Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
929/07.5TBCVL-F.C1-A.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: RECLAMAÇÃO
OPOSIÇÃO À PENHORA
ADMISSIBILIDADE DA REVISTA
Data do Acordão: 06/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA.
Sumário :

A decisão proferida em processo executivo que não pode ser alvo de revista normal, por a tal obstar o disposto no art.º 854.º do CPC, também não pode ser alvo de revista excecional requerida com base no art.º 672.º, n.º 2, alínea a) do CPC.

Decisão Texto Integral:




Processo n.º 929/07.5TBCVL-F.C1-A.S1


(Reclamação – art.º 643º do CPC)


Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO


1. AA apresentou Reclamação, nos termos do artigo 643.º do CPC, contra o despacho do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05.07.2022, que não tinha admitido o recurso de revista por ela interposto contra o acórdão proferido em 05.04.2022 (que havia confirmado a decisão da primeira instância).


Sustentou a recorrente, em síntese, que o recurso de revista devia ter sido admitido por duas ordens de razões: pela existência de nulidades do acórdão recorrido; e por ter sido invocada a revista excecional com base no art.º 672º, n.º 1 alínea a) do CPC.


2. No despacho recorrido, citando a jurisprudência do STJ, o TRC entendeu que a revista excecional não seria admissível, por se encontrar também vedada a possibilidade de revista normal nos termos do art.º 854.º do CPC, dado estar em causa uma ação executiva.


3. Em 30.09.2022, foi proferida decisão singular, no STJ, que indeferiu a reclamação apresentada pela recorrente.


Todavia, a recorrente requereu que os autos fossem remetidos à conferência para prolação de acórdão.


Entretanto, faleceu a recorrente-reclamante (AA), tendo sido junta aos autos a respetiva certidão de óbito.


Consequentemente, foi declarada a suspensão da presente instância, nos termos do art.º 270.º, n.º 1, do CPC.


4. Em 03.05.2023, a recorrida (AGRO-HELFIL – Sociedade de Agricultura de Grupo, Ldª.) requereu, nos presentes autos, a habilitação de herdeiros da recorrente AA, nos termos dos artigos 351.º, 353.º e 357.º do CPC.


5. Constatou-se, porém, que também se encontrava pendente no processo principal, a correr termos na 1.ª instância, incidente de habilitação de herdeiros para habilitar os sucessores da executada e recorrente.


Assim, por despacho de 02.10.2023, decidiu-se que os presentes autos de reclamação aguardassem até ao transito em julgado da decisão a proferir no incidente de habilitação de herdeiros a correr na primeira instância.


6. Chegou, finalmente, aos presentes autos informação de que, em 20.03.2024, havia sido proferida sentença no âmbito do incidente de habilitação de herdeiros, corrigida por despacho de 24.04.2024 (face à existência de um erro manifesto), com o seguinte dispositivo:


«julgo totalmente procedente o pedido de habilitação e, em consequência, julgo BB, CC, DD, EE, FF habilitados como sucessores da Executada AA, para em sua substituição prosseguir os termos da execução, na qualidade de sucessores desta»


7. Consequentemente, por despacho de 17.06.2024, declarou-se a inutilidade superveniente da lide no incidente de habilitação instaurado nos presentes autos, bem como se declarou cessada a suspensão dos autos de reclamação, tendo os autos sido remetidos à conferência para o presente acórdão.


Cabe decidir.


*


II. FUNDAMENTOS


No requerimento por meio do qual a reclamante pediu a intervenção da Conferência, por não se conformar com a decisão singular, proferida em 30.09.2022, que indeferiu a reclamação apresentada nos termos do art.º 643º, foram reafirmados, na essência, os argumentos já apresentados para sustentar o recurso de revista e para contradizer a decisão do TRC que não admitiu a subida desse recurso.


Efetivamente, nesse requerimento repete-se todo o argumentário já antes invocado para sustentar a admissibilidade da revista, nomeadamente a existência de nulidades da decisão recorrida e a alegada admissibilidade do recurso enquanto revista excecional, com base no art.º 672.º, n.º 1, alínea a) do CPC.


Na medida em que a tais argumentos foi claramente dada resposta na decisão singular reclamada, aí se explicitando as normas legais aplicáveis, subscreve-se, coletivamente, a fundamentação dessa decisão, para a qual se remete.


É o seguinte o teor da fundamentação da decisão singular impugnada:


«Deve, desde já, afirmar-se que o despacho recorrido fez a correta aplicação do direito, pelo que a reclamação não poderá proceder.


Efetivamente, no art.º 854.º do CPC, pela natureza da própria matéria, o legislador estabeleceu a regra da não admissibilidade do recurso de revista em processo executivo. Esta regra prevê três exceções (respeitantes a apensos de natureza essencialmente declarativa): oposição deduzida contra a execução; procedimento de verificação e graduação de créditos; e procedimento de liquidação que não dependa de simples cálculo aritmético. Exceciona-se ainda a hipótese de o recurso poder ser admitido nos termos do art.º 629º, n.º 2 do CPC.


O acórdão recorrido foi proferido nos autos de uma ação executiva e não respeita a nenhuma das hipóteses legalmente excecionadas. Trata-se, portanto, de um caso no qual tem aplicação a regra da não admissibilidade do recurso de revista estabelecido no art.º 854.º do CPC.


Encontra-se, assim, vedado o recurso normal de revista, independentemente de as instâncias terem decidido em sentido coincidente ou em sentido divergente. Trata-se de uma exclusão do recurso de revista por opção legislativa, tendo por base a natureza da matéria (como, aliás, acontece noutras matérias).


Deste modo, o facto de as decisões das instâncias serem coincidentes não abre a porta à possibilidade de invocar a revista excecional com base no art.º 672.º do CPC.


Como a jurisprudência do STJ tem reiteradamente entendido, a hipótese de uma revista ser admitida a título excecional só é convocável quando o único obstáculo à revista normal for a existência de dupla conforme, nos termos do art.º 671º, n.º 3 do CPC. Só nessa hipótese os autos serão enviados à Formação para apreciação dos requisitos específicos da revista excecional nos termos do art.º 672º, n.º 3 do CPC.


Nestes termos, quando não se encontrem preenchidos os pressupostos gerais de recorribilidade da revista normal (previstos no art.º 629º, n.º 1 e 671.º, n.º 1 do CPC) também nunca se colocará a hipótese de existência de uma revista excecional. E o controlo da verificação desses pressupostos gerais é tarefa dos relatores (não da Formação a que alude o art.º 672.º, n.º 3).


Assim, não há qualquer dúvida de que o despacho recorrido fez a correta aplicação do direito ao não admitir a subida do recurso.

A recorrente ainda tenta esboçar uma hipótese de a revista poder caber numa das exceções do art.º 854.º, concretamente nos procedimentos de liquidação não dependentes de simples cálculo aritmético. Porém, é manifesto que o acórdão recorrido não foi proferido nesse tipo de procedimento, pelo que nenhuma razão lhe assiste nessa alegação.

No que respeita à invocação de nulidades como fundamento de recurso, a recorrente parece fazer uma inversão do raciocínio lógico que deve presidir à invocação deste tipo de fundamento. Ora, como decorre do art.º 615.º, n.º 4 do CPC, a apreciação das nulidades integrará o objeto do recurso, caso o recurso seja admissível. Não sendo o recurso admissível (como não é no caso concreto), essas nulidades são conhecidas pelo tribunal que emitiu a decisão.

Nestes termos, é de concluir que a decisão reclamada não merece censura, pois fez a correta aplicação da lei ao considerar o recurso de revista não admissível.


Pelo exposto, indefere-se a reclamação


2. Concluiu-se, portanto, que a decisão singular reclamada não merece censura ao confirmar a decisão do TRC que não havia admitido a subida do recurso de revista.


*


DECISÃO: Pelo exposto, indefere-se a reclamação e confirma-se a decisão reclamada.


Custas pelos reclamantes (habilitados), que se fixam em 2 UCs (art.º 7º, n.º 4 e Tabela II, penúltima linha, do Regulamento das Custas Processuais).


Lisboa, 25.06.2024


Maria Olinda Garcia (Relatora)


Ricardo Costa


António Barateiro Martins