Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02P237
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA GUIMARÃES
Descritores: ROUBO
UNIDADE DE INFRACÇÕES
INTENÇÃO DE APROPRIAÇÃO
BEM JURÍDICO EMINENTEMENTE PESSOAL
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
VIOLÊNCIA CONTRA AS PESSOAS
Nº do Documento: SJ200204110002375
Data do Acordão: 04/11/2002
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Tribunal Recurso: T REL ÉVORA
Processo no Tribunal Recurso: 1878/01
Data: 11/13/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL / CRIM C/PATRIMÓNIO.
Legislação Nacional: CP95 ARTIGO 30 N1 ARTIGO 204 N2 F ARTIGO 210 N1 N2 B.
Sumário : Se se verifica uma só intenção apropriativa dirigida a uma única coisa móvel alheia, há um só crime de roubo mesmo que a violência tenha sido exercida sobre as várias pessoas que detinham a coisa objecto do roubo.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

No 2º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Abrantes, respondeu em processo comum colectivo, o identificado arguido A, vindo a ser condenado, pela prática de dois crimes de roubo, previstos e punidos no artigo 210, nº 1 e 2, alínea b), conjugado com o art. 204, n. 2 alínea f), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, por cada um deles e, realizado cumulo jurídico das penas parcelares, na pena única de 5 (cinco) anos e 5 (cinco) meses de prisão, condenado sendo, também, pela prática de uma contra-ordenação, prevista e punida no artigo 66º, do Decreto-lei nº 37313, de 11 de Fevereiro de 1949, com referência aos artigos 6º e 7º, do Decreto-lei 339/93 , de 3 de Dezembro, na coima de 100000 escudos.
Mais foi, enfim, condenado, agora em sede cível, no pagamento à demandante B, de uma indeminização estimada em 5071000 escudos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, em cada momento, em vigor, desde 28 de Junho de 1996 até efectiva e integral satisfação.
(Cfr: Folhas 374 e seguintes, designadamente, fls. 377 - 377 verso).
Inconformado, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Évora, motivando e concluindo nos moldes constantes de folhas 424 e seguintes, com resposta do digno magistrado do Ministério Público, o qual, como se colhe de folhas 433 e seguintes, pugnou pela manutenção do decidido.
Veio aquela Veneranda instância a prolatar decisão sobre o intentado recurso, confirmando integralmente o aresto da primeira instância, excepto no tocante à faceta contra-ordenacional, pois que, aqui, declarou oficiosamente extinto, por prescrição, o respectivo procedimento.
( Cfr., Acórdão de folhas 457 e seguintes, designadamente, folhas 474)
Ainda inconformado, desencadeou recurso, deste julgado, o arguido, desta feita para o Supremo Tribunal de Justiça.
E, após motivação (cfr.: folhas 486 a 490), chegou às conclusões que seguem (cfr: folhas 490 a 491):
1º - A pena é excessiva e ineficaz, pecando por demasiadamente severa, tendo em conta que os factos, terão ocorrido à cinco anos - ainda que tivesse cometido os crimes - que não cometeu.
2º - É desadequada e inútil, em termos de prevenção geral e especial.
3º - E não teve em conta o carácter ressocializador e educativo que a pena deve revestir.
4º - Tendo antes, perdido a sua eficácia, uma vez que decorridos que foram cinco anos, sobre a ocorrência dos factos, sempre o recorrente se tendo mantido em liberdade, desfrutando de estabilidade familiar e profissional.
5º - A sua família encontra-se agora, em situação desesperada, a sua companheira desde há catorze anos, doente e as suas quatro filhas menores com idades compreendidas entre os treze e um anos, privadas de uma normal convivência com os progenitores, além de que sujeitas a graves dificuldades económicas.
6º - A terem ocorrido os factos, tratou-se, de uma situação pontual e transitória.
7º - O bom comportamento do recorrente, anterior e posteriormente, não foi tido em linha de conta pelo tribunal " a quo".
8º - Acresce que o recorrente, de acordo com o espírito do legislador, na redacção da lei Penal, que permite a suspensão da execução das penas, viu o seu direito eliminado.
9º - Pelo que, a ser condenado, deverá ser em pena que permita suspender a sua execução e completar o processo de integração familiar e social.
10º - Foram pois violados os seguintes preceitos legais, artigos 71 n. 1 e 2, alínea d) e e), 72 n. 2, alínea d) e 74 n. 1, alínea c).
Nestes termos e demais de direito sempre supridos doutamente por Vossas Excelências, requer-se,
a) Seja admitido o presente recurso
b) Seja o recorrente condenado em pena passível da suspensão da sua execução, ainda que por um período alargado no tempo ou acompanhada de regime de prova.
Respondeu o Exmº. Procurador Geral Adjunto, opinando pela improcedência do recurso, logo pela confirmação do acórdão impugnado (cfr. Fls 498 e seguintes).
Neste Supremo Tribunal de Justiça e dado que o arguido recorrente expressara, oportunamente (cfr. Fls 491), o seu desejo de alegar por escrito ao abrigo do disposto no n. 4 do artigo 411, do Código de Processo Penal, para tal produção alegatória, devendo o processo prosseguir e inexistindo oposição do recorrido Ministério Público (cfr nº 5 do artigo 417, do Código de Processo Penal, notificados foram os sujeitos processuais (cfr despacho de fls 505 - 505 verso e cota subsequente!.
Produzidos que foram as sobreditas alegações escritas, pronunciou-se o Exmº Procurador Geral Adjunto, depois de ter observado que "sendo o objecto deste crime de roubo uma única coisa móvel (pertencente a terceiro ) detida por duas pessoas, a violência ( ameaça ...) contra essas pessoas destinada a neutralizar a sua oposição, não dita o preenchimento de dois crimes de roubo (e para mais qualificados pelo valor), sob pena de uma dupla tutela do bem jurídico-patrimonial, "no sentido de que deverá ser negado provimento ao recurso, procedendo-se, contudo, ... à alteração da subsunção no que respeita ao número de crimes de roubo preenchidos, com o consequente reflexo na pena fixada , ( fls. 507 e seguintes, designadamente, fls. 514), e reiterando o arguido recorrente o impetrado no recurso interposto (cfr fls. 516 e seguintes, designadamente, fls. 521)
Recolhidos os vistos da lei, cumpre decidir e a tanto se passa.
Como é sabido, o âmbito do recurso, delimita-se em função das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.
Está o do ora interposto confinado no peticionar da condenação do arguido - recorrente "em pena passível da suspensão da sua execução, ainda que por um período alargado no tempo ou acompanhada de regime de prova"( cfr:fls 425 - 521).
Versa, assim, em exclusivo, o reexame da matéria de direito, o que satisfaz, em termos de caber, esse reexame, a este Supremo Tribunal de Justiça, ao preceituado na parte final do artigo 434, do Código de Processo Penal, sendo que a decisão que se impugna é recorrível (cfr:artigo 432, alínea b) e 400, do Código de Processo Penal).
Recordemos, desde já, a factualidade certificada pela primeira instância e acolhida pela segunda.

Foi ela, a seguinte:
Em data anterior a 28 de Junho de 1996, o arguido A contactou com representantes da sociedade "B" dizendo-se interessado em adquirir uma grande quantidade de artigos de vestuário, tendo ficado acordada a venda da mercadoria.
Tendo em vista a concretização de tal negócio, no dia 28.06.1996, entre as 20 e as 21 horas e quando o sol ainda se não tinha posto, nas proximidades do Hospital Distrital de Abrantes, o arguido A, acompanhado de dois indivíduos cuja identidade não foi possível apurar, encontrou-se com dois funcionários da " B", C e D.
Estes haviam-se deslocado para Abrantes numa viatura daquela sociedade transportando os acordados artigos de vestuário.
Esse lote de artigos de vestuário era constituído por camisolas de algodão, casacos, tunisinas, t’shirts, em quantidades diversas, tudo no valor de 5071000 escudos.
Após uma breve troca de palavras com D, que entretanto saiu da viatura, o arguido A empunhou uma pequena arma de fogo tipo pistola, cujas características não foi possível apurar, e apontou-lha ao mesmo tempo que lhe dizia para não se mexer.
Acto contínuo, o segundo indivíduo que acompanhava o arguido A dirigiu-se ao C e dando-lhe a entender que tinha uma pistola ou arma semelhante no bolso do blusão exigiu-lhe as chaves do veículo, que o C movido pelo medo lhe entregou.
Convencidos de que o arguido e o outro indivíduo não hesitariam em atingi-los fisicamente com as referidas armas de fogo, o C e o D ficaram imobilizados, não esboçando qualquer oposição aos seus intentos.
Nesta altura, sob as ordens do arguido A, procederam à transferência da mercadoria da viatura em que o C e o D a havia transportado para o veículo, marca Mercedes-Benz, de matrícula GL, pertencente à companheira do arguido A e que este trouxera e estacionara no local.
Efectuado tal carregamento, o arguido A e os outros dois indivíduos entraram no Mercedes-Benz, e arrancaram na mesma, levando consigo toda a referida mercadoria.
Já com o veículo em andamento, seguindo em direcção ao Rossio ao Sul do Tejo, foram disparados três tiros do interior daquele Mercedes.
No dia 07.07.1998, o arguido A tinha na sua residência, sita em .........., Rossio ao Sul do Tejo, uma espingarda caçadeira de repetição de calibre 12, marca " Fabarm", modelo " Pump Sdass", nº de série 292358-909343, de origem italiana.
A referida arma não se encontrava devidamente registada nem manifestada, o que era do conhecimento do arguido A, que sabia não a poder deter nessas condições.
O arguido A agiu deliberada, livre e conscientemente, em conjugação de esforços e intentos com dois indivíduos, cuja identidade não foi possível apurar, e com o propósito de fazer sua aquela mercadoria, o que consegiu, bem sabendo que não lhe pertencia e que estava a agir contra a vontade da dona. Para o efeito, exibiu uma arma de fogo e, deste modo, criou temor no espírito dos aludidos C e D.
O arguido A sabia que o referido comportamento era proibido e punido por lei.
O arguido A é solteiro, trabalha como vendedor ambulante, vive com a mesma companheira há 14 anos, considerando-se "casado segundo a lei cigana", têm 4 filhos de 13 anos, 11 anos, 7 anos e um ano e meio de idade, respectivamente; naquela sua actividade de comerciante é ajudado pela companheira e ganham em média, mensalmente, cerca de 200000 escudos; vivem em casa própria pagando, por mês, 44000 escudos de prestação do empréstimo bancário para aquisição da mesma; andou na escola até à 3ª classe.
O arguido A foi julgado no processo comum singular nº 87/99, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Abrantes, pela prática do crime de corrupção activa, por factos ocorridos em 1989, tendo sido condenado, por decisão de 06.04.2000, na pena de 12 meses de prisão suspensa na sua execução por dois anos.
O arguido A não demonstra arrependimento.
Nenhuns outros factos, com relevância para a decisão, foram apurados e, nomeadamente não se demonstrou que:
Os factos aconteceram nas traseiras do Hospital Distrital de Abrantes;
Os factos aconteceram cerca das 23 horas;
A viatura em que C e D transportavam o vestuário tinha a matrícula Gl;
O arguido A apontou a arma exclusivamente à cabeça do D;
O acompanhante do arguido A apontou uma pistola ao C e lhe retirou as chaves do veículo;
Foi o arguido A quem disparou os 3 tiros do interior do Mercedes - Benz.
Não se mostram invocados quaisquer vícios, de entre os que se elencam no n. 2 do artigo 410, do Código de Processo Penal e arguidas não vêm nulidades de que importasse conhecer.
E, na esfera oficiosa que se lhe consente, também este Supremo não detecta nenhum vício, nem visiona alguma nulidade.
Posto isto, poderemos entrar, sem mais delonga, na dilucidação da circunscrita temática do recurso: a da possibilidade da recondução da pena (única) aplicada e um doseamento deosimétrico permissivo da suspensão da sua execução, o que não dispensará ponderação sobre o aspecto concretizado pelo Exmº Procurador Geral Adjunto, neste Supremo, em sede de alegações escritas, por passível de repercussão no que tange à posição a definir a respeito daquela primeira vertente.
Na sua clarividente peça alegatória escrita, o Exmº Procurador Geral Adjunto, neste Supremo, entendeu enfocar, entre o mais que expendeu, a questão a que antecedentemente já nos referimos, em breve síntese, e à qual voltamos, com um desenvolvimento que extraímos daquela mesma alegação.
Escreveu aquele ilustre magistrado:
"No caso em apreço verifica-se que a violência foi exercida contra os dois funcionários da sociedade, detentores da mercadoria objecto do roubo.
Tal significa que foram praticados dois crimes - meio (ofensa aos bens jurídicos pessoais - ameaça com arma de fogo dirigida aos dois funcionários, privando-os de liberdade e constrangendo-os a suportar uma actividade ) como meio de prática de um único crime - fim ( ofensa ao bem jurídico patrimonial - subtracção de uma única coisa móvel alheia, a mercadoria)."

E, depois de deixar expressado ser, para ele, evidente "que a subtracção de uma única coisa móvel alheia no valor de 5071000 escudos, com violência contra duas pessoas que a detém, não pode ser equiparada à subtracção de duas coisas móveis alheias, cada uma delas no valor de 5071000 escudos, detidas por cada uma das vítimas da violência, pois que " naquela solução o mesmo bem jurídico patrimonial teria uma dupla tutela e um furto de uma coisa no valor de 5071000 escudos, seria transformado, nessa vertente, em dois crimes de furto de coisa de igual valor (Fls. 513) veio a condensar o seu raciocínio, no conclusivo que passamos de seguida, a transcrever.
... deverá ser reexaminada a subtracção jurídico-penal efectuada pelas instâncias:
Sendo o objecto deste crime de roubo uma coisa móvel (pertencente a terceiro), detida por duas pessoas, a violência ( ameaça ...) contra essas pessoas destinada a neutralizar a sua oposição, não dita o preenchimento de dois crimes de roubo ... sob pena de uma dupla tutela do bem jurídico patrimonial."
Chama-se a atenção para os exemplos que ilustram a peça e para o apoio doutrinário em que se sustenta este modo de ver, designadamente em atenção àquele que vem referenciado (tese defendida pela Dr.ª Conceição Ferreira da Cunha).
( Cfr, fls. 514,).
Dispõe o nº 1 do artigo 210, do Código Penal, onde se formata tipicamente o crime de roubo:
" Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de..."

Com base neste contexto normativo, pode afirmar-se, por conseguinte, que este tipo penal só é prefigurável se ocorrer compressão coactiva sobre uma pessoa (o que não demanda, nem pressupõe, formas taxativas ou específicas de manifestação ), sabido sendo, por outro lado, que, apresentando-se o roubo como um crime complexo, nele se abrange, a um tempo e do mesmo passo, a tutela da liberdade individual, do direito de propriedade e da detenção das coisas apropriáveis ou subtraíveis, surgindo, todavia, juridicamente uno por susceptível de comportar, na sua estrutura ou no seu âmbito, vários factos que, em si mesmos, podem constituir ilícitos autónomos (ou permitirem sancionamento autónomo) fora daquela unidade jurídica .
Ganha aqui relevo a expressão "crimes famulativos" a que se refere Nelson Hungria, no seu Comentário ao Código Penal Brasileiro, pág. 57.
Mas tudo isto nos demonstra e patenteia que, esgotando-se o ilícito na grafia sintética de uma intenção de apropriação ilícita, consumada através de uma intercalar acção em função coactiva, de coisa móvel alheia, a sua dinâmica traça-se, define-se e identifica-se em função do vector intenção de apropriação ilícita e do da efectivação final dessa apropriação, reconduzindo à dimensão de elo típico de ligação entre os falados vectores, o que integra, instrumentalmente, a sobredita acção coactiva.
E é justamente porque o tipo legal roubo comporta, aglutinados na referida unidade jurídica, o tal vector intenção de apropriação, como génese e o tal vector efectivação dessa apropriação, como fim, pressupondo, como requisito essencial, que sejam violentos ou constrangedores os meios que realizem efectivamente o desiderato criminoso, que se torna necessário (sempre necessário) para a determinação do numero de crimes de roubo efectivamente cometidos, um apuramento prévio quanto a saber-se em que medida o crime contra as pessoas (ou um activado constrangimento sobre as pessoas) funcionou como meio (independentemente de poder justificar censura penal autónoma, em concurso com o próprio crime de roubo) para se lograr o fim antipatrimonial visado.
Por esta via se chega, de resto, a esta outra asserção: a de que, não obstante a violência ter sido exercida sobre várias pessoas, apenas se configura um único crime de roubo, ante uma só intenção apropriativa dirigida a uma única coisa móvel alheia, não determinando, assim, nesta hipótese, aquela violência - enquanto meio para a consumação da apropriação (como resulta da contextura típica do ilícito ) - a configuração de tantos crimes de roubo, quanto o número das pessoas violentadas
Certo é que do textuado no nº1 do artigo 210º, do Código Penal não se retira a ideia de que tenha de haver coincidência (embora, geralmente, ela exista) entre a pessoa que suporta a violência, que sofre a ameaça ou que fica colocada na impossibilidade de resistir e a que é proprietária ou possuidora do bem que é alvo da ilícita apropriação; a norma é , todavia, inequivocamente elucidativa quanto a inculcar que aquelas violências, ameaça ou constrangimento, podendo, embora, objectivarem-se em pessoa diversa da do dono (ou da do detentor) do património apropriável, sempre funcionarão como expediente instrumental para a agente conseguir a apropriação, o que implica que, constituindo esta, a finalidade tendencial, ultima ou especifica do crime, não seja curialmente concebível fazer-se configurar crimes, para além do que consente a respectiva linha típica definidora do mesmo crime.
No caso vertente e como emerge do factualismo provado, o arguido (e os seus não identificados comparsas) exerceram, sem duvida, acção violenta, intimidatória e constrangedora sobre os referenciados da empresa lesada, afim de levarem a cabo a apropriação ilícita do lote de artigos de vestuário a que os autos aludem; mas sendo que o direccionamento dessa actuação criminal tinha como específico fim a obtenção dos mencionados artigos (estes, pertencentes à ofendida demandante B) não se antolha como admissível o desdobramento da dita acção por modo a prefigurarem-se dois crimes de roubo (verificando-se um único e um mesmo desiderato delitivo) na base da circunstância de uma dupla compressão violenta, uma vez que essa componente instrumental do itinerário criminoso se destinou somente a conseguir (escopo delitivo) o apossamento dos bens em causa.
Se a índole complexa do tipo legal roubo não exclui a tutela dos interesses pessoais que sejam lesados, a verdade é que essa mesma complexidade não legítima, por si, que se estruturem crimes de roubo por crimes radicados em tal lesão e à revelia do preenchimento típico da sua vertente patrimonial própria, afinal a que identifica a tonalidade típica do ilícito e o individualiza na sua textura e sendo que os ditos interesses pessoais, ainda que ofendidos no percurso conducente à lesão patrimonial e mesmo que afectando diversas pessoas, podem não ocasionar outras lesões patrimoniais para além daquela que o agente buscou.
Por outras palavras:
O mesmo tipo penal (in casu, o de roubo) não pode servir para gerar, a partir de si próprio, outros crimes absolutamente idênticos, quando, na envolvência de um mesmo condicionalismo, esteja definido o seu desígnio impulsionador, identificado o seu objecto, delimitada a sua específica finalidade e preenchidos, em função desse desígnio, desse objecto e dessa finalidade, os seus requisitos típicos.
Assim e de acordo com o que vem de ser expendido, aderimos à perspectiva correctora do ilustre magistrado do Ministério Público, neste Supremo, o que, inevitavelmente, leva à conclusão de que, podendo apenas ser assacado ao arguido um único crime de roubo (previsto e punido nos dispositivos conjugados dos artigos 210, n. 1 e 2,alínea b) e 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal) será, a esta luz, na sede remanescente em que passou a situar-se e em que terá de ser encarado, que haverá que ajuizar da justeza do sancionamento aplicado.

Vejamos então:
Passando a insubsistir, por força do que dissemos e em que assentamos, o cúmulo jurídico efectuado por reporte aos dois crimes de roubo que as instâncias deram por verificados e, decorrentemente, a pena única estipulada em resultado desse cúmulo (5 anos e 5 meses de prisão), ficamos em presença de um só crime de roubo, este previsto no artigo 210º, nº 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204º nº 2, alínea f), do Código Penal e a que corresponde uma moldura legal abstracta de prisão de 3 a 15 anos, sendo que a pena (então parcelar) atribuída foi dosimetrada pela primeira instância (com confirmação pela segunda) em 4 anos de prisão.
Restando-nos ponderar, portanto, exclusivamente sobre esta pena, assinalando-se que, quer no recurso interposto, quer nas alegações escritas produzidas, o arguido não debitou quaisquer considerandos sobre a incidência antecedentemente abordada, ventilou-a, isso sim, embora sem grande desenvolvimento, no recurso que interpôs da decisão da primeira instância para o Tribunal da Relação de Évora - cfr: alegações, II

- Matéria de Direito, alínea a), fls. 425 v. - 426, importa relembrar que o sobredito arguido se bem que por referência a pena única que lhe tinha sido cominada (5 anos e 5 meses de prisão) - impetrou uma redução dosimétrica permissiva de autorizar uma suspensão executória, isto fundado em argumentos cuja consideração conserva cabimento no condicionalismo actual.
Como se colhe do artigo 40º, nº 1 e 2, do Código Penal, a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, sendo que, em caso algum, a medida da pena que se aplique pode ultrapassar a medida da culpa que se revele.
E, por seu turno, o n. 1 do artigo 71º, do Código Penal estatui que a determinação da pena, dentro dos limites definidos na lei, será realizada em função da culpa do agente e das exigências da prevenção, logo se indicando no nº 2º, o conjunto circunstancial atendível, maxime, o que, não fazendo parte do tipo de crime, possa depor a favor ou contra o arguido.
Convirá, adjuvantemente, recordar que, encerrando o capítulo referente ao estudo das finalidades e dos limites das penas criminais, os Profs. Figueiredo Dias e Costa Andrade (cfr: Direito Penal - Questões Fundamentais - A Doutrina Geral do Crime, 1996, pág. 120) apresentaram a conclusão seguinte:
"A teoria penal aqui defendida - e que agora é sustentada também, praticamente na sua integralidade por Anabela Rodrigues - pode resumir-se pela forma seguinte: 1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais".


E como pode ler-se no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 11.06.1997 devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal.
( cfr: Proc: nº 362/97).
Perante o cariz dos factos praticados e comprovados e tendo em atenção o grau de ilícitude que os envolveu, a expressão do dolo directo que presidiu à conduta e a significativa culpa derivante, não se consente afirmar que, mesmo sob o prisma da dupla qualificação que perfilharam, quer o tribunal da primeira instância (colectivo da Comarca de Abrantes), sancionando, como sancionou, quer o tribunal da segunda instância (Relação de Évora) confirmando, como confirmou tal sancionamento, tenham decidido, punitivamente, em dissonância ou desconformidade com os princípios, parâmetros e mandamentos normativos enunciados e citados.
E há que reconhecer equilíbrio à punição determinada pelas instâncias, reflectido ele, de resto, no doseamento que conferiram e entenderam ser de conferir à pena única estabelecida ( 5 anos e 5 meses de prisão) e que se objectivou, também, nas dosimetrias percelares por que optaram e acharam ser de optar, relativamente a cada um dos dois crimes de roubo que tiveram por configurados (4 anos de prisão).
Aliás, exíguo e irrelevante se apresenta tudo (que bem pouco é) quanto o arguido - recorrente possui para oferecer em contra ponto (favorável) às apontadas facetas negativas; e nem sequer lhe vale invocar a circunstância do tempo entretanto transcorrido sobre a prática dos factos, tanto mais que para que se possa atenuar especialmente uma pena com o suporte desse condimento (cfr;alínea d) do nº 2 do artigo 72º, do Código Penal) sempre é mister que a ilicitude dos factos se haja esbatido e que uma postura social positiva se mostre afirmada, pois que o que se torna fundamental, para conceder guarida àquele factor atenuativo, é justamente, por um lado, a comprova de que a negatividade da acção praticada haja influenciado, para melhor, a personalidade do agente - o que não está demonstrado - e, por outro, que o alvoroço e alarme sociais provocados pelo ilícito cometido se tenham esfumado - o que decididamente não sucede, tratando-se de desmandos criminosos da índole do que esteve em causa, designadamente quando os atentados ao património vêm grassando preocupantemente na nossa sociedade.
E bom é que, por acréscimo, se enfatize - tem sido, de resto, uma tónica dominante na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça - que não obstante o crime de roubo se dirigir contra a propriedade, o interesse pessoal (da liberdade e da integridade moral e física) que seja atingido - como, in casu, sucedeu - engrandece (pela negativa) o desvalor da acção, em termos de uma consideração virada ao modo como a violência foi exercida e aos moldes em que o impacto intimidatório foi criado (cfr: Quanto a este ponto e entre outros, o ainda paradigmático Acórdão do S.T.J, de 14 de Abril de 1983, in B.M.J, 326 - 322.

Do que vem de ser explanado (e corrigida a subsunção que, dos factos, fizeram as instâncias no sentido apontado ou seja, considerando que aqueles mesmos factos se reconduzem a um só crime de roubo, com a inevitável repercutibilidade que disto advém em sede de doseamento punitivo) terá, obviamente, de concluir-se pela manutenção da pena de 4 anos de prisão que foi aplicada ao arguido em função do crime de roubo (artigos 210º, nº 1 e 2, alínea b) e 204º, nº2, alínea f), do Código Penal ) que efectivamente (mas tão só) cometeu, pena esta que, por via das razões alinhadas, é a única que passa a contar, tornado sem efeito o cumulo jurídico realizado e, consequentemente, a pena conjunta que dele dimanou.
Disto decorre, igualmente, atento o disposto na primeira parte do nº1 do artigo 50º, do Código Penal, ficar inviabilizada a pretendida aplicação de uma pena de substituição.
Aliás, sempre se dirá, a este respeito, que quando se cuida de saber se a suspensão da execução de pena de prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr: segunda parte do n. 1 do artigo 50, do Código Penal), o que se deve questionar é se, no caso concreto a simples censura do facto e a ameaça de prisão poderão ser bastantemente eficazes (mesmo sob a égide de deveres ou de regime de prova - cfr: artigos 51, 52 e 53, do Código Penal) para, por um lado, afastar o agente da prática de novos crimes e para, por outro, estabilizar contrafácticamente as expectativas e confiança comunitárias na validade da norma violada e na segurança do ordenamento jurídico.
E a verdade é que, ponderados estes princípios em função, do circunstancialismo que nos autos se ilustra, a resposta só pode ser negativa.

Em síntese conclusiva:
Não justifica procedência o recurso interposto pelo arguido em qualquer das vertentes aventadas ou sejam as da redução da medida da pena ainda que, agora, apenas em reporte à de 4 anos de prisão que lhe foi aplicada pela prática de um só crime de roubo, previsto e punido nos artigos 210, n. 1 e 2, alínea b) e 204, n. 2, alínea f), do Código Penal e que se confirma e da suspensão da sua execução, se tal redução se fizer em termos de consentir esta.
Mas, por seu turno, é de revogar o acórdão recorrido, na parte em que acolhem a tese de se verificarem dois crimes de roubo, previstos e punidos nos artigos 210 n. 1 e 2, alínea b) e 204, n. 2, alínea f), do Código Penal, uma vez que se entende que tão só um crime de roubo, previsto e punido naqueles normativos, se possibilita configurar.
Desta sorte e pelos expostos fundamentos:
Nega-se provimento ao recurso do arguido mas, revogando-se, na faceta consignada, o douto acórdão recorrido (que fica mantido no demais) vai, o mesmo arguido, condenado, pelo crime em que se teve por incurso, na pena de 4 anos de prisão.
Para além das custas que couberem e do mínimo de procuradoria, tributa-se o recorrente em 3 (três) Ucs de taxa de justiça.

Lisboa, 11 de Abril de 2002
Oliveira Guimarães,
Dinis Alves,
Carmona da Mota. (Com declaração de voto em anexo).


DECLARAÇÃO DE VOTO:
Concordo com a decisão, se bem que, em bom rigor, o arguido devesse ser condenado - em lugar do seu "aparente" (segundo) crime (de roubo) - por (mais) um crime (efectivo) de "ameaças/coacção". Com efeito, se A ameaçar B e C (dois crimes/meio de ameaças/coacção), como meio de lhes subtrair um determinado bem patrimonial, o crime/fim de roubo (furto + ameaças) será um só (sob pena de "duplicação da punibilidade, tendo em conta o aspecto patrimonial do crime de roubo" mas "a importância do elemento pessoal no tipo legal de roubo" há-de implicar a autonomização de um dos crimes/meio de ameaças/coacção. Neste sentido, Comentário Conimbricense, II, 164 §15 e 180 §63, pois que, em boa justiça, "não deverá ser punido de acordo com a mesma moldura penal, quer o agente que exerce violência apenas em relação a uma pessoa, quer em relação a várias, ainda que o bem que se pretende subtrair seja o mesmo.
O Juiz Conselheiro
Carmona da Mota