Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3379/18.4YLPRT.L2.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CONSIGNAÇÃO EM DEPÓSITO
DEPÓSITO DA RENDA
MORA DO CREDOR
MORA DO DEVEDOR
PENHORA
RESOLUÇÃO
PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODERES DE COGNIÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
PROVA
Data do Acordão: 09/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A falta de pagamento da renda não determina, sem mais, a resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio e subsequente despejo, pois que, para o efeito, é necessário que o inquilino esteja em mora, ou seja, que lhe seja imputável o retardamento da prestação.

II. Sendo a inquilina confrontada com dois sujeitos que, simultaneamente, se arrogam, perante si, como sendo os seus credores do pagamento de rendas, intitulando-se senhorios do locado, a par da obrigação legal decorrente da decretada penhora, por depósito das rendas, efetuados pela inquilina, e por consignação em depósito, numa outra demanda (autos de ação executiva), em que é executada uma daquelas arrogadas senhorias, justifica, sem reserva, considerar que existe mora creditoris, ou seja, motivo relativo à pessoa do credor, excluindo, por isso, a natureza culposa do não pagamento da renda, afastando a mora debitoris, o que impõe considerar-se não verificado o pressuposto resolutivo dos nºs. 3 e 4 do art.º 1083° do Código Civil.

III. Os depósitos efetuados pela inquilina, resultantes da consignação em depósito numa outra demanda (autos de ação executiva), decorrentes de uma obrigação legal em razão da penhora das rendas, afasta a natureza liberatória dos mesmos, importando que o Tribunal que se pronuncia sobre o reclamado direito à resolução do contrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas, e cumulativo pagamento de rendas, não se pronuncie sobre o destino destes depósitos.

Decisão Texto Integral:

 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO


1. AA intentou procedimento especial de despejo no BNA, contra Planeta Colorido II - Reprografia, Lda., mediante o qual pretende dar à execução específica, notificação judicial avulsa através da qual resolveu o contrato de arrendamento existente entre requerente e requerida, com base na falta de pagamento das rendas mensais no valor mensal de €1.250,00, vencidas desde novembro de 2012 e até maio de 2018.

Em cumulação de pedidos, impetra ainda a requerente AA que seja a requerida/arrendatária condenada a pagar-lhe o montante de €82.500,00 a título de rendas devidas e não pagas, acrescida de juros vencidos e que à data perfazem já o valor de €35.938,24, o que totaliza o valor global em divida de €118.438,24.

Articulou, com utilidade, que a requerente é a atual proprietária da fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito em ..…, n.º …., ….., freguesia …., concelho ….., inscrito na matriz sob o n.º …..45 e descrito na Conservatória do Registo Predial …., sob o artigo n.º ….97, com o Alvará de Licença de Utilização n.º ……76, emitido em 09.02.2001, pela Câmara Municipal ……, com o valor patrimonial de €49.783,58.

Ocorre que em 1 de outubro de 2005, o então proprietário, de seu nome, BB, da referida fração celebrou um contrato escrito de arrendamento da mesma, para fins não habitacionais, sendo a renda mensal acordada de €1.250,00.

Sucede porém que a requerida, desde novembro de 2012, inclusive, até maio de 2018, não procedeu ao pagamento de qualquer renda, nem tão pouco procedeu ao efetivo pagamento de cada uma das rendas, nos oito dias seguintes a contar do inicio da mora, pelo que, o montante total das rendas vencidas e não pagas ascende, na presente data, a €82.500,00, valor ao qual acrescem os juros vencidos, que, à presente data, perfazem o valor de €35.938,24, totalizando assim a quantia em dívida o valor de €118.438,24.

2. Notificada a Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Lda. do procedimento supra referido, veio a mesma deduzir oposição, defendendo-se por exceção, invocando a exceção de litispendência - estando pendente a ação com o número 14381/18….., a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca …… e na qual se requer a declaração de validade do contrato celebrado com a aqui requerida, o seu reconhecimento como legitima arrendatária do referido arrendamento e julgados válidos e relevantes os depósitos efetuados por indeterminação do titular do direito de receber rendas ou do seu beneficiário final, constata-se que tal ação tem a identidade de sujeitos, de causa de pedir e de pedido que fundamentam o presente requerimento de despejo, pelo que, o presente processo constitui uma repetição de uma causa anterior ainda em curso - e a exceção de ilegitimidade da requerente - designadamente porque em ação que correu termos foi celebrada uma transação judicialmente homologada a 9 de maio de 2014 e nos termos da qual a ora Requerente, assumindo-se é certo como a proprietária da fração locada, constituiu porém usufruto vitalício a favor de CC, ficando esta última com o direito de cobrar rendas e de entregar 50% do valor das mesmas rendas à Requerente, e por impugnação motivada, invocou diversas vicissitudes relacionadas com o contrato de arrendamento.

Assim e designadamente no toante ao contrato de arrendamento, alega a Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Limitada, que resulta da própria caderneta predial urbana junta com a petição inicial, que a fração autónoma “A”, referida na mesma petição, é composta por estabelecimento no Rés-do-chão com entrada pelos números …. e …...…, sendo que é apenas sobre o número de polícia … que tem a Ré um contrato de arrendamento comercial em vigor e com a renda acordada de €750,00, que não de €1.250,00 mensais.

3. Após articulado da Requerente/AA de resposta às exceções, e remetido o procedimento para distribuição ao Tribunal Competente, por decisão/sentença de 8 de maio 2019 foi posto termo à ação, considerando-se não resultar provado o primeiro dos pressupostos para a procedência do Procedimento Especial de Despejo, a saber, a vigência, entre as partes (AA e Planeta Colorido II - Reprografia, Limitada) de um contrato de arrendamento.

4. Interposta apelação da aludida decisão, veio o Tribunal da Relação …., através de acórdão de 19 de Outubro de 2019, a revogar a sentença recorrida, determinando o prosseguimento dos autos (quer porque não estavam os autos em condições - sem produção de quaisquer provas - de justificar a prolação de uma decisão de mérito, quer porque a admissibilidade da oposição de Ré exigia que à mesma fosse concedido prazo para prestar a caução a que alude o art.º 15 F, n°3, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro - Novo Regime do Arredamento Urbano (NRAU)), e, interposta revista, não foi a mesma admitida pelo Supremo Tribunal de Justiça, conforme acórdão de 7 de maio de 2020.

5. Regressando os autos à 1ª Instância, e, calendarizada e realizada a audiência final, veio a ser proferida sentença sendo o respetivo excerto decisório do seguinte teor: “Pelos fundamentos expostos, julgo improcedente, por não provado, o presente procedimento especial de despejo e, consequentemente, absolvo a Requerida dos pedidos que contra si foram dirigidos. Não vislumbro sinais de má-fé processual.”

6. Inconformada com o decidido, a Requerente/AA interpôs apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi enunciado: “Concedendo parcial procedência à apelação de AA; i) Manter - ainda que com fundamentação não totalmente coincidente - a sentença apelada no tocante à decisão de improcedência da acção no que concerne à pretensão de resolução do contrato de arrendamento existente entre requerente e requerida, e com base na falta de pagamento das rendas mensais vencidas desde Novembro de 2012 e até Maio de 2018; ii) Condenar a Ré/apelada Planeta Colorido II - Reprografia, Limitada, a pagar à demandante/apelante AA o montante de € 49.500,00 [€750,00 X 66 = €49.500,00 ] a título de rendas vencidas e não pagas.”

7. É contra este acórdão, proferido no Tribunal da Relação …. que a Requerente/AA e a Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Lda. se insurgem, esta a título subordinado, formulando as seguintes conclusões:

Da Recorrente/Requerente/AA:

“a) Constatada a falta de pagamento de renda e definida, de forma cristalina, a qualidade de proprietária da fração na esfera da recorrente (algo que o Acórdão recorrido começa por afirmar), inexiste motivo desculpante para a recorrida, enquanto inquilina, não proceder ao pagamento da renda e, em vez disso, efetuar um deposito liberatório, na medida em que podia pagar a renda com segurança, não havendo mora ou obstáculo ao pagamento da renda por parte da recorrente;

b) Nem se pode considerar estar preenchida a previsão do art. 841.º do CC (e 17º, n.º 1, do NRAU) por via de um terceiro invocar qualquer direito sobre a mesma fração, estando a propriedade da fração plasmada e evidenciada por via do registo predial do locado;

c) A mora do devedor/inquilino no pagamento da renda, que persiste praticamente há dez anos, verifica-se porquanto o mesmo, de forma injustificada, persiste em não pagar a renda no tempo, lugar e modo contratualmente definidos - art. 1083.º, n.º 3, do CC;

d) O Acórdão recorrido, salvo melhor opinião, no segmento objeto do presente recurso, violou os comandos legais constantes das presentes conclusões de recurso.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências, por ser de JUSTIÇA.”

Da Recorrente/Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Lda.:

“A - Face à matéria provada na acção, sua fundamentação e subsunção dos factos ao Direito, o Acórdão recorrido declarou exemplarmente a improcedência da acção, no que concerne à pretensão de resolução do contrato de arrendamento existente entre a requerente e a requerida.

B - Contudo, o mesmo Acórdão recorrido condenou a aqui recorrente subordinada a pagar rendas à recorrente principal, durante 66 meses, precisamente o período que constava no pedido da acção, com o fundamento no carácter não liberatório do depósito facultativo.

C - Todavia, não só o carácter facultativo da consignação em depósito não lhe retira a natureza liberatória, como também há prova de tais depósitos feita nos autos até Janeiro de 2019, que não foram tomados em conta na decisão recorrida.

D - Preenchidos todos os requisitos da consignação liberatória, não deveria nunca a recorrente subordinada ser condenada a esse pagamento, mas sim a recorrente principal ter acesso directo aos montantes depositados resultantes da tal consignação.

E - Ao decidir como decidiu, violou o douto Acórdão recorrido os artigos 656º, 658º e 1042º, número 2, todos do Código Civil, bem como o artigo 611º do CPC.

Nestes termos e nos mais de Direito, e com a confirmação da improcedência do recurso principal, deve o recurso subordinado ser julgado procedente e provado e ser alterada a decisão nessa parte e substituída por outra, que permita à recorrente principal ter aceso aos valores depositados, absolvendo-se a recorrente subordinada da efectiva condenação.

Com o que se fará a costumada JUSTIÇA.”


8. Foram dispensados os vistos.


9. Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. As questões a resolver consistem em saber se:


Da Recorrente/Requerente/AA

(1) Considerada a facticidade adquirida processualmente, o Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica da mesma, importando que a questão seja diversamente sentenciada, na medida em que, contrariamente ao decidido, inexiste motivo desculpante para a requerida, enquanto inquilina, não proceder ao pagamento da renda, e, em vez disso, efetuar um deposito liberatório, importando, por isso, na ausência de obstáculo ao pagamento da renda por parte da requerida, a resolução do ajuizado contrato de arrendamento e pagamento das rendas, nos termos reclamados.


(1) Considerada a facticidade adquirida processualmente, o Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica da mesma, importando que a questão seja diversamente sentenciada, na medida em que, contrariamente à decidida condenação da requerida ao pagamento das rendas à requerente, durante 66 (sessenta e seis) meses, deve a requerente ter acesso direto aos montantes depositados pela requerida, resultantes da consignação em depósito, considerando, não só que o carácter facultativo da consignação em depósito não lhe retira a natureza liberatória, como também há prova nos autos, de depósitos até Janeiro de 2019 que não foram tomados em conta na decisão recorrida?


II. 2. Da Matéria de Facto

Factos Provados:

“2.1. - Encontra-se inscrita a favor da Autora AA, por apresentação n°. ..….., de 18/08/2016, a aquisição, por partilha de herança, da fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao Rés-do-chão do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito no …., n°s …. e …, da freguesia ……, em ….., inscrito na matriz sob o artigo n° …..45 e descrito na Conservatória do Registo Predial …. sob o nº ….97;

2.2. - A referida fracção encontra-se subdividida em dois espaços, interligados entre si, “A” e “B”;

2.3. - Relativamente à “subdivisão B” - loja com entrada pelo n° …. - existe um contrato de arrendamento, celebrado em 01 de Outubro de 2005, entre BB e a ora Ré Planeta Colorido II - Reprografia, Limitada;

2.4. - Por apresentações n° ….. e …., de 12/12/2008, foi registada a aquisição da referida fracção, por sucessão hereditária, sem determinação de parte ou direito, a favor da ora Autora e de DD (certidão da Conservatória do Registo Predial, junta aos autos a fls. 17, p.p.);

2.5. - Por apresentação n.º ….. de 12/12/2008, encontra-se registado a favor de CC o legado do “direito de uso e habitação”, sendo sujeito passivo BB (certidão da Conservatória do Registo Predial, junta aos autos a fls. 17, p.p.);

2.6. - Encontra-se registada, por apresentação n° …., de 11/04/2012, acção reconvencional na qual foi pedido que a ora Autora AA e DD fossem condenadas a reconhecer que a dita fracção (“estabelecimento para stand de automóveis com entrada pelos n°s ….. e …..”) era propriedade de CC, adquirida por usucapião (certidão da Conservatória do Registo Predial, junta aos autos a fls. 17, p.p.);

2.7. - Na acção referida no ponto 2.6 [a qual correu termos sob o n° 2011/l……, e que foi movida por DD e AA contra CC e Planeta Colorido II- Reprografia, Lda, foi homologada, em 09/05/2014, transacção, nos termos da qual:

1- As autoras procedem à partilha da fracção objecto dos presentes autos em termos de ser a mesma adjudicada pelo seu valor patrimonial, à Autora AA, que assim ficará com a propriedade da mesma;

2- A Autora constitui a favor da Ré CC o usufruto vitalício sobre a mesma fracção;

3- No âmbito dos actos de administração, como usufrutuária, a Ré CC compromete-se mensalmente a entregar à Autora AA metade do valor das rendas efectivamente recebido;

4- A Autora AA assume a obrigação de outorgar título de venda da fracção, se tal lhe for solicitado pela Ré CC, no prazo de 15 dias, condicionado ao facto de o preço de venda não ser inferior a € 300.000 (trezentos mil euros), sendo o produto da venda repartido em partes iguais por ambas;

5 - O acordo agora estabelecido será objecto de título apto à realização do registo - escritura ou contrato particular autenticado - a celebrar no prazo de 60 dias a contar desta data, ficando a cargo da Ré o pagamento dos encargos fiscais subjacentes à efectivação da partilha e constituição do usufruto, bem como os encargos de registo da escritura ou contrato;

6 - As partes reconhecem legitimidade à Ré CC para de imediato desencadear todo e qualquer mecanismo judicial ou extrajudicial, incluindo promover o despejo por falta de pagamento de rendas relativamente ao inquilino que ocupa a fracção objecto dos presentes autos; (...)” (cfr. certidão de fls. 98, v., p.p.);

 2.8. - CC interpôs contra a Ré Planeta Colorido II - Reprografia, Limitada uma acção para cobrança de rendas e despejo que, sob o n.° 461/15….., correu os seus termos pelo Juízo Central Cível de …. - Juiz …., no âmbito do qual foi homologada, em 30/06/2017, transacção, nos termos da qual:

2.    A Autora, como pressuposto da celebração de novos contratos de arrendamento na sua qualidade de usufrutuária, e tendo em vista a respectiva declaração dos contratos na repartição de finanças competente () compromete-se a proceder, de imediato, a seguir à presente transacção ao registo do usufruto e à alteração da titularidade tributária.

3.    Esta inscrição registral e o requerimento para alteração matricial, são condições suspensivas da alteração do contrato em vigor para a fracção “B” e a celebração de novo contrato de arrendamento para a fracção “A” entre Autora e Ré, alteração e contrato esses que deverão ser assinados no prazo máximo de 8 dias a partir da prova do registo e da alteração matricial.

2.9. - A Ré foi notificada, mediante notificação de 04-12-2012, verificada nos autos de Execução com o n.° 301/12…… do Juízo de Execução …. do Tribunal Judicial da Comarca …., e onde é executada CC, de que ficavam penhorados os créditos de rendas de CC (cfr. doc. 5, junto a fls. 78 do p.p.);

2.10. - A Ré procedeu a depósito autónomo na CGD das rendas que se venceram entre Dezembro de 2012 e Dezembro de 2015;

2.11. - A Ré não procedeu ao pagamento de outras rendas, para além das indicadas em 2.10 [a referência a 2.9, tal como consta da sentença apelada e ao invés de 2.10, só se justifica/percebe se se tratar de mero lapso, pois que o item 2.9 não alude a qualquer pagamento/deposito de quaisquer montantes/rendas];

2.12. - Em 16-06-2018, a Ré instaurou uns autos de Acção de Processo Comum que correm os seus termos sob o 14381/18….. do Juiz ….. do Juízo Local Cível deste Tribunal Judicial da Comarca ….., nos quais são RR CC, viúva, NIF … e AA, solteira maior, NIF …. - consulta electrónica dos autos;

2.13. - A Ré formula os seguintes pedidos, nos autos identificados em 2.12:

“(...)

 

a) Ser declarado válido, relevante e em vigor o contrato de arrendamento de que a Autora é beneficiária relativo ao número … da fracção “A” do prédio sito no ….. n° …., …., ….. em …..;

b) Ser a Autora reconhecida pelas Rés como legitima arrendatária do referido arrendamento, não podendo ser imputável à Autora qualquer mora ou incumprimento pelo pagamento de rendas,

c) Serem julgados válidos e relevantes os depósitos efectuados por indeterminação do titular do direito de receber rendas ou do seu beneficiário final;

d) Ser julgada a primeira Ré como parte ilegítima para receber quaisquer rendas relativas quer ao arrendamento vigente quer àquele que possa resultar da transacção junto aos autos realizada no processo 4 61/15…..;

e) Seja a primeira Ré condenada como litigante de má-fé em multa e indemnização condignas pela notificação judicial avulsa que deduziu;

(…)”

Factos não Provados:

“2.14. - O valor mensal da renda mensal relativo à entrada com o n.º …. da fracção identificada nos autos é de 1.250€.”

Ao abrigo do disposto no art° 662°, n° 1, do CPC, e em razão de pertinente prova documental carreada para os autos, a Relação adicionou [tendo presente o disposto no art° 611°, do CPC, e as várias soluções plausíveis da questão de direito objecto da acção] à factualidade PROVADA, a seguinte:

2.15. - Na acção identificada em 2.12., uma vez proferida sentença no Primeiro Grau a 31/1/2019 [que decidiu julgar verificada a excepção dilatória da falta de interesse em agir, e ,consequentemente, se absolveu da instância as Rés], dela apelou a Autora, vindo a apelação a ser julgada procedente por Acórdão proferido por este Tribunal da Relação a 11/7/2019, neste se determinando a revogação da decisão recorrida que se substitui por estoutra que ordena que os autos prossigam os ulteriores termos do processo, se nenhuma outra razão existir para que não prossigam

2.16. - Nos autos de Execução identificados em 2.9., que EE moveu a CC, deduzidos que foram embargos de terceiro por AA, veio a ser proferida sentença que “Julgou parcialmente procedentes os embargos de terceiro, com o consequente levantamento da penhora incidente sobre 1/2 dos montantes penhorados e que foram depositados pela sociedade “Planeta Colorido II- Reprografia, Lda.” pela ocupação da fracção autónoma designada pela letra “A”;

2.17. - Nos embargos de terceiro identificados em 2.16, da sentença proferida pelo Primeiro Grau apelou a embargante AA, vindo a apelação a ser julgada procedente por Acórdão [que transitou em julgado a 7/9/2020] proferido pelo Tribunal da Relação ….. a 16/1/2020, nele se decidindo julgar a apelação procedente e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se os embargos totalmente procedentes, com o consequente levantamento da penhora que incide sobre a totalidade das quantias depositadas pela sociedade Planeta Colorido II - Reprografia, Lda., pela ocupação da fracção designada pela letra “A”.

2.18. - AA intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra PLANO HUMANO II, LDA., pedindo a condenação da Ré:

“a) a reconhecer que a Autora é única e exclusiva proprietária da fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito em …., n° …. e ….., freguesia …, concelho …., inscrito na matriz sob o n° ….45 e descrito na Conservatória do Registo Predial …., sob o artigo n° …..97;

b) a entregar a subdivisão “A”, livre e desocupada de pessoas e bens, bem como a abster-se a aceder à mesma sem autorização da Autora;

c) a pagar à Autora a quantia mensal de euros € 1.500,00 desde Junho de 2011, até à presente data. Alegou, para tanto, e em síntese, que a Ré ocupa a dita “subdivisão A” do prédio sem qualquer título legítimo, contra a vontade da Autora, sua proprietária, privando-a de receber uma quantia mensal não inferior a € 1.500,00;

2.19- Na acção identificada em 2.18, que correu termos com o n° 12191/18……, foi proferida sentença, que decidiu:

- julgar a acção parcialmente procedente e, consequentemente, decidiu:

- reconhecer a Autora como proprietária da fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao Rés-do-chão do prédio urbano sito no …., nºs …. e ….., em …., descrito na Conservatória do Registo Predial ….. sob o n° …..97 da freguesia …. e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …..45 da freguesia …..;

- condenar a Ré a restituir à Autora, livre e devoluto de pessoas e bens, a loja com entrada pelo n° ….. do referido prédio;

- condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 1.500,00 mensais, correspondente ao valor locativo da “loja”, desde a citação até à entrega efectiva do imóvel, absolvendo-a do mais peticionado.

2.20 - Da sentença identificada em 2.19 interpôs recurso PLANETA COLORIDO II, REPROGRAFIA LDA., vindo este tribunal da Relação …., por Acórdão de 24 de Setembro de 2020, a julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença identificada em 2.19.

2.21 - Do contrato identificado em 2.3 e outorgado a 1/10/2005, consta expressis verbis:

CONTRATO DE ARRENDAMENTO COMERCIAL

PRIMEIRO: BB, natural ….., separada judicialmente de pessoas c bens, portador do Bilhete de Identidade N° ….., emitido em 30 de Outubro de 1997, pelos Serviços de Identificação Civil dc ….., contribuinte fiscal n.° ….., residente na Rua ……, na qualidade de senhorio e adiante designado como PRIMEIRO OUTORGANTE.

E

SEGUNDO: PLANETA COLORIDO II, REPROGRAFIA,LDA. pessoa colectiva n.° P 507460871, com sede em Ruo do Campo Grande, N° 334 - B, freguesia da Campa Grande, concelho da Lisboa, neste acto representado pelos sócios-gerentes FF, casado em comunhão geral com GG, portador do Bilhete da Identidade N° ….., emitido em 2 de Agosto de 2001, pelos Serviços de Identificação Civil …., contribuinte fiscal n° ….., residente em Rua …., e HH, casado cm comunhão de adquiridos com II, portador do Bilhete de Identidade N° ….., emitido em 4 de Janeiro de 2001, pelos Serviços de Identificação Civil ….., contribuinte fiscal n° ….., residente na Rua …., adiante designado por SEGUNDO OUTORGANTE,


Acordam o presente Contrato de Arrendamento Comercial, que reciprocamente aceitam e se obrigam a cumprir, nos seguintes termos:

CLÁUSULA PRIMEIRA

O primeiro outorgante é dono e legítima proprietário da loja ...…, do prédio urbano sito no …., freguesia ….., concelho …., Inscrito na matriz sob o Artigo ….., descrita na ….. Conservatória do Registo Predial …., encontrando-se em estado de gozo imediato, conforme licença de utilização emitida a 9 de Fevereiro de 2001 pela Câmara Municipal …….

CLÁUSULA SEGUNDA

Pelo presente Contrato o primeiro outorgante dá de arrendamento ao segundo outorgante, e este toma-lhe de arrendamento o imóvel identificado na cláusula anterior.

CLÁUSULA TERCEIRA

1 - O presente Arrendamento é celebrado pelo período de um ano, renovável por Iguais períodos.

2 - O Contrato terá início em 1 de Outubro de 2005.

CLÁUSULA QUARTA

O Contrato de Arrendamento pode ser denunciado pelo segundo outorgante a todo o tempo, mediante comunicação escrita e enviada ao primeiro outorgante com antecedência mínima de 30 dias.

CLÁUSULA QUINTA

1 - A renda anual é de €9.000,00 [nove mil euros] que será pago mensalmente em duodécimos de €750.00 (setecentos e cinquenta euros) ao senhorio ou seu representante legal no primeiro dia útil do mês anterior aquele o que disser respeito.

2 - A renda estipulada não sofrerá aumentos nos próximos cinco anos, sofrendo o primeiro aumento a partir dessa data de acordo com os coeficientes legais publicados no Diário da República.

CLÁUSULA SEXTA

(...)”.


II. 3. Do Direito


O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes, Requerente/AA e Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Lda., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.


Da Recorrente/Requerente/AA

II. 3.1. Considerada a facticidade adquirida processualmente, o Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica da mesma, importando que a questão seja diversamente sentenciada, na medida em que, contrariamente ao decidido, inexiste motivo desculpante para a requerida, enquanto inquilina, não proceder ao pagamento da renda e, em vez disso, efetuar um deposito liberatório, importando, por isso, na ausência de obstáculo ao pagamento da renda por parte da requerida, a resolução do ajuizado contrato de arrendamento e pagamento das rendas, nos termos reclamados? (1)

Cotejado o acórdão recorrido, anotamos que o Tribunal a quo, perante a facticidade demonstrada nos autos, concluiu, no segmento decisório, e para o que aqui interessa, atento o thema decidendum da presente revista, manter - ainda que com fundamentação não totalmente coincidente - a sentença proferida em 1ª Instância no tocante à decisão de improcedência da ação no que concerne à pretensão de resolução do contrato de arrendamento existente entre Requerente/AA e Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Lda., com base na falta de pagamento das rendas vencidas desde novembro de 2012 e até maio de 2018, a par da condenação da Requerida a pagar à Requerente €49.500,00 (€750,00X66 = €49.500,00), a título de rendas vencidas e não pagas.

O aresto escrutinado ao problematizar a questão a apreciar, sopesando as conclusões formuladas pela Requerente/AA, no confronto com a sentença recorrida e com a pretensão jurídica formulada e respetivos fundamentos, enunciou, a propósito, que a questão trazida ao conhecimento do Tribunal da Relação consistia em aferir se a sentença apelada incorreu em error in judicando ao julgar a ação totalmente improcedente, impondo-se a sua substituição por acórdão que condenasse a Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Lda. nos termos impetrados na ação.

O Tribunal recorrido apreendeu a real conflitualidade subjacente à demanda trazida a Juízo tendo proferido aresto, fazendo apelo a um enquadramento jurídico-normativo posto em crise com a interposição da presente revista que, de resto, adiantamos desde já, não merece censura, tal a forma bem estruturada e certeira com que apresentou solução para o litígio apresentado.

Vejamos da bondade do enquadramento jurídico vertido no aresto escrutinado e da pertinência do sequente dispositivo, destacando que a questão colocada a este Tribunal de revista, confunde-se com aqueloutro apreciada pelo Tribunal recorrido.

Uma vez subsumidos os factos ao direito, o Tribunal a quo consignou a propósito, e com utilidade para apreciação da reclamada resolução do articulado contrato de arrendamento:

“(…) em princípio, têm legitimidade para a acção de despejo os sujeitos da relação jurídica de arrendamento, ou seja, aqueles que segundo o respectivo contrato ocupam as posições de senhorio e de arrendatário, sendo que, embora o senhorio seja geralmente o proprietário do imóvel, sucede que, por vezes, o não é, razão porque a legitimidade activa para instaurar a acção de despejo não está dependente da alegação e prova por parte do senhorio da sua qualidade de proprietário em relação ao arrendado, mas sim da sua qualidade de “senhorio”, visto que na acção de despejo o que está em causa é a relação obrigacional e contratual senhorio versus inquilino.

Perante o acabado de expor, e tendo presente a factualidade assente em 2.1. e 2.7., o que importa doravante aferir é se, tal como o entende a apelante, assiste-lhe total legitimidade substantiva [porque sucedeu - sendo a actual proprietária do imóvel locado - a BB na posição contratual de senhoria] para proceder à comunicação prevista no n.° 2 do artigo 1084.° do Código Civil (…), ou , ao invés, porque não podia arrogar-se tal qualidade, à partida importava desde logo considerar aquela - comunicação - como inválida [porque em rigor efectuada por proprietário não senhorio, rectius não titular do direito ao gozo do imóvel, que assim o não pode proporcionar a outrem - cfT. art° 1022°, do CC], o que obriga à confirmação do julgado.

Mais exactamente, importa doravante aferir se bem andou o tribunal a quo em considerar/julgar que, porque à data comunicação prevista no n.° 2 do artigo 1084.° do Código Civil, mostrava-se constituído um direito de usufruto (…), era à titular deste último [in casu a CC, em face da factualidade assente em 2.7.] que assistia, enquanto senhorio (…) a legitimidade substantiva para desencadear a resolução do contrato de arrendamento, que não ao proprietário de raiz [a Autora AA] do imóvel daquele - arrendamento - objecto. (…) Isto dito, recorda-se que a questão decidenda e agora em aferição, foi já objecto de apreciação e resolução [e no sentido contrário ao entendimento perfilhado pelo Primeiro Grau na sentença apelada], o que sucedeu no âmbito dos Acórdãos identificados nos itens de facto n°s 2.17 [proferido pelo Tribunal da Relação ….. a 16/1/2020] e 2.20 [proferido pelo Tribunal da Relação …. a 24/9/2020], ambos da Motivação de Facto, e qualquer um deles proferido em data anterior à da sentença apelada. Porque relativamente à questão em causa, justifica-se a aplicação in casu da ratio subjacente ao dispositivo (facilitador) do art° 656°, do CPC, vejamos de seguida o que relativamente àqueles consta de qualquer dos supra referidos Acórdãos:

Assim, no identificado em 2.17, diz-se a dado passo (…) e a propósito da transacção identificada nestes autos em 2.7, o seguinte; (…) as partes subordinaram a constituição do usufruto à condição de, no prazo de 60 dias, ser outorgada escritura ou contrato particular autenticado, o que não veio a suceder naquele prazo, nem posteriormente.

Inexistindo o respectivo contrato, não há constituição de usufruto a favor da embargada CC (art. 1440° do Código Civil).

(…) Já no Acórdão identificado em 2.20, diz-se a dado passo e outrossim bem a propósito da transacção identificada nestes autos em 2.7, (…) a homologação de tal manifestação de vontade e das condições em que seria constituído o usufruto e registado na CRP, bem como pagos os encargos devidos, não tem a virtualidade de constituir o direito real de usufruto, por estar dependente de condição suspensiva, que nunca se verificou.”

Porque subscrevemos in totum o entendimento que se mostra explanado em ambos os Acórdãos identificados em 2.17 e 2.20 da motivação de facto e cujos trechos transcrevemos, o qual é de resto aquele que melhor satisfaz as regras constantes dos arts. 236.° a 238.° do CC, e no quadro da interpretação dos negócios jurídicos, as quais integram as directrizes que visam vincular o intérprete a um dos sentidos propiciados pela actividade interpretativa (4), e, tendo presente o item de faco n° 2.1 do presente Acórdão [e a forçosa aplicação do disposto no art° 7° do CRPredial – (…), inevitável é reconhecer (ao contrário do entendimento do primeiro Grau) que dispunha a autora de legitimidade substantiva (como senhoria) para lançar mão do PED e com fundamento em comunicação de resolução prevista no n.º 2 do artigo 1084.° do Código Civil.

Em face de tudo o acabado de expor, resta de seguida aferir se tal como o impetra a apelante/senhoria, importa reconhecer - em face da factualidade provada - que, porque dispunha de fundamento legal para tanto, deve a acção proceder porque bem resolvido o contrato de arrendamento identificado nos itens de facto n°s 2.3 e 2.21, ambos da motivação de facto.

(…) Ora Bem.

Locação, diz-nos o artº 1022°, do CC (…).

Perante a noção constante do art° 1022°, do CC, compreensível é assim que de entre as diversas obrigações do arrendatário, a que de imediato surge em primeiro lugar (…) é a da “Pagar a renda ou aluguer “ [art° 1038°, do CC, alínea a)]. (…) A referida obrigação, diz-nos o art° 1039°, do CC [sob a epígrafe de “Tempo e lugar do pagamento“], há-de pelo arrendatário ser cumprida nos seguintes termos;

(…) Porém, não sendo a mesma obrigação cumprida pelo arrendatário [existindo assim Mora do Locatário], reza então o art° 1041° do CC [com a redacção anterior à conferida pela Lei n.° 13/2019, de 12 de Fevereiro], (…).

(…) Já o normativo imediatamente subsequente - o art° 1042° e sob a epígrafe de “Cessação da Mora”, com a redacção conferida pela Lei n.° 6/2006, de 27 de Fevereiro -, vem dizer que (…).

(…) Em face do conteúdo das disposições legais acabadas de transcrever [máxime a do art° 1041°, n°2, do CC] e conjugadas as mesmas com a CLÁUSULA QUINTA do contrato de arrendamento dos autos [a qual reza que a renda mensal no valor de €750.00 será paga ao senhorio ou ao seu representante legal no primeiro dia útil do mês anterior aquele o que disser respeito], e, bem assim, com o disposto nos art°s 804° [“O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido”- n° 2] e 805° [Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo - n° 1 e 2, alínea a)], ambos igualmente do CC, forçoso é concluir que in casu haverá mora debitoris do arrendatário/Ré susceptível do exercício pelo senhorio do direito potestativo à resolução do ARRENDAMENTO caso a arrendatária não proceda ao pagamento da renda no período compreendido prima facie entre os dias 1 a 8 do mês anterior àquele a que aquela disser - renda - respeito.

(…) Aqui chegados, e deparando-se o senhorio com uma situação de mora do arrendatário no tocante à sua obrigação do pagamento da renda, certo é que nos diz o art° 1083°, do CC, sob a epígrafe de “Fundamento de Resolução”, que [com a redacção conferida pela Lei n.° 43/2017, de 14 de Junho 1:

1 - Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.

2 - E fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio:

(...) pagamento da renda (…).

No essencial e em rigor, verificando-se portanto um quadro factual subsumível à previsão dos n°s 3° e 4°, do art° 1083°, do CC, forçoso é concluir que se preenche automaticamente a cláusula geral prevista no n.° 2 do artigo 1083.º, ou seja, é o senhorio confrontado com uma situação de incumprimento que em face da sua gravidade e/ou consequências, tornam inexigível a manutenção do contrato, verificando-se assim inequivocamente motivo para a resolução - pelo senhorio - do contrato.

(…) Por último, resta apenas atentar que, tendo o senhorio enveredado pela extinção do contrato de arrendamento, usando o direito potestativo de resolver o contrato, caber-lhe-á o ónus da prova dos respectivos pressupostos, ou seja, dos factos constitutivos do surgimento desse direito (artigo 342°, n° 1, do Código Civil), mais exactamente incumbe-lhe alegar e provar a outorga do contrato de arrendamento e o nele acordado em sede de montante da renda e tempo e lugar do seu pagamento, e , bem assim, alegar o incumprimento do arrendatário, cabendo já a este último (como facto extintivo do direito potestativo invocado e actuado pelo Senhorio) alegar e provar o pagamento da renda convencionada - cfr. art° 342°, n°s 1 e 2, do CC.

(…) Aqui chegados, cremos dispor já dos elementos legais e doutrinais necessários para a decisão da apelação, impondo-se agora subsumir todos eles à factualidade PROVADA.

Ora, antes de mais, importa atentar que no que à obrigação do pagamento da renda concerne, diz-nos a factualidade assente [nos itens de facto n°s 2.10. e 2.11, não tendo ambos sido objecto de impugnação nos termos do art° 640°, do CPC, por qualquer das partes, e isto não obstante prima facie ambos fazerem tábua rasa dos documentos n°s 57 a 65, juntos com a OPOSIÇÃO, e os quais aludem a depósitos existentes com datas posteriores a Dezembro de 2015], que a Ré “procedeu a depósito autónomo na CGD das rendas que se venceram entre Dezembro de 2012 e Dezembro de 2015“ e que “A Ré não procedeu ao pagamento de outras rendas, para além das indicadas“.

A referida factualidade, a nosso ver, por si só e prima facie obriga a reconhecer como sendo demostrativa/reveladora de uma situação de mora da Ré/arrendatária Planeta Colorido II - Reprografia, Limitada, ou seja, de uma situação de facto que permite ao Senhorio AA resolver o contrato de arrendamento - o identificado no item de facto 2.21 - com base no disposto no n° 3, do art° 1083°, do CC.

E porquê?

Desde logo, porque o que resulta do contrato de arrendamento (cláusula QUINTA) que é objecto dos presentes autos, e no que ao pagamento da renda concerne, é que “A renda anual é de €9.000,00 [nove mil euros] que será pago mensalmente em duodécimos de €750.00 (setecentos e cinquenta euros) ao senhorio ou seu representante legal no primeiro dia útil do mês anterior aquele o que disser respeito”.

Ou seja, e em consonância de resto com o disposto no art° 769°, do CC [a prestação deve ser feita ao credor ou ao seu representante], o arrendatário em sede de cumprimento da sua obrigação de pagamento da renda há-de observar o que a tal propósito estiver acordado no subjacente contrato, sendo que, como outrossim dispõe o art° 770°, do CC, a regra é a de que a prestação feita a terceiro não extingue a obrigação.

Em suma, não dispõe de todo o arrendatário da possibilidade/opção legal de, em vez de satisfazer a prestação ao senhorio no lugar estipulado no contrato, ou supletivamente pela lei, fazê-lo mediante depósito, a seu arbítrio e sendo a tal depósito conferida eficácia liberatória.

Depois, porque como resulta claro do disposto no art° 17°, n°1 do NRAU [LEI n.° 6/2006, de 27 de Fevereiro - NOVO REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO] “O arrendatário pode proceder ao depósito da renda quando ocorram os pressupostos da consignação em depósito, quando lhe seja permitido fazer cessar a mora e ainda quando esteja pendente acção de despejo”, sendo que, a propósito da primeira situação, reza o art° 841°, do CC, que:

1. O devedor (arrendatário) pode livrar-se da obrigação mediante o depósito da coisa devida, nos casos seguintes:

a) Quando, sem culpa sua, não puder efectuar a prestação ou não puder fazê-lo com segurança, por qualquer motivo relativo à pessoa do credor (senhorio);

b) Quando o credor (senhorio) estiver em mora.

2. A consignação em depósito é facultativo”.

(…) O arrendatário não poderá, por conseguinte, depositar, sem previamente ter tentado em vão pagar, no tempo e lugar próprios, integralmente o montante exigível.

Se depositar fora deste condicionalismo, arrisca-se a ver impugnado o depósito e a ser declarado ineficaz como meio de extinção da obrigação, tendo de arcar com as custas e as despesas feitas com o depósito (artigo 1028°, n. ° 2 CPC).

(…) Perante o acabado de expor, porque em principio não permite a factualidade assente concluir pelo cumprimento pela arrendatária/apelada da sua obrigação no tocante ao pagamento [para tanto revelando-se inócuos os depósitos por si efectuados] da renda convencionada, como facto extintivo do direito pela senhoria/apelante invocado, (…) tudo aponta prima facie para a inevitabilidade da procedência da apelação.

Porém, porque estamos em crer que permite e obriga a factualidade provada enveredar por uma diversa abordagem da questão de direito, e por subsequente e adversa solução, não se mostra em última análise a procedência da apelação algo que se imponha.

É que, no nosso entender, e perante a factualidade provada, pertinente é considerar que logrou a Ré/arrendatária provar [ónus a seu cargo] que a falta de cumprimento não procede de culpa sua [cfr. art° 799°, do CC], ou , melhor, razoável não é concluir que a arrendatária deve considerar-se constituída em mora [nos termos do artigo 804.°, n.º 2 do CC] (…) e porque, por causa que lhe é imputável a prestação/renda, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido”, sendo que, como é consabido e tal como salienta GRAVATO MORAIS (14), a mora do devedor tem sempre como pressuposto base existência de “um retardamento culposo no cumprimento da _prestação, enquanto esta se mostre ainda possível

(…).

Como vimos supra - em sede de relatório -, fundamenta a senhoria a resolução do ARRENDAMENTO no não pagamento das rendas vencidas a partir de Novembro de 2012 e até Maio de 2018, e cujo valor total ascende no seu total a € 82.500,00.

O referido/alegado não pagamento, em rigor, não foi pela Ré/arrendatária infirmado [provando, como lhe competia, o pagamento], e ,como vimos já, não devem aos depósitos efectuados pela Ré e identificados em 2.10 ser conferida eficácia liberatória [rectius, enquanto facto extintivo da obrigação da arrendatária do pagamento da renda, e apesar da redacção do ponto de facto n° 2.11, devendo o conceito de direito - pagamento de outras rendas - nele aposto considerar-se como não escrito], desde logo porque não demonstrado estar acordado/fixado o depósito como sendo o meio/método do arrendatário proceder ao pagamento da Renda.

Porém, diz-nos também a factualidade assente que [item de facto n° 2.9.] que foi a Ré Planeta Colorido II - Reprografia, Limitada, notificada, mediante notificação de 04-12-2012 e efectuada no âmbito de Execução com o n.º 301/12……, de que ficavam penhorados os créditos de rendas de CC - a executada.

Ora, efectuada a referida penhora e, não sendo a obrigação em causa objecto de contestação (…), certo é que fica o devedor/arrendatário obrigado a proceder ao depósito das rendas em instituição de crédito (…)

Ou seja, na sequência da aludida penhora, baseando-se a mesma no pressuposto de que o senhorio da arrendatária Planeta Colorido II - Reprografia, Limitada era a executada CC, e , tendo presente as decorrentes obrigações que tal penhora implicavam para a referida arrendatária em sede de pagamento da renda, temos para nós que, numa primeira fase, justificar-se- á concluir que o não pagamento de rendas pela arrendatária Planeta Colorido II e à ora apelante AA e por força do mesmo arrendamento, não deva necessária e obrigatóriamente corresponder a uma situação de mora debitoris, logo, presumidamente culposa, o que tudo em última análise obriga a considerar-se não verificado o pressuposto resolutivo dos n°s 3° e 4°, do art° 1083°, do CC.

É que, sendo verdade que a lei presume a culpa no incumprimento contratual, in casu a penhora da renda não pode deixar prima facie de justificar o afastamento de tal presunção (cfr. art° 799°, do CC) e, para todos os efeitos, e como vimos já também supra, a falta de pagamento da renda não determina, sem mais, a resolução do arrendamento e subsequente despejo; é preciso, paralelamente, que o inquilino esteja em mora, i.e., que lhe seja imputável o retardamento da prestação - cf. art. 804.°, n.° 2, do CC. (15)


(…) Sucede que, como decorre da decisão proferida pelo Tribunal da Relação …… apenas em 16/1/2020 [identificada no item 2.17], e como supra também nós assim o considerámos, o senhorio da ora Ré Planeta Colorido II - Reprografia, Limitada, e no âmbito do contrato de arrendamento identificado em 2.21 é a ora autora AA, que não a CC - a executada na acção coerciva da qual emanou a ordem de penhora.

Tal decorrência, porém, quer em razão dos termos e do processado na acção executiva identificada em 2.9. [com o n.° 301/12…..], quer também dos termos da acção identificada nos itens 2.6 e 2.7 [ movida, recorda-se, também contra a ora ré Planeta Colorido II-Reprografia, Lda. ], de conclusão/informação se trata que para a ora Ré/inquilina não resultava de todo clara, evidente e pacífica, o que a própria propositura da acção identificada em 2.12. [que corre os seus termos sob o 14381/18…… do Juiz …. do Juízo Local Cível deste Tribunal Judicial da Comarca ….] vem corroborar e, ademais, este próprio Tribunal da Relação ….. [no acórdão identificado em 2.15 e de 11/7/2019] o vem reconhecer, concluindo que “em razão de uma situação de conflito entre a primeira e a segunda Ré (herdeiras do primitivo senhorio), e à qual a Autora, enquanto arrendatária da fracção que integra o acervo hereditário, é absolutamente alheia, patenteada nas acções mencionadas na p.i. continua a, alegadamente, (o que basta para aferir o interesse em agir) existir uma situação de indefinição relativamente à pessoa que tem o direito a receber as rendas (que estarão a ser depositadas) indefinição que na sequência de transacção judicial de 9/5/2014 resulta da falta do registo de usufruto a favor da segunda ré e da subsequente regularização tributária, é apodíctico que essa resolução só é ultrapassável pelas próprias rés, mas a resolução dessa situação de indefinição não é para o arrendatário um mero capricho, como é bom de ver, dado que dessa mesma situação de indefinição que urge resolver e que se arrasta ao que tido indica desde 2012, pode resultar para a Autora objectivamente grave prejuízo, donde o seu interesse em agir na presente acção.”

Perante tudo o acabado de expor, a nosso ver, mostra-se assim justificado concluir que o não pagamento da renda pela ora Ré e à autora AA, não possa/deva ser “qualificado” como um incumprimento imputável ao inquilino/Planeta Colorido II - Reprografia, Limitada, nos termos do art.° 804°, n° 2, do CC, e possibilitando ele a resolução do ARENDAMENTO nos termos do art° 1083°, n° 3, do CC, antes deve tal “incumprimento” equivaler a uma situação que possibilitava que a Ré/inquilina lançasse mão da consignação em depósito com fundamento no disposto na alínea a), do n° 1, do CC [rezando esta normativo que o devedor pode livrar-se da obrigação mediante o depósito da coisa devida, “Quando, sem culpa sua, não puder efectuar a prestação ou não puder fazê-lo com segurança, por qualquer motivo relativo à pessoa do credor”].

(…) Aqui chegados, tudo visto e ponderado, porque em face do conjunto da factualidade provada pertinente não é concluir que a falta de pagamento da renda pela Ré lhe seja imputável [não existindo assim uma situação de mora debitoris], bem pelo contrário, a acção no que concerne à pretensão da autora de resolução do arrendamento identificado em 2.3 e 2.21 só pode improceder, como improcede.

3.2. - Do pedido de condenação da requerida/arrendatária a pagar à autora o montante de € 82.500,00 a título de rendas devidas e não pagas, acrescida de juros vencidos. Ao abrigo do disposto no art° 15°, nº, 5 do NRAU, e no âmbito do procedimento especial de despejo, com o pedido de despejo deduzido cumulou a requerente/senhoria o pedido de pagamento de rendas, pretensão esta última que igualmente integra a comunicação à contraparte a que se refere o art° 1084°, n° 2, do CC.

(…) Discutida a causa, verifica-se que no tocante ao montante da renda apenas se provou que no contrato de arrendamento ficou acordado que “A renda anual é de €9.000,00 [nove mil euros] que será pago mensalmente em duodécimos de €750.00 (setecentos e cinquenta euros) ao senhorio ou seu representante legal no primeiro dia útil do mês anterior aquele o que disser respeito (…) [cfr. item de facto n° 2.21].

Não tendo a autora logrado provar [vide item de facto n° 2.14.] , como lhe competia (art° 342°, n° 1, do CC), que o valor mensal da renda mensal relativo à entrada com o n.° … da fracção identificada nos autos é de 1.250€ [no período compreendido entre Novembro de 2012 e Maio de 2018 e em razão de aumentos efectivamente ocorridos e comunicados], e não sendo os depósitos identificados em 2.10 liberatórios [de resto não efectuados à ordem dos presentes autos, razão porque não se impõe ao juiz do mesmo titular fixar/determinar qual o respectivo destino], deve assim o pedido do pagamento das rendas merecer apenas provimento parcial .

Em suma, não obstante a improcedência do pedido de resolução e de consequente despejo, deve o pedido de pagamento de rendas que com o primeiro foi deduzido cumulativamente, proceder parcialmente, e pelo montante de € 49.500,00 [€750,00 X 66 = €49.500,00].

Igualmente improcede o pedido de condenação no pagamento de juros de mora, porque como vimos supra não provada uma situação de mora debitoris no que ao pagamento da renda concerne (cfr. art°s 804°, n° 2 e 806°, n° 1, ambos do CC).”

A questão objeto da presente revista, sublinhamos, identifica-se com aqueloutra discutida no Tribunal recorrido, acabada de consignar, cujos termos da apreciação sufragamos, sem qualquer reserva, para daí concluirmos que, uma vez reconhecido mostrar-se legitimado que o não pagamento da renda pela inquilina, Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Lda. à senhoria, Requerente/AA, não é imputável àquela, arredado está o reclamado direito à resolução do ajuizado contrato de arrendamento uma vez justificada, como discreteado no acórdão em escrutínio, a consignação em depósito das rendas devidas, para que a inquilina, Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Lda. se liberasse da obrigação decorrente da penhora decretada nos autos executivos instaurados contra a alegada senhoria.

Conclui, assim, este Tribunal ad quem, revendo-se no enquadramento jurídico assumido pelo Tribunal recorrido, que a inquilina, Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Lda., sem culpa sua, não pode efetuar a prestação a que estava obrigada (renda), por motivo relativo à pessoa do credor (indefinição de quem seria a senhoria a par da decretada penhora sobre o crédito [rendas]).

Pelo exposto, na improcedência das conclusões retiradas das alegações, trazidas à discussão pela Recorrente/Requerente/AA, não reconhecemos à respetiva argumentação, virtualidade bastante no sentido de alterar o destino da demanda, mantendo-se o decidido pelo Tribunal a quo.

Da Recorrente/Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Lda.

II. 3.1.1 Considerada a facticidade adquirida processualmente, o Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica da mesma, importando que a questão seja diversamente sentenciada, na medida em que, contrariamente à decidida condenação da requerida ao pagamento das rendas à requerente, durante 66 (sessenta e seis) meses, deve a requerente ter acesso direto aos montantes depositados pela requerida, resultantes da consignação em depósito, considerando, não só que o carácter facultativo da consignação em depósito não lhe retira a natureza liberatória, como também há prova nos autos, de depósitos até Janeiro de 2019 que não foram tomados em conta na decisão recorrida? (1)

Se bem apreendemos o objeto do recurso subordinado, a Recorrente/Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Lda. num dos segmentos recursivos insurge-se contra a decisão de facto, considerada pela Relação, enquanto Tribunal recorrido, ao invocar a prova nos autos, de depósitos de rendas até janeiro de 2019, os quais não foram tomados em conta na decisão sob escrutínio.

Neste particular, importa destacar que a Recorrente/Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Lda. não está a questionar o cumprimento de normas processuais atinentes aos poderes, próprios e privativos da Relação, encerrando, tão só, a invocação da existência duma questão de valoração da prova.

O Tribunal recorrido não deixou de sublinhar que “(…) importa atentar que no que à obrigação do pagamento da renda concerne, diz-nos a factualidade assente [nos itens de facto nºs 2.10. e 2.11, não tendo ambos sido objecto de impugnação nos termos do artº 640°, do CPC, por qualquer das partes, e isto não obstante prima facie ambos fazerem tábua rasa dos documentos nºs 57 a 65, juntos com a OPOSIÇÃO, e os quais aludem a depósitos existentes com datas posteriores a Dezembro de 2015], que a Ré “procedeu a depósito autónomo na CGD das rendas que se venceram entre Dezembro de 2012 e Dezembro de 2015“ e que “A Ré não procedeu ao pagamento de outras rendas, para além das indicadas“.

Ora, como sabemos, o Supremo Tribunal de Justiça, no que respeita às decisões da Relação sobre a matéria de facto, não pode alterar tais decisões, sendo estas decisões de facto, em regra, irrecorríveis.

A este propósito, estatui o art.º 662º n.º 4 do Código de Processo Civil que “das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” estabelecendo, por seu turno, o art.º 674º n.º 3 do Código de Processo Civil “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Outrossim, prescreve o art.º 682º n.º 2 do Código de Processo Civil que a “decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674º”, donde se colhe, com clareza, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, acentuando-se que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir nos casos em que seja invocada a violação de lei adjetiva ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova.

A decisão de facto é da competência das Instâncias, conquanto não seja uma regra absoluta (tenha-se em atenção a previsão do citado art.º 674º n.º 3 do Código de Processo Civil), pelo que, o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto, somente importando a respetiva intervenção, quando haja erro de direito.

Revertendo ao caso sub iudice, e uma vez cotejadas as conclusões apresentadas pela Recorrente/Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Lda., distinguimos que esta não assaca ao aresto recorrido, em substância e objetivamente, qualquer violação de lei adjetiva ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova ou que fixe o valor de determinado meio de prova, importando, por isso, afastar qualquer intervenção do Supremo Tribunal de Justiça na decisão de facto, porque da exclusiva competência das Instâncias.

Por outro lado, e relembrando o enquadramento jurídico levado a cabo pelo Tribunal recorrido, percebemos inexistir razão que possa sustentar qualquer dissensão quanto ao aí vertido a propósito da natureza dos depósitos efetuados pela inquilina, Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Lda..

Na verdade, respigamos, com utilidade, do Tribunal recorrido:  

“(…) não dispõe de todo o arrendatário da possibilidade/opção legal de, em vez de satisfazer a prestação ao senhorio no lugar estipulado no contrato, ou supletivamente pela lei, fazê-lo mediante depósito, a seu arbítrio e sendo a tal depósito conferida eficácia liberatória.

Depois, porque como resulta claro do disposto no artº 17°, n° 1 do NRAU [LEI n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro - NOVO REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO] “O arrendatário pode proceder ao depósito da renda quando ocorram os pressupostos da consignação em depósito, quando lhe seja permitido fazer cessar a mora e ainda quando esteja pendente acção de despejo”, sendo que, a propósito da primeira situação, reza o artº 841°, do CC, que: 1. O devedor (arrendatário) pode livrar-se da obrigação mediante o depósito da coisa devida, nos casos seguintes:

a) Quando, sem culpa sua, não puder efectuar a prestação ou não puder fazê-lo com segurança, por qualquer motivo relativo à pessoa do credor (senhorio);

b) Quando o credor (senhorio) estiver em mora.

2. A consignação em depósito é facultativo”.

(…) O arrendatário não poderá, por conseguinte, depositar, sem previamente ter tentado em vão pagar, no tempo e lugar próprios, integralmente o montante exigível.

Se depositar fora deste condicionalismo, arrisca-se a ver impugnado o depósito e a ser declarado ineficaz como meio de extinção da obrigação, tendo de arcar com as custas e as despesas feitas com o depósito (artigo 1028°, n. ° 2 CPC).

(…) Como vimos supra - em sede de relatório -, fundamenta a senhoria a resolução do ARRENDAMENTO no não pagamento das rendas vencidas a partir de Novembro de 2012 e até Maio de 2018, e cujo valor total ascende no seu total a € 82.500,00.

O referido/alegado não pagamento, em rigor, não foi pela Ré/arrendatária infirmado [provando, como lhe competia, o pagamento], e ,como vimos já, não devem aos depósitos efectuados pela Ré e identificados em 2.10 ser conferida eficácia liberatória [rectius, enquanto facto extintivo da obrigação da arrendatária do pagamento da renda, e apesar da redacção do ponto de facto n° 2.11, devendo o conceito de direito - pagamento de outras rendas - nele aposto considerar-se como não escrito], desde logo porque não demonstrado estar acordado/fixado o depósito como sendo o meio/método do arrendatário proceder ao pagamento da Renda.

Porém, diz-nos também a factualidade assente que [item de facto n° 2.9.] que foi a Ré Planeta Colorido II - Reprografia, Limitada, notificada, mediante notificação de 04-12-2012 e efectuada no âmbito de Execução com o n.° 301/12….., de que ficavam penhorados os créditos de rendas de CC - a executada.

Ora, efectuada a referida penhora e, não sendo a obrigação em causa objecto de contestação (…), certo é que fica o devedor/arrendatário obrigado a proceder ao depósito das rendas em instituição de crédito (…)

Ou seja, na sequência da aludida penhora, baseando-se a mesma no pressuposto de que o senhorio da arrendatária Planeta Colorido II - Reprografia, Limitada era a executada CC, e , tendo presente as decorrentes obrigações que tal penhora implicavam para a referida arrendatária em sede de pagamento da renda, temos para nós que, numa primeira fase, justificar-se- á concluir que o não pagamento de rendas pela arrendatária Planeta Colorido II e à ora apelante AA e por força do mesmo arrendamento, não deva necessária e obrigatóriamente corresponder a uma situação de mora debitoris, logo, presumidamente culposa, o que tudo em última análise obriga a considerar-se não verificado o pressuposto resolutivo dos n°s 3° e 4°, do art° 1083°, do CC.

(…) Sucede que, como decorre da decisão proferida pelo Tribunal da Relação …. apenas em 16/1/2020 [identificada no item 2.17], e como supra também nós assim o considerámos, o senhorio da ora Ré Planeta Colorido II - Reprografia, Limitada, e no âmbito do contrato de arrendamento identificado em 2.21 é a ora autora AA, que não a CC - a executada na acção coerciva da qual emanou a ordem de penhora.

Tal decorrência, porém, quer em razão dos termos e do processado na acção executiva identificada em 2.9. [com o n.º 301/12…….], quer também dos termos da acção identificada nos itens 2.6 e 2.7 [movida, recorda-se, também contra a ora ré Planeta Colorido II-Reprografia, Lda.], de conclusão/informação se trata que para a ora Ré/inquilina não resultava de todo clara, evidente e pacífica, o que a própria propositura da acção identificada em 2.12. [que corre os seus termos sob o 14381/18…… do Juiz ….. do Juízo Local Cível deste Tribunal Judicial da Comarca ……] vem corroborar e, ademais, este próprio Tribunal da Relação ….. [no acórdão identificado em 2.15 e de 11/7/2019] o vem reconhecer, concluindo que “em razão de uma situação de conflito entre a primeira e a segunda Ré (herdeiras do primitivo senhorio), e à qual a Autora, enquanto arrendatária da fracção que integra o acervo hereditário, é absolutamente alheia, patenteada nas acções mencionadas na p.i. continua a, alegadamente, (o que basta para aferir o interesse em agir) existir uma situação de indefinição relativamente à pessoa que tem o direito a receber as rendas (que estarão a ser depositadas) indefinição que na sequência de transacção judicial de 9/5/2014 (…).

(…) Perante tudo o acabado de expor, a nosso ver, mostra-se assim justificado concluir que o não pagamento da renda pela ora Ré e à autora AA, não possa/deva ser “qualificado” como um incumprimento imputável ao inquilino/Planeta Colorido II - Reprografia, Limitada, nos termos do art° 804°, n° 2, do CC, e possibilitando ele a resolução do ARENDAMENTO nos termos do art° 1083°, n° 3, do CC, antes deve tal “incumprimento” equivaler a uma situação que possibilitava que a Ré/inquilina lançasse mão da consignação em depósito com fundamento no disposto na alínea a), do n° 1, do CC [rezando esta normativo que o devedor pode livrar-se da obrigação mediante o depósito da coisa devida, “Quando, sem culpa sua, não puder efectuar a prestação ou não puder fazê-lo com segurança, por qualquer motivo relativo à pessoa do credor”]. (…)

3.2. - Do pedido de condenação da requerida/arrendatária a pagar à autora o montante de €82.500,00 a título de rendas devidas e não pagas, acrescida de juros vencidos.

Não tendo a autora logrado provar [vide item de facto n° 2.14.] , como lhe competia (art° 342°, n° 1, do CC), que o valor mensal da renda mensal relativo à entrada com o n.° … da fracção identificada nos autos é de 1.250€ [no período compreendido entre Novembro de 2012 e Maio de 2018 e em razão de aumentos efectivamente ocorridos e comunicados], e não sendo os depósitos identificados em 2.10 liberatórios [de resto não efectuados à ordem dos presentes autos, razão porque não se impõe ao juiz do mesmo titular fixar/determinar qual o respectivo destino], deve assim o pedido do pagamento das rendas merecer apenas provimento parcial. Em suma, não obstante a improcedência do pedido de resolução e de consequente despejo, deve o pedido de pagamento de rendas que com o primeiro foi deduzido cumulativamente, proceder parcialmente, e pelo montante de € 49.500,00 [€750,00 X 66 = €49.500,00].”

Sublinhamos, pois, que os depósitos identificados em 2.10 não são liberatórios, antes efetuados no âmbito do processo executivo, nos termos e pelas razões já discreteadas, de resto, depósitos não efetuados à ordem dos presentes autos, a par de que não se impõe, no âmbito desta demanda, determinar qual o respetivo destino, donde se torna apodítico concluir que bem andou o Tribunal recorrido ao decidir que, não obstante a improcedência do pedido de resolução do ajuizado contrato de arrendamento, deve proceder o impetrado pagamento de rendas, daí a condenação da inquilina, Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Lda. ao pagamento da quantia de €49.500,00 (€750,00 X 66 = €49.500,00), não fazendo sentido, salvo o devido respeito por opinião contrária, determinar-se que a senhoria, Requerente/AA tenha acesso direto aos montantes depositados, resultantes da consignação em depósito, efetuada numa outra demanda (autos de ação executiva com o n.º 301/12……), pela Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Lda., os quais como salientamos, decorrem de uma obrigação legal em razão da penhora das rendas ordenada naqueles autos, o que, de resto, afasta a sua natureza liberatória, como pretendido pela Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Lda..

Tudo visto, na total improcedência das conclusões retiradas das alegações trazidas à discussão pela Recorrente/Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Lda., importa também rematar, neste particular, pela manutenção do acórdão recorrido.


III. DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam improcedente o recurso principal, interposto pela Recorrente/Requerente/AA, negando-se a revista, e improcedente o recurso subordinado, interposto pela Recorrente/Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Lda., negando-se, igualmente, a revista, mantendo, por isso, o acórdão recorrido.

Custas do recurso de revista principal, a cargo da Recorrente/Requerente/AA, sendo as custas do recurso subordinado, a cargo da Recorrente/Requerida/Planeta Colorido II - Reprografia, Lda.

Notifique.

Supremo Tribunal de Justiça, Lisboa, 14 de setembro de 2021


Oliveira Abreu (relator)

Ilídio Sacarrão Martins

Nuno Pinto Oliveira


Nos termos e para os efeitos do art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 20/2020, verificada a falta da assinatura, no acórdão proferido, do Senhor Juiz Conselheiro adjunto, Nuno Pinto Oliveira, atesto o respetivo voto de conformidade.