Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05A1642
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LOPES PINTO
Descritores: AGRUPAMENTO COMPLEMENTAR DE EMPRESAS
CONTRATO DE ADESÃO
FRANQUIA
Nº do Documento: SJ200505310016421
Data do Acordão: 05/31/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 2212/04
Data: 12/14/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : I - O ACE (agrupamento complementar de empresas) não é a única figura que promove e protege o entendimento económico entre empresas se bem que seja uma das mais fortes, cuja construção económica e jurídica foi importada há décadas; o ACE tem personalidade jurídica própria, independente da dos seus componentes, e é criado com o objectivo de melhorar as condições de exercício ou de resultado das actividades económicas destes (Bases I-1 e IV da lei 4/73, de 04.06).
II - Os contratos de adesão e de insígnia não são, para a nossa lei, equivalentes ao título constitutivo do ACE, exigindo a lei, antes do dec-lei 36/00, de 14.03 - a qual não tem efeito retroactivo, que se constitua por escritura pública e que o acto constitutivo seja levado ao registo comercial (Base III-1 da lei 4/73 e arts. 2 e 9 do dec-lei 430/73, de 25.08).
III - Traduzindo os factos que entre a autora, a ré e a E (realidade de facto) se estabeleceu um modo de colaboração definindo, internamente, regras de funcionamento quer da distribuição de produtos quer de meios da sua comercialização e propiciadoras do uso de certos direitos de propriedade industrial (v.g., concessão do uso da insígnia comercial) e que o grupo era constituído por sociedades entre si jurídica e financeiramente distintas e independentes que a ele aderiram para poder beneficiar da concessão da insígnia Intermarché e às quais aquele assume a obrigação de proporcionar um conjunto de serviços, limitando-se, estas a vender certos produtos em estabelecimento onde é usada a insígnia do grupo, está-se face a um contrato de franquia, o qual não está sujeito a forma legal (CC- 219), com mais rigor, perante um contrato de franquia de distribuição (franquiadora a E e franquiada a autora).
IV - Tal contrato é distinto do contrato pelo qual a autora vendeu à ré os produtos que esta lhe não pagou; aqui, as dívidas são próprias da ré (ainda que, porventura, de ACE se tratasse - e se não trata, a autora não seria uma credora extranea mas um membro do grupo com crédito sobre outro membro do grupo, o que tornava inaplicável o nº 3 da Base III da lei 4/73).
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo tribunal de Justiça:

Regional de Mercadorias - Sociedade A, S.A., propôs contra B - Supermercados, S.A., acção pedindo se a condene a lhe pagar os fornecimentos que lhe efectuou e por esta não pagos, acrescidos de juros mora vencidos até à propositura, tudo no montante global de 117.851.602$00, e de juros de mora à taxa de 12,5% sobre 108.463.292$00 após a instauração.
Contestando, a ré excepcionou a inexigibilidade da obrigação sem prévia excussão dos bens do Agrupamento Complementar de Empresas E em que autora e ré se integram e impugnou.
Após réplica prosseguiu a acção até final, onde, por sentença que a Relação confirmou, procedeu.
De novo inconformada, por pretender ser absolvida do pedido, pediu revista a ré que, em suas alegações, concluiu -
- o denominado Grupo Intermarché, composto pela E - Norte Sul Portugal, pelas sociedades de aprovisionamento, empresas de investimentos e prospecção imobiliária e pelos aderentes titulares de um ponto de venda constitui um verdadeiro agrupamento complementar de empresas, sendo os contratos de adesão e de insígnia equivalentes ao título constitutivo do mesmo;
- a actividade do agrupamento de que a exploração das sociedades aderentes é parte é superiormente dirigida pelo grupo que planeia a implantação desses pontos, calcula a sua rentabilidade e estabelece as regras principais da sua gestão, pelo que, comungando dos benefícios da exploração desses pontos de venda, deve suportar (ou pelo menos comparticipar) dos seus prejuízos, pelo que é
- abusivo que uma empresa do agrupamento exija apenas do aderente a totalidade dos prejuízos que este sofreu no exercício da actividade do mesmo agrupamento;
- violou o acórdão recorrido as Bases I e III da lei 4/73, de 04.06, e o art. 334 CC.
Contraalegando, defendeu a autora a confirmação do acórdão.
Colhidos os vistos.

Matéria de facto que as instâncias consideraram provada -
a) - a autora dedica-se à actividade comercial de distribuição de produtos alimentares e não alimentares por grosso;
b) - a ré explora uma unidade comercial de dimensão relevante (dita supermercado) em Évora, sob a insígnia Intermarché, sendo titular do direito de exploração da mesma;
c) - o sócio gerente e accionista maioritário da ré, sr. C, celebrou, em 94.03.08,com a sociedade D, S.A., tendo mandatado a sociedade E Portugal Supermercados, Lª., um denominado ‘Contrato de Adesão ITM D’, redigido em língua francesa, juntando-se uma tradução em que estão omissos os nomes dos contratantes e a data e local da celebração;
d) - a ré e esse seu sócio maioritário celebraram em Lisboa, em 96.05.28, com a E -Norte Sul Portugal - Sociedade de Desenvolvimento e Investimento, S.A., um contrato escrito denominado de ‘Uso de Insígnia E Portugal’, redigido em língua francesa, juntando-se uma tradução em que estão omissos os nomes dos contratantes e a data e local da celebração;
e) - a autora está inserida num grupo comercial, conhecido por ‘Intermarché’ ou ‘Os Mosqueteiros’;
f) - a autora exerce a sua actividade comercial com empresas que exploram uma unidade comercial sob a insígnia ‘Intermarché’ ou ‘Ecomarché’;
g) - a ré e a E celebraram o contrato junto com a contestação como doc. 3;
h) - a autora forneceu à ré, a solicitação desta, os produtos que constam nas facturas e outros documentos contabilísticos juntos, sob os números 5 a 203 e 216, aos autos de providência cautelar que correm termos no 2°Juízo Cível desse Tribunal sob o nº. 256/00,
i) - fornecimentos esses que somam o valor total de 108.463.292$00;
j) - as quantias referidas nas als. h) e i), encontravam-se já vencidas, atentas as datas de vencimento apostas em cada uma das facturas, que correspondem ao prazo acordado para o pagamento;
l) - tal montante em dívida, ainda não foi pago.

Decidindo: -
1.- Fornecimentos, seu valor e não pagamento são pontos definitivamente assentes.
Ponto fundamental da defesa da ré - a existência de um agrupamento complementar de empresas no qual, autora e ré se integram.
Negada, pelas instâncias, a sua existência e qualificado como contrato de franquia de distribuição o celebrado entre autora e ré. A assistir-lhes razão, as suas decisões não merecem censura.

2.- As instâncias negaram a qualificação defendida pela recorrente face aos elementos em presença que, a ser a correcta, padeceria de vício de forma gerando a respectiva nulidade.
Daí que com a primeira conclusão procurasse criticar as decisões neste duplo aspecto.
Embora fosse suficiente começar pelo último não se deixará em aberto o primeiro.
O ACE - agrupamento complementar de empresas - não é a única figura que promove e protege o entendimento económico entre empresas se bem que seja uma das mais fortes, cuja construção económica e jurídica foi importada há décadas.
O ACE tem personalidade jurídica própria, independente da dos seus componentes, e é criado com o objectivo de melhorar as condições de exercício ou de resultado das actividades económicas destes (Bases I-1 e IV da lei 4/73, de 04.06).
Onerada com a prova de se estar perante uma situação de ACE e, através dela, poder a ré invocar a excepção da inexigibilidade da obrigação sem prévia excussão dos bens do ACE, estava a ré e, para a poder satisfazer, havia que antes ter cumprido o ónus de alegação, tinha que ter carreado para os autos todos os factos que pudessem integrar e caracterizar os elementos prescritos por lei.
Insatisfeito o ónus de alegar e, consequentemente, nem aquele se pode questionar.
A lei exige que o agrupamento complementar de empresas se constitua por escritura pública e que o acto constitutivo seja levado ao registo comercial (Base III-1 da lei 4/73 e arts. 2 e 9 do dec-lei 430/73, de 25.08).
Formalidade atinente à própria constituição do ACE e prescrita por lei, formalidade ad substantiam (CC - 220 e 364) cuja inobservância é sancionada com a nulidade.
Os contratos de adesão e de insígnia não são, para a nossa lei, equivalentes ao título constitutivo do ACE, e se, porventura, se estivesse face a um ACE, não se provou que fora respeitada a forma prescrita por lei para o ACE, nem, por conseguinte, que o acto constitutivo tenha sido levado ao registo e, face à data apontada e provada (94.03.08), irrelevaria - por a excepção introduzida pelo art. 3 do dec-lei 36/00, de 14.03, não ter efeito retroactivo - indagar se o ACE fora constituído ou sem capital próprio ou, tendo-o sido, se não foram efectuadas entradas em bens diferentes de dinheiro para cuja transmissão seja necessária escritura pública. Aliás, é a própria ré quem, alegando na revista, expressamente reconhece não ter sido «formalizada por escritura pública» e que o grupo E apenas é «de facto» (fls. 355).
Os factos traduzem que entre a autora, a ré, a E (tratando-a como uma realidade de facto, isto é, descurando que tivesse ou não existência e personalidade jurídica), se estabeleceu um modo de colaboração definindo, internamente, regras de funcionamento quer da distribuição de produtos quer de meios da sua comercialização e propiciadoras do uso de certos direitos de propriedade industrial (v.g., concessão do uso da insígnia comercial).
O grupo era constituído por sociedades entre si jurídica e financeiramente distintas e independentes que a ele aderiram para poder beneficiar da concessão da insígnia Intermarché e às quais aquele assume a obrigação de proporcionar um conjunto de serviços, limitando-se, estas a vender certos produtos em estabelecimento onde é usada a insígnia do grupo.
De uma tal estrutura organizacional beneficiam tanto as sociedades aderentes como o grupo.
Está-se face a um contrato de franquia, o qual não está sujeito a forma legal (CC- 219), com mais rigor, perante um contrato de franquia de distribuição (vd., o ac. deste STJ, de 02.06.27, lavrado no rec. 1.625/02, para maior desenvolvimento da questão e onde abundantemente se referem elementos de estudo).

3.- Recorrente e recorrida são, entre si, sociedades independentes e autónomas bem como cada uma o é em relação à sociedade (? tal como consta dos autos, grupo) franqueadora da insígnia.
Ao contrato entre a franquiadora e a autora (franquiada) é estranha a ré.
Tal contrato é distinto do contrato pelo qual a autora vendeu à ré os produtos que esta lhe não pagou. Trata-se de relações desenvolvidas apenas entre as partes, pelo que é por dívidas próprias que a ré é demandada.
Ainda que, porventura, de ACE se tratasse - mas se não trata - tão pouco poderia a ré invocar relevantemente a excepção que alegou. Com efeito, a autora não seria uma credora extranea mas um membro do grupo com crédito sobre outro membro do grupo, o que tornava inaplicável o nº 3 da Base III da lei 4/73.
Introduz a recorrente um elemento novo - ao pretender que seja o aderente a responder sozinho pelos seus prejuízos, a recorrida fez uso manifestamente abusivo do seu direito (CC - 334).
O abuso de direito é de conhecimento oficioso e pressupõe que quem exerce o direito seja seu titular.
Ora, in casu, teria de se estar perante um direito da autora enquanto e porque aderente, o que não seria o caso.
Por outro lado, face à actual alegação teria que ter alegado para poder vir a provar, primeiro, que se tratava de prejuízos e, depois, que eram prejuízos a imputar ao grupo, porque sofridos enquanto e em razão de ser seu membro. Além de ser questão nova - serem «prejuízos», acresce que não o são mas sim dívidas de fornecimento a uma empresa autónoma e não respeitado por esta a obrigação de pagar o seu preço.
Ainda que houvesse um ACE, seria o comportamento individual da recorrente perante uma credora que a forneceu que estava em causa e não uma relação entre ambas que pudessem reportar, em si, ao agrupamento.

Termos em que se nega a revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 31 de Maio de 2005
Lopes Pinto,
Pinto Monteiro,
Lemos Triunfante.