralidade de Infrações, Coimbra). É que, sendo o concurso de crimes efetivo, e não meramente aparente, a dupla penalização não viola o princípio constitucional do ne bis in idem.» Numa situação com algum paralelismo, o Tribunal Constitucional, no “Acórdão n.º 303/2005 (publicado no Diário da República, IIª Série, de 05-08-2005), apreciou a inconstitucionalidade da interpretação conjugada das normas dos artigos 30º n.º 1, 217º n.º 1, e 256º n.º 1 do Código Penal, no sentido em que permite a punição em concurso efetivo pelos crimes de burla e falsificação de documentos desde que esta tenha sido o artifício concretamente utilizado. Afirmou-se, então: “Não estando em causa a vertente processual do princípio, que poderia exigir outro critério ou indagações complementares para determinação do que é “o mesmo crime” (designadamente, com recurso aos institutos relativos ao objeto do processo), nada impede que o legislador configure o sistema sancionatório penal quanto ao concurso de infrações em matéria criminal segundo um critério de índole normativa e não naturalística, de modo que ao “mesmo pedaço da vida” corresponda a punição por tantos crimes quantos os tipos legais que preenche, desde que ordenados à proteção de distintos bens jurídicos, como é seguramente o caso dos que preveem a burla e a falsificação de documentos. Não ficando a proteção de lesão ou perigo de lesão de bens jurídicos merecedores de tutela penal esgotada ou consumida por um dos tipos que a conduta do agente preenche, não viola o princípio da necessidade das penas e, consequentemente, o ne bis in idem material, a punição em concurso efetivo (concurso ideal heterogéneo), mediante esse critério teleológico, do crime-meio e do crime-fim, porque cada uma das punições sanciona uma típica negação de valores pelo agente”[22]. A clarividência e firmeza da jurisprudência constitucional que vem de citar-se dispensa aditamentos. Transposta para o caso dos autos, imediatamente se conclui que na decisão recorrido não foi violado o arvorado princípio ne bis in idem. Não enferma, pois, a decisão recorrida, de interpretação normativa que afronte preceitos ou princípios consagrados na Constituição da República. c) continuação criminosa na burla informática: Não vem questionado nem aqui se coloca em equação a unificação, efetuada na decisão recorrida, dos três levantamentos de numerário sucessivamente efetuado pelo arguido em quatro dos 5 crimes de roubo pelos quais foi condenado. O recorrente pretende que se unifiquem, através da continuação criminosa, todos os levantamentos que efetuou com os seis cartões de crédito, de débito e o cartão porta-moedas. Vejamos como vem suscitada, como foi tratada, e a resposta jurídico penal que se impõe. i. a pretensão do recorrente: Apelando à patologia - perturbação da hiperatividade e défice de atenção -, de que é portador, atribuiu a um “falso sentimento de impunidade” a utilização dos “cartões de multibanco para fazer os levantamentos”. Considerando tratar-se de “uma situação exterior à sua vontade e que por sua vez diminuem e mitigam a sua culpa”, pretende – ainda que subsidiariamente -, que se unifiquem através da continuação criminosa os seis crimes de burla informática pelos quais está condenado. A decisão recorrida não trata desta questão, certamente por não ter sido suscitada na fase de julgamento (só o tendo sido agora na fase de recurso), pois que, de outro modo, enfermaria de nulidade por omissão de pronúncia. Num primeiro apontamento salienta-se que em três dos roubos consumados, o arguido, mediante ameaça séria, apropriou-se de outros tantos cartões de débito. Enquanto que em dois roubos, pelo mesmo processo, se apropriou de cartões de crédito, efetuando num dos casos (o 2º na sequência dos factos provados) levantamento a crédito. Em outro apropriou-se, pelo mesmo método, de um porta-moedas virtual, com o qual levantou num terminal multibanco uma pequena quantia monetária, do parco crédito que incorporava. Em segundo lugar realça-se que, se com um dos cartões de crédito e o porta moedas virtual efetuou um levantamento único, nas restantes quatro situações, o arguido efetuou sempre três levantamentos de numerário com cada um dos cartões de débito e o outro cartão de crédito «roubados». Sucessivos levantamentos com o mesmo cartão que se unificaram num mesmo crime de burla informática. Como quarta nota sublinha-se que a primeira burla informática por que o arguido está condenado nos autos ocorreu em 10 de maio de 2018 e a última em 14 de junho do mesmo ano, ou seja, foram cometidas no período temporal de 35 dias. Entre a 1ª e a 2ª decorreram 14 dias: entre esta e 3ª, 15 dias; desta para a 4ª, mediaram 3 dias; as duas restantes, cometeu-as nos dias seguintes. ii. o crime continuado: Estabelece o art.º 30 n.º 2 do Cód. Penal: “2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”. O crime continuado é uma construção dogmática, e normativa, que verificadas determinadas conexões objetivas e subjetivas, reconduz à unidade criminosa, uma pluralidade de crimes, subtraindo-os do regime punitivo do concurso efetivo de crimes. São requisitos objetivos positivos do crime continuado, que as condutas criminosas: - (i) violem várias vezes o mesmo tipo de ilícito ou vários tipos de crime que fundamentalmente protegem o mesmo bem jurídico-penalmente tutelado; - (ii) sejam executadas de forma essencialmente homogénea; - (iii) no quadro de uma mesma solicitação exterior. Pressuposto objetivo negativo é que: - (iv) não estejam em causa bens jurídicos eminentemente pessoais. Requisito de ordem subjetiva, nuclear é que: - (v) a sucumbência na reiteração criminosa documente uma culpa sensivelmente diminuída. Delimitando este requisito nuclear, escreveu Eduardo Correia: “a continuação criminosa encontrará justamente o seu fundamento na diminuição da culpa inerente à reiteração que assim deriva em parte de se terem superado as reações morais contra o crime e noutra parte de se terem preenchido certos elementos do delito com a prática anterior da mesma violação”[23]. Traçando o quadro das situações exteriores que, preparando as coisas para a repetição da atividade criminosa, podem diminuir sensivelmente o grau de culpa do agente, aponta as seguintes: a) ter-se criado, através da primeira atividade criminosa, uma certa relação de acordo entre os sujeitos; b) voltar a verificar-se a mesma oportunidade que já aproveitou ou arrastou o agente para a primeira conduta criminosa; c) perduração do meio apto para realizar um delito que se criou ou adquiriu com vista a exercer a primeira conduta criminosa; d) depois de executar a resolução que tomara verificar que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da sua atividade criminosa. Advertindo que “não basta uma qualquer solicitação, mas é necessário que ela seja de tal que facilite de maneira apreciável a reiteração criminosa”. “Por outro lado não poderá ser suficiente que se verifique uma situação exterior normal ou geral que facilite a prática do crime”[24]. Absolutamente nuclear à afirmação da continuação criminosa é a existência da especial conformação exógena das coisas à sucumbência na repetição criminosa. Está, por isso excluída quando a reiteração, menos que a tal disposição exterior das coisas, é devida a uma certa tendência da personalidade do criminoso. Se assim não fosse, desembocava-se no absurdo de conferir relevância nesta sede a todas as tendências, deficiências ou anomalias da personalidade do agente, o que seria absolutamente incompatível com o vigente direito penal do facto e, como vivamente salienta Eduardo Correia, “verdadeiramente catastrófico na luta contra a criminalidades exigências de proteção e defesa criminal”[25]. No caso, como o «retratam» os factos provados, estamos perante uma pluralidade de resoluções criminosas e, consequentemente, de condutas, que preencheram várias vezes os mesmos tipos de crime, concretamente, o roubo, a burla informática e a condução de veículo automóvel sem habilitação legal. O recorrente reclama a unificação dos crimes de burla através da continuação criminosa. Contudo, aduz somente razões de natureza endógena, exclusivamente pessoais. Argumenta que a psicopatologia – perturbação de hiperatividade com défice de atenção – de que padece, o levou a criar um “falso sentimento de impunidade” – cls. 9ª -, e a agir de forma compulsiva, praticando crimes – cls. 14ª. Circunstancialismo mórbido pessoal, remata “que por sua vez diminuem e mitigam a sua culpa” –cls. 9ª. Porque o recorrente labora em evidente confusão conceitual, adianta-se, em breve nota que aquela psicopatologia foi ponderada na decisão recorrida, influindo na diminuição da sua imputabilidade e, por aí, na determinação das consequências jurídicas dos crimes, - indistintamente, de cada um dos crimes pelos quais foi condenado. Evidentemente, a imputabilidade nada tem a ver com a continuação criminosa. A imputabilidade penal intercede com a capacidade do agente para avaliar a ilicitude do facto ou para agir de acordo com essa avaliação, isto é, com a culpa pelo facto (ou a sua [da culpa] negação). A continuação é uma forma de realização dos crimes, que intercede com as consequências jurídicas destes. Retomando a questão que agora nos ocupa, resulta claramente da sua alegação e das correspondentes conclusões que o recorrente nem sequer coloca adequada e fundadamente a questão da unificação dos crimes de burla pelos quais foi condenado na decisão recorrida. Se a psicopatologia que o afetava pode diminuir a sua imputabilidade e o respetivo grau culpa pelos factos, não integra, evidentemente, qualquer das situações exógenas que doutrina e a jurisprudência enunciam como suscetíveis de preparar as coisas para a repetição da atividade criminosa. E, insiste-se, somente a conformação exterior das coisas predispostas à reiteração no mesmo tipo de crime (ou outros tipos que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico) pode diminuir sensivelmente o grau de culpa e fazer operar a unificação no instituto do crime continuado. Quando, como no caso, são qualidades ou caraterísticas pessoais do agente que o levam a “agir de forma compulsiva, praticando crimes” – cls. 14ª -, resultam inverificados os requisitos do crime continuado. Improcede, pois, por manifestamente infundada a pretensão do recorrente de que os crimes de burlas se unifiquem através da continuação criminosa. d) regime penal dos jovens: i. a pretensão do recorrente: Reclama o recorrente a aplicação do regime penal dos jovens “especialmente por se tratar de um caso sui generis” – cls 42ª. ii. na decisão recorrida: O acórdão impugnado debruçando-se especificadamente sobre o regime penal dos jovens, decidiu-se pela inaplicabilidade ao caso, essencialmente para atender às exigências de prevenção geral positiva e às prementes necessidades de prevenção especial de ressocialização, motivando: “(…) o arguido tinha dezoito anos quando praticou os factos que aqui se apreciam, o que coloca a questão de saber se lhe será aplicável o regime penal especial para jovens, constante do DL. n.º 401/82, de 23/09, e a atenuação especial dele decorrente. A aplicação deste regime tem lugar sempre que se constatem sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado (artigo 4º do DL. nº 401/82). (…) entendemos que a aplicação do regime penal especial para jovens não pode manter-se à margem da consideração das exigências de prevenção geral, assentando em preocupações exclusivas, ou sequer predominantes, de ressocialização do agente jovem, ao nível da prevenção especial, já que não se pode abdicar de considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e garantia de proteção dos bens jurídicos de básica observância comunitária, donde resulta que, não obstante a emissão de um juízo de prognose favorável a propósito de um arguido jovem, pode este revelar-se insuficiente se colidir com a última barreira da defesa da sociedade, aqui incontornável bastião (…). A aplicação do regime em causa “(…) depende, pois, do juízo que possa (deva) ser formulado relativamente às condições do jovem arguido, e deve ser positivo quando as diversas variáveis a considerar (idade, situação familiar, educacional, vivências pregressas, antecedentes de formação) permitam uma prognose favorável (ou, com maior rigor, não impeçam uma prognose favorável) sobre o futuro desempenho da personalidade (…)”. De um outro ponto de vista, “(…) importará perceber se o desenvolvimento sócio-psicológico do jovem ainda consente uma qualquer intervenção de ajustamento e de consolidação da personalidade que funcione como uma “vantagem para a sua reinserção social” (…) Ou se pelo contrário, qualquer intervenção já é tardia, perante uma personalidade que apresenta o seu quadro de desenvolvimento concluído, revelando um discernimento claro nas opções de vida que tomou (…)”. No caso vertente, para além das condenações anteriores que o arguido regista (todas elas por factos anteriores àqueles que aqui se apreciam e a última das quais em pena de prisão, embora suspensa na sua execução, sendo ainda certo que os factos aqui apreciados ocorreram no decurso do prazo de suspensão desta pena de prisão, sofrida pela prática de crime de idêntica natureza a alguns que aqui se concluiu terem sido novamente praticados pelo arguido), demonstrou na prática dos factos aqui apurados uma personalidade desconforme com os mais elementares valores da vida em comunidade, mostrando-se indiferente aos bens jurídicos tutelados pelas normas violadas com a sua conduta (mormente a liberdade individual de decisão e ação, a integridade física e a propriedade), impressionando, mesmo tendo em conta a “anomalia psíquica” de que padece, a leveza e naturalidade que vem evidenciando na prática de crimes cada vez mais graves (cuja execução denota premeditação e é caracterizada por alguma elaboração), própria de quem não só não interiorizou a gravidade de tais atos mas se sente igualmente confortável na respetiva execução (que, por outro lado, não encontra qualquer justificação na favorável situação familiar, social e económica de que goza). Concluímos, assim, que os traços da personalidade revelados pelo arguido não permitem formar uma convicção positiva no sentido da aplicação do regime especial para jovens contribuir para o seu afastamento de posteriores práticas delituosas, sendo ainda certo que tal aplicação constituiria grave afronta ao sentimento de justiça reinante no seio da comunidade, atendendo às elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir com a lesão intensa de bens jurídicos de natureza pessoal e patrimonial que aqui se verificou (impondo-se uma tutela acrescida da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência das normas violadas, que permita o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelos crimes cometidos sucessivamente pelo arguido). iii. ressocialização, proteção dos bens jurídicos: O legislador, invocando razões de política criminal, autonomizou o direito penal dos jovens imputáveis com idades entre os 16 e os 21 anos, aproximando-o, em alguns aspetos – vd. art.º 5º do DL n.º 401/82 de 23/09 -, dos princípios e regras do direito reeducador de menores. Todavia, “sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção”. O tratamento mais favorável, ao nível das consequências jurídicas, da criminalidade própria do fim da adolescência e do início da idade adulta, em que a personalidade do jovem está ainda em formação, na fase de identificação sociocomunitária e de aquisição de competências pessoais e sociais, justifica-se, evidentemente, pela especial potencialidade de ressocialização nessa etapa estruturante da vida adulta. Subjaz-lhe “o entendimento de que o percurso de ressocialização do menor agente criminal poderá ser impulsionado por uma atenuação especial da pena [bem como pela aplicação de medidas de educação para o direito] que constitui, também, uma afirmação de confiança na sua capacidade para escolher uma opção correta de vida”. “Mais do que conferir uma benesse ao jovem delinquente por se entender ser merecedor de um tratamento penal especializado, procura promover a sua ressocialização – razão por que instituiu um direito mais reeducador do que sancionador, a revelar que a reinserção social surge aqui, no direito penal dos jovens delinquentes, como primordial finalidade da pena” [26]. O regime penal dos jovens com idade compreendida entre 16 e 21 anos de idade projeta-se sobre a sua condenação em dois aspetos: - (i) ao nível da medida das consequências penais do crime, implicando a atenuação especial da pena sempre que houver “sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”; - (ii) ao nível da escolha da reação sancionatória convocando o direito reeducador, isto é, sempre que ao caso corresponda pena de prisão inferior a 2 anos, implica a imposição de medidas de correção, se assim o permitirem “a personalidade e as circunstâncias do facto”. Sendo o regime regra para a escolha e a determinação da medida da reação sancionatória aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos que cometem um crime, e que, por isso, o tribunal não pode deixar de ponderar em cada caso, contudo não pode ser interpretado e aplicado com o sentido de que “vai ao ponto de firmar essa visão maximalista, como que passando ao limbo do esquecimento os comportamentos desviantes dos jovens, deixando à margem de proteção importantes interesses jurídicos e, sobremodo, se persistentemente afetados”. “O núcleo fundamental do direito de menores será, assim, a avaliação da vantagem da atenuação especial da pena para a reinserção social do arguido jovem. Mas a avaliação de tal possibilidade de reinserção social tem de ser equacionada perante as circunstâncias concretas do caso e do percurso de vida do arguido e não perante considerações vagas e abstratas desligadas da realidade” [27] . “Se, a partir da avaliação feita, for de formular um prognóstico favorável à ressocialização do condenado será, em princípio, de considerar positiva a aplicação do regime previsto no art. 4.º do DL 401/82, de 23-09, sendo pois de atenuar especialmente a pena; no caso contrário, isto é, se não for possível formular aquele juízo positivo, ou o juízo de prognose for desfavorável, obviamente que se terá de excluir a aplicação daquele regime”[28]. Regime penal especialmente concebido e vocacionado para tratar a “marginalidade criminosa juvenil”. Que não afasta “a aplicação - como ultima ratio - da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a 2 anos” - cfr. Exposição de motivos do DL 401/82 de 23/09. A atenuação especial da pena que consagra, só deverá ser afastada quando o tribunal se confrontar com a especial exigência de defesa da sociedade e os factos demonstrarem que o jovem delinquente não possui capacidade de regeneração. Por outro lado não deve ignorar-se que o jovem adulto condenado em pena ou em medida privativa da liberdade a cumprir em estabelecimento prisional (e muitas vezes poderá cumprir a pena de prisão no regime de permanência na habitação – cfr. art.º 43º´do Cód. Penal), a execução deve ocorrer um unidade especialmente vocacionada para o efeito, e deve favorecer especialmente a reinserção social e fomentar o sentido de responsabilidade através do desenvolvimento de atividades e programas específicos nas áreas do ensino, orientação e formação profissional, aquisição de competências pessoais e sociais e prevenção e tratamento de comportamentos aditivos – art.ºs 4º n.º 1 e 9º n.º 2 al.ª c) do CEPMPL. Na sua filosofia, a par da finalidade ressocializadora e reeducativa do sistema punitivo dos jovens com idade de 16 a 21 anos, que lhes confere direito a um tratamento diferenciado, com adequada individualização das consequências jurídicas do crime cometido, acentua-se também a luta eficaz contra a «criminalidade juvenil» ou, na expressão do legislador, a “prevenção da marginalidade criminosa juvenil”, geralmente conotada com o cometimento de crimes de pouca densidade valorativa, quando repetidos, em pequena escala, sem motivações elaboradas, regra geral orientados pelo imediatismo, pela irreflexão e irreverência e frequentemente cometidos em grupo de pares ou entre pares. Ainda que os criminosos sejam jovens, quando cometem factos criminosos com preparação e até sofisticação e que violam bens jurídicos fundamentais ou importantes, a finalidade e medida da correspondente consequência jurídico-penal, sobrepõe, a qualquer outra, a reafirmação da validade e da vigência da respetiva proteção, isto é, a eficaz proteção dos valores tutelados e do correspondente ordenamento jurídico. A insistente reiteração no cometimento de crimes, reveladora de tendência criminosa do agente, conjuga-se mal com o interesse da sociedade na prevenção da criminalidade assente em meras proposições de fé ou simples crenças na infinita capacidade natural de ressocialização do criminoso, mesmo sendo jovem. Deste modo, “o julgamento do jovem delinquente lança-nos, assim, um repto que é a convicção de que a atenuação especial prevista na lei em abstrato sempre favorecerá a sua reinserção social pois que uma menor privação de liberdade sempre se conjugará com a perspetiva do legislador de um natural otimismo sobre a capacidade de ressocialização”[29]. De qualquer modo, a atenuação especial da pena não é automática, não depende exclusivamente da idade do agente do crime, dependendo sempre da circunstância casuística de o jovem criminoso se encontrar em situação de possibilitar um juízo prognóstico duma conduta futura socialmente conforme, ainda que necessariamente modelada pela execução da pena, seja em liberdade subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, seja em casa no regime de permanência na habitação e vigilância eletrónica, ou em estabelecimento prisional vocacionado a acolher reclusos com idades até 25 anos e, sempre, com programa especial de reinserção social. iv. no caso: Resulta dos factos provados que o arguido, que até tem uma situação familiar funcional e harmoniosa e, nas suas palavras, “uma situação social estável e acima da média nacional”, em pouco mais que um mês, cometeu 7 (sete) crimes de roubo, três destes agravados e um na forma tentada. São sete as vítimas – 6 mulheres -, que abordou com assinalável ousadia e em diferentes locais, desde a porta da entrada da respetiva casa de morada, à garagem onde estacionavam o automóvel, introduzindo-se no lugar do passageiro do veículo que conduziam, estavam a estacionar ou iam parar. Apropriando-se coativamente – mediante ameaça com faca – de três cartões de débito, dois cartões de crédito, um cartão porta-moedas virtual, dois telemóveis, um iphone. Está absolutamente fora de discussão a imputabilidade diminuída do arguido. Sem beliscar minimamente que sofre, como está definitivamente assente nos autos, da psicopatologia de perturbação de hiperatividade com défice de atenção, surpreende que as vítimas lhe diziam verbalmente o código PIN do cartão subtraído, que tem 4 dígitos – quatro números (facto do domínio público) -, memorizava-o imediatamente, não se esquecendo, nem se tendo confundido em qualquer dos casos. Cometeu também, em concurso real, 6 (seis) crimes de burla informática. Perfazendo os bens e valores ilegitimamente assim apropriados o total de cerca de 2.500,00€. Cometeu ainda quatro crimes de condução sem habilitação legal. E tal sucedeu enquanto decorria o período de execução da suspensão da execução da pena em que tinha sido condenado pela prática do mesmo tipo de crime. “Como vem sendo, também, repetidamente, decidido por este STJ, a aplicação do regime legal não pode manter-se à margem da consideração das exigências de prevenção geral, assentando em preocupações exclusivas ou sequer predominantes, de ressocialização do agente jovem, de prevenção especial, sobrepondo-se-lhe, já que não se pode abdicar de considerações de prevenção geral, sob a forma de “exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico”[30]. No caso, a imagem do comportamento global do arguido, particularmente a insistente reiteração na perpetração de crimes de roubo e a forma ousada da sua execução, evidenciando já alguma destreza e especialização nesta prática criminosa e também a insistência, cada vez mais frequente de crimes de burla informática, afastam que que se possa seriamente crer que da atenuação especial da pena aplicada a cada um dos crimes cometidos resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Cometeu, ainda em concurso efetivo, 4 (quatro) crimes de condução sem habilitação legal. Tem averbadas no CRC quatro condenações definitivas pelo crime de condução sem habilitação legal. Foi também condenado por um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e ainda por um crime de resistência e coação de funcionário. Neste circunstancialismo e tendo em conta a história criminal registada do arguido não é possível formular uma previsão minimamente consistente de que a atenuação especial das penas de prisão fosse contribuir para o seu afastamento de posteriores e idênticas práticas delituosas. Revela, isso sim, uma tendência criminosa que urge atalhar enquanto é tempo, impondo-lhe um exigente programa de reinserção social a iniciar em “meio estacionário”, em estabelecimento ou unidade prisional especialmente vocacionada para jovens. Improcede, pois, a argumentação do recorrente, que essencialmente se limita a adjetivar o seu caso de “sui generis”, que os factos provados infirmam. iii. as penas parcelares: Neste âmbito, como ponto de partida, salienta-se que a decisão recorrida, em razão da imputabilidade diminuída do arguido, atenuou especialmente as penas, nos termos previstos no art,º 72°, n.º 1, do Cód. Penal. Sublinha-se também que o recorrente concorda com a escolha da pena – prisão -, e com a medida fixada - 9 meses de prisão -, pela prática de cada um dos quatro crimes de condução sem habilitação legal em que está condenado - vd. cls. 30ª , d. Por isso, inexistindo discordância e, consequentemente petição de intervenção corretiva quanto à escolha e quanto à dosimetria da pena aplicada a cada um desses crimes, nada há para reapreciar aqui a tal respeito. Por outro lado, resulta da alteração da qualificação jurídica dos factos e dos crimes de roubo, com o desagravamento de três dos roubos consumados e do roubo tentado, que a moldura penal de cada um destes crimes tem limites mínimos e máximos inferiores àqueles que balizaram e serviram para fixação da medida judicial da correspondente pena de prisão. Por isso, relativamente a cada um destes crimes, impõe-se fixar a medida concreta da respetiva pena no âmbito da moldura penal do roubo não agravado, especialmente atenuada em razão da imputabilidade diminuída do arguido. E quanto ao roubo tentado em função da moldura penal duplamente atenuada (por aquela mesma causa e em razão da forma tentada). i. pretensão do recorrente: Argumentando que “as suas condições pessoais apuradas nos autos e a perícia médica não foram devidamente relevadas para a atribuição da medida concreta da pena, sendo descuradas as concretas necessidades de prevenção especial do arguido, sobrevalorizando-se antes as necessidades de prevenção especial” –cls. 22ª e 23ª -, reclama “a aplicação das penas mais próximas do seu limite mínimo” –cls. 27ª – que quantifica em 1 ano e 9 meses para cada um dos seis crimes de roubo agravado, 1 ano para o crime de roubo agravado tentado, 9 meses para cada um dos quatro crimes de condução sem habilitação legal e, sendo condenado pelo crime continuado de burla informática, 10 meses por este crime – cls. 30ª. Nenhuma referência faz à pena de prisão em que foi condenado pela prática de cada um dos seis crimes de burla informática, para o caso de improceder também – como se verifica – a pretensão de serem unificados através da continuação criminosa. Tal só pode ter sucedido porque não discorda da medida da pena parcelar – 5 meses de prisão- que a cada um desses crimes foi fixada na decisão recorrida. ii. na decisão recorrida: No acórdão recorrido, a escolha e determinação da medida das penas parcelares, para os crimes de roubo e para os crimes de burla informática – quanto ao crime de condução sem habilitação legal não há discordância do recorrente -, estão motivadas do modo seguinte: Constatada a acentuada influência que a anomalia/alteração psíquica de que o arguido padece teve no cometimento pelo mesmo dos factos aqui apreciados (pese embora a personalidade que o mesmo vem evidenciando, propensa à prática de crimes), será de concluir que a censura a dirigir-lhe pela atuação criminosa será necessariamente menor, devendo ter por referência as balizas resultantes da aplicação do mecanismo previsto nos artigos 72.º e 73.º do Código Penal. As molduras penais aplicáveis ao arguido serão, assim, de: ■ 7 (sete) meses e 6 (seis) dias a 10 (dez) anos de prisão por cada um dos crimes de roubo agravado (artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), e 73.º, n.º 1, als. a) e b), todos do Código Penal); ■ 1 (um) mês a 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão pelo crime de roubo agravado na forma tentada (artigos 22.º, 23.º, 41.º, n.º 1, 73.º, n.º 1, als. a) e b), e 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), todos do Código Penal); ■ 1 (um) mês a 2 (dois) anos de prisão ou 10 (dez) a 240 (duzentos e quarenta) dias de multa por cada um dos crimes de burla informática (artigos 221.º, n.º 1, 41.º, n.º 1, 47.º, n.º 1, e 73.º, n.º 1, als. a), b) e c), todos do Código Penal); e ■ (…) [crime de condução sem habilitação legal]. Haverá, no que respeita à consequência jurídica da prática dos crimes de burla informática (…), que atentar no disposto no artigo 70.º, de acordo com o qual o Tribunal deverá preferir a pena não privativa da liberdade, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Tal como resulta do artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, devendo, assim, a opção por uma pena de multa em detrimento de uma pena de prisão ser feita se as exigências de prevenção geral e especial que a situação concreta apresenta se satisfazerem com a aplicação de uma pena de multa. Importa aqui ter em conta a natureza dos factos, “maxime” a ilicitude dos mesmos, traduzida no número de vezes em que o arguido realizou os tipos de crime em apreço (seis vezes num dos casos …), bem como do prejuízo resultante da prática dos ilícitos e dos visados pelos mesmos (não sendo elevado o prejuízo sofrido por cada uma das múltiplas vítimas, mas não podendo descurar-se o concreto modo de proceder por parte do arguido, (…) Destarte, as ponderosas necessidades de prevenção geral e especial que ao caso cabem não permitem a aplicação ao arguido de penas de multa, razão pela qual se optará pela aplicação de penas de prisão. (…) Haverá, então, que ponderar contra o arguido: > As necessidades de prevenção geral e especial, traduzindo-se as primeiras na revalidação das normas violadas (sendo intensa a violação nos crimes de roubo agravado, não tanto pelos valores de que o arguido ilegitimamente se apropriou com o correspondente prejuízo de terceiros, mas mais pelo número de vezes que realizou os tipos de crimes em apreço, pelo elevado valor dos bens jurídicos de natureza eminentemente pessoal contra os quais atentou e pelo modo como atuou; (…), bem como na repressão de atos como os que ora se censuram (de modo a lançar um claro alerta de que tais atos não são tolerados pela comunidade e desta recebem forte censura na reação do sistema de justiça), e as segundas na prevenção da prática de futuros crimes (que são elevadas em face das anteriores censuras de ordem penal que o arguido regista já (…) e que não o inibiram de prosseguir e escalar na gravidade do comportamento criminoso, denotando uma assinalável indiferença pelos bens jurídicos tutelados pelas normas jurídicas violadas, nos termos já referidos, e, consequentemente, uma personalidade desconforme com as mais elementares regras de convivência social); > O grau da ilicitude dos factos, considerado no âmbito dos respetivos crimes (elevado nos crimes de roubo, atendendo ao concreto modo de atuação do arguido, agressivo, furtivo, visando vítimas em situação de menor possibilidade de defesa - procurando, durante a noite, essencialmente mulheres que se encontravam sozinhas quando saíam das suas viaturas ou se encontravam ainda nelas - e extremamente intimidante, também aqui menos pelos valores de que o arguido ilegitimamente se apropriou e mais pelo número de subtrações que realizou e pela violência que utilizou nelas, especialmente naquela em que não logrou consumar o roubo; (..); e > O dolo direto (intenso, considerando também o período tempo durante o qual se estendeu a prática dos atos ilícitos que aqui se apreciam e apesar da anomalia/alteração psíquica de que padece); a favor do arguido: > A anomalia/alteração psíquica de que padece, que lhe diminuiu a capacidade de se determinar de acordo com a avaliação que realizou sobre a ilicitude e censurabilidade das suas condutas (embora também já considerada na determinação das molduras penais aplicáveis); > A imaturidade própria da reduzida idade do arguido (potenciada pela maior instabilidade que atravessava no período em que praticou os factos que se apreciam); > A confissão dos factos e a verbalização de arrependimento (admitindo-se que possam revelar o despontar de uma verdadeira intenção de não voltar a incorrer em comportamentos penalmente censuráveis); e > O enquadramento familiar e social de que goza. Devidamente ponderados todos estes aspetos, julgamos adequada a aplicação ao arguido de uma pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão pela prática de cada um dos crimes de roubo agravado, de uma pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão pela prática do crime de roubo tentado, de uma pena de 5 (cinco) meses de prisão pela prática de cada um dos crimes de burla informática (…). iii. finalidades da pena: Estabelecida a moldura penal, -indiferentemente de ser a normal ou a especialmente atenuada -, o primeiro e decisivo fator a considerar no procedimento de determinação da medida concreta da pena é o que decorre das finalidades da punição, firmadas pelo legislador no art. 40.º do Código Penal, e que são: a proteção do bem jurídico violado e a ressocialização do agente (n.º 1); tendo como limite inultrapassável “a medida da culpa” – n.º 2. No Código Penal de 1982 não existia uma norma que direta e autonomamente estatuísse sobre as “finalidades das penas”. Via-se então, resumidamente, “a culpa como fundamento da pena”. Na introdução ao referido Código Penal, ao mesmo tempo que se refutava a doutrina que conferia “uma maior tónica à prevenção geral” porque, afinal, acabava aceitando “inequivocamente a culpa como limite de pena”, afirmava-se que “um dos princípios basilares do diploma reside na compreensão de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta.” Paradigma que o legislador do Código Penal de 1995 inverteu. Agora, “a encimar o acervo de finalidades das penas que enuncia, coloca o artigo 40.º a proteção de bens jurídicos”. Norma que o Presidente[31] da Comissão Revisora qualificou como paradigmática e que, segundo o então deputado Costa Andrade, é marcante, “só ele a valer como um programa de política criminal”. Ao princípio da vinculação à defesa de bens jurídicos aqui consagrado, subjaz “a ideia de limitar o poder punitivo do Estado, na linha, também, do n.°2 do artigo 12.º da Constituição, segundo o qual as restrições a direitos, liberdades e garantias se limitarão «ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos». A Assembleia da República autorizou – Lei de autorização legislativa n.º 35/94 de 15 de setembro -,o Governo a alterar o Código Penal de 1982 de modo a, além do mais, “introduzir como finalidades da aplicação das penas e medidas de segurança a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, bem como estabelecer, quanto à medida de segurança, a proporcionalidade à gravidade do facto e subordinar a sua aplicação à perigosidade do agente; e, quanto à pena, consagrar o critério de que, em caso algum, pode ultrapassar a medida da culpa”. Cumprindo esta incumbência, o legislador, na exposição de motivos do DL n.º 48/95 de 15 de março, plasmou, clara e inequivocamente aquela solução, nos seguintes termos: «Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental. Sem pretender invadir um domínio que à doutrina pertence - a questão dogmática do fim das penas -, não prescinde o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objetivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa». Como sintetiza a jurisprudência deste Supremo Tribunal: “Está subjacente ao artigo 40.º uma conceção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa”[32]. Não há, pois, razões plausíveis para discordar que no vigente regime penal, a função primordial do direito penal é a de tutelar os bens jurídicos tipificados, de modo a assegurar a paz jurídica dos cidadãos. Em consonância, “as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum a medida da culpa. Nestas duas proposições reside a fórmula básica de resolução das antinomias entre os fins das penas; pelo que também ela tem de fornecer a chave para a resolução do problema da medida da pena”[33]. Deste modo, o parâmetro primordial do «modelo» de determinação da pena judicial é primariamente fornecido pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos violados estabelecendo, in concreto, o limiar mínimo abaixo do qual se perde aquela função tutelar ou, noutra expressão, não satisfaz as necessidades de reafirmação estabilizadora das normas, isto é, a pena aplicada não alcança a necessária, suficiente e adequada “prevenção geral positiva ou prevenção de integração[34]”. Sendo que “à proteção jurídico-penal há-de reportar-se àquilo que se entenda relevante para a subsistência da comunidade ou, dito por outras palavras, há-de reconhecer a natureza social do bem jurídico. Ele tem indefetível conexão com a ideia de que nada é tão desvalioso como praticar «lesões insuportáveis das condições comunitárias essenciais de livre realização e desenvolvimento da personalidade de cada homem»[35]. Parâmetro co-determinante do modelo de determinação da medida da pena judicial é também a culpa na execução do facto[36], estabelecendo o “teto” ou limiar máximo acima do qual a pena aplicada é excessiva, subalternizando à «paz» comunitária a dignidade humana do agente. À culpa comete-se agora uma “função politico-criminal de garantia dos cidadãos e não mais do que isso. Entende-se que a pena não pode exorbitar a culpa, do mesmo passo que não pode privar-se dela, como seu pressuposto”. Ou, nas sapientes palavras de Costa Andrade: “por último, o terceiro axioma diz-nos que a culpa deve persistir como pressuposto irrenunciável e como limite intransponível da pena. A culpa não deve dar a medida da pena. A pena pode ficar aquém da culpa, o que não pode é ultrapassá-la, até porque esta, (…) constitui um «axioma antropológico» da ordem jurídico-constitucional portuguesa. Tem de valer como limite, como barreira à instrumentalização do homem, em nome de fins próprios da sociedade. Como garantia de que a racionalidade instrumental, de que falava Max Weber, não vai dominar, absorver e sacrificar inteiramente a racionalidade de valores de uma sociedade democrática. Por respeito à exigência da culpa, o Código e o legislador penal português faz eco daquela sábia advertência de Schiller, que já dizia ao príncipe: «Desconfiai, nobre senhor, nem tudo aquilo que é útil ao Estado é necessariamente justo». É o limite da culpa que garante que a prossecução de tarefas e de metas legítimas, através do instrumento de conformação social que é o Direito Penal, se faça com respeito pelas exigências inultrapassáveis da justiça”. Entre aquele limiar mínimo e este limiar máximo, o modelo de determinação da medida da pena completa-se com a finalidade de reintegração do agente na sociedade, ou finalidade de prevenção especial de socialização. iv. outros fatores O modelo é já muito, mas é também apenas isso mesmo, um modelo que define as linhas mestras ou parâmetros nos quais devem atuar as “circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a culpa e a prevenção”. Por isso, o Código Penal, no art. 71.º estabelece[37]: “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (nº 1), atendendo o tribunal “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando” as circunstâncias que enuncia, exemplificativamente, nas alíneas do n.º 2, e que se reportam resumidamente ao facto ou ao agente (à culpa ou à prevenção), às quais a doutrina adiciona outros fatores, designadamente relativos à vitima. Desde logo proíbe, nesta sede, a dupla valoração de circunstâncias que façam parte do tipo de crime cometido pelo agente (proibição da dupla valoração). O que “não obsta a que a medida da pena seja elevada ou baixada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento do tipo”[38]. Fatores enunciados no art. 71.º n.º 2 que, grosso modo, podem respeitar ao facto ou ao agente, designadamente: - à execução do concreto facto cometido pelo agente, agrupando circunstâncias que caracterizam a gravidade da violação jurídico-penal cometida, que servem para caracterizar a medida da censurabilidade, e (quando for o caso) o grau de violação dos deveres impostos ao agente; - à personalidade do agente revelada no facto, agrupando as condições pessoais, sociais e económicas, a sensibilidade à pena e à influência que esta pode exercer, as qualidades da personalidade comparadas com as do «homem fiel ao direito». - à conduta anterior e posterior ao facto, agrupando a história vivencial e criminal do agente e o comportamento posterior empreendido no sentido de assumir as consequências do crime cometido e, estando ao seu alcance, contribuir para que os comparticipantes não restem impunes e a “governar-se” com o proventos ilícitos assim obtidos. A jurisprudência deste Supremo Tribunal sustenta que “para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (…), estando vinculado aos módulos-critérios de escolha da pena constantes do preceito. Sustenta também que tais critérios e circunstâncias “devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afetação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objetivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”[39]. Por outro lado, “a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que «no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de fatores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efetuada»”. No mesmo sentido conclui Souto de Moura[40]: “sempre que o procedimento adotado se tenha mostrado correto, se tenham eleito os fatores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar tenha sido feita, e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, sempre que nada disto seja objeto de crítica, então o “quantum” concreto de pena já escolhido deve manter-se intocado”. O que bem se compreende, porque a fixação do quantum da pena concreta aplicada em cada caso não é uma operação aritmética em que os fatores a ponderar possam assumir um coeficiente numérico ou uma valoração tabelada. v. no caso: Conforme exposto, a qualificação jurídica dos crimes de roubo é em parte confirmada e em parte alterada, ou seja: - mantem-se o agravamento de três (3) crimes roubo consumado (ofendidas CC , EE e HH). Crime de roubo agravado que os factos provados sustentam plenamente e que não merece qualquer reparo; Nestes casos, a moldura penal especialmente atenuada é a indicada na decisão recorrida. - desagravam-se os três (3) restantes crimes de roubo consumado (pelas razóes supra expostas), integrando-os na previsão do art.º 210 n.º 1, por força dos disposições conjugadas do art. 210º n.º 2 al.ª b) e 204º n.º 4, disposições citadas do Cód. Penal. Nestes casos a moldura penal especialmente atenuada é a de prisão de 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão; - desagrava-se o crime de roubo tentado (pelas razões acima expostas), integrando-o na previsão dos art.ºs art.º 210 n.º 1, por força dos disposições conjugadas do art. 210º n.º 2 al.ª b) e 204º n.º 4, e art.ºs 22º, 23º e 73° n.º 1, als. a) e b), todas as disposições citadas do Cód. Penal. Neste caso a moldura penal é a de prisão de 1 mês a 3 anos e 7 meses. A pena judicial por cada um dos 3 crimes de roubo agravado, executados de forma essencialmente homogénea, situa-se ao nível e até e ligeiramente abaixo do limite do quatro inferior da respetiva moldura penal especialmente atenuada. Medida fracional perfeitamente ajustada à proteção dos bens jurídicos violados e ao grau de culpa do arguido revelada pelos factos e às prementes necessidades de ressocialização que evidenciam e que, por isso e por razões de justiça relativa se entende igualmente adequada a aplicar, dentro da respetiva moldura, a cada um dos outros crimes de roubo consumado e ao crime de roubo tentado. Deste modo, fixa-se em 1 (um) ano e 8 (oito) meses a pena de prisão a aplicar ao arguido pela prática em autoria material e na forma consumada de cada um dos três referidos crimes de roubo (ofendidas DD, BB e FF) p. e p. pelos art.ºs 210º n.º 1 e 2ª al.ª b) e 204º n.º 2 al.ª e) do Cód. Penal; E fixa-se em 10 meses a pena de prisão a impor ao arguido pela prática em autoria material e na forma tentada do crime de roubo (tentado) p. e p. pelos art.ºs 210º n.º 1 e 2ª al.ª b) e 204º n.º 2 al.ª e) e 22º, 23º e 73º n.º 1, al.ªs. a) e b) do Cód. Penal. A pena judicial para cada um dos 6 crimes de burla informática fixou-se em medida que se situa entre o quarto e o quinto inferior da respetiva moldura penal especialmente atenuada. Medida concreta -5 meses de prisão -, que se tem como minimamente adequada a satisfazer as finalidades legalmente assacadas à pena e que se revela justa e conforme, aquém mesmo, da medida da culpa posta pelo arguido na execução dos factos (atenta a sua situação familiar e social, não enveredou pela prática destes crimes por ingentes necessidades económicas básicas ou que os seus familiares não pudessem prover). Os roubos, ademais de atentar contra bens pessoais (já considerados no tipo de ilícito), executados através de modus operandi mais ou menos semelhante ao utilizado pelo arguido, isto é, com recurso a armas ou objetos com potencial gravemente lesivo de direitos básicos como a vida, a saúde, a integridade pessoal ou a liberdade, são muito frequentes nos grandes centros urbanos, causando de forte sensação de insegurança nos cidadãos e na comunidade em geral e, por vezes. tem consequências fatais para quem tenta resistir ou tão-somente encarar e reconhecer ou agente ou simplesmente não tem como naquele momento satisfazer as expetativas apropriativas deste. Tem ainda outra particularidade altamente censurável que é a de vitimar os mais frágeis nomeadamente idosos e crianças e as pessoas que em si mesmas ou em razão das circunstâncias em que são surpreendidas, não apresentam capacidade de resistência, de reação ou de denúncia, sendo uma fenomenologia criminal com acentuada vitimização do género feminino, inexoravelmente comprovada no caso. É, pois, um tipo de crime, ou mais amplamente, uma fenomenologia criminal, em que se fazem sentir considerações de prevenção geral, sob a forma de “exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico”[41], demandando uma reação penal que reafirme a validade e vigência comunitária dos bens jurídicos que a incriminação protege. O crime de burla informática tem aumentado de frequência por assegurar ao agente, não só rápido acesso a dinheiro vivo, imediatamente na mão, regra geral é mais rentável que a subtração violenta ou coativa da carteira ou a entrega das quantias nela guardadas, porque as pessoas cada vez trazem consigo menos numerário, utilizando cada vez mais meios de pagamento eletrónicos, e designadamente cartões de débito, de crédito, etc. Neste conspecto e do circunstancialismo fáctico provado, tem-se por justa e adequada – evidentemente dentro da moldura penal especialmente atenuada -, a pena de prisão aplicada ao arguido pela prática de cada um dos três crimes de roubo agravado, bem como a pena de prisão aplicada a cada um dos seis crimes de burla informática. No caso deste último crime, pena mais baixa acabaria por se traduzir numa pena ineficaz para proteger os bens jurídicos tutelados pela incriminação e prevenir o crescendo desta fenomenologia criminosa. iv. da pena conjunta: Do desagravamento de três crimes de roubo e do crime de roubo tentado, com a determinação, para cada um destes, de pena judicial em medida inferior àquela que foi imposta ao arguido no acórdão recorrido, resulta inevitável a reformulação do cúmulo jurídico com diferente dosimetria da pena conjunta, como se vai efetuar. Entretanto vejamos a questão suscitada. i. pretensão do recorrente: Excluindo-lhe as penas parcelares aplicadas aos 6 crimes de burla informática (que pretendia ver consumidos pelos crimes de roubo agravado) ou, subsidiariamente, em vez das referidas 6 penas parcelares –cada uma fixada em 5 meses de prisão -, considerando uma pena de 10 meses de prisão pela prática de um crime continuado de burla informática pretende que a pena única se fixe em 4 anos e 6 meses de prisão ou, subsidiariamente, em 4 anos e 9 meses de prisão. Considera excessiva a pena de 6 anos e 6 meses de prisão, ainda que aduzindo as mesmas razões que apresenta para as demais pretensões. ii. na decisão recorrida Na decisão recorrida, motiva-se a pena conjunta aplicada ao arguido, expendendo: Encontrando-se os crimes cometidos pelo arguido em relação de concurso, tal como a define o artigo 77.º do Código Penal, haverá, em qualquer caso, que proceder à fixação de uma pena única, tendo como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas (dois anos e três meses) e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas (que seriam vinte anos e nove meses). Ponderados, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido (nos termos já acima descritos e tendo presente especialmente: contra o arguido, o número de crimes praticados num curto espaço de tempo e a violência usada em alguns deles, bem como o seu percurso criminoso de ascendente gravidade, circunstâncias que elevam as exigências de prevenção geral e especial; e a favor do arguido, a anomalia/alteração psíquica de que padece, que lhe diminui a culpa, e o comportamento que mais recentemente vem revelando, pese embora a tal não seja certamente alheia a situação coativa em que se encontra), decide-se condená-lo na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.
iii. critério e fatores: Vejamos os parâmetros que regem a dosimetria da pena única: O Código Penal, no art. 77º (regras da punição do concurso), n.º 1, dispõe: 1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. (…). O legislador, divergindo de ordenamentos jurídico-penais próximos que optaram por sistemas que se aproximam mais da pura adição de penas (a cumprir sucessivamente, com plafonamento ou limite máximo legalmente pré-determinado ) -o espanhol - ou de um cúmulo material (as penas aplicadas aos crimes em concurso dão lugar a uma pena unificada), em qualquer caso também com limite definido –o italiano , o brasileiro , - ou de uma só pena -o Suíço -, optou (por razões politico-criminais e de dogmática ) pelo sistema de pena conjunta (cada infração é punida com a pena correspondente e as penas aplicadas ao concurso de crimes «fundem-se» numa pena única), assente na combinação dos princípios da acumulação material e do cúmulo jurídico, tendo este por base a consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente. Ao cúmulo jurídico de penas subjaz necessariamente uma pluralidade de crimes que estão, entre si, numa relação de concurso (real). A moldura penal do concurso de crimes estabelece-se de acordo com o disposto no art. 77º n.º 2 do Cód. Penal: 2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. A dosimetria da pena única, a aplicar (em cúmulo jurídico) ao concurso de crimes, rege-se pelo segundo segmento da norma do art. 77.º, n.º 1, do Código Penal, que estatui: 1 – (…) Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Deste modo, o legislador instituiu um regime especial para guiar o juiz no procedimento conducente à fixação do quantum da pena judicial do concurso de crimes, com a indicação do iter a seguir e dos parâmetros a observar. Na dosimetria da pena única é considerado o “comportamento global” resultante da ponderação concorrente dos “factos” perpetrados e da “personalidade” do agente revelada no seu cometimento. As regras de determinação da pena não operam aqui por referência a um qualquer dos crimes em concurso, nem a todos como se de uma unidade de sentido punitivo se tratasse, mas por referência aos factos e à pena aplicada a cada um e a todos eles[42]. É esta referenciação aos crimes do concurso e às penas parcelares que confere autonomia dogmática ao sistema da pena conjunta e o diferencia do sistema da pena unitária (ou da pena unificada). Deste modo, a determinação da medida da pena conjunta comporta, especificidades, submetida como está a um regime especial de pena única, diverso do adotado em ordenamentos com sistemas próximos nos quais a pena judicial do concurso se obtém por absorção (dentro da moldura penal do crime mais gravemente punido) ou por exasperação (a pena mais elevada aplicável a uma das infrações do concurso é agravada em razão do número de crimes que o integram), que aparentam assentar numa operação mais simplificadamente quantificável e com maior grau de uniformização sancionatória. No sistema do Cód. Penal português informado pelos princípios da exasperação e da cumulação e que, na expressão de J. Figueiredo Dias “as nossas doutrina e jurisprudência crismam … de sistema do cúmulo jurídico”[43], a moldura penal do concurso é autónoma, resultante da consideração das penas aplicadas a cada um dos crimes integrantes do concurso, tendo como limiar mínimo a pena parcelar mais elevada e como limite máximo a soma de todas as penas aplicadas, sem que possa exceder 25 anos. Dentro desta moldura a fixação da pena judicial única tem de resultar da atuação conjugada do referido binómio (factos e personalidade) - art. 77.º, n.º 1, II parte, do Código Penal. Alguma doutrina questiona a admissibilidade da valoração, na determinação da pena conjunta, de fatores que tenham servido para fixar a pena singular aplicada a cada crime do concurso. Um deles é desde logo a culpa, não na consideração politico-criminal do legislador quando elegeu os tipos de culpa, mas já nos termos dos artigos 40º n.º 2 (“em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”), e 71º n.º 1 (“a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”) que a constituem como fator limite da medida máxima de cada pena concreta. A doutrina maioritária[44] e a jurisprudência[45] entendem que os parâmetros contidos no art. 71º do Código Penal – culpa e prevenção –, servem apenas de guia na operação de fixação da pena conjunta, não podendo ser valorados novamente sob pena de se infringir o princípio da proibição da dupla valoração, a menos que tais fatores tenham um alcance diferente, enquanto referidos à totalidade dos crimes. Com esta advertência parece entender-se que nada obsta a que a pena única se determine pela ponderação conjugada de fatores do critério geral (enunciados no art. 71º) e do critério especial (fornecido pelo art. 77º n.º 1). Como refere J Figueiredo Dias, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 71º.º, n.º 1, um critério especial, o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte. Mas também aqui não podem considerar-se circunstâncias que façam parte de cada um dos tipos de ilícito integrantes do concurso (proibição da dupla valoração –art. 71º n.º 2 do Código Penal). Sustenta-se no Acórdão 14-09-2016, deste Supremo Tribunal: “na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele «pedaço» de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua atividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respetiva personalidade, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, sem relação com a sua concreta personalidade. É esta avaliação global resultante desta interconexão geral, que permite apurar legitimamente o ilícito e culpa global, e perante tais conclusões, aferir in concreto a necessidade de prevenção especial e geral, à luz da amplitude que a apreciação total da actividade criminosa do agente permite”[46]. Assim, no nosso sistema de pena única, essencial é desde logo a gravidade do conjunto (global) dos factos. A avaliação do comportamento juridicamente “unificado” (não unitário) pelo concurso de crimes deve assentar na ponderação conjugada do número e da gravidade das penas parcelares, da sua medida concreta e da respetiva grandeza no âmbito da moldura da pena do concurso. Segundo J. Figueiredo Dias, na determinação da medida da pena única “tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”[47]. Critério a que o Ac. de 27/01/2016, deste Supremo Tribunal dá expressão prático-jurídica: “fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos pois que a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a recetividade à pena pelo agente deve ser objeto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.” “Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve refletir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delitos ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspetiva de existência de uma pluralidade de ações puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais. Dada a proibição de dupla valoração na formação da pena global não podem operar de novo as considerações sobre a individualização da pena feitas para a determinação das penas individuais”[48]. Em consonância com o exposto, “à visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente”. Visão de conjunto que, todavia, não pode olvidar o número, a natureza e a medida concreta de cada pena parcelar ou então o sistema ainda que sob a terminologia da pena conjunta, seria, na realidade, o da pena unitária, em que a pena correspondente a cada um dos crimes em concurso mais não aproveitava do que para estabelecer a moldura penal do concurso. Sem perder de vista as penas parcelares aplicadas “do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”. “Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses fatores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita”.
iv. fator de compressão (mitigado): Constatando assinalável diversidade na determinação da pena conjunta, justificativa de incerteza jurídica, desigualdade nas consequências jurídicas do concurso de crimes, e fonte de onde brota, a jusante, considerável litigância recursória perante o STJ, desenhou-se neste Tribunal uma corrente jurisprudencial que faz intervir, dentro da nova moldura penal, operações aritméticas que devem guiar o juiz na fixação do quantum da pena conjunta. Resumidamente, na sua veste mais recente, sustenta que na determinação da medida da pena única, se deve adotar um critério consistente em adicionar à pena parcelar mais grave, que fixa o limiar inferior da moldura do cúmulo, uma fração das restantes penas, sendo a partir deste valor, consideradas as especificidades do caso concreto. Atendendo à regra ínsita no art. 77º nº 1 do Código Penal e para determinar a fração, toma em consideração principalmente o tipo de criminalidade e a dimensão das penas parcelares cumuladas e, complementarmente, a personalidade do arguido expressada nos factos ou que os factos revelam. A. G. Lourenço Martins, estudando a jurisprudência deste Supremo sobre a medida da pena, defende a adição de uma proporção do remanescente das penas parcelares que oscila, conforme as circunstâncias de facto e a personalidade do agente e por via de regra, entre 1/3 e 1/5 e acrescenta que se bem que a corrente, que se poderia designar do «factor percentual de compressão», possa relutar a um julgador cioso do poder discricionário (aqui, aliás, mais vinculado que discricionário), desde que o seu uso não se faça como ponto de partida mas como aferidor ou mecanismo de controlo, não nos parece que deva, sem mais, ser rejeitada. Representa um esforço de racionalização num caminho eriçado de espinhos, desde que afastada uma qualquer «arbitrariedade matemática» ou uma menor exigência de reflexão sobre os dados. O direito, como ciência prática e não especulativa nunca atingirá a certeza das matemáticas ou das ciências da natureza, mas a jurisprudência deve abrir-se ao permanente aperfeiçoamento., que há-de ser encontrado na pena conjunta. Sustenta-se no Ac. de 27/01/2016 deste Supremo Tribunal que “não repugna que a convocação dos critérios de determinação da pena conjunta tenha como coadjuvante, e não mais do que isso, a definição dum espaço dentro do qual as mesmas funcionam. Na verdade, como se referiu, a certeza e segurança jurídica podem estar em causa quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, conduzindo a uma indeterminação. Recorrendo ao princípio da proporcionalidade não se pode aplicar uma pena maior do que aquela que merece a gravidade da conduta nem a que é exigida para tutela do bem jurídico. Para evitar aquela vacuidade admite-se o apelo a que, na formulação da pena conjunta e na ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade, se considere que, conforme uma personalidade mais, ou menos, gravemente desconforme com o Direito, o tribunal determine a pena única somando à pena concreta mais grave entre metade e um quinto de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso (Confrontar Juiz Conselheiro Carmona da Mota em intervenção no STJ no dia 3 de Junho de 2009 no colóquio subordinado ao tema "Direito Penal e Processo Penal", igualmente Paulo Pinto de Albuquerque Comentários ao Código Penal anotação ao artigo 77). A utilização de tal critério de determinação da pena conjunta está relacionada com uma destrinça fundamental que importa estabelecer ao nível das consequências jurídicas em função de cada fenomenologia criminal. Na operação de cálculo do fator de compressão importa considerar a necessidade de um tratamento diferente para a criminalidade bagatelar, média e grave, de tal modo que, como referia Carmona da Mota, a “representação” das parcelares que acrescem à pena mais grave se possa saldar por uma fração cada vez mais alta, conforme a gravidade do tipo de criminalidade em julgamento. Na verdade, não é raro ver um tratamento uniforme, destituído de qualquer opção valorativa do bem jurídico, e este pode assumir uma diferença substantiva abissal que perpassa na destrinça entre a ofensa de bens patrimoniais ou bens jurídicos fundamentais como é o caso da própria vida. Este é o entendimento prevalente, que nos casos de uma elevada pluralidade de crimes em concurso pode ainda ser temperado através da intervenção do princípio da proporcionalidade, implícito no critério que vem de citar-se. Designadamente convocando a interpretação de que “na formação da pena única, quanto maior é o somatório das penas parcelares, maior é o fator de compressão que incide sobre as penas que se vão somar à mais elevada, pois, se assim não fosse, muito facilmente se atingiria a pena máxima em casos em que a mesma não se justifica perante a gravidade dos factos”, de modo a impedir que o agente do concurso de crimes resulte condenado numa pena conjunta inadequada à gravidade dos crimes e que muito dificultaria a sua reintegração na comunidade dos homens e das mulheres respeitadores/as dos bens jurídicos fundamentais. Consequentemente, o denominado «fator de compressão», funcionando sempre como critério valorativo (aferidor) do rigor e da justeza do cúmulo jurídico de penas, deverá adotar frações ou logaritmos diferenciados em função da fenomenologia dos crimes do concurso, mas que no âmbito do mesmo tipo de crime devem ser idênticos, podendo variar ligeiramente em função da personalidade do arguido revelada pelos factos e do modo de execução dos crimes. Consequentemente, na determinação da pena conjunta, a ponderação dos crimes e das penas (em maior ou menor grandeza fracional) deve adequar-se ao tipo de criminalidade com enfase agravante quando concorrem crimes contra as pessoas, crimes de terrorismo, ou, gradativamente, em casos de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de criminalidade altamente organizada - art. 1º al.ªs i) a m) do CPP. E “paralelamente, à apreciação da personalidade do agente interessa, sobretudo, ver se nos encontramos perante uma certa tendência, que no limite se identificará com uma carreira criminosa, ou se aquilo que se evidencia é uma mera pluriocasionalidade”. O “comportamento global” que preside ao cúmulo jurídico, e à aplicação da pena única, evidencia uma personalidade mais ou menos intensamente desconforme ao modo de ser suposto pela ordem jurídico-criminal. À luz das regras da experiência, a violação, pelo agente, de vários bens jurídicos de igual importância, através da mesma ou de condutas imediatamente seguidas, exprime, geralmente, pluriocasionalidade criminosa. A reiteração espaçada de idênticas ou de diferentes condutas delituosas, à mesma luz, poderá evidenciar uma tendência, persistente vontade, ou carreira criminosa. Eram, genericamente, estes os critérios, as ponderações e o procedimento que deveriam ter sido seguidos para justificar a determinação da medida da pena única em que os recorrentes vêm condenados nos autos. v. pena conjunta que se aplica: Em breve apontamento recorda-se que o recorrente peticionava que a pena conjunta se fixasse em 4 anos e 6 meses sem crimes de burla informática, ou em 4 anos e 9 meses com um crime continuado de burla informática, para o qual reclamava a pena de 10 meses de prisão. Ou seja, adicionava àqueles 4 anos e 6 meses, cerca de um terço da pena parcelar reclamada para o crime de burla informática. Tendo improcedido as pretendidas consunção e continuação criminosa, se à pena conjunta que propunha se adicionasse a mesma proporção de cada uma das seis penas parcelares em que foi condenado pelos 6 crimes de burla informática obter-se-ia uma pena única a rondar os 5 anos e 2 meses de prisão. Vem de dizer-se que um dos fatores que a lei manda ponderar na dosimetria da pena conjunta é a personalidade do arguido. No caso, ao vasto histórico criminal registado que já apresenta em tão curto período que leva de imputabilidade penal, ao histórico de abandono da formação escolar, que se ficou pelo patamar mínimo obrigatório, sem nenhuma formação profissional que, embora iniciada, também abandonou, ao registo de abandono do primeiro emprego, acrescenta alguma consciência das fragilidades ao nível da impulsividade e do autocontrolo, alguma descentração e tendência para a manipulação e sedução e, como como bem se assinala na decisão recorrida, um percurso criminoso de ascendente gravidade. A gravidade do “comportamento global”, atestando pelo cometimento desenfreado e cada vez mais frequente dos três tipos de ilícito criminal pelos quais está condenado nos autos, é em qualquer das perspetivas, - objetiva ou exógena, subjetiva, e na escala da valoração jurídica dos bens criminalmente protegidos -, considerável. Acentua-se o dolo intenso com que atuou. Da factualidade provada resulta que agiu sempre com preparação cuidada. Alugou um automóvel numa empresa de “carshering”. Neste, munido de uma faca, deslocou-se para os locais onde escolheu as vítimas e as circunstâncias para atuar. Apropriados, coativamente os cartões, ia ao terminal multibanco a algumas ruas de distância efetuar os levantamentos. Ou seja, resulta que a sua atividade criminosa foi sempre planeada. A apreciação conjunta dos factos e da personalidade do arguido augura que, ou sentindo a forte censura vertida nesta condenação, abraça, decididamente a ressocialização e reinserção social que vai, obrigatoriamente, orientar a execução da pena de prisão aplicada, ou então ou seu futuro será pautado pelo cometimento de crimes e pela execução de penas de prisão cada vez mais pesadas. Parametrizada da dosimetria da pena conjunta, vejamos a sua aplicação ao caso, na ponderação conjugada dos factos e da personalidade que se fez e se acaba de resumir, necessariamente no âmbito da moldura penal do concurso, resultante já da pena judicial aplicada a cada um dos três crimes de roubo e ao crime de roubo tentado que se desagravaram, nos termos expostos. Assim, a moldura do concurso dos 17 crimes por que o arguido vem condenado, (constituído por 3 de roubo agravado, a cada um aplicada pena de 2 anos e 3 meses de prisão; 3 crimes de roubo, por cada um dos quais lhe é aplicada pena de 1 ano e 8 meses de prisão; um crime de roubo tentado pelo qual lhe é aplicada a pena de 10 meses de prisão; 6 crimes de burla informática a cada foi aplicada pena de 5 meses de prisão; e quatro crimes de condução sem habilitação legal a cada um aplicada a pena de 9 meses de prisão) tem como limiar mínimo 2 anos e 3 meses de prisão – a pena parcelar mais elevada -, e como limiar máximo 18 anos e 1 mês. Aplicando aqui, na dosimetria da pena conjunta, a mesma fração que serviu para determinar a medida de cada pena parcelar imposta aos crimes de roubo e aos crimes de burla informática –recorda-se que se fixaram ao nível do quarto inferior da respetiva moldura penal atenuada -, obter-se-ia a pena conjunta de 6 anos e 1 mês de prisão. Já, adicionando ao limiar mínimo da moldura penal uma fração correspondente à quarta parte de cada uma das penas parcelares, obter-se-ia a pena única de 6 anos e 4 meses de prisão. Se nos sete crimes de roubo foram violados bens eminentemente pessoais e, por isso, o fator de compressão não pode ser mais elevado, já não assim nos crimes de burla informática e nos crimes de condução sem habilitação legal, em que, com o escopo de observar a justa proporcionalidade (comparativa entre a importância dos bens jurídicos ofendidos), entende-se ser ainda tolerável pela proteção do ordenamento jurídico aumentar o fator de compressão e, em face disso, adicionar à moldura mínima do concurso uma fração menor, sensivelmente entre um quinto e um sexto da cada uma das penas parcelares. E que, por isso, e por razões de proporcionalidade e justa medida –previstas em instrumentos de direito internacional convencional e na Constituição da República- entende-se que não viola o limiar mínimo indispensável à proteção penal dos bens jurídicos ofendidos pelo comportamento global do arguido, se se aumentar o fator de compressão, fixando-se a medida da pena conjunta ao nível do quinto inferior da moldura penal do concurso. Assim, cumulando juridicamente as penas parcelares aplicadas nos autos ao recorrente, pelo concurso de crimes em apreço, entende-se fixar a medida da pena conjunta em 5 anos e 6 meses de prisão. Pena única na qual se condena o arguido. v. da pena suspensa: Na pressuposição da procedência das suas pretensões de reduzir a pena conjunta para medida inferior a 5 anos de prisão, seja através da consunção dos crimes de burla informática pelos crimes de roubo ou, subsidiariamente, através da unificação dos crimes de burla num só crime continuado, peticionam o recorrente que se decrete a suspensão da respetiva execução. Pretensão infundada porque não procedeu nenhuma daquelas pretensões do recorrente. E porque, não obstante se ter alterado, em seu favor, a qualificação de três crimes de roubo e do crime de roubo, desagravando-os, e da consequente aplicação, a esses crimes, de pena mais baixa que aquela que lhe tinha sido aplicada na decisão recorrida, com projeção na redução da pena única, ainda assim esta foi fixada em quantum superior aos 5 anos de prisão, que é o pressuposto formal indispensável para que o tribunal pudesse avançar para a verificação dos pressupostos materiais e, consequentemente, para que pudesse decretar a pena suspensa. IV. DECISÃO: Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça -3ª secção criminal-, decide: a) alterando, em parte, a qualificação jurídica dos factos (em benefício do recorrente): a. confirma-se a condenação do arguido pela prática em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de três crimes de roubo agravado (ofendidas CC, EE, e HH), na pena de 2 anos e 3 meses de prisão por cada um; b. absolve-se o arguido dos restantes três crimes de roubo agravado consumado; c. condena-se o arguido pela prática em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de três crimes de roubo (ofendidas DD, BB, e FF, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão por cada um; d. absolve-se o arguido do crime de roubo agravado tentado; e. condena-se o arguido pela prática em autoria material, na forma tentada, de um crime de roubo (ofendido GG), na pena de 10 meses de prisão; b) Reformulando o cumulo jurídico das penas aplicadas, condena-se o arguido AA na pena única de anos de 5 anos e 6 meses de prisão. c) No demais, confirmando-se o acórdão recorrido, julgando-se parcialmente improcedente o recurso do arguido. * Sem Custas – art. 513º n.º 1 do CPP. Supremo Tribunal de Justiça, 1 de abril de 2020. Nuno Gonçalves (relator) Paulo Ferreira da Cunha (adjunto) ____________ [1] Ac. STJ de 12-09-2012, proc. 1008/11.6JFLSB-L1.S1 “A burla informática há-de traduzir sempre um comportamento que constitua um artifício , erro ou engano , dirigido não em relação à pessoa , como na burla , da qual , por isso , se diferencia , mas por intermediação ou manipulação de um sistema de dados ou de tratamento de informações ou utilização abusiva de dados” |