Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | ARMANDO LOURENÇO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | SJ200301210030036 | ||
Data do Acordão: | 01/21/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 714/01 | ||
Data: | 02/14/2002 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 13/10/94, A e mulher B propuseram esta acção contra: 1- C e mulher D; 2- E. Pedem: A- Que os 1ºs RR sejam condenados a absterem-se de prosseguir a edificação existente, ou promover a construção de nova edificação que desrespeite o CC e demais regulamentação em vigor, designadamente os artºs 1348 e 1360 do CC. B- Que os 1ºs RR sejam condenados a demolir as obras existentes e em contradição com as disposições legais aplicáveis. C- Que os 1ºs RR sejam condenados a proceder ás obras necessárias para reposição e consolidação do solo e subsolo do imóvel propriedade dos AA, por forma a evitar futuros desmoronamentos ou deslocações de terras. D- Condenação de todos os RR a pagarem solidariamente aos AA uma indemnização por todos os danos patrimoniais emergentes, designadamente custos com o presente processo e sua instrução, gastos com obras de reparação de danos causados na sua propriedade pelas deslocações de terras e outros que venham a verificar-se, a liquidar em execução de sentença. E- Condenação de todos os RR a pagarem solidariamente aos AA uma indemnização correspondente aos lucros cessantes sofridos pelos AA pelo tempo despendido pelos AA em diligências relacionadas com o reconhecimento e efectivação do seu direito e em prejuízo da sua actividade profissional. F- Condenação de todos os RR a pagarem solidariamente aos AA uma indemnização por danos morais a liquidar em execução de sentença. Em resumo, alegaram: São donos de um terreno onde construíram uma vivenda. Escolheram esse local por ser ideal para se instalarem e viverem com seus filhos. Os 1ºs RR, em 15/10/93, adquiriram um lote contíguo. Os dois lotes estão separados por um muro de alvenaria. No seu lote os RR iniciaram obras de construção de uma moradia. Sobre as construções existentes colocaram uma placa e sobre ela construíram um varandim, tipo eirado. Com a nova construção, os RR devassam a propriedade dos AA.. As construções levadas a cabo pelos RR não respeitam as normas técnicas exigidas pela natureza do local (arribas fósseis), e logo se começaram a sentir efeitos nefastos, no terreno e obras dos AA.. Alertaram as autoridades autárquicas as quais embargaram as obras por desconformidade com o projecto aprovado. Em face do fundamento dos embargos os AA. ficaram receosos de que com uma simples rectificação do projecto, o embargo fosse levantado sem que "o problema da estabilidade e consolidação dos solos vizinhos viesse a ser reconhecido por esta via administrativa." Ficaram, ainda, receosos de que pelo processo administrativo de aprovação do projecto fossem tidos em conta os direitos legítimos de terceiros. Recorreram, por isso, á via judicial por meio de um procedimento cautelar (embargos) e propondo esta acção. Os RR contestaram dizendo, em resumo: Os danos que os RR apontam já existiam antes das obras dos AA. e devem-se a obras clandestinas feitas pelos AA no seu prédio. A placa varandim não foi construída pelos RR., já existia quando compraram o lote. Nas obras que fizeram não violaram normas técnicas. EM RECONVENÇÃO pedem: A condenação dos AA a pagarem aos 1º e 2º RR todos os custos que tiveram de suportar a mais com a construção da sua moradia, devido ao atraso na sua conclusão, e todos os RR os custos que tiverem de suportar com relação a esta acção e ao embargo de obra nova (apenas 1º e 2º réus) a liquidar em execução de sentença, para além dos danos morais calculados em 300.000$00 para cada um dos 1º e 2º RR e 150.000$00 para o 3º. Proferiu-se despacho saneador decidindo-se que a reconvenção não era admissível. Elaborou-se especificação e questionário. Proferiu-se a seguinte sentença: 1- Absolver dos pedidos o R. E. 2- Condenar os RR C e D, a pagar aos AA a quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença, correspondente ao custo da reparação dos danos referidos nas respostas aos nºs 11 a 13, bem como quanto ao referido nas respostas aos nºs 15 e 16 do questionário. 3- Absolver estes RR dos restantes pedidos. AA e RR interpuseram recurso. A Relação confirmou a decisão. Os AA. interpuseram recurso. Apresentaram as seguintes conclusões: 1- O acórdão é nulo porque não conheceu do pedido de indemnização pelos danos morais que os recorrentes alegaram ter sofrido em virtude da conduta ilícita dos recorridos: a violação da paz jurídica, da pacifica fruição da casa de morada de família e da qualidade de vida no seu mínimo de não ameaça continuada de privação dos direitos. 2- Padece do mesmo vício porque não conheceu, em toda a sua extensão, do pedido de indemnização pelos danos patrimoniais que os recorrentes sofreram com a necessidade da adopção de várias diligências junto da C.M. de Almada e das instâncias judiciais que importaram custos directos e lucros cessantes, tendentes a efectivar os seus direitos em virtude da conduta ilícita dos recorridos. 3- A situação controvertida nos presentes autos assenta comprovadamente na circunstância de a obra dos recorridos ser ilegal por desrespeitar o projecto aprovado pela CM, em contravenção dos artºs 1º, nº 1 e 2 e do artº 29 do DL 445/91, de tal modo que se a construção dos recorridos estivesse feita conforme esse projecto não existiriam a devassa da casa dos recorrentes, nem a diminuição das suas potencialidades preexistentes de fruição causada pelo excesso de volumetria, decorrente de um índice de construção mais de duas vezes superior ao aprovado, e pela elevação da cota de soleira em 1,20 m, que provocam um impacto negativo na paisagem imediatamente visível da traseira da casa dos recorrentes, onde está organizada a sua vida de convívio familiar, e o retardamento da chegada do sol em cerca de uma hora às traseiras da casa. 4- No âmbito de protecção das normas que consagram o principio do licenciamento prévio das obras de construção civil e da sua conformidade com o projecto aprovado está também incluído o direito de propriedade dos prédios contíguos, pelo que os recorrentes podem fundar, na violação destas normas, os pedidos de condenação na abstenção de prossecução da obra e da sua demolição. 5- A circunstância dessa ilegalidade urbanística estar documentada nos autos pelo auto de embargo camarário não implica, quer para este tribunal, quer para o tribunal recorrido, o julgamento dessa ilegalidade e a ponderação da observância, pelos órgãos autárquicos, de normas de direito de urbanismo de natureza administrativa, estando apenas em causa nos autos as repercussões, no domínio das relações de vizinhança, da realização da obra em desconformidade com o projecto aprovado. 6- Decorre dos factos recapitulados na conclusão 3ª que esta desconformidade causa prejuízos aos recorrentes, violando a faculdade, inscrita no direito de propriedade, de fruir da sua casa em adequadas condições de privacidade e urbanísticas, tudo relevando do direito à qualidade de vida pessoal e familiar dos recorrentes. 7- A única forma de proteger o direito de propriedade dos recorrentes sobre a sua casa, nomeadamente a faculdade da sua da sua fruição plena, nos termos analisados na conclusão antecedente, tutelado pelos art.º 62º, nº 1 da CRP, 1º nºs 1 e 2 do DL 445/91, é a condenação dos recorridos a demolirem a edificação já feita - 483º e 562º e 566º, nº 1 do CC, e a absterem-se de edificar de modo a que a futura construção viole as citadas normas urbanísticas. 8- Os danos indicados na conclusão 3ª provocam necessariamente uma diminuição do valor patrimonial da casa dos recorrentes, pelo que deve concluir-se que, sendo estes danos imputáveis á conduta ilícita e culposa dos recorridos, na hipótese da improcedência dos pedidos de condenação a prestação de facto, devem os réus ser julgados responsáveis pela respectiva indemnização, a liquidar em execução de sentença. 9- Na hipótese de não ser julgada procedente a 1ª conclusão, e sempre, em todo o caso, no que se refere ao tempo gasto com o processo judicial, no caso de não ser julgada procedente a 2ª conclusão, devem os recorridos ser solidariamente condenados a indemnizar os recorrentes pelos danos patrimoniais - danos emergentes (custos com as várias deslocações à CM de Almada, com as certidões emitidas por este órgão autárquico, custos com as cartas geodésicas e topográficas adquiridas, com os trabalhos fotográficos e com os pareceres do LNEC, bem como o patrocínio judiciário e demais despesas devidamente comprovadas nos autos) e lucros cessantes (tempo despendido com a adopção de todas estas diligências em prejuízo do exercício da actividade profissional dos recorrentes) - sofridos por estes devido ás várias diligências que se viram forçados a adoptar para efectivar os seus direitos violados pela conduta ilícita dos recorridos. 10- Na hipótese de a conclusão 1ª ser julgada improcedente, devem os recorridos ser julgados responsáveis pelo pagamento de uma compensação pela violação culposa e ilícita da paz jurídica, da pacifica fruição da casa e da qualidade de vida no seu mínimo de não ameaça continuada de privação dos direitos, em que se devem incluir os danos morais resultantes da provocação das fendas no interior da casa, nos termos dos artºs 70º, 82º e 1305º do CC, que tutelam aqueles bens e os artºs 483º e 496º do CC. Em contra-alegações diz-se: Deve ser julgada improcedente a revista. Os recorrentes não pretendem mais do que protelar a decisão final. Devem os recorrentes ser condenados como litigantes de má fé e indemnizar os recorridos em quantia nunca inferior a 10.000.000$00. O digno representante do M.P. pronuncia-se sobre a má fé em douto parecer negativo. Após vistos cumpre decidir. Damos por reproduzida a matéria de facto fixada pelas instâncias. Dela destacamos o seguinte: 1- Em 8/7/94, a CMA, embargou extrajudicialmente a obra que os embargados levaram a cabo na Rua ..., nº2, A, Trafaria. 2- Em 14/9/94, procedeu-se ao embargo judicial da dita obra. 3- Os AA construíram num lote de terreno uma moradia composta........e logradouro circundante na totalidade da construção e jardim a tardoz com 10 metros (nascente) e à frente com 5 metros. 4- Confronta o referido lote com o lote de terreno onde foi implantada a obra embargada. 5- Na moradia que construíram, os AA têm a sua morada de família onde habitam com seus dois filhos. 6- O lote de terreno onde está a ser implantada a obra embargada, foi comprado pelos RR, é contíguo ao jardim e traseiras da moradia dos AA. 7- Este lote de terreno está separado por um muro, com 2 m de altura, construído em alvenaria, junto ao qual se encontram construídas a garagem e arrecadação da moradia dos AA. 8- Neste lote dos RR existia, até Maio de 1994, uma construção antiga, de um piso...... 9- Depois dessa data os RR promoveram a construção de uma nova moradia. 10- Sobre as construções existentes foi construída uma placa, apoiada em dois pilares, encostados ao muro de separação entre propriedades. 11- E com vista directa para o jardim dos AA...... e traseiras da sua moradia. 12- Depois de construída a placa, os RR procederam à demolição das construções inicialmente existentes no terreno. 13- E à sua escavação, ao nível da cave com o pé direito próprio de uma casa habitável. 14- Tendo rasgado a abertura do terreno junto ao muro de confrontação dom o terreno dos AA. ao nível da garagem destes. 15- Existem fendas no muro de separação das propriedades, no lado dos AA. 16- O mesmo sucedendo na garagem dos AA. 17- Bem como na arrecadação e nas paredes da sua casa. 18- As portas blindadas da casa dos AA já não fecham devido ao desnivelamento da ombreira das portas. 19- Uma vez que o comportamento dos materiais é diferente e a blindagem da porta não acompanha o movimento dos outros materiais. 20- As fendas referidas em 15, 16 e 17 bem como o referido em 18 e 19, são consequência dos trabalhos levados a cabo pelos RR. 21- A diferença entre o nível da sala e o nível da laje do r/ch da moradia dos RR é de 0,80 m. 22- Ao amanhecer a construção dos RR retardará a chegada do Sol á casa e jardim dos AA. durante cerca de uma hora. 23- Da construção dos RR é visível o jardim e a casa dos AA. 1ª Questão - Nulidade por omissão de pronúncia sobre o pedido de indemnização por danos morais....... Os AA. pediram a condenação a indemnizá-los pelos danos morais a liquidar em execução de sentença. Esses danos morais resultariam "da tensão e preocupação que os AA e seu agregado familiar vivem, com toda esta situação e com o destino do seu lar." A 1ª instância decidiu que "só procedendo a acção quanto à reparação das fendas no muro, na arrecadação e paredes da casa e na garagem e nas portas blindadas e não tendo estes factos gravidade suficiente para provocar danos de natureza não patrimonial, merecedores de tutela do direito, improcederá o pedido de indemnização por danos não patrimoniais." Nas conclusões de recurso de apelação, os AA dizem que a sentença é nula porque "não conheceu o pedido de indemnização (cfr. f) da pi) pelos danos morais que os AA. alegaram ter sofrido em virtude da conduta ilícita dos RR: a violação da paz jurídica....." A Relação debruçou-se expressamente sobre esta questão de nulidade dizendo que o tribunal recorrido conheceu da questão. Em seguida conheceu de todas as questões postas pelos apelantes. Ao confirmar a decisão julgando improcedente a impugnação das decisões da 1ª instância, a Relação está a conhecer da questão da indemnização por danos morais, na medida em que o recorrente nunca pôs em crise o juízo da 1ª instância quanto á gravidade dos danos. Pôs, sim, em crise a natureza das condutas ilícitas que atribuía aos RR e que foram rejeitadas pela 1ª instância com confirmação da Relação. Não se verifica nulidade. 2ª Questão - Nulidade por omissão de pronuncia sobre o pedido de indemnização dos danos decorrentes das medidas que tiveram de tomar para defender o seu direito. Na p.i. atribui estes prejuízos "ao tempo perdido em diligências para fazer valer os seus direitos, em detrimento da sua actividade profissional, gastos em estudos, processos.." Na 1ª instância foi decidido que "esse tempo assim como as despesas com o processo não são resultado de qualquer facto danoso imputável aos réus........" Também no recurso de apelação os recorrentes invocam omissão de pronuncia sobre esta questão. A Relação, e bem, deu-lhe a mesma resposta que deu á invocação da nulidade atrás descrita. Pelas mesmas razões que indeferimos a invocação da nulidade indicada na questão anterior, indeferimos esta. Não há nulidade. 3ª Questão - Ilicitude da construção por desrespeito do projecto aprovado, violando os artº 1º. nº 1 e 2 e o artº 29º do DL 445/91. A 1ª instância faz o seguinte discurso: "Com o RGEU (D.L. 38.382 de 7/8/51) não pretendeu o legislador atribuir qualquer direito ás pessoas, de que resulte a possibilidade de, sentindo-se ofendidas, possam opor-se á construção de um prédio urbano que não respeite as regras estabelecidas. O seu objectivo é a salubridade, estética e segurança das edificações urbanas." Passando a analisar eventuais violações de direitos dos AA com a construção dos RR, chama à colação os artºs 1348º nº 1 e 1360º do CC. O primeiro a respeito das escavações o segundo a propósito da abertura de janelas. Conclui que os RR devem indemnizar os danos provados e causados pelas escavações (fendas e portas blindadas). Conclui que a abertura das janelas não é ilícita e que os AA não têm qualquer direito ao Sol ou à paisagem. Nas alegações para a Relação os AA, defendem uma interpretação do artº 1360º que, de acordo com o artº 62, nº1 da CRP, garanta o direito da reserva da vida privada e familiar. Defende, também, que os desrespeito pelas regras urbanísticas se repercute nas relações prediais de vizinhança. A Relação faz o seguinte discurso: "Não está provado que os RR, na construção que estão a levar a efeito, tenham procedido a abertura de portas e janelas que deitem para o prédio dos AA, sendo certo que nada se alegou que tal abertura venha a acontecer no futuro quando a obra estiver ultimada. Nem sequer "se deu como provado a construção do "varandim", sobre a dita placa, tipo eirado." "As questões relacionadas com o direito á privacidade e à intimidade da familiar, teriam razão de ser caso estivesse em risco de ser posto em causa por via da construção dos RR que estes pretendem levar a efeito, o que acontecia caso os autos fornecessem dados inequívocos de que os RR tivessem, ou pretendessem ter, levado a cabo aberturas que deitassem directamente para o prédio dos AA, ou tivessem construído o dito varandim sobre a placa, tipo eirado." "Admitindo-se, porém, como exacta a factualidade alegada, e assim a circunstância de ter sido levada a efeito pelos RR uma construção de uma obra não autorizada, daí resultando uma construção com excesso de volumetria......., com o consequente impacto sobre a moradia dos AA.. O certo é que demonstrando os autos mostrar-se respeitadas as distâncias previstas nos artºs 73º e 75º do RGEU, quando muito, está em causa, reflexamente, o valor da propriedade dos recorrentes...... Sucede, porém, que as normas invocadas pelos apelantes, não se mostram abrangidas pelo artº 483º do CC, porquanto visam apenas proteger interesses colectivos ou gerais.... Tais normas não conferem aos interessados um direito subjectivo de tutela, pelo que improcede o pedido de indemnização com fundamento em responsabilidade extra-contratual. Que dizer. O litígio que os AA. trouxeram a tribunal pode resumir-se do modo seguinte: Os AA. são donos de um lote de terreno, e no uso do seu direito de propriedade construíram nele uma moradia com jardim e piscina, que legitimamente pretendem usufruir plenamente. Os réus são donos de um lote de terreno contíguo. Não o dizem os AA., mas não temos dúvidas que o aceitam, os réus, legitimamente, também têm o direito de fruir o seu lote plenamente, inclusive construindo uma moradia. Ambos têm em igualdade o direito de fruir os seus lotes com respeito pelas restrições legais impostas pela relação de vizinhança. Respeito pelas distâncias mínimas entre a construção e a extrema, respeito pela regras tendentes a evitar a devassa do prédio vizinho, respeito pelas regras de actuação tendentes a evitar danos nos bens do vizinho,etc.. No caso presente os AA. começam por reagir contra as actuações efectivas dos RR que lhe provocaram danos, e obtiveram ganho de causa. Mas os AA., como eles próprios articulam, pretendem também ver disciplinada a actividade futura dos RR, no que toca ao exercício, que não negam, do direito de construir por parte dos RR. Querem, no fim de contas, que o tribunal defina os termos e modos em que os RR. podem construir. Se é certo que durante muitos séculos se pode dizer que o proprietário tinha um direito absoluto sobre o que era seu, desde há muito se reconheceu que esse direito não podia ter tal conformação. Antes de mais começou-se por limitá-lo tendo em atenção as relações de vizinhança, concedendo direitos subjectivos aos vizinhos limitadores do direito de construir. Depois, por razões de ordem pública, sujeitou-se esse direito ao controle do Estado, alargando-se cada vez mais a regulamentação desse direito, em termos tais que se põe em dúvida se esse direito é inerente ao direito de propriedade ou se é apenas fruto da autorização das autoridades públicas. Quando as obras objecto deste processo se iniciaram, o DL 445/91 era o diploma fundamental que regulava a construção de obras particulares. Este D.L. atribui ás autarquias, como poder autónomo e democrático, a responsabilidade para decidir os termos e modos em que se pode construir, atribuindo-lhe meios para fazer respeitar as suas atribuições, e concedendo aos particulares o direito de intervir no processo de licenciamento, com recurso para os tribunais administrativos no caso de desrespeito pelas autarquias do dever de fazer respeitar as normas disciplinadoras da construção. A atribuição destes poderes às autarquias não afasta o direito dos particulares recorrerem aos tribunais comuns para defesa dos seus direitos fundamentados nas normas disciplinados das relações de vizinhança ou na violação de direitos absolutos. No que toca á violação das normas ditadas pela defesa do interesse público, como são as de licenciamento de construções privadas, o particular, que apenas tem um interesse reflexamente protegido, só pelo respeito dessas normas, que ao respeitarem o interesse público satisfazem o seu interesse, consegue o respeito desse interesse. Ora isto só o consegue dentro do processo administrativo de licenciamento. Não é este o processo apropriado para se decidir como pode e deve ser exercido o direito legitimo dos RR a usufruírem o seu lote. Alem do mais, como vêm dizendo as instâncias, nem sequer temos os projectos nem possibilidade de dizer como deveriam ser para respeitar a lei. No que toca à má fé dos AA., atendendo a que, quando a acção foi proposta vigorava o artº 456º do CPC, na redacção anterior a 1996, não é certo que os AA tenham deduzido pretensões cuja falta de fundamento não ignoravam, alterado a verdade dos factos ou feito um uso reprovável do processo. Não julgamos verificada a litigância de má fé. Em face do exposto negamos a revista. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 21 de Janeiro de 2003 Armando Lourenço Azevedo Ramos Silva Salazar |