Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
| Relator: | SOUTO DE MOURA | ||
| Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO CASO JULGADO CONCORRÊNCIA DE CULPAS CRIMES DE PERIGO INFRACÇÃO DE REGRAS DE CONSTRUÇÃO NEXO DE CAUSALIDADE NULIDADE DA SENTENÇA OMISSÃO DE PRONÚNCIA PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL PRINCÍPIO DA ADESÃO RESPONSABILIDADE CIVIL EMERGENTE DE CRIME TRÂNSITO EM JULGADO | ||
| Data do Acordão: | 07/07/2010 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário : | I - Estando em causa a formulação de pedido cível em processo penal, e tendo transitado em julgado a decisão quanto à matéria penal, não podem conhecer-se em sede de recurso restrito à matéria cível, de nulidades que, a procederem poderiam acarretar modificação da factualidade, pressuposto do crime cometido. II - Os recorrentes JR e JL invocam duas nulidades, uma do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, uma vez que nele não se terá tomado conhecimento do vício da contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, outra de ordem processual, por omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade. A invocação destas nulidades tem por finalidade última − se viesse a proceder − a modificação dos factos provados, nomeadamente, através de um novo julgamento, a realizar pelo mesmo tribunal ou por reenvio para outro diferente. III - Se os factos fossem modificados como consequência da invalidação do acórdão recorrido, tal como pretendem os recorrentes, criar-se-ia uma situação insustentável. A de haver determinados factos definitivamente fixados para a parte criminal e que o novo julgamento não poderia alterar (sob pena de violação do caso julgado), e factos diferentes para a parte cível, assim se quebrando irremediavelmente a unidade processual que está na génese da acção cível conexa com a criminal, tal como se afirmou nos Acs. do STJ de 24-02-2010; Proc. n.º 151/99.2PBCLD.L1.S1, de 10-12-2008, Proc. n.º 3638/08, e de 05-11-2008, Proc. n.º 3182/08, todos da 3.ª. IV - Aliás, do ponto de vista ontológico, mesmo, e sabido que a reconstituição que se pretende fazer dos factos resulta de uma procura da verdade, chegar-se-ia à afirmação de que o que se passou teria sido um certo evento, para noutro lado se afirmar que se passara coisa diferente. Os factos seriam pois uns e outros ao mesmo tempo. V - Surgiria então qualquer coisa como uma “revisão de sentença transitada”, sem que houvesse interposição do competente recurso extraordinário (cf. arts. 449.º e ss. do CPP). VI - E, inexistindo recurso na parte criminal, como não há, só poderia apreciar essas nulidades o tribunal onde supostamente as mesmas tiveram lugar (cf. art. 379.º, n.º 2, a contrario, do CPP). Por isso é que os recorrentes JR e JL as arguiram junto do tribunal competente, o Tribunal da Relação, antes de interporem o presente recurso para o STJ. VII - As razões que levam a não se conhecer das nulidades do acórdão recorrido são as mesmas que conduzem a não se poder alterar o que já está decidido sobre a existência de nexo de causalidade entre as condutas dos recorrentes JR e JL e as mortes das vítimas RB e JM, e quanto à concorrência de culpas entre aqueles e a vítima JM, pois tais circunstâncias resultam intrínseca e insindicavelmente da matéria de facto provada e da fundamentação jurídica da condenação criminal transitada em julgado. VIII - Quanto ao nexo de causalidade, os recorrentes estão definitivamente condenados por um crime de infracção de regras de construção, p. e p. pelo art. 277.º, n.º 1, al. a), do CP, agravado nos termos do art. 285.º do mesmo diploma. IX - Não é por acaso que a dogmática penal acolheu um princípio de ofensividade e não de ofensa dos bens jurídicos, porque a tutela destes bens reclama não só a punição de quem os viole, como de quem, pelo seu comportamento, represente apenas uma potencial lesão desses bens jurídicos. Tal antecipação da tutela aflora, por exemplo, na punição da tentativa, sendo patente na introdução dos crimes de perigo. X - Quanto ao “perigo”, atenta a formulação da jurisprudência alemã, deve-se atender a “uma situação não habitual e irregular em que, segundo uma apreciação especializada, e de acordo com as circunstâncias concretas do caso, surge como provável a produção de um dano e está próxima a possibilidade do mesmo” (cf. Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, pág. 282). XI - Consabidamente, enquanto que nos crimes de dano ou de lesão, a consumação típica da agressão representa uma perda directa de valor, nos crimes de perigo o crime consuma-se havendo apenas um risco de lesão de interesses. XII - Depois, enquanto que certas condutas, segundo a experiência comum, criam um perigo que lhe é próximo, porque é uma sua resultante normal, outras existem em que a acção básica não gera, sem mais, um potencial dano ulterior. Ali, o perigo não precisa de ser elemento do tipo porque se presume juris de jure, é só o motivo da incriminação, e o crime é de perigo abstracto. Aqui, será preciso demonstrar, em cada caso, que alguém ou algo correu um efectivo perigo. O resultado da acção é o perigo para o bem jurídico, e o perigo efectivo torna-se elemento do tipo, que é de crime de perigo concreto. XIII - A 1.ª instância achou que no caso existia nexo de causalidade entre as condutas dos recorrentes e a morte das vítimas, uma previsibilidade objectiva e uma violação do dever de cuidado. Por isso, considerou que o crime de infracção de regras de construção era agravado nos termos do art. 285.º do CP. A Relação, por sua vez, confirmou a fundamentação jurídica da 1.ª instância e a qualificação jurídica dos factos. XIV - A qualificação jurídica dos factos faz parte do núcleo abrangido pela insindicabilidade do caso julgado penal, pelo que não se pode voltar a discutir tal matéria. XV - De igual modo, a condenação penal dos recorrentes exclui também qualquer discussão sobre o apuramento de uma alegada culpa exclusiva quanto ao resultado morte por parte da vítima JM, pois ficou definitivamente provado que os dois recorrentes JR e JL infringiram, por omissão, deveres ou regras técnicas que deveriam ter observado na sua actividade profissional de direcção da construção da obra em causa, e em termos tais que os fizeram incorrer no crime por que foram condenados. XVI - Já não exactamente assim quanto à questão da proporção de repartição de culpas entre os recorrentes e a vítima JM. Daí que, tendo em conta o constante do Ac. do STJ de 24-02-2010, se mostre difícil de subscrever a afirmação de que não é possível a modificação da percentagem da culpa dos intervenientes no acidente que esteve na base do processo crime e do pedido de indemnização. Na verdade, a abordagem da culpa para efeitos civis e para o apuramento da responsabilidade penal não tem que coincidir. Assim sendo, nada impede que se proceda à revisão, para a confirmar ou infirmar, da proporção das culpas dos arguidos JR e JL, e da infeliz vítima JM, na produção do evento. | ||
| Decisão Texto Integral: | Nos autos de processo comum singular que, sob o número acima indicado, correram termos pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Lousada, foi proferido acórdão, a 07-03-2007, que condenou AA e BB, pela prática de um crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços, previsto e punido pelos arts. 277.º, n.º 2, por Referência ao n.º 1, al. a), e 285.º, do Código Penal, nas penas, cada um deles, de 1 ano de prisão, com execução suspensa pelo período de 2 anos, e absolveu CC e DD da prática destes mesmos crimes. Mais foi decidido: Condenar, AA a pagar: - a EE a quantia de 8.653,24 € (oito mil e seiscentos e cinquenta e três euros e vinte e quatro cêntimos); acrescida de juros de mora que a contar da presente data se vencerem até pagamento. - a FF a quantia de 8.333,33 € (oito mil e trezentos e trinta e três euros e vinte e trinta e três cêntimos); acrescida de juros de mora que a contar da presente data se vencerem até pagamento. - a GG a quantia de 8.333,33 € (oito mil e trezentos e trinta e três euros e vinte e trinta e três cêntimos); acrescida de juros de mora que a contar da presente data se vencerem até pagamento. - a HH a quantia de 8.333,33 € (oito mil e trezentos e trinta e três euros e vinte e trinta e três cêntimos); acrescida de juros de mora que a contar da presente data se vencerem até pagamento. - a II a quantia de 35.100 € (trinta e cinco mil e cem euros); acrescida de juros de mora á taxa legal contados desde a data da notificação para contestação do pedido cível sobre a quantia de 21.766,66 € e dos que se vencerem a contar da presente data até pagamento. - a JJ a quantia de 16.666,66€ (dezasseis mil e seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos); acrescida de juros de mora á taxa legal contados desde a data da notificação para contestação do pedido cível sobre a quantia de 5.000,00€ e dos que se vencerem a contar da presente data até pagamento. Condenar, BB a pagar: - a EE a quantia de 8.653,24€ (oito mil e seiscentos e cinquenta e três euros e vinte e quatro cêntimos); acrescida de juros de mora que a contar da presente data se vencerem até pagamento. - a FF a quantia de 8.333,33€ € (oito mil e trezentos e trinta e três euros e vinte e trinta e três cêntimos); acrescida de juros de mora que a contar da presente data se vencerem até pagamento. - a GG a quantia de 8.333,33€ (duzentos e treze mil quatrocentos e oitenta e três euros e quarenta e três cêntimos); acrescida de juros de mora que a contar da presente data se vencerem até pagamento. - a HH a quantia de 8.333,33€ € (oito mil e trezentos e trinta e três euros e vinte e trinta e três cêntimos); acrescida de juros de mora que a contar da presente data se vencerem até pagamento. - a II a quantia de 35.100€ € (trinta e cinco mil e cem euros); acrescida de juros de mora á taxa legal contados desde a data da notificação para contestação do pedido cível sobre a quantia de 21.766,66€ e dos que se vencerem a contar da presente data até pagamento. - a JJ a quantia de 16.666,66€ (dezasseis mil e seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos); acrescida de juros de mora á taxa legal contados desde a data da notificação para contestação do pedido cível sobre a quantia de 5.000,00€ e dos que se vencerem a contar da presente data até pagamento. Absolver CC e DD dos pedidos de indemnização cível contra si deduzidos pelos demandantes, EE, FF, GG e HH e pelas demandantes, II e JJ. Em 23-01-2007 havia sido proferido, no processo, despacho, nos termos do qual foi julgada: · “(…) improcedente, por não provada a ajuizada excepção de incompetência em razão da matéria (…) – incompetência absoluta – invocada pelos demandados civis CC, AA, DD e BB –, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 288.º, n.º 1, 62.º, n.º 1, 101.º, 102.º, 105.º, n.º 1, 288.º, n.º 1, alínea a), 493.º, 494.º, alínea a), 495.º, todas do Código de Processo Civil”; · “(…) improcedente a excepção dilatória do caso julgado deduzida pelos demandados civis (arts. 288.º, n.º 1, al. e), 493.º, n.ºs 1 e 2, 494.º , al. i), 495.º, 497.º e 498.º todos do Cód. de Proc. Civil)”; · “(…) improcedente, por não verificada, a excepção de caducidade do direito à acção”, invocada pelos demandados civis”; · “(…) improcedente, por não provada, a invocada excepção dilatória da ilegitimidade dos demandantes civis (cf. fls. 1040 a 1052)” [realces nossos]. Por não se conformarem com o despacho de fls. 1040 a 1052, os arguidos CC, AA, DD e BB interpuseram recurso do mesmo. Por outro lado, inconformada com o acórdão de fls. 1263 a 1342, a assistente JJ interpôs recurso do mesmo. Também os arguidos e demandados AA e BB não se conformaram com esse acórdão, tendo, igualmente, interposto recurso dele. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 17-12-2008, decidiu: · “- Não conhecer do recurso interlocutório interposto pelo arguido LL, por falta de legitimidade dos recorrentes AA e JJ para invocarem o seu interesse no conhecimento daquele recurso; · Não conhecer do recurso interposto pela assistente JJ, por falta de legitimidade desta para recorrer nos termos em que o fez; · Negar parcial provimento ao recurso dos arguidos e demandados AA e BB, interposto do despacho que conheceu das excepções suscitadas na contestação dos pedidos cíveis, no que concerne às excepções de incompetência absoluta e caso julgado; · Conceder parcial provimento a este último recurso, revogando a condenação dos demandantes em custas decorrentes do decaimento nas excepções que suscitaram na contestação dos pedidos cíveis. Mais decidiu que “(…) As demais questões suscitadas em sede de recurso serão apreciadas em audiência, pelo que deverão os autos ser oportunamente apresentados ao Exm.º Presidente da Secção, para agendamento”. E na verdade, nessa sequência, por acórdão de 18-03-2009, veio o Tribunal da Relação do Porto a julgar parcialmente procedente o recurso, · alterando o que se teve como provado relativamente a alguns dos factos, · reduzindo o período de suspensão das penas impostas aos arguidos para um ano, · alterando os valores das condenações cíveis impostas a AA e BB, com Referência às ofendidas II e JJ para os valores, respectivamente, de €35.050,00 (trinta e cinco mil e cinquenta euros) e € 16.716,00 (dezasseis mil setecentos e dezasseis euros), · e julgando improcedente, em tudo o mais, o recurso dos arguidos AA e JJ. Os arguidos e demandados cíveis AA e BB invocaram a nulidade daquele acórdão e, mantendo-se ainda irresignados, interpuseram recurso para este Supremo Tribunal. Por acórdão proferido em 01-07-2009, o Tribunal da Relação do Porto, considerando que a vertente penal dos acórdãos proferidos era irrecorrível, conheceu das nulidades arguidas, julgando-as improcedentes. Os arguidos e demandados cíveis AA e BB ainda requereram a reforma desse acórdão, pedido que veio a ser indeferido por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-10-2009. A - DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA Foram dados por provados os factos que passam a transcrever-se (com realce das alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação do Porto e entre [] a redacção anterior, bem como indicação dos pontos da matéria de facto cuja alteração se solicitou e foi recusada): “1. A "R..."e a Sociedade "M...& C... S.A." celebraram contrato de empreitada para a realização dos trabalhos de "duplicação e electrificação da via dos caminhos-de-ferro do troço Penafiel - Caíde, da linha Douro". 2. A empreitada em causa estendia-se por vários quilómetros, dividida por diferentes frentes de trabalho, com características e fases diferenciadas entre si, encontrando-se cada uma dessas frentes sob a permanente direcção de um encarregado de frente. 3. No âmbito desta empreitada à Sociedade "M...& C... S.A." incumbia a execução da obra geral e, sob autorização da "R...", enquanto dono da obra, efectuar ainda os trabalhos imprevistos ou complementares necessários à sua conclusão. 4. Assim sob autorização e determinação da "R..." como dono da obra a Sociedade "M...& C... S.A." para restabelecer o fornecimento de água a um particular que fora interrompido com a execução da obra geral procedeu à realização do prolongamento de uma passagem hidráulica ao Km. 44,865 da linha do Douro, no Lugar de Sub-Ribas em Meinedo - Lousada, área desta comarca, obra imprevista por não estar inicialmente contemplada no plano de execução geral da obra. 5. No dia 12 de Julho de 2001, cerca das 17h.00, iniciaram-se os trabalhos de escavação para execução da Referida passagem tendo, pelas 18h., sido aberta uma vala com a retro-escavadora numa extensão de cinco metros de comprimento apresentando uma profundidade de quatro metros e meio (4,5 metros), uma largura entre paredes de cerca de 1,2 metros na sua parte inferior - fundo - e de cerca de três metros na sua parte superior - boca da vala. 6. A vala foi aberta em solo de terreno com composição saibrosa e compacta, apresentando as "paredes" laterais um corte com uma inclinação para o exterior com um ângulo de apenas cerca de cinco graus sem que na mesma fosse colocada entivação. 7. No dia imediato, 13 de Julho de 2001, pelas 8.00h foram retomados os trabalhos no lugar de Sub-Ribas em Meinedo - Lousada, área desta comarca, pela equipa incumbida de fazer a escavação para colocação de colectores de águas e outras, da qual faziam parte, nomeadamente, LL e MM. 8. Cerca das 9 h [9h.30], o LL e o MM, que tinham descido ao interior da vala munidos de régua, nível, enxadas, uma pá e uma máquina de perfurar a fim de proceder ao ajustamento do seu fundo para colocação e acerto das manilhas, foram surpreendidos pelo deslizamento das terras no lado superior esquerdo da parede lateral da mesma que os atingiu e soterrou mortalmente. 9. Em consequência de tal desmoronamento sofreu: - O LL as lesões examinadas e descritas no relatório de autópsia constante a fls. 21-26, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, nomeadamente, fractura da 4ª- 10ª costela anterior direita com laceração pulmonar e hemotóraxica das paredes do tórax; hemorragia à direita e sufusões hemorrágicas nas pleuras e cavidades pleurais; laceração pulmonar do hemotórax no pulmão direito e no pulmão esquerdo, contusão pulmonar e sufusões hemorrágicas, bem como contusão e sufusões hemorrágicas no fígado; contusão do rim direito e esquerdo, que directa e necessariamente lhe provocaram a morte por asfixia por soterramento em consequência de acidente de trabalho; - O MM as lesões examinadas e descritas no relatório de autópsia constante a fls. 27-32, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, nomeadamente, sufusões hemorrágicas no couro cabeludo sem evidência de fractura; sufusões hemorrágicas com pequena hemorragia sub-dural das meninges; sufusões hemorrágicas conjuntivais das cavidades orbitarias e globos oculares; contusão pulmonar do pulmão, esquerdo e direito; contusão do fígado; contusão do rim esquerdo e direito, que directa e necessariamente lhe provocaram a morte por asfixia por soterramento em consequência de acidente de trabalho. 10. As funções do arguido CC, na qualidade de Director de Obra, reconduziam-se à gestão técnica e acompanhamento da evolução dos trabalhos da Obra, procurando confirmar ou fazer com que fosse cumprido o cronograma financeiro e plano dos trabalhos. 11. Com vista à realização da Referida passagem hidráulica cuja execução havia sido encomendada pela R.../dona da obra, o arguido CC determinou se procedesse ao levantamento topográfico do terreno. 12. A realização desta passagem hidráulica impunha a prévia abertura de uma vala com 4,5 metros de profundidade numa extensão de 5 (cinco) metros, para o que deu o arguido LL a respectiva ordem de execução. 13. Apesar de se tratar de trabalho imprevisto ou complementar não incluído no plano de execução e segurança da obra geral, o arguido LL não elaborou o respectivo e específico plano de segurança embora, pelas suas características, se impusesse a entivação da vala ou que o respectivo talude fosse orientado com o ângulo do talude natural. 14. No mesmo local, a cerca de 1 metro do local onde se iniciou a escavação desta vala, fora aberta, cerca de duas semanas antes, uma outra vala com a profundidade de cerca de um metro na qual foi colocado um colector com (40) quarenta centímetros de diâmetro que alterou a consistência do solo. 15. O falecido LL havia participado nos trabalhos de execução desta outra vala, pelo que tinha conhecimento das suas características e do local em que o Referido colector se encontrava. 16. Todos os arguidos sabiam da prévia abertura desta outra vala com a colocação de um colector a cota superior e ainda que a execução da mesma havia diminuído a consistência do solo no local. 17. O arguido LL não ordenou a realização de qualquer análise das características do solo no local onde ordenou a abertura da Referida vala com 4,5 metros de profundidade e onde havia sido anteriormente aberta a outra vala com cerca de um metro de profundidade, pese embora em ensaios geotécnicos mandados efectuar pela M...S.A. em 25.09.2000 à zona da Obra em questão se tenha concluído ser o solo no local de natureza saibrosa granítica de consistência normal, facto de que todos os arguidos tinham conhecimento. 18. A obra em causa dispunha de um plano de segurança e saúde da autoria do dono da obra, R..., E.P., a ser observado pelo empreiteiro, M...& C... S.A., na execução da mesma - cujo excerto na parte que aqui importa é constituído pelo documento junto a fls. 85 a 97 do apenso 1 cujo teor se dá por reproduzido. 19. A Sociedade "M...& C... S.A." tinha, para além do plano de segurança da obra geral, um manual, da sua autoria, de procedimentos de segurança a observar na escavação de valas em todas as obras da sua autoria, e de avaliação de riscos cujo excerto na parte que aqui importa é constituído pelo documento junto a fls. 98 a 109 do apenso 1 cujo teor se dá por reproduzido, e tinha ainda um exemplar de "regras gerais de segurança" - documento junto a fls. 111 a 127, que procurava distribuir a todos os trabalhadores ou colaboradores que trabalhassem em obras a seu cargo. 20. Na obra em causa para além do coordenador de segurança nomeado pelo dono da obra, a M...& C... S.A., tinha ainda nomeado NN como pessoa encarregada a fiscalizar a segurança da obra no terreno, nomeadamente na área das escavações e drenagens, que reportava directamente ao arguido LL, director da obra, e ao arguido, AA, Engenheiro de Frente responsável pelas terraplanagens e drenagens. 21. Nenhum dos arguidos comunicou a NN, pessoa nomeada pela M...& C.... S.A. para exercer as funções de técnico de segurança em permanência na obra, a ordem da abertura da vala com 4,5 metros de profundidade, nem lhe comunicaram a data da sua execução, de forma a permitirem-lhe proceder à fiscalização atempada quer do respectivo planeamento quer da respectiva execução. 22. O NN apenas teve conhecimento da abertura da vala em causa aquando da notícia do seu desabamento com soterramento de dois trabalhadores. 23. A frente de trabalho onde foi realizada a passagem hidráulica em causa era dirigida hierárquica e sucessivamente pelo Engenheiro da frente de trabalho, o arguido AA, pelo encarregado geral, o arguido DD e pelo encarregado da frente, o arguido BB. 24. O arguido LL, director de obra e que a solicitação do dono da obra havia aprovado a sua realização enquanto trabalho a mais ou não inicialmente projectado, deu ordens ao arguido AA para que fosse executada a passagem hidráulica em causa, tendo este ficado responsável por dirigir a sua execução no terreno com a devida segurança. 25. O arguido AA responsável pela terraplanagem e como Engenheiro da frente de trabalho deu ordens para que fosse efectuado o levantamento topográfico e acompanhou a marcação e colocação das estacas com as cotas de profundidade a que iria ser aberta a vala para efectuar a passagem hidráulica calculada a uma profundidade de cerca de 4 metros. 26. Posteriormente, o arguido AA procedeu à encomenda dos materiais necessários e deu ordens ao arguido DD para que fosse executada a passagem hidráulica assim que fosse entregue o material. 27. O arguido AA não deu quaisquer instruções sobre as normas de segurança a observar na execução da passagem hidráulica, nomeadamente qual o grau de inclinação das paredes da vala a abrir no terreno - rampeamento - ou necessidade da sua entivação, nem da necessidade de remover o Referido colector aí anteriormente instalado a uma cota superior. 28. Ao arguido DD incumbia, como encarregado geral da obra, além do mais, disponibilizar os meios materiais e transmitir ao encarregado de frente responsável a ordem que lhe havia sido dada para a execução da P.H. em causa, para que este a fizesse cumprir "escolhendo" para o efeito as pessoas indicadas. 29. Assim, o DD deu ordens ao arguido BB, encarregado de frente da obra, para proceder à execução da vala para passagem hidráulica de acordo com a extensão e profundidade constante das estacas colocadas aquando do levantamento topográfico. 30. Ao arguido BB como encarregado de frente da obra, incumbia dirigir e chefiar os trabalhos de execução das obras de terraplanagem. 31. Na altura dos factos encontravam-se adstritas à execução de trabalhos de terraplanagem duas equipas de trabalho chefiadas pelo arguido BB, constituída cada uma por 3 a 5 trabalhadores. 32. O falecido LL, apesar de ter a categoria profissional de pedreiro de 1ª, estava incumbido de chefiar uma das Referidas equipas de trabalho aquando da ausência do seu superior hierárquico directo, o arguido BB. 33. No dia 13 de Julho de 2001 o arguido BB, escolheu a "equipa" de trabalhadores que ficariam adstritos à execução da passagem hidráulica, constituída por LL, MM e OO. 34. Nesse mesmo dia, cerca das 17h., o arguido BB, encontrando-se ainda presente PP, motorista da máquina escavadora utilizada para a escavação, deu ordens para que se iniciassem os trabalhos de escavação da vala, tendo dito ao LL que "queria a vala bem rampeada", após o que se ausentou do local. 35. O arguido BB não deu aos Referidos trabalhadores ali presentes, nomadamente ao LL, quaisquer outras instruções ou indicações sobre o modo de execução e normas de segurança a observar na execução da passagem hidráulica para além da respectiva profundidade e extensão, nomeadamente não indicou qual o grau de rampeamento mínimo das paredes da vala nem nada lhes disse sobre se na execução da vala devia, ou sequer podia, ser removido o Referido colector aí anteriormente instalado a uma cota superior. 36. O LL, na qualidade de chefe da equipa face à ausência do arguido BB, deu ordens ao Referido maquinista para proceder à abertura da vala até à indicada profundidade mas de forma a não destruir o outro Referido colector que ali próximo se encontrava instalado. 37. Em conformidade com as instruções recebidas do LL, o maquinista procedeu à escavação mecânica de uma vala numa extensão de cinco metros de comprimento, com uma profundidade de quatro metros e meio, cerca de 3 metros de largura máxima na parte superior e de cerca de l,20metros de largura mínima no fundo, apresentando as "paredes" laterais - taludes - uma inclinação para o exterior de cerca de 5º na vertical, correspondeste a um ângulo de inclinação de 85°, tendo terminado os trabalhos de escavação pelas 18h. desse mesmo dia. 38. Na manhã seguinte, dia 13 de Julho de 2001 pelas 8.00h, o arguido BB transportou o LL e o MM até distância não concretamente apurada mas não inferior a 5 metros [próximo, entre 5 a 6 metros], do local onde já se encontrava aberta a vala nas condições e inclinação de talude Referidas. 39. Nesse local e apesar de o LL lhe ter dito que a vala já se encontrava totalmente aberta, faltando apenas regularizar o fundo da vala e aí colocar as manilhas, não se dirigiu junto da mesma para se inteirar da forma da sua execução, do que então se não apercebeu, tendo dito ao LL e aos restantes trabalhadores presentes, "esperai um bocado que eu já volto" por que ia levar outros trabalhadores a outro local de trabalho, após o que se ausentou do local. 40. Momentos após [e porque não havia outros trabalhos a fazer no local](eliminado), o LL e o MM desceram ao interior da vala a fim de procederem ao ajustamento do seu fundo para colocação e acerto das manilhas, quando, cerca das 9 h [ 9h.30], foram surpreendidos pelo deslizamento das terras no lado superior esquerdo da parede lateral da mesma que os atingiu e soterrou mortalmente. 41. A única parte da escavação que se desmoronou localizava-se ao nível superior da parede lateral esquerda, correspondente a uma "cunha" de terras do local onde se encontrava o Referido colector mais antigo, conforme registos fotográficos de fls. 35 a 41 obtidos após o desmoronamento e cujo teor se dá por reproduzido. 42. Atenta a profundidade da vala e a natureza do solo no local, saibro compacto, impunha-se como segurança mínima necessária à estabilidade das paredes laterais e evitar o risco da sua derrocada, um ângulo de inclinação horizontal mínima dos taludes não superior a 60°, sendo a inclinação de 45° a apropriada em termos de segurança, ou seja, a correspondente ao ângulo de deslize do terreno - talude natural -, conforme resulta do Referido manual de procedimento de segurança a observar na escavação de valas da M...& C.... S.A., junto aos autos a fls. 98 a 102 do 1° volume do apenso. 43. Pese embora o insuficiente rampeamento dos respectivos taludes, o factor preponderante do escorregamento parcial de terras da vala decorreu da intersecção da parede esquerda lateral com o ponto onde dias antes havia sido colocado o outro Referido colector a uma cota mais elevada. 44. Caso o rampeamento das paredes da vala tivesse sido efectuado a um grau mínimo de 60° ou, por maioria de razão, ao grau aconselhável de 45°, a consequente abertura da vala sempre determinaria a destruição do outro Referido colector, facto este que era do conhecimento de todos os arguidos[alteração recusada pela Relação]. 45. Todas as escavações com abertura de valas na empreitada em curso foram efectuadas com recurso ao método do taludamento das paredes das escavações. 46. Foi atempada e reiteradamente transmitida a toda a cadeia hierárquica da Obra a opção generalizada pelo método construtivo do taludamento das paredes da escavação. 47. Os arguidos nunca ordenaram que à dita escavação fosse aplicada a largura que a mesma tinha no momento do seu desmoronamento. 48. Se qualquer dos arguidos se tivesse apercebido das dimensões da vala, a quase interceptar a parede esquerda da nova vala, teriam, provavelmente, de imediato ordenado o respectivo alargamento, de forma a "deitar" mais a Referida parede da escavação, dotando-a de um taludamento mais pronunciado. 49. E, para tal, seria necessário retirar primeiro o colector anteriormente colocado, executar o trabalho então em curso (aplicação das manilhas maiores à profundidade de 4 metros), voltar a colocar o primeiro colector, e fechar definitivamente a vala [alteração recusada pela Relação]. 50. O falecido LL havia já participado na escavação de dezenas de valas para passagens hidráulicas com características semelhantes. 51. Todavia nenhuma das valas em cuja escavação o LL havia participado tinha uma profundidade superior a 4 metros nem nenhuma delas tinha, como a vala em causa, a particularidade da existência do Referido colector anterior a uma cota superior, próxima do local onde, mais abaixo, teria que ser efectuada a ligação ao curso de água com aplicação das manilhas. 52. A Obra contemplava inúmeras "Passagens Hidráulicas" idênticas, embora de profundidade inferior, à em apreço, encontrando-se este tipo de trabalhos descritos no Plano de Segurança da Obra. 53. À data do seu falecimento o LL trabalhava ao serviço da empresa M...& C... S.A. com a categoria profissional de pedreiro de 1ª ao abrigo de um contrato de trabalho a termo incerto com início em 5.6.2000. 54. Apesar de o LL ter a categoria profissional de pedreiro de formação, o empregador M...& C... S.A., incumbia-o, o que este aceitava, do exercício de funções de chefia de equipas de 3 a 5 trabalhadores na ausência de um seu superior hierárquico imediato, um arvorado ou um encarregado de frente de obra. 55. Quando exercia funções de chefe de equipa de drenagens, para além de continuar a exercer funções de pedreiro, executava normalmente ainda outros serviços em Obra, tais como: lia e interpretava as indicações das estacas colocadas pela topografia; executava e media os trabalhos de escavação a partir dos dados constantes da estacaria; definia alinhamentos; preparava armaduras, e fazia cofragens, betonagens e descofragens. 56. Com excepção de 5 meses em 1994, o LL prestou serviço como trabalhador contratado a termo incerto para M...& C.... S.A. - actualmente Mota-Rngil S.A. - de forma ininterrupta, desde 4 de Março de 1991 até à data do acidente. 57. LL prestou serviço para a M...& C.... ao abrigo de sucessivos contratos de termo incerto nas seguintes datas e obras: a. 04.03.1991 - 30.09.1991=A1- Pombal / Condeixa, com a categoria de servente; b. 1.10.1991 - 08.04.1992=IC 19 - Queluz / Cacém, com a categoria de servente; c. 9.04.1992 - 14.06.1992=IC1- (EN 8) Variante Lisboa / Malveira, com a categoria de servente; d. 15.06.1992 - 02.03.1994 = A3 - Cruz / Braga, com a categoria de pedreiro de 1ª; e. 1.08.1994 - 22.09.1997=A9 - CREL, com a categoria de pedreiro de 1ª; f.. 22.09.1997 - 15.04.1999=CP - Braço de Prata / Alverca, com a categoria de pedreiro de 1ª; g. 16.04.1999 - 02.06.2000=CP-Linha do Norte / SETIL, com a categoria de pedreiro de 1ª; h. 5.06.2000 - 13.07.2001 =CP - Troço Penafiel / Caíde, com a categoria de pedreiro de 1ª; 58. Durante a sua prestação de serviço na Obra da CREL (entre Agosto de 1994 e Setembro de 1997), o LL começou também a exercer funções de chefe de equipa nos termos e pela forma acima Referidos, o que sucedeu igualmente nas obras Referidas em f), g) e h). 59. A partir de Maio de 2001, o sinistrado LL passou a receber um prémio fixo, denominado "de esforço", a título de remuneração pelo exercício das suas funções de chefia de equipa. 60. LL era dos trabalhadores mais solicitados quando as obras adjudicadas implicavam trabalhos de drenagens, com a consequente abertura de valas para estabelecimento de passagens hidráulicas. 61. Foi devido à sua competência e experiência de largos anos neste tipo de trabalhos que a M...& C.... lhe confiou o exercício de funções como chefe de equipa. 62. O Arguido DD não esclareceu concretamente o arguido BB acerca da forma como deveria ser executado o trabalho, nomeadamente acerca do ângulo de rampeamento das paredes da vala, porquanto que ambos o entendiam por não necessário, na medida em que o BB tinha muita experiência e já sabia como e em que condições técnicas deveria ser efectuado o trabalho. 63. Ambos estes arguidos já trabalhavam com o LL há 5 ou 6 anos, nele depositando toda a confiança pessoal e profissional, já que o mesmo tinha muita experiência na abertura de valas. 64. O LL para não ter de destruir o trabalho anteriormente realizado, confiou que a abertura da vala seria suficiente e que não ocorreria qualquer desmoronamento de terras, pelo que ordenou ao maquinista o rampeamento da vala com o ângulo apenas necessário a evitar a inutilização do trabalho anteriormente efectuado. 65. Sabiam todos os arguidos que a execução da passagem hidráulica em causa envolvia a necessidade de desceram ao seu interior a qualquer momento trabalhadores, o que se verificava sobretudo após conclusão da escavação para procederem ao ajustamento do fundo para colocação e acerto das manilhas, sendo ainda certo que o arguido BB ao dar a Referida ordem para se proceder à execução da escavação, sabia que o LL, o MM e o OO teriam de descer ao seu interior. 66. Bem sabia cada um dos arguidos que a execução da obra em causa - passagem hidráulica para assentamento de colector - envolvia a abertura de vala cuja profundidade, e a possibilidade de, no decurso da sua escavação, intersectar em cota superior com local onde dias antes haviam sido remexidas terras que alteraram, diminuindo, a consistência do solo, representava um risco especial para a segurança e saúde dos trabalhadores que se encontrassem no seu interior pelo perigo de ocorrência de desmoronamento e que as fundamentais medidas adequadas e destinadas a prevenir tal perigo eram obrigatórias, fosse pela colocação de entivação fosse pela inclinação das paredes com o ângulo do talude natural. 67. Apesar de saberem todos os arguidos que o rampeamento necessário em termos de segurança das paredes da vala impunha necessariamente a destruição de um outro colector aí colocado a um nível superior pouco tempo antes, não deram aos seus "inferiores" hierárquicos, nomeadamente ao LL e ao MM, quaisquer ordens ou instruções quanto ao destino a dar a tal colector. 68. Sabia o arguido AA, enquanto responsável pelos trabalhos de terraplanagem, que o especial perigo que representava para a segurança e saúde dos trabalhadores a execução da passagem hidráulica em causa, lhe impunha o dever de acompanhar e instruir a sua execução com os meios necessários a garantir a segurança dos trabalhadores, nomeadamente, e face à opção do seu rampeamento, o dever de determinar a largura mínima dos taludes e alertar os seus executantes, nomeadamente o encarregado de frente de obra responsável, para o especial perigo decorrente da intersecção com terras anteriormente remexidas e de menor estabilidade, o dever de prever e alertar para a necessidade de destruição de outro trabalho anteriormente executado e ainda o dever de comunicar atempadamente ao responsável pela segurança do início da sua execução [alteração recusada pela Relação]. 69. Sabia o arguido BB que, enquanto encarregado de frente responsável pela execução no terreno da passagem hidráulica em causa, lhe incumbia o dever de ordenar que a escavação da vala fosse efectuada com a largura necessária e suficiente para evitar acidentes, tendo em conta a sua profundidade, as características do solo e a menor estabilidade das terras em local próximo devido à instalação do anterior colector [alteração recusada pela Relação]. 70. Mais sabia o arguido BB que lhe incumbia o dever de acompanhar presencialmente tais trabalhos ou, pelo menos, não se ter ausentado sem previamente ter dado ao LL que ficou a chefiar os restantes trabalhadores, expressas e precisas ordens quanto ao grau de rampeamento da vala necessário em termos de segurança e quanto à necessidade de ter de destruir para o efeito o Referido colector anteriormente colocado, porquanto que sabia que o LL se iria deparar com a opção de ter, ou não, de destruir tal obra sem que previamente lhe tivessem sido dadas ordens sobre como proceder [alteração recusada pela Relação]. 71. Os arguidos BB e AA omitiram de forma livre e consciente os Referidos deveres que sabiam incumbir-lhes, tendo consciência de que tal omissão constituía uma violação de regras de construção que deveriam ter observado na direcção e execução da passagem hidráulica em causa; [alteração recusada pela Relação]. 72. Tinham os arguidos BB e AA conhecimento e consciência de terem omitido regras de protecção colectiva e de organização do trabalho que se lhe impunham para assegurar aos falecidos LL e MM condições de segurança e saúde na execução da passagem hidráulica em causa que evitassem o perigo de soterramento que se veio a concretizar e lhes causou a morte [alteração recusada pela Relação]. 73. Todavia e porque confiaram na experiência que o falecido LL tinha em trabalhos semelhantes, não previram os arguidos BB e AA que as respectivas acções e omissões acima descritas colocassem em perigo a vida dos trabalhadores da equipa daquela frente de trabalho por soterramento, como efectivamente ocorreu e que causou a morte de LL e MM. 74. A apresentação do plano específico para o reinício dos trabalhos junto a fls. 103 a 110 decorreu da necessidade de a M...& C.... ultrapassar a situação de suspensão dos trabalhos decretada pela I.G.T., que o impôs como condição do levantamento da suspensão. 75. Os Arguidos sentem-se abalados e chocados com a ocorrência do acidente e suas consequências. 76. Todos os Arguidos são profissionais experientes. 77. São, além disso, pessoas bem conceituadas, com famílias constituídas, vivendo da remuneração do serviço que prestam. 78. O arguido LL é casado e tem dois filhos menores, de 3 e 9 anos de idade, a seu cargo e da esposa. - Aufere como funcionário da Mota-Engil S.A. um salário mensal de 2.235,00euros. - A esposa é assistente social e aufere um salário mensal de cerca de 1.500,00euros. - Vivem em casa própria, pagando a quantia de 235euros mensais de crédito hipotecário. 79. O arguido AA é casado e tem um filho menor de 3 anos de idade a seu cargo e da esposa. - Aufere como funcionário da Mota-Engil S.A. um salário mensal de 1.790,00euros. - A esposa a exerce a profissão de esteticista. - Vivem em casa arrendada pagando de renda mensal a quantia de 260euros mensais de crédito hipotecário. 80. O arguido DD é casado e tem quatro filhos todos maiores de idade. - Aufere como funcionário da Mota-Engil S.A. um salário mensal de 1.230,00euros. - A esposa é doméstica. - Vivem em casa própria. 81. O arguido BB é casado e tem 3 filhos, sendo um menor de idade. - Aufere como funcionário da Mota-Engil S.A. um salário mensal líquido de 600,00euros. - A esposa é doméstica. - Vivem em casa pertença dos seus pais. 82. Nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais. Do pedido cível: 1. O LL morreu, no estado de casado, deixando três filhos, e sem disposição de última vontade. 2. São seus únicos e universais herdeiros os demandantes cíveis, EE, FF, GG e HH - certidão de nascimento 257 e escritura de habilitação de herdeiros de fls. 259 a 262. 3. Na data da morte, LL, nascido em 25 de Dezembro de 1952, tinha 48 anos. 4. LL morreu vítima de asfixia por soterramento, não tendo morte imediata. 5. Os requerentes EE, FF, GG e HH, devotavam um grande amor, respeito, admiração e carinho ao LL, cônjuge e pai, que também se sabiam por ele amados, acompanhados e respeitados. 6. Sendo o mesmo também um homem respeitado pelos seus amigos e restantes familiares. 7. A sua morte provocou nos mesmos uma enorme dor, e um grande sofrimento, uma sensação de perda inultrapassável em simultâneo com uma grande revolta por saberem que o mesmo perdeu a vida enquanto trabalhava para sustento do seu lar. 8. EE, recebeu já de M...& C.... S.A. a quantia de 4.040,26 € por conta de qualquer indemnização que lhe viesse a ser atribuída na sequencia do falecimento do seu marido, LL. 9. O Sr. MM era marido e pai, por quem as demandantes nutriam o maior carinho, estima e afecto, tendo sofrido com a sua morte danos irreparáveis. 10. As demandantes sofreram profundo desgosto pela morte trágica e violenta do seu ente querido, 11. que deixou a filha num estado de inconsolável tristeza, e desgosto que a acompanhará toda a vida, pela falta do seu imprescindível amparo. 12. O MM constituía com mulher e filha uma família. 13. Sendo ele, unicamente, que suportava com os rendimentos que auferia do seu trabalho como carpinteiro a totalidade das despesas necessárias ao sustento da sua família, e à educação e formação da sua filha JJ. 14. A JJ frequentava, à data da morte do pai, o 2.° ano curricular do Curso de Matemática na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. 15. Hoje, frequenta o 5.° ano curricular do curso de Matemática ramo educacional, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. 16. Com a morte do pai, a JJ perdeu o sustento e amparo que tanto precisava, quer para completar os seus estudos académicos, quer para completar a sua formação profissional e pessoal. 17. O pai da JJ despendia com ela uma média mensal de 250,00 euros em alimentação, vestuário, transporte, material escolar, propinas e actividades extra-curriculares. 18. À data do acidente, o Sr. MM trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da entidade patronal Select Recursos Humanos, S.A., com a categoria profissional de carpinteiro, onde auferia em média, mensalmente, a quantia de 907,95 euros, a que acresciam subsídio de férias e de Natal de igual montante cada um. 19. Era com esse vencimento que o Sr. MM provia o sustento da 1ª Demandante, da sua filha JJ e de si próprio. 20. À data do falecimento, o Sr. MM, tinha 47 anos, era saudável, dinâmico, com grande capacidade de trabalho. 21. Também como consequência deste acidente, ficaram danificadas as roupas e objectos pessoais do Sr. MM, que usava no dia do acidente, a saber: um par de calças, no valor de 50,00 €; um par de botas, no valor de 60,00 €, uma camisa, no valor de 40,00 € e um relógio, no valor de 150,00 €. 22. Dão-se por reproduzidos os documentos juntos a fls. 854 a 859 e 1145 a 1148 - cópias certificadas de Auto de Conciliação do Tribunal de Trabalho de Penafiel”. Consideraram-se não provados os seguintes factos (transcrição): “1) O arguido BB na manhã do dia 13 de Julho de 2001 ao deixar a equipa de trabalho no local da obra apercebeu-se que a vala já se encontrava aberta e cujo talude apresentava uma inclinação com um ângulo de apenas cinco graus. 2) A segurança na execução da escavação em apreço exigisse a elaboração de um Plano de Segurança Específico para o efeito. 3) A inexistência de um Plano de Segurança Específico para a escavação em apreço foi causa ou por qualquer forma contribuiu para o perigo da ocorrência do soterramento que causou a morte de LL e MM. 4) Todos os colaboradores da M...& C.... envolvidos em abertura de valas tinham perfeito conhecimento dos métodos a empreender (rampeamento ou entivação) consoante a profundidade, o tempo de permanência em aberto, o tipo de solos e o grau de compactação dos mesmos [alteração recusada pela Relação]. 5) Apesar de, conforme resultou provado, exercer por vezes funções de facto como chefe de equipa de 3 a 5 trabalhadores na ausência de um seu superior hierárquico, o sinistrado LL tinha, enquanto trabalhador da M...& C.... S.A., o posto ou categoria profissional de "chefe de equipa". 6) O LL tinha perfeito conhecimento das regras técnicas aplicáveis aos trabalhos de drenagens, com a consequente abertura de valas para estabelecimento de passagens hidráulicas [alteração recusada pela Relação]. 7) O LL tinha o posto ou categoria profissional de chefe de equipa e liderava uma equipa estável de 3 a 5 trabalhadores. 8) Os contratos de trabalho "a termo incerto" outorgados pelo LL e M...& C.... S.A. eram utilizados apenas como justificativos internos da sua transferência de local de trabalho. 9) Da extensão total de 9.854,18 metros escavados para execução de drenagens, pelo menos, 3.285 metros (1/3) foram-no sob as ordens do sinistrado LL. 10) Não teve qualquer dos arguidos oportunidade real de verificar a configuração da escavação efectuada até ao final do dia 12.07.2001 ou na manhã do dia seguinte antes do deslizamento de terras. 11) Na manhã do dia 13 de Julho de 2001, aquando da distribuição de pessoal pelas diversas frentes de trabalho da Obra, transmitiu o Arguido BB ao seu chefe de equipa M... para efectuar apenas a limpeza do terreno junto da vala e ir pondo as máquinas a funcionar, pois que ele ia levar outras equipas a outras frentes e só depois viria ter com ele para, em conjunto, colocarem as manilhas no fundo da vala [alteração recusada pela Relação]. 12) Face a estas expressas ordens, e ignorando o estado da vala, mais não podia o arguido BB fazer para impedir que os trabalhos se desenvolvessem na sua ausência [alteração recusada pela Relação]. 13) O sinistrado LL tinha perfeita autonomia para desfazer o trabalho anterior se tal fosse necessário de modo a garantir a estabilidade das terras, sem necessidade de ordens expressas nesse sentido [alteração recusada pela Relação]. 14) Apenas o Arguido BB e a sua equipa sabiam que a abertura da vala se ia concretizar ao final da tarde do dia 12 de Julho, pelo que não havia, à partida, qualquer razão para se solicitar expressamente a presença do técnico responsável pela verificação de segurança no local. 15) Não era função do engenheiro de frente zelar para que todas as frentes de trabalho da Obra se encontrassem em condições técnicas e de segurança. 16) Era unicamente ao LL que, chefiando uma equipa de trabalho de apenas três/quatro pessoas, competia verificar se a escavação por si aberta na véspera reunia as necessárias condições de segurança. 17) Era do próprio LL a responsabilidade pela execução e direcção da frente de trabalhos em causa, no sentido de que só ele poderia ter evitado o resultado ocorrido. 18) Tinham os arguidos CC e DD conhecimento e consciência de terem omitido as condições de protecção colectiva e organização do trabalho que se impunham de forma a assegurar normas de segurança e saúde - entivação ou rampeamento das paredes da vala com o ângulo de talude natural - e que assim colocavam em perigo a vida dos trabalhadores, como colocaram, pela derrocada das paredes laterais da vala que lhes causaram à morte por soterramento. 19) Cada um dos arguidos, CC, AA, DD e BB, tinha com a respectiva conduta omissiva, a vontade livre, consciente e deliberada de não dar cumprimento às regras de segurança e saúde em escavações e, assim, potenciar o perigo de vida dos trabalhadores da equipa daquela frente de trabalho por soterramento, como efectivamente ocorreu e que causou a morte de LL e MM. Do pedido cível. 1) O LL sentiu a agonia de uma morte certa, as dores de uma morte lenta. 2) Viu-se soterrado em centenas de quilos de terra sob si, vivendo horrorizado longos minutos até à morte, primeiro na ânsia de ser auxiliado, depois na certeza de que iria morrer. 3) O Sr. MM sofreu dores intensas, padeceu de violentíssima aflição e enorme sofrimento ao ver-se envolvido pela terra que não o libertou e lhe provocou a morte, e por isso sentiu a angústia da morte próxima”. B - RECURSO PARA O TRIBUNAL DA RELAÇÃO 1) MOTIVAÇÃO DA ASSISTENTE E DEMANDANTE CÍVEL, JJ. Na sequência da sua motivação, a Referida assistente e demandante cível apresentou as seguintes conclusões, em que, muito em síntese, pretende a responsabilização penal, também de CC e DD (transcrição): “1. O arguido CC, na qualidade de Director de Obra exercia as funções de gestão técnica e acompanhamento de evolução dos trabalhos da obra. Determinou que se procedesse ao levantamento topográfico do terreno para a realização da passagem hidráulica que impunha a abertura de uma vala de 4,5 metros de profundidade, numa extensão de 5 metros. 2. O arguido CC deu a respectiva ordem de execução de abertura da vala, mas não elaborou o respectivo e específico plano de segurança, nem ordenou qualquer análise das características do solo no local, onde anteriormente havia sido aberta outra vala com cerca de um metro de profundidade. 3. O arguido CC não comunicou, ao técnico de fiscalizar a segurança da obra, a ordem de execução da vala nem o dia. 4. O arguido CC sabia da prévia abertura desta outra vala com a colocação de um colector a cota superior e ainda que a execução da mesma havia diminuído a consistência do solo no local. 5. O arguido DD era o encarregado geral da obra, a quem incumbia transmitir as ordens ao encarregado de frente (o arguido JJ), sendo a frente de trabalho onde foi realizada a passagem hidráulica dirigida hieráquica e sucessivamente também por si. 6. O arguido DD deu ordens ao arguido JJ para proceder à execução da vala para a passagem hidráulica de acordo com a extensão e profundidade constante das estacas. 7. O arguido DD sabia da prévia abertura desta outra vala com a colocação de um colector a cota superior e ainda que a execução da mesma havia diminuído a consistência do solo no local. 8. O arguido DD não comunicou, ao técnico de fiscalizar a segurança da obra, a ordem de execução da vala nem o dia. 9. O arguido DD não esclareceu concretamente o arguido BB da forma como deveria ser executado o trabalho, acerca do ângulo de rampeamento das paredes da vala, porquanto que ambos o entendiam por não necessário. 10. Os arguidos CC e DD sabiam que a execução da passagem hidráulica em causa envolvia a necessidade de descerem ao seu interior a qualquer momento trabalhadores, envolvia a abertura de vala cuja profundidade e possibilidade de no decurso da sua escavação intersectar em cota superior com local onde dias antes haviam sido remexidas terras que altereram, diminuindo, a consistência do solo, representava um risco especial para a segurança e saúde dos trabalhadores e que as fundamentais medidas adequadas e destinadas a prevenir tal perigo eram obrigatórias, fosse pela colocação de entivação, fosse pela inclinação das paredes com o ângulo do talude natural, o rampeamento necessário em termos de segurança das paredes da vala impunha necessariamente a destruição de outro colector aí colocado a um nível superior pouco tempo antes, não deram aos "inferiores" hierárquicos, quaisquer ordens ou instruções quanto ao destino a dar a tal colector. ll. O arguido BB, deu ordens para que se iniciassem os trabalhos de escavação da vala, tendo dito ao LL que "queria a vala bem rampeada", após o que se ausentou do local. 12. 0 LL deu ordens ao Referido maquinista para proceder à abertura da vala até à indicada profundidade mas de forma a não destruir o outro Referido colector. 13. O falecido LL havia já participado na escavação de dezenas de valas para passagens hidráulicas com características semelhantes. 14. Todavia nenhuma das valas cuja escavação o LL havia participado tinha uma profundidade superior a 4 metros nem nenhuma delas tinha, como a vala em causa, a particularidade da existência do Referido colector anterior. 15. Quando exercia funções de chefe de equipa de drenagens, lia e interpretava as indicações das estacas colocadas pela topografia; executava e media os trabalhos de escavação a partir dos dados constantes da estacaria; definia alinhamentos; preparava armaduras, e fazia cofragens, betonagens e descofragens. 16. Não se deu como provado que a vítima LL tivesse perfeito conhecimento e dominasse as diferentes e complexas regras técnicas, aplicáveis aos trabalhos de drenagem, nomeadamente o de abertura de valas, e muito menos que tivesse conhecimento do especial perigo de que a abertura de uma vala a profundidade superior em local em que o solo tenha sido remexido a menor profundidade. 17. Logo não se mostram preenchidos os requisitos previstos no artigo 15.° do Código Penal, relativamente à vítima LL, para que lhe seja atribuída qualquer responsabilidade na produção deste evento. 18. Assim, perante esta base factual dada como provada, mostra à evidência que todos os arguidos agiram de forma negligente, omitiram os deveres, objectivos e subjectivos, de cuidado que lhes incumbiam, quando não preveram que as respectivas acções e omissões poderiam colocar em perigo a vida dos trabalhadores, como colocaram, causando a morte de LL e MM. 19. Deste modo, a única conclusão a retirar de todo o processado em audiência, é que efectivamente os arguidos CC e DD, praticaram cada um um crime de infracção das regras de construção, p. e p., pelos art°s. 277.° n.° 2 por Referência ao n.° 1 aliena a) e artigo 285.° do Código Penal. 20. Ao não condenar os arguidos CC eDD, violou o Douto Tribunal a quo, as normas dos art°s.277.° n.° 2 por Referência ao n.° 1 aliena a) e artigo 285.° do Código Penal. 21. Pelo que, uma vez verificados os elementos objectivos e subjectivos que impunham a sua aplicação, deve ser revogado o Acórdão em apreço, na parte ora impugnada, revogando-se a mesma nessa parte e substituindo-a por outra que condene os arguidos que foram absolvidos, com as emergentes consequências legais, com o que se fará, como sempre (…) JUSTIÇA”. 2) MOTIVAÇÃO DOS ARGUIDOS E DEMANDADOS CÍVEIS, AA E BB. Na sequência da sua motivação os arguidos e demandados cíveis AA e BB apresentaram as seguintes conclusões (transcrição): “1ª Da matéria de facto dada provada e não provada no douto acórdão recorrido, bem como na respectiva motivação, emergem situações ou tomadas de posição contrárias ou inconciliáveis com toda a prova produzida ou sem correspondência com a que efectivamente foi produzida, e que, por extravasarem as regras da experiência comum, ficam fora do âmbito da livre convicção do Tribunal. 2ª Assim, porque do processo constam todos os elementos de prova que lhe serviram de base; porque especificados os pontos de facto incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa da recorrida por Referência aos suportes técnicos que nestas alegações se transcreveram (por indexação das letras “A” a “N”), nos termos dos artigos 363º, 412º n.º3 e 431º als. a) e b), entendem os recorrentes que deve a decisão da 1ª Instância ser modificada de acordo e nos termos a seguir expostos. 3ª Afirma-se que, na manhã do dia 13 de Julgo de 2001, pelas 08H00M, transportou o LL e o MM até próximo, entre 5 a 6 metros, do local onde já se encontrava aberta a vala nas condições e inclinação de talude Referidas. Todavia, atendendo aos depoimentos de OO (depoimento E) e PP (depoimento F), deverá o facto provado nº 38 ser convenientemente alterado para “…entre 20 a 60 metros da vala”. 4ª Independentemente de os Arguidos terem aceite ou não a versão da acusação quanto à hora do acidente, a verdade é que, em obediência ao princípio da prevalência da verdade material (art. 340º CPP) estava o Tribunal obrigado a confirmar tal circunstância, no âmbito da prova produzida em audiência. E a realidade é que as duas únicas testemunhas que presenciaram o sinistro propriamente dito (OO e PP), conforme depoimentos gravados E e F, quando questionados, se R...iram á hora em causa como “…cerca das 09H00M.”, e a testemunha NN (depoimento “G”), técnico de segurança da Obra, Referiu que o acidente ocorreu precisamente “às 09H04M”, por se recordar com segurança ter sido então chamado via rádio para acudir ao local, no momento em que iniciava a sua ronda matinal por todas as frentes de trabalho. Deve pois o facto nº 40 ser alterado na hora do acidente para as “09H04M”. 5ª A mudança da hora (menos um terço do facto dado por provado) adquire carácter relevante no contexto da “reconstituição” histórica dos factos no que toca à correcta compreensão da conduta do arguido aqui recorrente BB: em primeiro lugar, os “trabalhos preparatórios” a efectuar pela equipa do Sr. LL a partir das 08H00M, pensados por si, demorariam mais ou menos o tempo previsto para se deslocar à frente de trabalho em Meinedo, entregar e explicar o serviço à outra equipa, e então voltar para junto da primeira vala, onde participaria da actividade de nivelamento do fundo da vala e colocação das manilhas – o que, além de abonar em favor da bom planeamento do encarregado de frente dos meios ao seu dispor, diminui o tempo de “espera” em cerca de trinta minutos dos funcionários, e, por conseguinte, ajuda a perceber aquilo que o Tribunal, em sede de convicção, afirma não fazer sentido. Por outro lado, esta diminuição do tempo em que a equipa de trabalho do LL efectuou os trabalhos no interior da vala até ao momento do aluimento de parte da parede lateral esquerda da vala, reduziu em igual proporção a possibilidade da Hierarquia ter oportunidade real, física, de se aperceber/fiscalizar do estado em que a escavação tinha sido aberta – nomeadamente quanto ao grau de inclinação das suas paredes laterais – e, dessa forma, rectificar a situação, eliminando a fonte do perigo. 6ª Além da hora exacta do acidente, igualmente se mostra infundada a afirmação de que “não haveria outros trabalhos a fazer no local da escavação”, quando o encarregado de frente deixou a equipa do Sr. LL na manhã do dia 13.07.2001, deixando-se com isto implícito que o Arguido estaria a contar que a equipa avançasse de imediato para o interior da vala, para avançar com a tarefa de nivelamento do fundo da escavação e colocação das manilhas. 7ª Ora, como é do conhecimento geral, são frequentes em Obra os tempos de espera por parte dos funcionários, por falta de materiais ou de pessoal, pelo aguardar da conclusão de trabalhos anteriores, pela falta de indicações quanto ao serviço a fazer, ou até – como foi aqui o caso – por ordem expressa nesse sentido da Chefia. 8ª Acresce que, in casu, e de facto, à equipa do Sr. LL sempre se interpunham determinadas circunstâncias que a ocupariam até ao momento do regresso do encarregado de frente: a limpeza do terreno (como se alcança das fotografias da vala, as terras provenientes da escavação encontravam-se próximas da mesma, pelo que, por medida de segurança, sempre se impunha o afastamento daquelas terras em relação à zona da vala, de modo a evitar o perigo de pressão sobre a respectiva parede), o aproximar de cada uma das manilhas do local onde se encontravam depositadas (a cerca de 200 ou 300 metros da vala), de modo a que a sua colocação no interior da escavação decorresse fluída e rapidamente, e, finalmente, havia que trazer um gerador, para ligação ao martelo eléctrico que furaria a caixa de visita que se vê nas fotografias dos autos, onde as manilhas iam desembocar (para tal, alguém teria que chamar o reboque – tractor – que se encontrava noutro ponto da Obra, o qual se deslocaria depois ao estaleiro para, dali, arrastar o dito gerador até á frente de escavação) – vide depoimentos do arguido BB (D), NN (depoimento G), OO (depoimento E), e PP, MPP (depoimento F). 9ª Fica, por conseguinte, e salvo o devido respeito, objectiva e completamente infirmado o facto provado com o nº 40, na parte em que se pretende que “não havia outros trabalhos a fazer no local”, devendo, face ao aqui demonstrado, dar-se por provado o seu exacto contrário. 10ª Além dos arguidos, deve incluir-se nos factos provados sob o nºs 44 e 49 o sinistrado LL no conjunto dos profissionais da arte em actividade naquela obra que sabia o que “caso o rampeamento das paredes da vala tivesse sido efectuado a um grau mínimo de 60º, ou por maioria de razão, ao grau aconselhável de 45º, a consequente abertura da vala sempre determinaria a destruição do outro Referido colector”, “e (facto 49) para tal, seria necessário retirar primeiro o colector anteriormente colocado, executar o trabalho então em curso (aplicação das manilhas maiores à profundidade de 4 metros), voltar a colocar o primeiro colector, e fechar definitivamente a vala.” 11ª Tendo o Tribunal a quo dado por provado os factos nºs 14, 15, 36, 50, 54, 55, 60, 61, 63, 64, não se percebe como pode ter deixado de se consignar que o LL tivesse igualmente conhecimento que bastaria dotar as paredes da vala de uma inclinação mínima de 60º (em sede de motivação de facto, admite-se até um intervalo de 60º / 70º) para, necessariamente, se retirar o colector anterior, e, desta forma, eliminar a causa decisiva da instabilidade das terras. Além do resultado lógico dos factos provados acima individualizados, é nesse inequívoco sentido que apontam os depoimentos dos Arguidos CC (depoimento A), AA (depoimento B), DD (depoimento C), e BB (depoimento D) e das testemunhas OO (depoimento E), PP (depoimento F), NN (depoimento G), QQ (depoimento H), RR (depoimento I), SS (depoimento J), TT(depoimento L), e UU (depoimento M). 12ª Definido que foi na Obra em causa que o método de construção adoptado nos trabalhos de drenagens seria o rampeamento, considerando a interiorização pelas respectivas equipas da ideia do “1/1” (45º) como medida padrão e de arranque em toda e qualquer escavação, seleccionados e conhecidos os funcionários com responsabilidades de chefia em cada uma delas, a preocupação da Hierarquia passa a ser a da verificação periódica, e em momentos mais cruciais (como o que antecede a descida de funcionários para o interior das valas mais profundas), da qualidade e segurança da execução da escavação. “Acompanhar”, “fiscalizar”, não significa ficar presencialmente ao longo de toda a execução do trabalho. 13ª Aos membros das equipas de drenagens era, e foi, transmitido como Referência de abertura de valas o “1/1”, sendo certo que todos o depoimentos recolhidos em audiência confirmaram nesta parte, não só que tal instrução havia sido dada e recebida na Obra em causa, como ela era do perfeito conhecimento do sinistrado LL. 14ª Dadas as instruções conformativas da execução do trabalho, após confirmação inicial da sua aplicação pelos intervenientes, e sem prejuízo do acompanhamento regular da evolução dos trabalhos, não é expectável à Hierarquia uma desobediência desse ponto de vista técnico. Nem, salvo o devido respeito, lhes – aos superiores hierárquicos – poderá ser exigível que actue no pressuposto duma desobediência consciente dos subordinados, ao menos daqueles que sempre lhes deram garantias de conhecimento e cumprimento das indicações estabelecidas!!! 15ª Não foi feita qualquer prova que os ora recorrentes soubessem que lhes era imposto o dever de especificar aos executantes daquela vala em concreto para a necessidade de a abrirem com uma largura definida, ou que devessem verbalizar uma ordem de retirada do colector anterior. Tais instruções nada de novo trariam relativamente ao definido em geral para a obra: cumprindo-se o “1/1” (ou até menos – 60º/70º, como se reconhece no acórdão) não se concebe que aquela vala fosse aberta, sem que, pelas regras da física, isso implicasse o retirar do colector anterior. 16ª A questão não é manifestamente o não ter sido especificada pelos Recorrentes uma largura mínima para a vala ou a omissão de ordem concreta para retirada do colector, está em saber se havia ou não instruções na Obra que abarcassem e fossem aplicáveis àquele trabalho. E definindo-se à partida que as escavações seriam realizadas por recurso ao rampeamento das paredes das valas, todos os envolvidos – pelo menos aqueles com responsabilidades de chefia (incluindo-se aqui o Sr. LL), tinham bem presente a forma de concretização de tais trabalhos: por Referência ao ângulo de 45º (1/1), que depois, seria mantido, aumentado ou diminuído em função das particularidades do terreno. 17ª Sendo isto cumprido, como se esperava que fosse (e foi, até ali!) por parte dos executantes, não havia qualquer possibilidade de ocorrer o desabamento parcial da parede que veio a ruir. Caso a vala tivesse sido minimamente “rampeada” (mesmo que pelos deficientes 60º/70º), não há dúvida que se teria eliminado a fonte de perigo. 18ª Sucede é que, como se alcança dos factos provados, registou-se uma vontade livre e consciente de uma das próprias vítimas (o chefe de equipa LL) em não dar cumprimento às instruções recebidas: de uma vala aberta com 85º de inclinação, que, de tão próxima da verticalidade dos 90º, não pode objectivamente dizer-se que esteja sequer “rampeada” – quanto mais “bem rampeada”, como expressamente ordenou o encarregado BB!!! 19ª Ouçam-se os depoimentos de quem está no terreno há largos anos: Arguidos CC (depoimento “A”), AA (depoimento “B”), DD (depoimento “C”), e BB (depoimento D), e das testemunhas OO (depoimento E), PP (depoimento F), NN (depoimento G), QQ (depoimento “H”), RR (depoimento “I”), SS (depoimento “J”), TT(depoimento “L”), e UU (depoimento “M”). 20ª As regras da experiência comum – quando entendidas à luz duma perspectiva radical e excessivamente abrangente dos comportamentos humanos supostamente exigidos no plano da segurança – devem moderar-se perante um universo que vive da organização de pessoas e meios, assente em definições objectivas de competências e nas relações de confiança recíproca (e por isso na auto-responsabilidade), pessoal e técnica, entre os diversos intervenientes. Não pode, pois, dar-se por provada a matéria constante dos nºs 68 a 72. 21ª A consideração de não provados em relação aos factos dos nºs 4, 6 e 13, bem como a motivação do que aquele propósito se escreveu a fls. 35 do douto acórdão, violenta as regras da experiência comum. 22ª Tenha-se presente, por um lado, os factos dados por provados sob os nºs 14, 15, 31, 32, 34, 36, 37, 45, 46, 47, 49, 52, 54, 55, 56, 58, 60, 61, 63 e 64, e forçosamente se concluirá que não é objectiva nem logicamente possível reconhecer-se toda aquela matéria e depois afinar por diapasão de deficiência de conhecimentos e capacidade do Chefe de Equipa LL. 23ª Por outro lado, há que contextualizar a defesa dos arguidos, quando R...em o conhecimento por parte de todos os trabalhadores envolvidos das regras técnicas aplicáveis aos trabalhos de escavações. Tal afirmação tem de ser encarada em função das características próprias e específicas dos destinatários da informação que se pretende transmitir: para a informação “passar” e ser interiorizada, ela só pode partir de conceitos linguísticos acessíveis aos visados, com demonstração e aprendizagem no terreno. 24ª Acresce que não deve, nem pode, menosprezar-se o conhecimento empírico, apreendido pelos profissionais da arte. Na grande maioria das situações é esse mesmo conhecimento empírico que permite ao profissional ter a sensibilidade suficiente para se aperceber de qualquer deficiência no trabalho ou problema que possa surgir. 25ª Na obra em que ocorreu o sinistro, vigorava a opção generalizada pelo método do rampeamento, o que para todos os profissionais envolvidos significava (e era conhecido) que a abertura de valas se processaria segundo uma inclinação de 45º. Ou, traduzindo para a linguagem dos visados, as valas seriam abertas pela regra do “1/1” (“por cada metro de profundidade, um metro para o lado”). 6ª Conhecida a natureza geológica da zona, tal definição técnica, como ponto de partida na escavação, garantia objectivamente a estabilidade das paredes da escavação, e, deste modo, a segurança de todos os trabalhadores. Sendo certo que o acidente se deu, não por tal método construtivo se mostrar inadequado ao caso concreto, ou por o chefe de equipa, o desditoso LL, o desconhecer ou não se encontrar devidamente familiarizado, mas porque aquele chefe de equipa incumpriu deliberadamente as instruções técnicas recebidas (abrir a vala “bem rampeada“ – facto 34 - no contexto vigente na Obra do 1/1”), quando, no uso dos seus dos seus poderes de direcção, deu ordens ao maquinista da escavadora giratória “para proceder à abertura da vala até à indicada profundidade, mas de forma a não destruir o outro colector que ali próximo se encontrava instalado”, (facto provado nº 40), no que resultou afinal uma escavação com uma inclinação de apenas 85º - graduação que é uma autêntica negação do rampeamento (e, por maioria de razão, do “bem rampeado”)... 27ª Não é admissível nem razoável a afirmação de que o dito LL não teria conhecimentos ou competência para se aperceber da existência do colector anterior (vide facto nº 15) e do perigo que o mesmo representava para a estabilidade da parede adjacente da 2ª vala, quando até dois funcionários da sua equipa, seus subordinados – e, portanto, em princípio, menos experientes e conhecedores da arte –o perceberam e, a ele chefe de equipa, o alertaram expressamente para tal circunstância e perigo. 28ª O que dos depoimentos de OO (E) e de PP (F) se retira é que, contra todas as instruções técnicas e regras do bom senso, o infeliz LL tomou decisão consciente, inequívoca e inabalável de não retirar aquele primeiro colector, ignorando inclusive os sucessivos e expressos alertas dos seus subordinados para o perigo iminente decorrente da falta de sustentação física do 1º colector, a partir do momento em que se concluiu a abertura da 2ª vala. 29ª Da mesma sorte, dos depoimentos acabados de transcrever fica totalmente infirmada a afirmação consignada a fls. 35 do douto acórdão, quanto ao suposto desconhecimento da vítima LL do especial perigo que representava a abertura daquela vala (atenta a particularidade, apenas, da existência do colector anterior adjacente), e que, com aquela sua decisão, aliada aqueloutra de descer à vala antes do regresso do encarregado de frente (em nova flagrante e intencional desobediência de ordens) em tais condições de nula inclinação, estava, de facto, a colocar conscientemente, como colocou, em risco a sua própria e a vida de outra pessoa. 30ª Salvo o devido respeito, a motivação manifestada pelo Tribunal a quo quanto à suposta falta de autonomia do inditoso LL para mandar retirar o colector anterior, sem necessidade de obter previamente ordem ou autorização da Hierarquia nesse sentido (fls. 35 e 36) mostra-se manifestamente incompatível com a lógica da vida e as regras da experiência comum. 31ª O fundamento apresentado para a suposta não autonomia do chefe de equipa é desconcertante: pretensa precariedade do vínculo laboral do sinistrado para com a M...& C... bem como a insistência no “real” enquadramento profissional ao nível do pedreiro de 1ª. 32ª Quanto à precariedade do vínculo, não deve perder-se de vista que, mais do que os ”papeis” ou formalidades (que, sendo importantes, não passam de meros suportes instrumentais ou acessórios das qualificações reais), o que aqui ressalta distinta e inequivocamente é a necessidade permanente (e não meramente transitória, como é próprio e específico da contratação a termo) que a empresa M...& C... tinha do serviço prestado pelo Sr. LL. Só assim se explicam os 10 anos consecutivos de prestação de serviço subordinado para a empresa, sendo cerca de cinco ou seis deles já como chefe de equipa. 33ª Acresce que, conforme se alcança do depoimento de VV (depoimento “N”), director de recursos humanos da empresa, de facto, o sinistrado LL era, [de facto], tratado como trabalhador do quadro permanente de pessoal, contando-se a respectiva antiguidade desde a data da 1ª admissão. Veja-se, nomeadamente, o adiantamento mensal por conta (facto provado nº 4 dos pedidos cíveis) pago pela empresa à viúva do sinistrado, como forma de prover ao seu sustento enquanto não fosse atribuída qualquer montante pelo Tribunal do Trabalho –- situação de favor insusceptível de ocorrer relativamente a um trabalhador com vínculo precário. 34ª Por outro lado, quanto ao problema da categoria profissional, as verdadeiras funções e responsabilidades desempenhadas pelo sinistrado LL ao serviço da M...& C... resultam da matéria de facto provada nos nºs 54, 55, 57, 59, 60 e 61. 35ª Na perspectiva de que “o que interessa é o que as pessoas fazem, e não os nomes que se dão às coisas, não há dúvida que o conteúdo funcional da actividade profissional do Sr. LL ao serviço da M...& Cia se não reconduzia à mera categoria de “pedreiro de 1ª” (sem quebra do devido respeito), indo, como se viu, muito para além disso. 36ª Neste particular, cumprirá ter presente os depoimentos de QQ (depoimento H) e UU (depoimento M) que esclareceram que a razão da não investidura do LL numa categoria formal de chefia (arvorado ou encarregado de frente) se deveu unicamente à falta de vagas no quadro para essa promoção, situação que, porém, sempre foi contornada ao nível local da Direcção de cada Obra, pois que, com os prémios atribuídos ao chefes de equipa, estes, na prática, passavam a auferir em termos totais uma remuneração equivalente pelo menos à dos arvorados (formais). 37ª Quanto ao entendimento judicial sobre a temática do enquadramento profissional decorrente das efectivas funções prestadas, cfr. por todos, os Acórdãos da Relação do Porto de 26.01.1987 e de 07.01.1991 (www.dgsi.pt, Procs. nºs 5603 e 225475). 38ª Acresce que, no sentido da efectiva e real autonomia hierárquico-funcional do Sr. LL para, por si só, e sem necessidade de ordens específicas nesse sentido, mandar retirar o colector anterior, o qual veio a constituir a única e verdadeira causa do desabamento da parede lateral da vala, temos os depoimentos de PP (depoimento F), NN (depoimento G), Engº QQ (depoimento H), encarregado geral RR (depoimento I), Engº SS (Depoimento J), TT(Depoimento L) e encarregado geral UU (Depoimento M). Deve assim dar-se como provado o facto que o douto acórdão considerou não provado sob o nº 13. 39ª Sem prejuízo da autonomia funcional inerente à função de chefe de equipa, os trabalhos de escavação de valas não avançam para fase de colocação das manilhas no respectivo interior, sem que o encarregado de frente possa verificar o estado da escavação: se porventura, este permaneceu no local a acompanhar o trabalho inicialmente, ou foi passando com regularidade pelo mesmo e verificando a segurança e a qualidade do serviço, nunca ou raramente a frente de trabalho parará, e, assim que atingida a profundidade desejada e garantida a inclinação no fundo da vala, procede-se de imediato à colocação das manilhas. Todavia, se por qualquer razão, o encarregado de frente não teve ainda oportunidade de observar o estado da vala e suas paredes, transmite sempre ao chefe de equipa o seu desejo de ser avisado, para poder deslocar-se ao local e verificar o trabalho, antes do momento em que, de acordo com as fases da produção, surja a necessidade de descerem funcionários para o interior da vala. 40ª Tal procedimento é conhecido e implementado por encarregados de frente e chefes de equipa. 41ª Foi esta a única razão para o Arguido BB, após tomar conhecimento na manhã do dia 13.07.2001, que a vala já se encontrava escavada e, portanto, pronta para ser alisada e colocadas as manilhas, ordenou ao sinistrado LL para aguardar pelo seu regresso de Meinedo (onde, durante o período de uma hora, ia transportar a outra equipa de trabalho que se encontrava no interior da carrinha, distribuir serviço), para verificar o estado da vala (aberta no final do dia anterior, e por isso ainda não observada) e participar na tarefa da colocação das manilhas. 42ª Tem-se por insustentável e desprovida de lógica e fundamento, a tese do douto acórdão de fls. 32, segundo a qual o BB não teria dado qualquer ordem expressa para esperarem por ele e não descerem ao fundo enquanto não chegasse, não fazendo sentido que os trabalhadores ficassem parados durante cerca de uma hora: quanto à objectiva existência de uma verdadeira ordem do Arguido BB dirigida ao sinistrado LL para “esperar”, não parecem subsistir dúvidas (sequer interpretativas do vocábulo utilizado) face ao facto dado por provado sob o nº 39. E no que toca ao entendimento que as testemunhas presenciais tiveram de tal ordem (que outro significado se poderá atribuir “esperai um bocado que eu já volto”…???), recorda-se que já desde o primeiro depoimento de fls 34-v do autos da testemunha OO afirmara que “De resto, quando a carrinha que os transporta os deixou junto à vala, o encarregado Sr. BB DEU ORDENS para que ninguém iniciasse os trabalhos até o mesmo regressar ao local.”, o que depois foi integralmente confirmado nos depoimentos em audiência da mesma testemunha e do operador PP (depoimentos E e F), sem que se possa ignorar o que o próprio BB (D) R...e a este propósito. 43ª Face ao exposto, é patente que foi na manhã do dia 13.07.2001, ao saber da abertura da vala, que o Arguido BB transmitiu a ordem concreta ao seu subordinado e chefe de equipa Sr. LL para aguardar pelo seu regresso da frente de Meinedo, antes de alguém ir para dentro da vala, ordem expressa esta, que como tal foi inequivocamente entendida pelos restantes membros da equipa então presentes, e que, inexplicável (mas conscientemente) foi frontalmente desobedecida. 44ª Quanto à suposta falta de lógica decorrente da equipa do Sr. M... ficar uma hora desocupada, já aqui se demonstrou que, naquele período, havia que mandar chamar o tractor que por sua vez tinha que se deslocar até ao estaleiro para rebocar o gerador até à vala; as manilhas que iriam ser aterradas encontravam-se a cerca de 200 / 300m da escavação e haveria que aproximá-las uma a uma da escavação (de modo a que a sua inserção e acoplagem fosse mais fluida) e ainda, por questões de segurança, que proceder ao afastamento das terras escavadas na véspera e colocadas próximo da vala. 45ª Mas ainda que não existissem estas tarefas preparatórias para ocupar a equipa do Sr. LL, sempre se tomaria por normal – no contexto da actividade em causa e dadas as circunstâncias concretas – que ficassem quatro homens a aguardar por serviço durante uma hora. Só para dar um exemplo, na véspera, o manobrador da máquina giratória estivera a trabalhar sob as ordens do LL, e tanto o OO como o infeliz MM, tinham-se limitado a assistir ao serviço da máquina, sem desempenhar qualquer actividade produtiva…- Já estranha seria a opção contrária do Arguido BB: ficava logo com a equipa do Sr. M... a colocar as manilhas no interior da vala (como era sua intenção) durante toda a manhã, enquanto, dentro da carrinha, permaneceria a equipa de Meinedo (5, 6 ou 7 homens, segundo a testemunha OO), totalmente parada e improdutiva!” 46ª Deve pois dar-se como provado o facto que o douto acórdão considerou não provado sob os nºs 11 e 12. 47º Do teor da condenação proferida, aponta-se aos Arguidos aqui recorrentes a violação do dever de informação ao técnico de segurança do início dos trabalhos de escavação da vala. 48ª Todavia, importa destacar o facto de em lado algum se demonstrar que o Arguido AA soubesse do momento exacto em que tal escavação se iria iniciar; após ter transmitido ao encarregado geral J...D...S... que já havia encomendado o material, foi este último que ficou na posse do conhecimento da altura em que a escavação se efectuaria, pelo que, quando o fornecedor entregou as manilhas no dia 12.07.2001, o encarregado geral limitou-se a transmitir esse facto ao encarregado de frente, ficando aquele engenheiro arredado do processo. 49ª Mas ainda que assim não fosse, há que considerar que a ignorância do técnico de segurança relativamente à escavação foi meramente circunstancial, e apenas possível dados os específicos momentos em que se iniciou e concluiu a escavação no dia 12.07.2001 (17H00M - 18H00M), com os trabalhadores envolvidos a regressarem a pé para o estaleiro, sem comunicarem com quem quer que fosse – tudo posteriormente à última ronda pela obra do técnico de segurança –, e, no dia seguinte, na sequência da descida não autorizada para o interior da vala logo à primeira hora, quando o desabamento da vala ocorre às 09H04M! 50ª Só em tal peculiar sucessão de acontecimentos poderia aquela escavação ter passado fora do controlo do técnico de segurança. O conhecimento e acompanhamento por parte do Sr. NN, estava pensado e estruturado em duas vertentes: ou era informado pelos encarregados ou engenheiros de um novo trabalho ou, mercê da ronda matinal e geral que todos os dias começava por fazer à Obra, no limite, até meio da manhã do dia seguinte, sempre tomaria contacto físico com esse novo serviço. 51ª Sendo que tal ronda e organização era do conhecimento dos encarregados que, desta forma, contavam e confiavam que o Sr. NN tomaria inevitavelmente conhecimento directo no próprio dia ou (caso, como no presente, se tratasse de serviço iniciado já na parte final da véspera) até meio da manhã do dia seguinte – Vide depoimento de NN (G). 52ª Assim, julga-se não razoável imputar a falta de informação dos encarregados ao técnico de segurança da realização dos trabalhos em que ocorreu o acidente a título de violação de um dever de cuidado relevante, em termos de causalidade adequada, para o perigo verificado. B) Do Enquadramento Jurídico: 53ª Face à materialidade resultante da impugnação da selecção de factos provados e não provados, parece que, segundo um juízo de previsibilidade normal que deve presidir à análise do nexo de causalidade nos crimes de perigo concreto, como é o caso, não era exigível aos arguidos aqui Recorrentes que admitissem, ou sequer previssem, a violação grosseira dos deveres de obediência, de zelo e de cuidado em geral por parte do Chefe de Equipa: a) Não era previsível que, ao contrário de todas as situações anteriores e apesar da sua larga capacidade e experiência em trabalhos semelhantes, e contra as instruções genéricas da obra e concretas do encarregado de frente, o inditoso LL não dotasse as paredes daquela vala de qualquer inclinação digna desse nome; b) Da mesma forma, não era previsível que, contra a elementar prudência do cidadão médio, ciente da situação de perigo, aquele Chefe de Equipa insistisse em mandar proceder à escavação da vala sem retirar o colector anterior (o que apenas demoraria mais algum tempo e era “remontável”), contra os alertas dos seus subordinados, sem sequer admitir suspender os trabalhos, ou eventualmente informar o seu superior hierárquico; c) Finalmente, não era absolutamente previsível que, no dia seguinte, o mesmo Chefe de Equipa, não obstante ter recebido ordens concretas para aguardar pelo regresso do encarregado de frente, tivesse decidido descer para o fundo da vala. 54ª Não sendo tais sucessivas e cumulativas desobediências objectiva e subjectivamente previsíveis por banda dos arguidos, tem-se por certo que o perigo concreto verificado constitui um resultado directo, necessário e exclusivo do comportamento de uma das vítimas, ficando assim por estabelecer o nexo de imputação objectiva entre tal perigo e a conduta dos ora recorrentes. Daí que devam os mesmos ser absolvidos da prática do crime por que vêem condenados. Todavia, apenas para o caso de se entender diferentemente, sem contudo conceder, dir-se-á a título subsidiário o seguinte: 55º Abstraindo totalmente das circunstâncias vindas de enunciar (ou considerando parte delas), encontramos ainda no douto acórdão recorrido determinadas circunstâncias que relevam ainda no sentido da absolvição dos Arguidos (em sede de Factos Provados: nºs 14, 25, 32, 33, 34, 36, 37, 38, 39, 40, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 54, 55, 57, 58, 59, 60, 61, 63 e 64), as partes da motivação de facto destacadas nas motivações, e ainda as seguintes da motivação jurídica: Fls. 58: “É certo que a atitude do falecido LL se revelou igualmente descuidada, porque, além do mais, se lhe exigiria que comunicasse no mínimo no dia seguinte a opção que havia tomado de efectuar o rampeamento dos taludes por forma a não retirar o colector, ou que não descesse ao fundo da vala sem comunicar tal facto ao seu superior hierárquico. Todavia, tal atitude também ela negligente ou descuidada do falecido LL e que lhe poderia acarretar, não fosse o seu trágico e lamentável falecimento, responsabilidade criminal quanto à morte do MM em autoria paralela, com os demais arguidos nestes autos, não afasta, antes concorre, com a Referida atitude negligente dos Arguidos AA e BB para o resultado final que se veio a verificar.” Fls. 59: “Finalmente, haverá que considerar que as Referidas atitude negligentes dos arguidos JJ e AA, mesmo com a contribuição da conduta também ela negligente do falecido LL, se constituem como inegável causa adequada, segundo objectivo de prognose ex ante, em todo o seu processo causal a criar quer a concretização do perigo para a integridade física quer para o resultado morte de dois trabalhadores…” Fls. 60: “Pela medida da culpa, regista-se uma forte atenuação da conduta dos arguidos, não só pelo facto de o resultado ter sido causado por negligência inconsciente, mas sobretudo pelo facto de ter contribuído causalmente para o resultado lesivo a conduta de uma das próprias vítimas”. Fls. 64 (quanto ao pedido cível): “Haverá ainda que atender a que, conforme acima se Referiu, contribuiu ainda para o resultado final da morte do LL e do MM, a conduta negligente ou descuidada do próprio LL, nos termos e pelos fundamentos acima expostos e que aqui se dão por reproduzidos.” “(…) Tudo ponderado, considerando as respectivas atitudes negligentes e o grau de violação dos deveres de cuidado que se lhe exigiam, entendemos inexistirem elementos que permitam fixar com necessária segurança e certeza que a contribuição para o facto lesivo seja de imputar em maior ou menor grau quer a cada um dos arguidos que irão condenados criminalmente quer ao falecido LL, entendendo-se assim que as respectivas atitudes negligentes contribuíram em igual proporção para o resultado lesivo..” 56ª Ainda que se afastasse o correcto figurino factual da situação (nos termos antes propostos), parece seguro afirmar-se que, mesmo no quadro dos factos e motivação consignados no douto acórdão, o elemento decisivo e irreversível para causação do resultado (perigo), ou do seu não afastamento, subsiste na conduta do infeliz LL. 57ª Na realidade, atendendo à sua experiência, competência e posição de chefia (ou seja, às expectativas que a Hierarquia tinha do seu trabalho), conjugadas com os alertas dos subordinados, bem como à ordem do superior hierárquico para aguardar pelo seu regresso para só então se proceder a trabalhos no interior da vala, forçoso será concluir que só aquele Chefe de Equipa conservou o domínio do facto. 58ª Aos recorrentes não era exigível que contassem com a negligência do seu Chefe de Equipa – e, no caso do arguido BB, até com a pura desobediência do inditoso CC. Defender-se o contrário, seria a responsabilizar alguém por ter confiado naquilo que é o normal e razoável: que os outros agiriam de acordo com a diligência e obediência esperada, no âmbito das suas funções específicas (por si aceites e sempre cumpridas), com o cuidado a que estão obrigados e são capazes. 59ª Os Arguidos têm que poder contar com a colaboração, cuidado e diligência média dos seus subordinados, pelo menos nas tarefas que fazem parte integrante do seu conteúdo funcional. E, como se sabe, “o princípio da confiança encontra o seu fundamento natural no princípio da auto-responsabilidade” (PROF. FIGUEIREDO DIAS, in “Temas Básicos da Doutrina Penal”; Coimbra Editora, 2001, pag. 365). 60ª Para além da violação objectiva de um dever de cuidado, é necessário determinar que o resultado fosse previsível e evitável para o homem prudente. Mas imperioso se torna depois averiguar se o mandato geral de cuidado e de previsão poderia ter sido cumprido pelo agente em concreto - só assim se impede que se aproxime em demasia a responsabilidade por negligência de uma responsabilidade pelo resultado – FIGUEIREDO DIAS, ob cit., p. 354. 61ª À luz do princípio da confiança, resulta que a criação do “perigo insuportável” (ou, noutros termos, quando passou a ser mais provável a causação do resultado do que a sua não causação), emerge da conduta de todo não expectável da própria vítima, ao decidir conscientemente, e contra os alertas dos subordinados, não retirar o colector (rompendo com a regra implementada do 1/1, ou sequer com um rampeamento digno desse nome), disso não informando os seus superiores hierárquicos no próprio dia, ou mesmo no dia seguinte, altura em que, contra todas as regras hierárquicas e de bom senso, desobedece frontalmente à uma ordem de “aguardar”, descendo (e fazendo descer consigo dois subordinados) para o interior da vala, antes que Arguido BB pudesse verificar o trabalho feito na véspera. 62ª Esta culpa do Chefe de Equipa assume carácter suficientemente grave e decisivo para o resultado ocorrido, ao ponto de afastar toda e qualquer contribuição alheia, ainda que remota, para o mesmo (nomeadamente por parte dos Arguidos). Foi pois erradamente aplicada a norma do art. 277º nº 2 por Referência ao nº 1 al. a) do Código Penal. 63ª Ainda que assim se não entendesse, cumpre assinalar que os arguidos vêm unicamente condenados ao abrigo daquela norma legal, que remete expressamente para “…regras legais, regulamentares ou técnicas” a definição concreta do específico dever jurídico violado pelo agente. 64ª Todavia, nenhuma regra legal, técnica ou regulamentar é invocada no douto acórdão como tendo sido especificamente violada pelos aqui recorrentes. Deve, aliás, recordar-se que, partindo a acusação e pronúncia de um conjunto de concretas disposições legais, regulamentares e técnicas (arts. 66º, 67º, 68º, 155º e 156º do Regulamento de Segurança nos Trabalhos da Construção Civil, art. 8º nº 2 als b) e d) do Dec-Lei nº 441/91, de 14.11, na redacção dada pelo Dec.-Lei nº 133/99, de 21.04, art. 13º da Portaria 101/96, de 03.04, e arts. 3º, 5º, 6º, 8º e 9º do Dec.-Lei nº 155/95, atento o Anexo II, nº 1), nenhuma delas acaba por fundamentar a condenação aqui em crise. 65ª Isto sendo certo que a causa do desabamento da parte da parede lateral da vala, não derivou objectivamente de uma errada opção técnica por qualquer dos arguidos, mas antes da incorrecta implementação do método adoptado na Obra e devidamente transmitido, por parte de quem até ali, em trabalhos semelhantes, sempre cumprira com as correspondentes exigências. 66ª Sem “norma legal, regulamentar ou técnica” que defina o concreto dever a respeitar, inexiste comportamento humano específico, certo e previsível para o cidadão que se tenha por juridicamente vinculativo, ao integrar (completando-o) o tipo incriminador em apreço. 67ª Falecendo tal norma concreta para que remete o art. 277º nº 1 al a) do Código Penal no douto acórdão, não poderá este ser aqui aplicado nos termos em que o vem, donde se impõe a absolvição dos Arguidos. 68ª Caso assim se não entenda, à cautela, e por violação do princípio da legalidade e tipicidade que enforma toda a lei criminal – na modalidade de lei anterior, certa, determinável e perceptível para o cidadão – princípio este ínsito no art. 29º nº 1 da Constituição da República, desde já se invoca a inconstitucionalidade da norma do art. 277º nº 1 al. a) (por remissão do nº 2) do Código Penal, quando interpretada no sentido da sua auto-suficiência para a sustentação de uma condenação criminal, sem o complemento de qualquer outra norma legal, técnica ou regulamentar que defina o concreto dever violado. 69ª Ainda sem conceder (e sempre a título subsidiário), ponderando todas as circunstâncias atinentes ao caso concreto (nomeadamente o grau de contribuição de cada um dos intervenientes para a consubstanciação do perigo concreto, no que se destaca o comportamento juridicamente censurável da vítima LL), leitura esta integrada com a qualificação levada a cabo pelo douto acórdão no âmbito do pedido cível da conduta dos aqui Recorrente a título de mera culpa, tem-se a medida da pena aplicada de um ano de prisão como injusta, por excessiva (no que se viola o disposto nos arts. 40º nº 2 e 71º nº 1 do Código Penal). 70ª Em conformidade, e na pior das hipóteses (sempre a título subsidiário), deveriam os arguidos, quando muito, vir condenados somente pelo nº 3 do aludido art. 277º do Código Penal (conduta negligente e perigo negligente), pelo que, em tal cenário, se mostraria adequada, por proporcional à culpa, a aplicação de pena de multa. C) Dos Pedidos Cíveis (apenas para o caso de se decair na causa crime) 71ª Por terem decorrido mais de três anos entre a data do acidente e a data da citação dos ora demandados-recorrentes, ao abrigo do disposto no art. 498º do Código Civil, renova-se a arguição da excepção da prescrição dos direitos dos demandantes, eventualmente emergentes dos factos em apreciação. 72ª Sem pôr em causa o valor da vida humana, a verdade é que o douto acórdão recorrido incorre numa medida injusta nas indemnizações atribuídas, para além de erro aritmético na passagem do valor total da indemnização atribuída às herdeiras do Sr. MM para a sua definição concreta e individual a cada uma delas (verifica-se uma diferença, para mais, de € 1.000,00). 73ª Quanto ao mais, atendendo aos critérios enunciados no art. 494º do Código Civil que devem presidir à determinação do valor da indemnização em caso de mera culpa, afigura-se que a culpa da vítima LL (mesmo na perspectiva dos factos expressa pelo acórdão recorrido) é notória e objectivamente superior à dos aqui recorrentes, pelo que, à luz do princípio da proporcionalidade, deverá ser atribuído àquele um grau de culpa de “2/3”, ficando o restante “1/3” por dividir pelo conjunto dos ora recorrentes; 74ª Por outro lado, o douto acórdão recorrido não evidencia se, e em que medida, teve em devida conta a situação económica dos arguidos demandados cíveis, parecendo que os valores arbitrados são, em qualquer caso, excessivos à luz desse padrão. No caso do dano morte de € 40.000,00 atribuído pelo falecimento do Sr. LL, e apesar das Referências à culpa do mesmo como elemento causal para o perigo donde adveio o seu próprio dano, não parece ter sido verdadeiramente considerado o regime estatuído no art. 570º do Código Civil: assim, em coerência com o critério acima Referido, dado o grau de culpa individual manifestado pelo também Lesado LL, deverá reduzir-se o valor de indemnização pelo seu dano morte em “2/3”, em relação ao valor definido. 75ª Relativamente ao valor da indemnização por danos morais atribuída a II, atendendo ao que a mesma deixou consignado a 19.06.2002 a fls.9 (165) dos autos (já não vivia com o sr. MM há cerca de dois anos, visto que ele não tinha bom comportamento para consigo), em qualquer caso, toma-se por excessivo o valor de € 20.000,00, defendendo-se metade do mesmo. 76ª Nos termos e para os efeitos previstos no art. 412º nº 5, os Arguidos vêm expressamente manifestar o interesse na subida e apreciação dos dois recursos pendentes (da questão prévia à fase da instrução e da improcedência das excepções deduzidas em sede de contestação aos pedidos cíveis). TERMOS EM QUE, nos melhores de direito que V. Exas. Venerandos Juízes Desembargadores doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se em consequência o douto acórdão proferido em primeira instância, com a absolvição total dos arguidos do crime pelo qual foram condenados, Ou, subsidiariamente, Ser a pena aplicada substituída por multa ao abrigo do art. 277º nº 3 do Código Penal, e as indemnizações reduzidas nos termos sobreditos.” 3) RESPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO A Exma. Procuradora-Adjunta, junto da 1.ª instância, respondeu aos recursos interpostos, concluindo que (transcrição): “I - O douto acórdão, ora em crise, fez uma correcta apreciação da prova produzida na audiência de julgamento, com estrita obediência à lei, fazendo apelo à regra da livre apreciação da prova e com recurso às regras da experiência comum – Art. 127.º do CPP. II - Os factos dados como provados e não provados no douto acórdão recorrido mostram-se perfeitamente de acordo com a prova produzida em sede de audiência de julgamento. Bem andou assim o Tribunal recorrido, na apreciação da prova produzida em audiência, analisando criticamente no acórdão todos os depoimentos aí produzidos, sendo certo que tal facto implica uma consciência da veracidade de cada depoimento. III - No douto Acórdão recorrido procedeu-se à enumeração dos elementos de prova a partir dos quais o Tribunal formou a sua convicção e fez-se o seu exame crítico, dos elementos reputados essenciais, nomeadamente das razões de ciência pelas quais mereceu credibilidade parte dos depoimentos dos arguidos e bem ainda os depoimentos das testemunhas presenciais e demais testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, e que tal convicção se baseou ainda nos documentos e relatórios juntos aos autos e C.R.C., como resulta da leitura de tal acórdão, pelo que inexiste qualquer nulidade do acórdão, por falta de exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, bem como inexiste qualquer insuficiência da matéria de facto provada para a decisão ou falta de fundamentação ou sequer qualquer erro notório na apreciação da prova. IV - De resto, o douto acórdão proferido mostra-se correctamente fundamentado de facto e de direito, permitindo claramente conhecer o processo lógico ou racional que determinou a convicção dos julgadores, não padecendo pois, de qualquer dos vícios a que alude o Art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. V - Os factos dados como provados no douto Acórdão integram a prática pelos arguidos/recorrentes do crime pelo qual vieram a ser condenados, cuja pena se mostra adequada e proporcional às circunstâncias do caso concreto e não permitem, ao contrário do que pretende a assistente/recorrente, a condenação dos arguidos LL eDD, como decorre aliás da fundamentação do Acórdão. Termos em que deve ser negado provimento aos recursos e confirmado o douto Acórdão recorrido, Assim se fazendo JUSTIÇA”. 4) RESPOSTA DOS ARGUIDOS E DEMANDADOS CÍVEIS CC, DD, AA E BB a) Os arguidos e demandados cíveis Referidos responderam ao recurso interposto pela assistente, concluindo, em síntese, que o recurso devia ser rejeitado por falta dos pressupostos processuais da legitimidade e/ou do interesse em agir, para a Assistente interpor recurso desacompanhada do Ministério Público, face à alegada prática de crime de natureza pública, cujo bem jurídico tutelado é a vida em sociedade e não um valor individual. b) Mais defenderam a correcção da absolvição dos dois arguidos CC e DD, aduzindo, entre o mais, que a razão fundamental, objectiva e subjectiva, para o afastamento de qualquer responsabilidade criminal sua, “assenta na estrutura fortemente hierarquizada em Obra, e pressupõe três princípios fundamentais (todos verificados in casu): que o destinatário da ordem se encontra técnica e hierarquicamente habilitado a dar seguimento a esse comando; que aceita tal ordem, não a questionando do ponto de vista da sua proveniência, conteúdo e/ou perceptibilidade técnica e funcional; e, finalmente, que, transmitida a ordem nessas condições, fica o superior hierárquico com direito (objectivo e subjectivo) a esperar que a mesma venha a ser executada em conformidade com as regras técnicas e de segurança, confiando legitimamente que os seus subordinados actuarão com competência e diligência, cumprindo os deveres específicos das funções que lhes foram atribuídos, e pelos mesmos aceites”. Acresce que, segundo os subscritores da resposta, “é inquestionável que os trabalhos de escavação da passagem hidráulica em causa não careciam de qualquer plano de segurança específico, porquanto as regras gerais definidas a priori pela Direcção da Obra (personificada pelo arguido CC) para todas as escavações na empreitada, contemplavam os cuidados a ter naquela PH em concreto, sendo que a não elaboração de tal plano específico não contribuiu para o perigo da ocorrência do soterramento (factos provados n°s 43, 44, 45, 46 e 52, e não provados 2 e 3)”; Porque na verdade, “Tais regras - a da opção do rampeamento dos taludes, de acordo com o critério "1/1" - eram do conhecimento de toda a organização e hierarquia da Obra (factos provados n°s 45 e 46); sendo que dessa hierarquia não se pode excluir a própria vítima, o chefe de equipa LL (factos provados n°s 32, 36, 37, 50, 54, 55, 58, 60, 61, 63, 64)”; E além disso, “Por força da regular delegação de poderes dos respectivos superiores hierárquicos, é certo que a responsabilidade máxima, em termos técnicos e hierárquicos, pela execução da passagem hidráulica em causa recaiu, única e exclusivamente, sobre os arguidos AA e BB - o que os próprios reconhecem, nunca questionando a regularidade ou concretização das ordens recebidas (vide, v.g, factos provados n° 24, 25, 29, 30, 62, 68 e 69, e fls. 29, 30, 31, 37, 38 e 39). (…) “A responsabilidade pela informação ao técnico de segurança da ordem de execução da escavação seria, em primeira linha, do eng° AA (fls. 37, fundamentação)”. (…) “Em suma, restará apenas dizer que, se os destinatários das ordens (eng° AA e encarregado de frente BB) transmitidas pelos respectivos superiores hierárquicos (eng° CC e encarregado geral DD) não questionam a sua existência, assumindo-se habilitados ao seu cumprimento e reconhecendo a sua regularidade, pertinência e suficiente concretização do ponto de vista técnico e da segurança, não se vê como alguém exterior apontar tais vícios às Referidas instruções e, por inerência, uma qualquer ilegalidade aos seus autores”. c) A seguir foi reiterado, basicamente, o que os recorrentes AA e BB já haviam defendido no recurso por si interposto, e que conduzia à atribuição da responsabilidade pelo sinistro à infeliz vítima LL. Voltaram-se a indicar os pontos da matéria de facto dados por provados que deviam ser modificados. Voltaram-se a rever as circunstâncias factuais (em sede de factos provados e fundamentação) já assentes e de que, aliás parte o douto acórdão recorrido. Para se dizer mais adiante que “Face ao exposto, e por amor à verdade, mandam as regras da experiência que se conclua não ter ocorrido qualquer omissão ou deficiência de concretização na ordem transmitida ao LL - ordem que, aliás, foi perfeitamente perceptível para o seu destinatário, sendo objectivamente idónea à boa e segura execução do trabalho, e que o perigo causal do acidente emergiu de uma dupla desobediência daquele chefe de equipa: quanto à forma de execução (inclinação) da escavação e quanto ao momento da descida de trabalhadores para o interior da vala deficientemente escavada”. E ainda que “do contexto global da matéria provada, sai, aliás, legitimada uma conclusão: mesmo que as ordens transmitidas pelo arguido BB tivessem tido um carácter ainda mais concretizado e/ou enfático (adoptando-se o comportamento que o acórdão reputa de lícito), tudo indica que a concreta conduta do LL se não modificaria. (…) “Assim, além de os arguidos não se terem apercebido do risco (nem terem tido condições objectivas para tal, face ao circunstancialismo temporal que rodeou esta escavação e à confiança justificadamente depositada na competência e experiência técnica do infeliz LL), sempre se emerge como relevante e verdadeiramente decisivo para o processo casual do perigo a manifesta determinação do chefe de equipa em agir como agiu.” (…) “Por outro lado, caso a vítima tivesse respeitado as regras e actuado com o cuidado que lhe era imposto - cumprindo as instruções técnicas que enquadravam aquele seu trabalho ou, ao menos, por uma questão de cautela elementar (cfr. art. 15° n° 1 als. a), b), c), e), f) do Dec.-Lei n° 441/91, de 14.11, e arts, 154°, 155° e 156° do Dec. 41.821, de 11.08.1958), o resultado perigo não teria ocorrido, mesmo que se entendesse os arguidos violaram normas de cuidado”. d) Por último, pretendeu-se a ampliação do âmbito do recurso (art. 684°-A. do C.P.C, e 403° - 3 do CPP), já que “Do contexto normativo formado pelas regras dos n°s 1 e 2 do art. 684°-A, do Código de Processo Civil, e art. 403° n° 3 do CPP, resulta que, embora o recurso interposto por dois dos ora recorridos não tenha especificamente incidido sobre a deduzida excepção do pagamento, poderá agora, nos termos daquele 684°-A do CPC, incluir-se tal matéria como parte integrante do objecto do recurso dos arguidos”. E portanto, “apenas para hipótese [daquele] Venerando Tribunal da Relação entender conceder provimento a qualquer ponto do recurso interposto (no que se não concede, e apenas por estrita e excesso de cautela de patrocínio aqui se admite), requerem os arguidos a reapreciação da excepção do pagamento, indeferida pela Primeira Instância”. Certo que “caso se julgue improcedente o que a seguir se alega, sempre o acórdão padeceria da nulidade por omissão de pronúncia em relação à excepção do pagamento, o que, ao abrigo do art. 379° al. c) do CPP, aqui se invoca”. Os aqui recorridos passaram a indicar as quantias já recebidas e as que, portanto, deveriam ser recebidas em caso de condenação, uma vez descontadas aquelas. A terminar, “Nos termos e para os efeitos previstos no art. 412° n° 5 do CPP, no âmbito da presente ampliação do âmbito do recurso, [vieram] os Arguidos Recorridos expressamente reiterar o interesse na subida e apreciação dos dois recursos pendentes (da questão prévia à fase da instrução e da improcedência das excepções deduzidas em sede de contestação aos pedidos cíveis)”. C - ACÓRDÃO RECORRIDO Na parte que pode ter interesse para o que ora releva, mesmo sendo de carácter penal, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, aqui o recorrido, pronunciou-se nos seguintes moldes (transcrição parcial): “O recurso interposto do acórdão do tribunal colectivo é simultaneamente recurso da matéria de facto e recurso de direito, sendo a primeira daquelas vertentes consentida pelo facto de ter havido documentação da prova produzida em audiência. No que concerne à matéria de facto, impugnam os recorrentes o que se teve como provado em primeira instância sob os nºs 8, 38, 40, 44, 49 e 68 a 72, e ainda o que se considerou como não provado sob os nºs 4, 6, 11, 12 e 13. (…) Voltemos então – o desvio foi longo mas proveitoso – à impugnação da matéria de facto. Depois desta incursão pela estrutura do crime, desenha-se com maior clareza o raciocínio que conformou a estruturação da matéria de facto no aspecto a que nos reportamos. Nos factos descritos sob os nºs 68 a 73 o tribunal colectivo teve a preocupação de verter o que considerou provado relativamente ao elemento subjectivo do tipo, não descurando a necessidade de isolar o juízo relativo à conduta omissiva do juízo R...ente à criação do perigo. E fê-lo consignando na motivação do provado, com clareza e coerência, o processo valorativo prosseguido, atendendo, nomeadamente, ao facto de não terem sido transmitidas instruções expressas relativas ao rampeamento da vala – exceptuada a declaração do arguido BB, de que queria a vala bem rampeada – por sucessiva convicção da cadeia de comando da obra, de que os destinatários da ordem da abertura da vala tinham os conhecimentos necessários, quanto mais não fosse, resultantes da própria experiência em obra, para proceder à sua abertura em termos seguros. Retenha-se ainda que a testemunha OO, confrontada com o rampeamento da vala, R...e terem aberto outras valas com o mesmo rampeamento, ainda que desconhecesse se o rampeamento era suficiente (pelos vistos, afinal, nem todos sabiam que a regra do rampeamento era 1 x 1; e a crer no depoimento que de seguida se transcreve, nem sempre era essa a prática…): A. Ferreira: Não, ela estava assim… estava rampeada, isso estava… P.: (…) E o Sr. acha que estava rampeada o suficiente? A. Ferreira: Sei lá, a minha experiência não … (…) não posso responder exactamente… P.: Estava rampeada, como estavam rampeadas normalmente as outras valas que foram feitas… A. Ferreira: Sim, sim, já, já tinha feito assim, pronto, não posso dizer que tenha tanta profundidade mas, normalmente era assim que se abria… (…) P.: Pronto, mas mesmo nas outras menos profundas? A. Ferreira: Também era assim rampeadas. (transcrição, vol. 2, pag. 378). Por outro lado, e pese embora o constrangimento que essa constatação causou aos recorrentes, é totalmente inaceitável, face às regras da experiência comum, que a vítima LL, dada a sua situação profissional, tivesse autonomia para ordenar, por si próprio e sem prévia consulta da hierarquia, a destruição de um colector anteriormente executado, acção necessária para se proceder ao efectivo rampeamento do talude de acordo com as instruções em vigor. Face ao conjunto da prova produzida, é pertinente a conclusão de que os arguidos BB e AA omitiram conscientemente regras de protecção colectiva e de organização do trabalho, omissão que não é colmatada pela dinâmica do pessoal em obra, assente em definições objectivas de competências e nas relações de confiança recíproca, como sustentam os recorrentes na conclusão 20ª do seu recurso. Aliás, basta atentar nas estatísticas dos acidentes de trabalho em Portugal, com particular incidência no sector da construção civil, para se constatar como é desprovida de sentido essa confiança na dinâmica do pessoal em obra e nas relações de confiança recíproca, sendo porventura esse excesso de confiança uma das causas perenes dos acidentes de trabalho. Em síntese e para terminar quanto a este aspecto: não há que alterar o teor dos arts. 68º a 72º. Sustentam depois os recorrentes que a consideração como não provados dos factos 4, 6 e 13 e a respectivas motivação violentam as regras da experiência comum. Não vemos, no entanto, que assim seja. A motivação explica detalhadamente as razões que levaram a que os factos em apreço fossem considerados como não provados. Aí se consignou que pese embora se aceite que devido à experiência profissional acumulada na área das drenagens, o LL, ainda que com a categoria profissional de pedreiro, tivesse alguns conhecimentos sobre regras mínimas de segurança a observar na abertura de valas, nomeadamente quanto à medida do rampeamento das paredes em solos compactos, não se deu por provado que tivesse perfeito conhecimento e dominasse as diferentes e por vezes mesmo complexas regras técnicas aplicáveis aos trabalhos de drenagens, nomeadamente na abertura de valas em casos de solos cuja consistência natural tenha sido alterada e muito menos que tivesse conhecimento do especial perigo de que a abertura de uma vala a profundidade superior em local em que o solo tenha sido remexido a menor profundidade, tal como sucedeu no presente caso, não só porque nenhuma outra formação que não a empírica se apurou ter recebido para o efeito, mas também porque de outro modo não se entenderia, caso tivesse representado tal perigo, ainda assim tivesse colocado a sua vida e a de outra pessoa em risco ao descer e permanecer no fundo dessa vala. Revela este texto uma convicção sólida, bem fundada e em perfeita consonância com aquilo que se devem considerar as regras da experiência comum, não se vislumbrando, entre os argumentos carreados pelos recorrentes, quaisquer elementos que com pertinência permitam questionar aquela fundamentação. Quanto ao facto que sob o nº 13 se deu como não provado – a autonomia da vítima LL para destruir o colector existente – é aspecto que já antes se abordou, que a motivação esclarece devidamente e que é também ratificado pelas máximas da experiência. Os recorrentes contestam ainda o facto de a sentença ter dado como não provados os factos descritos sob os nºs 11 e 12, relativos à falta de demonstração de que o arguido BB tenha dado ordens expressas aos trabalhadores que transportou para a vala no sentido de esperarem por ele e não descerem ao interior da vala. Segundo as declarações do arguido BB, transportou até perto da vala as vítimas II e CC e ainda a testemunha PP. A testemunha OO diz que foi no seu carro e já lá estava quando os outros chegaram na carrinha, conduzida pelo Sr. P..., com o arguido Gonçalves ao lado e que transportava também as vítimas, CC e II (tr., vol 2, pag. 374). Ordens ? Ouviu o arguido BB dizer “eu vou levar o resto do pessoal e venho já, e esperai um bocadinho, eu venho já”. E acrescentou a testemunha: E depois, nós é que, diz o CC e o II, e eu é que tomámos a atitude “vamos fazer alguma coisa porque senão chega aqui e não tem nada feito” … e começamos a trabalhar… O que é que faltava fazer? Endireitar o terreno em baixo (e furar os anéis para meter as manilhas) (tr., idem). Nem este esperai um bocadinho é uma ordem expressa para não descerem à vala, nem a atitude dos destinatários se compagina com um entendimento daquela expressão como ordem peremptória para não descerem ao interior da vala, como pretendem os recorrentes. Os factos em apreço – 11 e 12 – foram considerados provados dentro de uma lógica não afastada pelas regras da experiência, não se descortinando razões que justifiquem a alteração do que neste aspecto foi decidido. Quanto à não razoabilidade da imputação a título de violação de um dever de cuidado relevante, da falta de informação dos encarregados ao técnico de segurança, da realização dos trabalhos em que ocorreu o acidente, com relevo para a imputação causal do perigo verificado, é questão que não levanta dúvidas de maior. A existência de um técnico de segurança em obra só faz sentido se este se puder inteirar previamente – e se lhe forem dadas condições para o efeito – das actividades, alterações, instalações, etc, que comportem riscos para a vida ou, pelo menos, para a integridade física dos trabalhadores. É isso que está em causa! No desenvolvimento da posição assumida, sustentam os recorrentes que num juízo de previsibilidade normal, não era de considerar a violação grosseira dos deveres de zelo e de cuidado por parte do chefe de equipa LL. Esta alegação supõe, no entanto, uma alteração da matéria de facto provada, nos termos pretendidos pelos recorrentes, o que não sucedeu com o alcance necessário para dotar esta posição da necessária consistência. Face à matéria de facto que se tem por definitivamente assente, nos termos em que foi fixada pelo tribunal colectivo e com as alterações que se apontaram – já que não se perspectiva a ocorrência de qualquer dos vícios previstos no art. 410º,nº 2, do CPP, matéria de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso – não é questionável a consideração do nexo de causalidade nos termos que se tiveram por assentes. De resto, esta é questão que foi sendo tratada ao longo da exposição que antecede, seja na vertente de facto, seja na vertente de direito. A título subsidiário, pretendem os recorrentes que mesmo considerando a factualidade que se teve por fixada em primeira instância e ponderando a motivação jurídica da sentença, ainda assim se deveria concluir pela absolvição, na medida em que o elemento decisivo e irreversível para causação do resultado (perigo), ou do seu não afastamento, subsiste na conduta da vítima LL, que conservou o domínio do facto. Admiti-lo, equivaleria a dizer que estava encontrada a forma de desresponsabilização de toda a cadeia de comando empresarial quanto ao incumprimento de normas e regras de segurança, desde que uma qualquer actuação culposa da própria vítima contribuísse para o evento. Contudo, não é assim. O que para o efeito releva é o estabelecimento de uma relação de causa-efeito entre o incumprimento das normas de segurança e o soterramento das vítimas; ora, face ao provado, essa relação não se estabelece entre a descida das vítimas à vala e o subsequente desmoronamento que lhes provocou a morte, mas sim com a anterior omissão daquelas regras de segurança na execução da vala, sendo essa a relação que comprova o perigo comum verificado de facto. Prosseguem os recorrentes, sustentando que nenhuma regra técnica ou regulamentar é invocada no acórdão como tendo sido violada pelos recorrentes, não estando assim completo o preenchimento do tipo legal de crime, pelo que também por essa via deveriam ser absolvidos. Importa enfatizar o facto de não só as normas legais ou regulamentares, mas também as regras técnicas – as legis artis – poderem integrar a parte da norma em branco, como expressamente resulta da letra do art. 277º e já anteriormente Referimos. Logo por aqui, atendendo às práticas impostas pelo manual de obra em vigor, se constata a flagrante violação do procedimento adoptado na abertura da vala que veio a vitimar dois trabalhadores. De resto, aquela afirmação colide com o que expressamente consta de fls. 49 do acórdão do tribunal colectivo: Que na execução da construção/instalação em causa foram infringidas regras legais ou técnicas que deveriam ter sido observadas, dúvidas também não se colocam nem forma sequer suscitadas. Desde logo pela não entivação exigida pelo disposto pelo art. 67º do Dec. 41.821, de 11/08/1958, que impõe a entivação dos solos nas frentes de escavação, mas excepciona de tal obrigação, no seu § único, as escavações de rochas e argilas duras. Por outro lado e caso se entenda, conforme se poderá concluir na situação em apreço, não ser obrigatório o recurso à entivação por o método de rampeamento dos taludes satisfazer as necessidades de segurança ou das boas regras técnicas de contrução, resulta igualmente terem sido flagrantemente violadas as regras técnicas a observar em tal método, considerado o insuficiente rampeamento dos taludes da escavação em causa, ou seja, procedeu-se à escavação mecânica de uma vala numa extensão de cinco metros de comprimento com uma profundidade de quatro metros e meio, apresentando as “paredes” laterais – taludes – uma inclinação para o exterior de cerca de 5º na vertical, correspondente a um ângulo de inclinação de 85º, quando, atenta a profundidade da vala e a natureza do solo no local, se impunha como segurança mínima necessária à estabilidade das paredes laterais e evitar o risco da sua derrocada, um ângulo de inclinação mínima dos taludes não superior a 60º, sendo a inclinação de 45º a apropriada em termos de segurança, ou seja, a correspondente ao ângulo de deslize do terreno – talude natural -, o que constitui uma violação flagrante do procedimento de segurança a observar na escavação de valas da própria M...& C....S.A., que dispõe como regra de segurança para tal escavação igual ângulo de inclinação de 45º, o que corresponderia a uma abertura da boca da vala de cerca de 10 metros ao invés dos cerca de e metros da vala executada. (…) Sustentam ainda os recorrentes que a medida das indemnizações atribuídas é injusta e excessiva e que ocorre erro aritmético no valor total que veio a ser atribuído às herdeiras de MM. Sustentam, por outro lado, que a medida da culpa da vítima LL é superior à dos recorrentes, pelo que lhe deveria ter sido atribuído um grau de culpa de 2/3, ficando o restante 1/3 por dividir pelo conjunto dos ora recorrentes. Alegam ainda que não terá sido ponderado o regime estatuído no art. 570º do Código Civil na fixação da indemnização pelo dano morte atribuído pelo falecimento de LL. O tribunal colectivo fixou em 1/3 a responsabilidade da vítima LL para a ocorrência do acidente e face ao que como provado se teve, não vemos razão para alterar o decidido quanto a este particular aspecto. Já no que concerne ao montante da indemnização fixada pelo dano morte relativamente ao LL, decorre do texto da decisão que esta foi fixada, com invocação do critério seguido pela jurisprudência, tendo sido concretizada em € 40.000,00, o que traduz valor situado num patamar correspondente ao então seguido na fixação de indemnização pelo dano morte e ligeiramente inferior ao hoje utilizado. O valor em questão vem sendo actualmente fixado pela jurisprudência na orla dos € 50.000,00 (neste valor se situam maioritariamente as indemnizações atribuídas pelo STJ). Atendendo a este critério de normalidade jurisprudencial, nada há a censurar ao montante fixado, respondendo cada um dos demandados apenas por 1/3, como bem se decidiu (cfr. fls. 76 do acórdão recorrido). Também as quantias atribuídas pelos danos morais sofridos pelos requerentes encontram eco na jurisprudência e são consentâneas com o provado, revelando-se isentas de reparo. Quanto ao valor da indemnização por danos morais atribuída a II, atendendo ao que a mesma deixou consignado 19.06.2002 a fls.9 (165) dos autos (já não vivia com o MM há cerca de dois anos, visto que ele não tinha bom comportamento para consigo), entendem os demandantes ser excessivo o valor de € 20.000,00, sustentando a adequação de metade daquele valor. Releva, no entanto, o que se teve como provado, e em sede de demanda cível era admissível acordo relativo aos factos não indisponíveis. E de facto, demandantes e demandados chegaram a acordo quanto a parte da matéria de facto constante do pedido cível, como se comprova pela acta de fls. 1065 dos autos. Foi em função desse acordo que se teve como provado, nomeadamente, que o Sr. MM era marido e pai, por quem as demandantes nutriam o maior carinho, estima e afecto, tendo sofrido com a sua morte danos irreparáveis e ainda que as demandantes sofreram profundo desgosto pela morte trágica e violenta do seu ente querido. Nessa medida, o obstáculo suscitado pelos demandados perde a sua razão de ser. Por outro lado, face ao provado, os valores fixados revelam-se justos, por equitativos. Quanto ao erro aritmético a que aludem os recorrentes, o Montante global da indemnização devida é de € 155.300,00 assim se obtendo a responsabilidade individual de cada um dos arguidos: Indemnização devida a II: 65.000 + 20.000 + 20.000 + 150 = 105.150 = 35.050 3 3 JJ: 15.000 + 15.000 + 20.000 + 150 = 50.150 = 16.716” 3 3 D - RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL 1) MOTIVAÇÃO DOS ARGUIDOS E DEMANDADOS CÍVEIS, AA E BB. Os Referidos recorrentes encerram a sua motivação do seguinte modo (transcrição): “I – 1. Atento o disposto nos arts.403° e 400° n°s 2 e 3, do CPP, e vindo cada um dos Demandados Recorrentes confrontado com o pedido indemnizatório no valor total de € 85.419,23, resulta que o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto é recorrível na parte relativa à indemnização civil. II - NULIDADE DO ACÓRDÃO: 2. A fls. ... dos autos, os ora Recorrentes apresentaram requerimento autónomo, arguindo nulidade do douto acórdão da Relação do Porto, à luz da ideia da irrecorribilidade da parte criminal daquela decisão [(art. 400° n° 1 al. f), conjugado com o disposto no art. 379° n° 2, do CPP, a contrario, e 668° n° 4 do CPC, aplicável ex vi art. 4º, do CPP)]. 3. Por mera cautela e dever de patrocínio, sem que isso implique desistência relativamente ao requerimento já oferecido, e apenas para a eventualidade de se entender que a recorribilidade da parte civil do acórdão da Relação do Porto releva aqui para efeitos de adequação processual quanto à arguição de nulidades do acórdão em crise, vêm os ora Recorrentes, reproduzir o teor da Referida arguição. II. 1 - Nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia, ao abrigo dos artigos 425.°, n.° 4, e 379.°, n.° 1, alínea c), ambos do CPP, por não conhecimento do vício de contradição insanável da fundamentação e entre fundamentação e decisão 4. Não obstante o Acórdão do Tribunal de 1.ª instância condenar os Arguidos pela alegada comissão do crime previsto e punido pelo artigo 211°, n.° 2, do CP, a verdade é que, nesse mesmo Acórdão, em sede de Fundamentação de Direito, a pág. 55 a 59, é repetidamente imputada aos Arguidos uma conduta negligente. 5. Esta discrepância de enquadramento jurídico relativo às mesmas condutas consubstancia manifesta contradição insanável entre a fundamentação do Acórdão e o respectivo Dispositivo, pois a primeira imputava aos Arguidos uma conduta negligente e o segundo um tipo penal que implicava uma conduta dolosa. 6. Para além disso, verifica-se ainda uma contradição insanável no seio da própria fundamentação: não obstante o que se consigna de fls. de 55 a 59 a propósito da actuação meramente negligente dos arguidos, a verdade é que a mesma Fundamentação do Acórdão do Tribunal de 1ª instância (a pág. 54) "conclui terem [os Arguidos] infringido dolosamente no âmbito da sua actividade profissional regras regulamentares ou técnicas que deviam ter observado na direcção de execução de obra em causa". 7. No seu Parecer (a fls... dos presentes autos), o Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto suscitou, com os exactos fundamentos acima Referidos, o vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão. 8. Todavia, no seu Acórdão (a fls. 1846 a 1852 dos autos), o Tribunal da Relação do Porto apenas se pronuncia sobre uma questão puramente acessória, lateral e de pormenor (o facto de o Tribunal de 1ª instância ter feito Referência, ainda que implícita, ao artigo 277.°, n.° 3, do CP, no momento da determinação concreta da pena), omitindo qualquer pronúncia sobre a questão verdadeiramente essencial (o facto de, na sua Fundamentação, o Tribunal de 1 .a instância, após ter considerado que os Arguidos haviam preenchido o tipo legal do n° 2 do art. 277° do CP, acaba por, de forma repetida e inequívoca, enquadrar essa mesma actuação dos Arguidos nos quadros da negligência). 9. Sendo certo que a aventada justificação do — suposto — erro de processamento informático do texto, no que respeita (apenas) à Referência implícita ao artigo 211°, n.° 3, do CP, não explica as restantes, repetidas e consistentes, Referências efectuadas no acórdão da 1ª Instância (fls. 55 a 59) à negligência dos Arguidos. 10. Por força do disposto nos artigos 425.°, n.° 4, e 379.°, n.° 1, alínea c), ambos do CPP (não conhecimento do vício de contradição insanável da fundamentação e entre fundamentação e decisão), o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, padece de nulidade por omissão de pronúncia, 11. Considerando que o vício de contradição insanável é de conhecimento oficioso ([(artigo 410.°, n.° 2, alínea b), do CPP)], que o Ministério Público pode requerer o conhecimento do mesmo e que, neste caso concreto, o Ministério Público efectivamente o requereu, conclui-se que esta era uma questão que, na terminologia do artigo 379.°, n.° 1, alínea c), do CPP, o Tribunal da Relação do Porto "devesse apreciar". 12. Reconhecida a supra arguida nulidade do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, deverão V. Exas. pronunciar-se concretamente sobre o vício de contradição insanável da fundamentação e entre fundamentação e decisão, em toda a sua plenitude, tal como o mesmo foi invocado no Parecer do Ministério Público. 13. E reconhecida que seja a efectiva verificação deste último vício, ao abrigo do disposto no artigo 426.°, n.° 1, do CPP, se requer também desde já, o reenvio dos autos para novo julgamento (conforme, expressamente requerido pelo Ministério Público no seu Parecer). 14. Os Arguidos desde já deixam invocado que qualquer interpretação do artigo 428.° do CPP, de qualquer outro que atribua poderes de cognição ao Tribunal da Relação, e, bem assim, do artigo 410.°, n.° 2, alínea b), do CPP, no sentido de que, verificando-se uma situação de contradição objectiva entre partes da fundamentação da sentença e uma situação de contradição objectiva de partes da fundamentação da sentença e o dispositivo da mesma, o Tribunal de recurso pode reconstituir qual foi o "raciocínio do tribunal recorrido", desconsiderando uma das partes da sentença em contradição ou interpretando uma das partes da sentença em contradição, de acordo com o sentido da outra parte da sentença, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20.°, n°s 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, do direito ao recurso, previsto no artigo 32.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa e do princípio da fundamentação das decisões dos Tribunais, previsto no artigo 205.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa. 15. Os Arguidos desde já deixam invocado que qualquer interpretação do artigo 428.° do CPP, do artigo 412.°, n.° 1 e 2, do CPP, ou de qualquer outro que atribua ou limite os poderes de cognição ao Tribunal da Relação, no sentido de que o Tribunal de recurso não está obrigado (não "devesse") a conhecer de um vício previsto no artigo 410.°, n.° 2, do CPP, quando o mesmo é suscitado pelo Parecer do Ministério Público junto desse mesmo Tribunal de recurso, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20.°, n.°s 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, do direito ao recurso, previsto no artigo 32.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa e do princípio da fundamentação das decisões dos Tribunais, previsto no artigo 205.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa. 16. Os Arguidos desde já deixam invocado que qualquer interpretação do artigo 410.°, n.° 2, alínea b), do CPP, no sentido de que o Tribunal de recurso não está obrigado (não "devesse") a conhecer do vício previsto nesse mesmo artigo 410.°, n.° 2, alínea b), do CPP, quando o mesmo é suscitado pelo Parecer do Ministério Público junto desse mesmo Tribunal de recurso, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20.°, n.°s 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, do direito ao recurso, previsto no artigo 32.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa e do princípio da fundamentação das decisões dos Tribunais, previsto no artigo 205.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa. II. 2 - Nulidade do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ao abrigo do artigo 120.°, n.° 2, alínea d), do CPP, por "omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade”. 17. No seu Acórdão, o TRP indeferiu a junção aos autos de dois Pareceres apresentados a juízo em 27.09.2007, um da Exma. Senhora Professora Doutora Paula Ribeiro de Faria, e outro do Exmo. Senhor Professor Doutor Manuel da Costa Andrade., com base no argumento, estribado no disposto no artigo 165.°, n.° 3, do CPP, de que os Pareceres de advogados, jurisconsultos ou técnicos apenas poderem ser juntos aos autos, nos termos do até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em 1ª instância. 18. Tanto a Doutrina como a Jurisprudência têm interpretado o artigo 165.°, n.° 3, do CPP, no sentido de que a expressão "audiência" tanto se R...e à audiência em 1ª instância, como a audiência em recurso; vide Germano Marques da Silva, em Curso de Processo Penal, Vol. II, Verbo, 2.a edição, 1999, pag. 186, e Acórdão do STJ de 30 de Outubro de 2001 (Proc. n.° 1645/01-3.a; SASTJ, n.° 54, 96) e Acórdão do STJ, de 8 de Janeiro de 2003, (Proc. n° 4221/02-33; SASTJ, n.° 67, 65). 19. A natureza dos Pareceres de advogados e jurisconsultos distingue-os, substancialmente, dos documentos a que se R...e o n.° 1, do artigo 165.°, do CPP: os documentos são meios de prova (artigos 164.° e sgs. do CPP) e os Referidos Pareceres, a nenhum título, poderão ser considerados meios de prova, sendo que apenas quanto aos documentos (enquanto meios de prova) se poderá afirmar que a sua junção aos autos, em momento posterior ao encerramento da audiência em 1 .a instância, determinaria que o Tribunal de recurso decidisse sobre uma questão nova, a qual não havia sido apreciada pelo Tribunal a quo. 20. Acresce que um dos Pareceres em causa (o principal aliás, pois o outro é mera confirmação do primeiro) é subscrito pela Exma. Senhora Professora Doutora Paula Ribeiro de Faria, cuja doutrina, abundantemente citada, foi acolhida, sem reservas, quer pelo Tribunal de 1ª instância, quer pelo Tribunal de recurso, para efeitos de fundamentação jurídica das respectivas decisões. 21. Ou seja, tendo em conta a relevância privilegiada e decisiva que ambas as instâncias judiciais reconhecem à doutrina da Exma. Senhora Professora Doutora Paula Ribeiro de Faria, considera-se que o indeferimento da junção aos autos dos Referidos Pareceres, em violação do artigo 165.°, n.° 3, do CPP, consubstancia a nulidade prevista no artigo 120.°, n.° 2, alínea d), do CPP, por "omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade". 22. Subsidiariamente, e apenas para a hipótese de se entender não configurar o presente caso a nulidade da decisão supra enunciada, mas antes um erro de julgamento, desde já se requer muito respeitosamente a convolação do presente enquadramento adjectivo, passando o teor da presente arguição ser considerado para todos os efeitos matéria de recurso propriamente dita, à luz do que deverá o Supremo Tribunal de Justiça revogar o acórdão da Relação do Porto nesta parte, substituindo-o por decisão que admita a junção dos Referidos pareceres, cujo conteúdo deve, aliás, e em qualquer caso, ser tomado em linha de conta na elaboração do novo Acórdão quanto à questão de fundo — sendo certo que os mesmos convergem, indiscutivelmente, sem reservas, e de forma fundamentada, no sentido da absolvição integral dos Arguidos, o que se requer. III - DO RECURSO: A) DO NEXO CAUSAL: 23. Nos termos do art. 129° do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil, sendo que, considerando o disposto no art. 483° CC, a circunstância de a vertente criminal passar a ser insusceptível de recurso ordinário, não dispensa a análise dos pressupostos específicos da responsabilidade civil extra-contratual. 24. De acordo com o princípio da interdependência dos pedidos, a dependência processual (por força do princípio da adesão) do pedido cível ao processo crime, não prejudica a independência substantiva da causa crime relativamente ao pedido cível (cfr. Ac.s STJ de 10.12.2008 e 25.02.2009 (Procs. n°s 08P3638 e 09P0390, ambos consultáveis em www.dgsi.pt) 25. Acresce que, os Demandados vêm condenados pela omissão de deveres legais praticados no âmbito da sua actividade profissional, em razão da qual teriam deixado criar determinado quadro de perigo. Este último elemento ontológico, intermediando a conduta por si dominável e o resultado último ocorrido (em função do qual emergem os danos), se bem que essencial para o preenchimento do tipo legal do crime, demonstra bem a diferença de pressupostos para a "causa civil": ainda que verificado o resultado desvalioso sancionado penalmente, já nada diz ou garante quanto à sua aptidão - causal e quantitativa - para o efectivo surgimento de danos reparáveis. 26. Os ora Recorrentes questionam a efectiva verificação de um nexo de causalidade entre a sua própria conduta e o resultado danoso verificado (o soterramento e falecimento de dois trabalhadores), este o único susceptível de justificar os pedidos de indemnização formulados, porque relevante no âmbito dos quadros da responsabilidade civil extra-contratual. 27. A questão do nexo de causalidade constitui matéria de direito, e, por isso, do conhecimento do STJ (Ac. de 02.12.2008, Proc. n° 08A2096, www.dgsi.pt). 28. Na formulação negativa da teoria da causalidade adequada, para além do facto praticado ser em geral e concretamente idóneo a provocar o dano, essencial é que esse facto que actuou como condição do dano não deixe de ser considerado causa adequada, por via da intervenção decisiva de circunstâncias anormais, extraordinárias ou anómalas sobre o caso concreto, tal como uma contribuição relevante de terceiro ou da própria vítima (Ac. STJ de 17.04.007, Proc. n° 07A701, www.dgsi.pt). 29. Deste modo, importa indagar aqui se os ora Recorrentes praticaram factos efectivamente (e não apenas abstractamente) causais - isto é, decisivos e irreversíveis para o resultado - do desabamento de terras e consequente soterramento de dois trabalhadores, sem que seja possível afirmar que, afinal, objectivamente, este foi juridicamente provocado (rectius, não tenha sido evitado) pela actuação de uma das próprias vítimas dele resultante. 30. Têm-se por presentes os factos dados por assentes nas Instâncias com relevância para esta questão, não olvidando - até porque verdadeiramente explicativas dos primeiros - as Referências feitas a propósito em sede de fundamentação. 31. Os trabalhos de escavação da passagem hidráulica em causa não careciam de qualquer plano de segurança específico, porquanto as regras gerais definidas a priori pela Direcção da Obra para todas as escavações na empreitada, contemplavam os cuidados a ter naquela PH em concreto, sendo que a não elaboração de tal plano específico não contribuiu para o perigo da ocorrência do soterramento (factos provados n°s 43, 44, 45, 46 e 52, e não provados 2 e 3). 32. As regras aplicáveis na Obra em apreço aos trabalhos de escavação de passagens hidráulicas - a da opção do rampeamento dos taludes, de acordo com o critério de "1/1" - eram do conhecimento de toda a organização e hierarquia (factos provados n°s 45 e 46), da qual não pode, em boa fé, excluir-se o próprio o chefe de equipa LL (factos provados n°s 32, 36, 37, 50, 54, 55, 58, 60, 61, 63, 64). 33. Os autos não contêm quaisquer factos provados no sentido de que o LL "não tinha perfeito conhecimento e dominasse as diferentes e complexas regras técnicas aplicáveis aos trabalhos de drenagens, nomeadamente o de abertura de valas nos casos em que o solo cuja consistência natural tenha sido alterada; ou de que o mesmo "não tinha ainda conhecimento do especial perigo de que a abertura de uma vala a profundidade superior em local em que o solo tenha sido remexido a menor profundidade; 34. Desta forma, mostra-se inadmissível extrair qualquer conclusão ou qualificação jurídica, para efeitos de estabelecimento do nexo causal, a partir de factos "não provados” nos autos, falecendo, pois, por falta de matéria provada, a tese dos acórdãos da 1ª Instância - fls. 35 -, e da Relação, aqui em crise. 35. A causa imediata do desmoronamento prendeu-se com a falta de rampeamento de uma das paredes laterais da vala cuja escavação se encontrava em curso, uma vez que essa parede foi intersectar a zona de vala anterior, situada à quota de um metro de profundidade e, "na horizontal", a apenas um metro do eixo da nova vala. 36. Concluiu-se, concomitantemente, que, sem que ninguém lhe ordenasse tal (expressa, ou, sequer, implicitamente - factos provados 47 e 48), o chefe de equipa LL decidiu e deu ordens ao operador da máquina escavadora para abrir a vala apenas até à zona do colector anterior (factos provados 36, 37 e 64). 37. Ao contrário do que sempre acontecera até ali (factos provados n°s 44, 45, 46, 49, 50, 51, 60, 61 e 63 e fls. 39 - "...atendendo a que ficou o Tribunal convicto de que o fizeram por terem confiado que o LL face à experiência que tinha na execução de trabalhos semelhantes iria afastar esse perigo..."), não foram naquele caso cumpridas as instruções vigentes em obra para a realização de trabalhos de escavação. 38. Sendo tais regras cumpridas, ainda que deficientemente (ou seja, se, em vez da inclinação indicada de 45°, tivesse sido implementada uma inclinação superior, até 60° ou mesmo de 70°), ter-se-ia, inevitavelmente, que retirar o colector adjacente colocado a uma quota superior, o que, necessariamente, teria desde logo evitado o desmoronamento (facto provado n° 44); 39. Dando-se por provado que o BB sabia da existência do colector anterior (a apenas um metro lateral do eixo da vala a abrir - facto provado n° 14), que sabia das características dos solos envolventes após a primeira escavação (v.g., facto provado n° 16), que, bem assim, sabia que, caso o rampeamento das paredes da vala tivesse sido efectuado a um grau mínimo de 60° ou, por maioria de razão, ao grau aconselhável de 45°, a consequente abertura da vala sempre determinaria a destruição do outro Referido colector; e, finalmente, que o próprio LL conhecia a existência, local exacto e características da primeira vala, pois participara pessoalmente na sua escavação (facto provado n° 14), não é possível interpretar a ordem transmitida pelo encarregado de frente ao chefe de equipa LL para abrir a vala "bem rampeada" (facto provado n° 34°) a não ser no sentido de que a execução da escavação implicava retirada do colector anterior. 40. Uma vala aberta com apenas 85° (5° graus para o exterior) de inclinação não se encontra sequer rampeada - quanto mais "bem rampeada”!!!...tal a sua proximidade relativamente ao eixo totalmente vertical dos 90°. 41. Sem razão vislumbrável ou atendível (provou-se, facto 47, que os arguidos nunca ordenaram que à dita escavação fosse aplicada a largura que a mesma tinha no momento do seu desmoronamento) - e sabendo que a solução para o problema implicaria apenas o retirar primeiro o colector anteriormente colocado, executar o trabalho então em curso (aplicação das manilhas maiores à profundidade de 4 metros), voltar a colocar o primeiro colector, e fechar definitivamente a vala (facto provado n° 49) -, não há dúvida que a vítima LL desobedeceu - ou. se se quiser, não lhes deu mínimo cumprimento - às instruções recebidas, quer genéricas quer concretas. 42. Aquando da ordem específica para "rampear bem” aquela vala, e tal como os seus superiores na cadeia hierárquica (fls. 39 do douto acórdão), o LL não questionou minimamente a bondade/regularidade da ordem recebida, não invocou uma sua eventual inaptidão para tarefa confiada (pelo contrário, sempre se considerou habilitado e aceitou o exercício de funções de chefe de equipa) ou, ainda, uma qualquer falta de concretização/explicação da mesma ordem... 43. Transmitindo (no dia 12.07.2001) ordens ao operador da máquina escavadora PP em total desconformidade com aquelas que pouco antes havia recebido de BB, e que sabia serem as correctas, provocou o LL que às paredes da escavação apenas fosse aplicada a inclinação de 5º (factos provados n°s 35, 36, 37 e 64) - apesar da preocupação do aludido operador da máquina, que o alertou de que tal rampeamento seria insuficiente, ao que o mesmo terá replicado que "não queria destruir um outro colector aí instalado a cota superior" (fls. 31 do acórdão da Ia Instância), 44. A circunstância de, contra todas as recomendações e evidências, o LL ter decidido não implementar qualquer rampeamento digno desse nome à vala (c/r. fls. 35) afasta desde logo o argumento de que o mesmo não se teria apercebido do perigo em que incorria (e fazia os membros da sua equipa incorrer). 45. Quanto à alegada falta de autonomia funcional do chefe de equipa (para decidir, por si só, retirar provisoriamente o 1º colector enquanto executasse os trabalhos de escavação), importa não esquecer que, quando confrontado com aquele obstáculo físico ao rampeamento e/ou com os alertas dos colegas/subordinados, a inditosa vítima não suspendeu os trabalhos de escavação, ou (tentado que fosse...) contactou via rádio o seu imediato superior hierárquico - o aqui recorrente, BB - a fim de receber indicações quanto ao destino a dar a tal colector (vide fls. 58 do acórdão da 1ª Instância). 46. No que respeita à pretensa incapacidade técnica do Sr. LL para equacionar devidamente a execução daquela particular escavação, cumprirá atender ao que se provou nos factos n°s 14, 15, 31, 32, 34, 35, 36, 37, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 52, 54, 55, 58, 60, 61 e 63: não se vislumbram que "regras técnicas diferentes e complexas aplicáveis aos trabalhos de drenagens" seriam as difusamente invocadas pela 1ª Instância e que, supostamente, o LL não conheceria nem dominaria (sem prejuízo da inexistência de facto provado nos autos quanto a isto). 47. O LL especializou-se em trabalhos de escavações desde o ano de 1991, sendo que foi devido à sua competência e experiência de largos anos neste tipo de trabalhos que a entidade empregadora lhe confiou o exercício de funções como chefe de equipa nesta área pelo menos desde a Obra da CREL (entre Agosto de 1994 e Setembro de 1997), sendo dos profissionais mais solicitados para as tarefas de abertura de valas para estabelecimento de passagens hidráulicas - factos provados n°s 56, 57, 58, 60 e 61. 48. Sabendo das orientações vigentes na Obra de Penafiel /Caíde em matéria de escavações ("1/1", ou seja, um metro de largura por cada metro de profundidade, e que corresponde à inclinação de 45°), a maior profundidade daquela vala não continha, em si mesma, qualquer particularidade que obrigasse à adaptação de tais instruções (se estas fossem minimamente seguidas, a maior profundidade da escavação e a existência do colector anterior constituiriam meros pormenores: a primeira ter-se-ia em conta para a largura de 9 metros na "boca" da vala - 4,5 metros para cada lado, a que acresceria a largura do fundo -, saindo o segundo factor como que "engolido" por essa mesma operação). 49. A terem sido respeitadas aquelas instruções genéricas e ordem concreta (e nada nos autos indica que se verificasse um motivo justificativo para a sua desobediência), não há dúvida - factos provados n°s 44, 48 e 49 - que se teria evitado o perigo e, desta forma, impedido o acidente. 50. Não se pode desvalorizar o facto de o Arguido BB, após tomar conhecimento, na manhã do dia 13.07.2001, que a vala já se encontrava escavada e, portanto, pronta para ser alisada e colocadas as manilhas, ordenou ao sinistrado LL para aguardar pelo seu regresso de Meinedo (onde, durante o período de uma hora, iria transportar a outra equipa de trabalho que se encontrava no interior da carrinha, e distribuir serviço), para verificar o estado da vala (aberta no final do dia anterior, e por isso ainda não observada) e participar na tarefa da colocação das manilhas - facto provado n° 39. Esta ordem expressa, que como tal foi inequivocamente entendida por todos membros da equipa então presentes, foi inexplicavelmente (embora de forma consciente) desobedecida pelo Chefe de Equipa, juntamente com dois trabalhadores. 51. O perigo causal do acidente emergiu de uma dupla desobediência daquele chefe de equipa: quanto à forma de execução (inclinação) da escavação, e ao momento da descida de trabalhadores para o interior da vala deficientemente escavada. 52. O LL violou normas legais atinentes à segurança e higiene no trabalho, como sejam o art. 20° n° 1 al. c) e n° 2 do Dec.-Lei n° 49.408. de 24.11.1969 (Lei do Contrato de Trabalho), arts. 154°, 155° e 156° do supra Referido Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, e art. 15° n° 1 als. a), b), c), e), f), n° s 2, 3 e 4 do Dec.-Lei n° 441/91, de 14.11 (Diploma de Enquadramento Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho). 53. Segundo o juízo de previsibilidade normal que deve presidir à análise do nexo de causalidade, considerando todas as situações anteriores, a larga capacidade, experiência e autonomia do LL em trabalhos semelhantes, não era exigível aos Demandados que admitissem, ou sequer previssem, que: a) Contra as instruções genéricas da obra e concretas do encarregado de frente, o inditoso LL não dotasse as paredes daquela vala de qualquer inclinação digna desse nome; b) Contra a elementar prudência do cidadão médio, ciente da situação de perigo, aquele Chefe de Equipa insistisse em mandar proceder à escavação da vala sem retirar o colector anterior (o que apenas demoraria mais algum tempo e era "remontável"), contra os alertas dos seus subordinados, sem sequer admitir suspender os trabalhos, ou eventualmente informar o seu superior hierárquico; c) Não obstante ter recebido ordens concretas para aguardar pelo regresso do encarregado de frente, no dia seguinte, o mesmo Chefe de Equipa, tivesse decidido descer para o fundo da vala, juntamente com dois membros da sua equipa de trabalho. 54. Assim sendo, segundo a teoria da causalidade adequada, não sendo tais sucessivas e cumulativas desobediências objectiva e subjectivamente previsíveis (à luz dum juízo de prognose póstuma) por banda dos Demandados, tem-se por certo que o dano verificado constituiu um resultado directo, necessário e exclusivo do comportamento de uma das próprias vítimas, ficando desta forma por estabelecer o nexo de causalidade (por verificação da sua condição negativa) entre tal resultado e a conduta dos ora recorrentes. 55.A formulação negativa da teoria da causalidade adequada, mostra-nos a existência de um "facto" anómalo, imprevisível e invencível (a conduta decisiva de uma das vítimas) na consumação do evento danoso. 56.Nesta perspectiva, o nexo causal entre as alegadas omissões ilícitas dos Demandados e o dano teria saído definitivamente interrompido pelo "aparecimento" da contribuição do LL, que, assim, com a sua actuação ilícita e culposa acima descrita, "iniciou" o estabelecimento de uma nova relação de causalidade, com extrema relevância para a definição da responsabilidade. 57. Julgamos, ainda assim, que o critério mais correcto a adoptar será o da imputação objectiva, ou seja, o da realização de um perigo juridicamente relevante. A conduta do agente, ainda que violadora de normas de cuidado, pode não ser normativamente causal em relação ao resultado, nomeadamente se se interpuser uma outra conduta ou um outro facto, esses sim causadores directos daquele. 58. As normas que impõem a organização e execução técnica nos trabalhos de escavação em estaleiros móveis de construção civil têm como fundamento a necessidade de prevenção e definição apriorística de soluções técnicas suficientemente abrangentes para todos os problemas que possam surgir. No mesmo plano e objectivo (o da organização e delimitação de competências e funções), se compreendem as normas e princípios que legitimam as sucessivas delegações de poderes ao longo da cadeia hierárquica. 59. Por outro lado, e como reverso da mesma medalha, ao serem-lhe confiadas as funções de chefe de equipa, vigorando plenamente em Obra normas técnicas aplicáveis aos trabalhos de escavação ("1/1"), e tendo-lhe sido transmitidas, por parte do seu encarregado de frente, duas ordens concretas quanto àquela especifica vala (“bem rampeada" antes de se iniciar a escavação, e "'aguardai por mim que eu volto já” no dia seguinte, antes de se retomarem os trabalhos), o LL podia, e devia, ter previsto que o incumprimento de todas, ou de parte das, suas obrigações inerentes a qualquer daquelas circunstâncias, constituiria meio idóneo à criação de um risco iminente e irreversível. 60. Censura-se falta de indicações precisas por parte dos demandados ao chefe de equipa quanto a um (e supostamente exigível - não se podendo olvidar as instruções genéricas do "1/1" e a ordem concreta do demandado BB para abrir a vala "bem rampeada") específico grau de rampeamento das paredes da vala. Todavia, em lado algum se encontra explicação para este "planeamento" técnico (ainda que flagrantemente incorrecto) ponderado e decidido implementar pelo LL. 61.A afirmação de omissão de instruções precisas, quanto à forma de execução da escavação, não permite aceitar como justificada ou irrelevante a actuação da vítima que, estando consciente do factor de risco, opta, ainda assim, pela persistência no modo de execução dos trabalhos mais arriscado. E, quanto a isto, nenhum conhecimento, consentimento, e muito menos ordem, se assaca aos Demandados - bem pelo contrário (facto provado n° 47). 62. Tudo indicia que, mesmo que as ordens transmitidas pelo Demandado BB tivessem tido um carácter ainda mais concretizado e/ou enfático (adoptando-se o comportamento que o acórdão da 1ª Instância reputou de lícito), a concreta conduta do LL se não modificaria. 63. Por outro lado, mesmo que se entendesse que os Demandados violaram normas de cuidado (no que se não concede), caso a vítima tivesse respeitado as regras e actuado com o cuidado que lhe era imposto - cumprindo as instruções técnicas que enquadravam aquele seu trabalho ou, ao menos, por uma questão de cautela elementar (cfr. art. 15° n° 1 als. a), b), c), e), f) do Dec.-Lei n° 441/91, de 14.11, e arts. 154°, 155° e 156° do Dec. 41.821, de 11.08.1958), o resultado não se teria verificado. 64. 0 resultado não foi obra dos demandados, não lhes podendo ser objectivamente imputável, uma vez que o (alegado) risco inerente à sua conduta não foi causal do acidente. Inversamente, perante tudo o exposto, e salvo o devido respeito, forçoso será entender que o resultado ilícito foi "obra" exclusiva do infeliz LL, por ser dele o "domínio do facto". Deste modo, parece clara a falta de um dos pressupostos essenciais da responsabilidade civil por facto ilícito, enquanto Referida à concreta actuação dos ora Recorrentes. 65. A insusceptibilidade de estabelecer uma relação de verdadeira causalidade jurídica, nos termos acima expostos, entre as alegadas omissões ilícitas dos ora Demandados e o resultado danoso ocorrido, conduz-nos à constatação da inexistência de um seu eventual dever de indemnizar os Demandantes. Ao decidir-se contrariamente, violou-se a norma do art. 483° n° 1 do Código Civil, o que assim expressamente se invoca. B) DA CULPA DO LESADO: 66. Ainda que se entendesse que a conduta do LL não colide com o nexo de causalidade que se pretende estabelecer a partir da actuação de ambos os Demandados (no que se não concede, e aqui se admite por mero efeito de raciocínio e dever de cautela), olhando aos danos invocados pelos Demandantes nos autos, e considerando a gravidade das culpas concorrentes e as consequências que delas resultaram, importa apurar se a indemnização deve, ainda assim, ser totalmente concedida, reduzida ou excluída. 67. Remetendo para o que, ao longo das presentes motivações, se foi assinalando quanto ao carácter ilícito e culposo da actuação de uma das vítimas do acidente, o chefe de equipa LL, caberá apenas assinalar que, de forma reiterada e sistemática, e em praticamente todos os momentos da sua actuação, a vítima agiu contra toda a normalidade e expectativas: de forma temerária (cfr., além do que se transcreveu do aresto da 1ª Instância, acórdão da Relação do Porto, fls. 1858), e por risco próprio, o Chefe de Equipa não respeitou a ordem do (bom) "rampeamento"; decidiu, por livre e exclusiva e consciente iniciativa, preservar o 1° colector ao mesmo tempo que abria, mantinha aberta, e ele próprio descia para o seu interior, a vala mais profunda de cerca de 4,5 metros; ignorou os alertas dos colegas/subordinados quanto à necessidade de "deitar" mais a parede da vala, com necessária e imediata retirada provisória do 1º colector; não informou o imediato superior hierárquico desse mesmo "não rampeamento"; apenas foi apanhado pelo desabamento de terras - a causa imediata da sua morte -, porque, para além do que antes se Referiu, e contra as ordens/indicações expressas do aqui Demandado BB, não esperou, decidindo descer à vala juntamente com dois membros da equipa, e prosseguir trabalhos no seu interior, ainda antes do encarregado chegar. 68.Desta forma, ainda que se entendesse que a actuação culposa da vítima não foi causal em relação ao resultado desvalioso, dúvidas não há que o foi em relação à produção dos danos indemnizáveis, e em termos radicais - Recorda-se a formulação dos factos dados como provados sob os n°s 14, 15, 45, 46, 47, 48, 49, 50 e 64. e o teor da fundamentação do acórdão da 1ª Instância, a fls. 31 (e sua articulação com o facto n° 64): 69. 0 quadro comportamental do chefe de equipa insere-se juridicamente no âmbito do dolo eventual (e não da mera negligência). Por outro lado, revelou-se o mesmo na modalidade de facto ilícito comissivo por acção. 70. Ora, a conduta dolosa, em qualquer das suas modalidades, resulta sempre mais gravosa do que a negligente (que, como se disse, reiteradamente se imputa aos Demandados: fls. 58, 59, 60, 63, 64, 65 e 73). E, por seu lado, a conduta comissiva por acção é, por regra, mais gravosa do que a omissiva (a que é imputada aos Demandados). 71. 0 contexto factual verificado nos autos, e, em particular, a causalidade directa dos danos observados à luz da natureza e intensidade da contribuição do LL nos momentos decisivos, levam-nos a concluir que todo o dano daqui decorrente resultou, objectivamente, de obra exclusivamente sua: a culpa do inditoso LL vence e consome a eventual culpa dos ora Recorrentes. 72. Como tal, considerando as várias culpas em presença, e suas consequências, é justo e equitativo que, pelo menos em relação ao lesado LL (e respectivos herdeiros, aqui Demandantes) se exclua o direito à indemnização por conta dos Demandados. 73.No que concerne às Demandantes herdeiras do infeliz MM, é evidente que não será caso de aplicação do art. 570° CC, pelo que terão efectivamente sofrido danos indemnizáveis. Coloca-se todavia aqui uma questão de autoria: os danos respeitantes ao Sr. MM apenas poderão(iam) ser reclamados junto do agente verdadeiramente responsável pelo resultado desvalioso, o LL ou respectivos sucessores. 74.Logo, não existe obrigação de indemnizar por parte dos aqui Demandados, quer por exclusão da mesma devido à exclusiva contribuição da culpa do concreto lesado, quer pela causação deste dos danos causados ao infeliz MM. 75.Mesmo que assim não fosse, sempre se terá que considerar inadequada, infundada e injusta a proporção encontrada pelas Instâncias de 1/3 da responsabilidade para cada um dos causadores do dano, porque não espelha minimamente o grau de intervenção de cada um dos supostos responsáveis na causação do dano; não se vislumbra - nem existe - espaço para dúvidas materiais quanto à quota parte da responsabilidade objectiva e subjectivamente diferenciada; finalmente, menospreza o carácter fulcral da actuação do LL em todo o encadeamento de factos que levaram ao seu (e de colega) soterramento fatal. 76. Salvo o devido respeito, do contexto global apurado nos autos, o que emerge evidente é que, dada a determinação demonstrada pelo Chefe de Equipa no seu comportamento, o resultado danoso seria sempre aquele que veio a acontecer, ainda que os Demandados tivessem adoptado os comportamentos cuja omissão lhes é aqui assacada como ilícita. 77. Não parece fazer muito sentido que, ao bem jurídico direito à vida e afectividade dos herdeiros pelo falecido, seja atribuído sempre o mesmo valor, nomeadamente quando o mesmo bem jurídico é, por assim dizer - e perdoe-se a expressão -, "desbaratado", no sentido de que é o próprio titular (no 1º caso) ou objecto dessa afeição (no 2º caso) quem o "destrói", e, por isso, dele "abdica" e o faz "dissipar". 78. Os autos demonstram-nos que foi a própria vítima a colocar-se si próprio, e outros, de modo intencional, nas situações de perigo iminente e irreversível em que se colocou. 79.Da mesma forma, emerge como algo desconcertante que o sofrimento moral dos herdeiros das duas vítimas, provocado pelo desaparecimento dos seus entes queridos não possa ser temperado realisticamente pelo facto de que foram aqueles mesmos maridos e pais (um mais que o outro, naturalmente) os responsáveis pelo seu próprio desaparecimento, e, em última análise, pelo sofrimento causado às respectivas famílias daí derivado. 80. Finalmente, as Instâncias não evidenciam - fundamentando - se, e em que medida, tiveram em devida conta a real situação económica dos aqui demandados, parecendo que os valores arbitrados são, em qualquer caso, excessivos à luz desse padrão. 81.Por todas estas razões, ao abrigo do art. 570° do CC - isoladamente ou em articulação com o disposto no art. 494° CC - se defende que a exclusão da obrigação de indemnizar por parte dos Demandados. 82. Se essa obrigação não fosse excluída, em homenagem aos princípios da justiça, da culpa e proporcionalidade, e considerando as circunstâncias materiais vindas de argumentar, ela sempre deverá resultar fortemente diminuída, mediante duas vias cumulativas: a) pela redução do valor dos danos não patrimoniais (€ 20.000,00 para o dano morte de cada vítima; € 10.000,00 de danos morais próprios para cada uma das ex-cônjuges, e € 7.500,00 para cada um dos filhos; b) pela atribuição da proporção de, pelo menos, 2/3 da responsabilidade pelos danos ao José Jesus CC, ficando 1 /3 remanescente a cargo dos restantes dois demandados - caso assim se não entenda, deverá, na pior das hipóteses, quantificar-se a contribuição em 50% para o lesado e a restante metade ara os dois ora Recorrentes. 83. Atendendo à confissão judicial (arts. 355°, 356°, 357° e 358°, CC) prestada pela Demandante II em 19.06. 2002, a fls.9 /165 dos autos), reafirma-se que o valor da indemnização por danos morais atribuída à mesma (€ 20.000,00) assume carácter particularmente excessivo, defendendo-se, em todo caso, metade do mesmo. 84. Chocaria o mais elementar sentido de justiça que alguém que reconhece, expressamente e em processo judicial, já nada ter a ver, em termos pessoais com o falecido (bem pelo contrário, a expressão empregue pela própria indicia uma situação negativa, em que a mesma seria até Lesada e Ofendida pelo próprio MM) pudesse, afinal, receber uma indemnização por sofrimentos que não terá suportado. 85. O acórdão da 1ª Instância não decidiu a invocada excepção do pagamento, antes se limitando a reconhecer o direito a ambas as Demandantes de reclamarem simultaneamente a indemnização pelos mesmos danos (patrimoniais), nas instâncias laboral e criminal. 86. Sem prejuízo da correcção da asserção de que as indemnizações não são cumuláveis (tendo as Demandantes depois, que optar por que via concreta irão receber a indemnização atribuída), não teve o Tribunal em conta que, de facto, ambas as Demandantes já receberam uma parte significativa da indemnização por danos patrimoniais a que nesta sede lhes foi atribuída. 87. Sob o n° 22 dos factos provados atinentes ao pedido cível, deu-se por reproduzido o teor dos documentos juntos a fls. 854 a 859 e 1145 a 1148 - cópias certificadas de Auto de Conciliação do Tribunal do Trabalho de Penafiel. 88. No que concerne às Demandantes II e JJ, as mesmas viram ser-lhes reconhecidas as pensões anuais (com efeitos desde 14 de Julho de 2001), respectivamente, vitalícia e actualizável de € 4.445,03, e temporária de € 2.963,35 até completar o ensino superior, sendo que, de acordo com o facto provado n° 15 (por Referência à data de entrada do pedido cível, em Outubro de 2005, frequentava o 5º ano do curso de Matemática. 89. Face àqueles valores das pensões atribuídas em processo de acidente de trabalho, chega-se imediatamente à conclusão de que, para o período de 13 de Julho de 2001 a 13 de Julho de 2009, a Demandante viúva terá recebido, pelo menos (isto é, fora as actualizações entretanto verificadas), a quantia de € 35.560,24 (€ 4.445,03 x 8 anos), trinta e cinco mil quinhentos e sessenta e euros e vinte e quatro cêntimos. Por sua vez, considerando o valor da sua pensão e o período Julho de 2001 - Julho de 2006 (conclusão do último ano da sua licenciatura), a demandante filha já tinha recebido àquela data da Companhia de Seguros a quantia de € 15.028,30. 90.Reportando-se aos danos patrimoniais sofridos com a morte do marido e pai Sr. MM, estas indemnizações, já pagas em processo de acidente de trabalho, não podem ser de novo recebidas pelas beneficiárias em sede de pedido cível enxertado em processo crime. A acontecer, tal constituiria um enriquecimento sem justa causa -o que aqui desde já se deixa expressamente invocado!!!. 91.Nestes termos, podem os responsáveis civis opor-se ao pagamento daquelas quantias, devendo em consequência as mesmas serem deduzidas aos montantes atribuídos pelo mesmo título a fls. 74 do acórdão da 1ª Instância, e a 1860-1861 do Acórdão da Relação do Porto (na parte aplicável). 92. Donde que, tendo por Referência o completar do 8º ano - 13.07.2009 - subsequente à data em que se começaram a vencer as pensões do processo de acidente de trabalho, a título de indemnização por danos patrimoniais, teria a Demandante viúva direito, no máximo, a € 29.439.76 (€ 65.000,00 - € 35.560,24) - sem prejuízo das actualizações que se provem entretanto ter ocorrido -, ao passo que a Demandante filha em Julho de 2006 já recebera a mais do que tinha direito (€ 15.000,00 - € 15.028,30). Temos em que, e nos melhores de Direito, que V. Exas., Exmos. Senhores Doutores Juízes Conselheiros, doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e, por via dele: a) Declarar-se a nulidade do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, por omissão de pronúncia, ao abrigo dos artigos 425.°, n.° 4, e 379.°, n.° 1, alínea c), ambos do CPP, por não conhecimento do vício de contradição insanável da fundamentação e entre fundamentação e decisão; b) Na sequência daquela declaração, reconhecer-se o supra Referido vício de contradição insanável da fundamentação e entre fundamentação e decisão se encontra efectivamente verificado, após o que se deverá ordenar ao reenvio dos autos para novo julgamento; c) Ao abrigo do artigo 120.°, n.° 2, alínea d), do CPP, declarar-se a nulidade do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, na parte em que indefere da junção aos autos de dois Pareceres de Professores de Direito (em violação do artigo 165.°, n.° 3, do CPP), uma vez que essa rejeição implica, em relação a pelo menos um deles, a "omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade''; d) Na sequência daquela declaração de nulidade, deverá admitir-se a junção aos autos dos Pareceres da Exma. Senhora Professora Doutora Paula Ribeiro de Faria e do Exmo. Senhor Professor Doutor Manuel da Costa Andrade, tomando os mesmos em linha de conta na elaboração do novo Acórdão; e) Sem prejuízo de eventuais vícios detectados no âmbito do disposto no art. 410° n° 2, do CPP, revogar-se o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, com a absolvição total ou parcial dos Demandados quanto aos pedidos de indemnização contra si formulados, atentos os fundamentos supra expostos. Assim fazendo V. Exas., como sempre, INTEIRA E Sà JUSTIÇA!!!”. As demandantes civis e o Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto não responderam ao recurso interposto. Subidos os autos a este Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador Geral Adjunto apôs o seu “visto” (fls. 2072). Colhidos os vistos legais, procedeu-se à realização de conferência com o formalismo legal, pois nenhum dos recorrentes requereu a realização da audiência e o formalismo dos recursos, todos interpostos já no domínio da versão do CPP de 2007, rege-se pela lei em vigor no momento da respectiva interposição. E – APRECIAÇÃO As principais questões a decidir são:
1ª – A nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, ao abrigo dos artigos 425.°, n.º 4, e 379.°, n.º 1, alínea c), ambos do CPP, por não conhecimento do vício de contradição insanável da fundamentação e entre fundamentação e decisão (conclusões 2 a 16). 2ª – A nulidade do mesmo acórdão, ao abrigo do artigo 120.°, n.º 2, alínea d), do CPP, por "omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade” (conclusões 17 a 22). 3ª- A (in)existência de nexo de causalidade entre a actuação dos arguidos e o resultado morte das duas vítimas e a culpa exclusiva ou não exclusiva de uma das vítimas. 4ª- A proporção das culpas entre os arguidos e uma das vítimas. 5º- O valor das indemnizações.
Vejamos então as duas primeiras questões:
1ª – A nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, ao abrigo dos artigos 425.°, n.º 4, e 379.°, n.º 1, alínea c), ambos do CPP, por não conhecimento do vício de contradição insanável da fundamentação e entre fundamentação e decisão (conclusões 2 a 16). 2ª – A nulidade do mesmo acórdão, ao abrigo do artigo 120.°, n.º 2, alínea d), do CPP, por "omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade” (conclusões 17 a 22).
Os recorrentes começam por invocar duas nulidades, uma do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, uma vez que nele não se terá tomado conhecimento do vício de contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, outra de ordem processual, por omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade. Contudo, trata-se de situações que, a ocorrerem, se encontram abrangidas pelo caso julgado formal, já que o acórdão recorrido transitou em julgado quanto à parte criminal, irrecorrível por força do disposto no art.º 400.º, n.º 1, al. e), quer na versão original do CPP, quer na de 2007. Pode argumentar-se que as nulidades assim invocadas têm também repercussão na vertente cível do processo e, portanto, como nessa parte ainda não há trânsito em julgado, há que tomar conhecimento da sua existência. Ora, no caso em apreço, estamos perante um pedido cível conexo com o criminal, pois existem condutas ilícitas, negligentes, dos arguidos, integradoras de um crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços, previsto e punido pelos art.ºs 277.º, n.º 2, por Referência ao n.º 1, al. a), e 285.º, do Código Penal, violador do direito à vida das vítimas, geradoras de danos patrimoniais e não patrimoniais. Nestes casos de responsabilidade civil conexa com a criminal aquela tem a sua génese no crime, sendo um crime o seu facto constitutivo. Como diz Germano Marques da Silva(in “Curso de Processo Penal”, Volume I, pág. 324), «O pedido de indemnização civil deduzido no processo penal é uma verdadeira acção civil transferida para o processo penal por razões de economia e de cautela no que respeita a possíveis decisões contraditórias se as acções civil e penal fossem julgadas separadamente». E, a fls. 111: «Sucede é que o pedido de indemnização civil, a deduzir no processo penal, há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado. A autonomia da responsabilidade civil e criminal não impede, por isso, que, mesmo no caso de absolvição da responsabilidade criminal, o tribunal conheça da responsabilidade civil que é daquela autónoma e só por razões processuais, nomeadamente de economia e para evitar julgados contraditórios, deve ser julgada no mesmo processo». Que reflexos terá, pois, o trânsito em julgado da questão penal na questão cível ainda em aberto, já que esta tem por causa de pedir «os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal»? Como se diz no acórdão do STJ de 24-02-2010 (Pº 151/99.2PBCLD.L1.S1, da 3.ª Secção): «Haverá que indagar do alcance do caso julgado em decisão penal condenatória e seus reflexos na conexa parte civil, se o mesmo gera a intangibilidade total de toda a decisão, com absoluto respeito do decidido no plano criminal, ou se pode ser reapreciada a parte da matéria civil, de modo a poder, eventualmente, colidir com a fixada na parte criminal. A análise da questão passará pela atenção à conjugação de dois vectores; por um lado, discutindo o alcance do caso julgado penal condenatório, e por outro, os poderes de cognição do Supremo Tribunal, que apenas pode reapreciar matéria de direito, estando-lhe vedado sindicar matéria de facto, mas sempre sem se olvidar que no caso estamos face a uma decisão única, que comporta apreciação e definição global de dois tipos de responsabilidade, sendo de evitar ou afastar soluções contraditórias, que nunca são desejáveis, para mais, dentro de um mesmo processo e quando está em causa um mesmo substrato factual definido em julgamento único, o acidente na sua dinâmica, no seu circunstancialismo, nas suas causas. Como se viu, é admissível recurso da parte civil, mesmo que não haja recurso da parte criminal, sendo de ter-se por definitiva a condenação pela responsabilidade criminal nos moldes e com o alcance e os contornos em que o foi». E neste mesmo acórdão do STJ, após profunda incursão na lei e na jurisprudência sobre o alcance do caso julgado penal, conclui-se o seguinte: «A definição do modo e circunstancialismo do acidente e atribuição de culpa integradora do crime (no processo criminal) é definitiva, não podendo ser reequacionada aquando da discussão da matéria cível. A admitir-se nesta sede a possibilidade de discussão (de uma nova discussão) da génese do acidente, com outra apreciação e discussão da verificação da culpa, ou diversa fixação de contribuição de culpa (culpa única e exclusiva, ou concursal, partilhada, em concorrência), estar-se-ia a abrir caminho para uma revisão (obviamente fora de um quadro de recurso extraordinário) e para uma redefinição de matéria factual assente (definitivamente) no processo, com base na qual inclusive o arguido foi condenado com base em responsabilidade criminal numa pena criminal. Ficar-se-ia num tal quadro com uma decisão com uma certa configuração factual – no plano criminal - definitiva, inatacável, inatingível, insindicável, intocável, e em simultâneo, concomitantemente – porque estranha razão? - com uma outra diversa descrição no sector da responsabilidade civil, o que manifestamente não pode ser, por se revestir de uma “contraditio in terminis” uma diversa solução factual no âmbito de um mesmo quadro factual, qual seja o da descrição de um evento da vida real que é um acidente de viação, que é sempre um evento único, independentemente do poliformismo que a conformação concreta assuma em cada caso. Uma tal possibilidade redundaria numa contradição insanável no mesmo processo, ficando a valer uma verdade do acidente para o crime e uma outra diversa, não coincidente, para o pedido de indemnização! Sendo possível uma apreciação e uma decisão autónomas no plano civil e criminal, como inculca o n.º 1 do artigo 403.º do CPP, deve manter-se, no plano da facticidade apurada em sede de julgamento criminal, em que são asseguradas todas as vastas garantias de defesa e de exercício do contraditório, plasmadas em sede de garantia constitucional e ordinária, uma lógica de coerência interna, apenas podendo ser reapreciado o que pode ser separado, mas sempre sem prejuízo da unidade e coerência do que ficou assente em sede de definição do circunstancialismo do acidente e da determinação da responsabilidade, e inclusive, da determinação do prejuízo susceptível de reparação, mas aqui apenas naquilo que consubstanciar tão somente matéria de facto. Este Supremo Tribunal já se pronunciou sobre esta questão, como se extrai dos acórdãos de 05-11-2008, processo n.º 3182/08 e de 10-12-2008, processo n.º 3638/08, desta secção e do mesmo relator, sendo o segundo exactamente com idêntica fundamentação do primeiro, como claramente se pode ver dos mesmos publicados in CJSTJ 2008, tomo 3, págs. 213 e de novo a págs. 251, onde se conclui que o recurso restrito ao pedido cível não pode, em nenhuma circunstância, ferir o caso julgado que se formou em relação à responsabilidade criminal, não sendo, consequentemente, admissível a impugnação que pretenda colocar em causa a matéria de facto que suporta tal responsabilização criminal; o recurso relativo à matéria cível apenas pode abarcar a impugnação da decisão proferida no que toca especificamente ao conhecimento e decisão próprios e específicos do pedido cível, ou seja, ao prejuízo reparável. A decisão relativa à acção penal não mais é susceptível de ser impugnada e está revestida da força e autoridade de caso julgado».
Colocada nesta perspectiva a questão das nulidades, que se nos afigura também a única correcta e que, portanto, aqui expressamente se adopta, logo se vê que aquelas não podem ser apreciadas de novo. Com efeito, do ponto de vista dos recorrentes, a invocação das duas nulidades tem por finalidade última – se viesse a proceder – a modificação dos factos provados, nomeadamente, através de um novo julgamento, a realizar pelo mesmo tribunal ou por reenvio para outro diferente. Se tal tivesse efectivamente lugar, isto é, se os factos fossem modificados como consequência da invalidação do acórdão recorrido, tal como pretendem os recorrentes, criar-se-ia uma situação insustentável. A saber, e tal como se afirmou nos arestos Referidos, a de haver determinados factos definitivamente fixados para a parte criminal e que o novo julgamento não poderia alterar (sob pena de violação do caso julgado), e factos diferentes para a parte cível, assim se quebrando irremediavelmente a unidade processual que está na génese da acção cível conexa com a criminal. Aliás, do ponto de vista ontológico, mesmo, e sabido que a reconstituição que se pretende fazer dos factos resulta de uma procura da verdade, chegar-se-ia à afirmação de que o que se passou teria sido um certo evento para noutro lado se afirmar que se passara coisa diferente. Os factos seriam pois uns e outros ao mesmo tempo. Surgiria então qualquer coisa como uma «revisão de sentença transitada», sem que houvesse interposição do competente recurso extraordinário (art.ºs 449.º e segs. do CPP). E no presente caso, até, as ditas nulidades já foram conhecidas pelo tribunal competente, o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão autónomo que, aliás, também já transitou em julgado (cf. fls. 2012 e segs.). Na verdade, inexistindo recurso na parte criminal, como não há, só poderia apreciar as invocadas nulidades o tribunal onde supostamente as mesmas teriam tido lugar (cf. art.º 379.º, n.º 2, a contrario do CPP). E por isso é que os arguidos Tavares Rodrigues e BB as vieram arguir antes de interpor o presente recurso para o S T J (fls. 1869 e segs.). Por isto é que não é conhecer das nulidades invocadas no presente recurso.
3ª- A (in)existência de nexo de causalidade entre a actuação dos arguidos e o resultado morte das duas vítimas e a culpa exclusiva ou não exclusiva de uma das vítimas (conclusões 23 a 65).
As razões que nos levaram a não conhecer das nulidades do acórdão recorrido são as mesmas que nos conduzem a não poder alterar o que já está decidido sobre a existência de nexo de causalidade entre as condutas dos recorrentes e as mortes das vítimas, e quanto à concorrência de culpas entre aqueles e a vítima LL, pois tais circunstâncias resultam intrínseca e insindicavelmente da matéria de facto provada e da fundamentação jurídica da condenação criminal transitada em julgado. 3. 1. Efectivamente, quanto ao nexo de causalidade, os recorrentes estão definitivamente condenados por um crime de infracção de regras de construção, p. e p. pelo art. 277°, n.º 1, al. a), do C P, agravado nos termos do art.º 285° do mesmo diploma. Diz-nos aquele primeiro normativo: “1 – Quem: a) No âmbito da sua actividade profissional infringir regras legais, regulamentares ou técnicas que devam ser observadas no planeamento, direcção ou execução de construção, demolição ou instalação, ou na sua modificação ou conservação (…) E e criar desse modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”. Depois, o preceito contempla a hipótese da criação do perigo negligente no nº 2 : “Se o perigo Referido no número anterior for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos.” Finalmente, prevê-se no nº 3, a possibilidade da própria acção ter sido negligente: “Se a conduta Referida no nº 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.” Não é por acaso que a dogmática penal acolheu um princípio de ofensividade e não de ofensa dos bens jurídicos, porque a tutela destes bens reclama não só a punição de quem os viole, como de quem, pelo seu comportamento, represente apenas uma potencial lesão desses bens jurídicos. Tal antecipação de tutela aflora, por exemplo, na punição da tentativa, sendo patente na introdução dos crimes de perigo. Quanto ao “perigo”, atenta a formulação da jurisprudência alemã, deveremos atender a “uma situação não habitual e irregular em que, segundo uma apreciação especializada, e de acordo com as circunstâncias concretas do caso, surge como provável a produção de um dano e está próxima a possibilidade do mesmo” (cit. in Jescheck “Tratado de Derecho Penal, Parte General”, pag. 282). Consabidamente, enquanto que nos crimes de dano ou de lesão a consumação típica da agressão representa uma perda directa de valor, nos crimes de perigo o crime consuma-se havendo apenas um risco de lesão de interesses. Depois, enquanto que certas condutas, segundo a experiência comum, criam um perigo que lhe é próximo, porque é uma sua resultante normal, outras existem em que a acção básica não gera, sem mais, um potencial dano ulterior. Ali, o perigo não precisa de ser elemento do tipo porque se presume “juris de jure”, é só o motivo da incriminação, e o crime é de perigo abstracto. Aqui, será preciso demonstrar, em cada caso, que alguém ou algo correu um efectivo perigo. O resultado da acção é o perigo para o bem jurídico, e o perigo torna-se elemento do tipo, que é de crime de perigo concreto. (cfr. v.g. Maurach/Zipf in “Derecho Penal. Parte General – I”, pag. 358). Em relação a esta última espécie de infracções, o elemento subjectivo tem que ser preenchido, a título de dolo ou negligência, tanto em relação à acção básica como em relação ao perigo concreto que ela gerou. O preceito atrás transcrito, do artº 277º do C P, prevê todas estas hipóteses. No caso concreto, no tocante à acção base, ela cifra-se num comportamento omissivo. Prevê a lei que, num contexto de “planeamento, direcção ou execução de construção, demolição ou instalação, ou na sua modificação”, alguém infrinja “regras legais, regulamentares ou técnicas que devam ser observadas”. Ora, o comportamento omissivo radica, fundamentalmente, na não observância de tais regras, pelo que é em relação a tal inobservância que se terá que analisar depois também o elemento subjectivo. Os factos dados por provados são inequívocos, em primeiro lugar em relação à inobservância objectiva das regras, e depois, em relação ao dolo, nesse comportamento omissivo, ou seja, à consciência e vontade de não fazer, por parte dos arguidos, o que deveria ter sido feito. Quanto ao perigo, fica claro, da factualidade provada, que foi criado por negligência.
3. 2. A propósito, Referiu a 1ª instância o seguinte: “No normativo em análise, prevê-se um tipo legal agravado para os casos em que em consequência do perigo ocorrido se venha a verificar o resultado morte ou ofensa à integridade física grave. Trata-se aqui de um dos chamados crimes agravados ou qualificados pelo resultado. Os crimes agravados ou qualificados pelo resultado (cfr. art. 18° do Código Penal) são aqueles "cuja pena aplicável é agravada em função de um evento ou resultado que da realização do tipo fundamental derivou" (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2004, pág. 297). A razão material da agravação "reside na especificidade do nexo entre o crime fundamental e o evento agravante", a qual se consubstancia "no perigo normal, típico, quase se diria necessário, que, para certos bens jurídicos, está ligado à realização do crime fundamental; e consequentemente na negligência grosseira em que incorre o agente que, violando o cuidado imposto, não previu ou não previu correctamente a possibilidade de da sua conduta fundamental resultar o evento agravante". Portanto, para a imputação do evento agravante não basta a existência de um nexo de causalidade adequada, é ainda necessário que se comprove, quanto ao evento agravante, "a violação pelo agente da diligência objectivamente devida e, ademais disso, que o agente tivesse capacidade para a observar" (Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 301). Ou seja, e quanto ao crime em apreço, a agravação pressupõe que entre o resultado morte e a não observância das regras de segurança exista "uma relação de adequação (previsibilidade objectiva) e uma violação do dever subjectivo de cuidado. Previsibilidade objectiva essa e violação do dever de cuidado este que o agente (...) podia e devia ter tido" (Taipa de Carvalho, ob. cit., pág. 339).”
3. 3. Na sequência dessas considerações, a 1ª instância achou que, no caso em apreço, existia nexo de causalidade entre as condutas dos recorrentes e a morte das vítimas, uma previsibilidade objectiva e uma violação do dever de cuidado. Por isso, considerou que o crime era agravado nos termos do aludido art.º 285.º. A Relação do Porto, por sua vez, confirmou a fundamentação jurídica da 1ª instância e a qualificação jurídica dos factos. A qualificação jurídica dos factos faz parte do núcleo abrangido pela insindicabilidade do caso julgado penal, pelo que não se pode agora voltar a discutir tal matéria. Do igual modo, a condenação penal dos recorrentes exclui também qualquer discussão sobre o apuramento de uma alegada culpa exclusiva quanto ao resultado morte por parte da vítima LL, pois ficou definitivamente provado que os dois recorrentes infringiram, por omissão, deveres ou regras técnicas que deveriam ter observado na sua actividade profissional de direcção da construção da obra em causa, e em termos tais que os fizeram incorrer no crime por que foram condenados. Não se pode, agora, afirmar que, afinal, a culpa exclusiva foi de outrem, sob pena de uma ostensiva contradição de julgados. Mantém-se, portanto, a concorrência de culpas que as instâncias estabeleceram, entre os arguidos e uma das vítimas. Aliás, voltamos a trazer à colação o já Referido Ac. do STJ de 24-02-2010, o qual é taxativo neste aspecto, de que não se pode alterar na parte cível a fixação da culpa estabelecida na parte criminal já transitada, como se pode ver por esta parte do respectivo sumário: “XIII- A definição do modo e circunstancialismo do acidente e atribuição de culpa integradora do crime (no processo criminal) é definitiva, não podendo ser reequacionada aquando da discussão da matéria cível. A admitir-se nesta sede a possibilidade de discussão (de uma nova discussão) da génese do acidente, com outra apreciação e discussão da verificação da culpa, ou diversa fixação de contribuição de culpa (culpa única e exclusiva, ou concursal, partilhada, em concorrência), estar-se-ia a abrir caminho para uma revisão (obviamente fora de um quadro de recurso extraordinário) e para uma redefinição de matéria factual assente (definitivamente) no processo, com base na qual inclusive o arguido foi condenado com base em responsabilidade criminal numa pena criminal. XXIV - Desde que pela sentença ficou assente que o condutor agiu com culpa e se fixou o grau dessa culpa, não é lícito, por ofensivo do caso julgado penal, voltar a discutir novamente a culpa do agente pela autoria do mesmo facto. Não é possível alteração de matéria de facto e de modificação da percentagem de culpa dos intervenientes no acidente que esteve na base do processo crime e do pedido de indemnização versado nos autos. No caso em apreciação, apenas é possível alteração quanto ao quantitativo da indemnização na parte impugnada.” (realce nosso). É agora indiscutível e insindicável o ter havido culpa por parte dos recorrentes na produção do resultado morte dos dois trabalhadores e de que houve concurso de culpas com uma das vítimas. Está fora de questão, assim, equacionar a culpa exclusiva da vítima. Já não exactamente assim em relação ao voltar a colocar-se a questão da proporção, quanto à repartição de culpas entre os recorrentes e a dita vítima. Daí que, no tocante ao acórdão que antes transcrevemos, teremos dificuldades em subscrever a afirmação que realçámos. Na verdade, a abordagem da culpa para efeitos civis e para apuramento da responsabilidade penal não tem que coincidir. Assim sendo, acrescentaremos, quanto a este aspecto, que o decidido pelas instâncias nos não oferece reparo. As considerações que se seguem convergem então, com a posição que foi adoptada.
4ª- A proporção das culpas entre os arguidos e uma das vítimas (conclusões 66 a 79).
4. 1. Os factos narram um soterramento e a morte de dois trabalhadores da sociedade "M...& C... S.A." na execução de uma obra imprevista no decurso de uma empreitada que essa empresa recebera da R... para a realização dos trabalhos de duplicação e electrificação da via dos caminhos-de-ferro do troço Penafiel - Caíde, da linha Douro. O deslizamento de terras deveu-se, essencialmente às seguintes circunstâncias: · Não ter sido feita a entivação na vala, tal como exigido no art. 67.° do Dec. 41.821, de 11/08/1958, que impõe a entivação dos solos nas frentes de escavação, certo que excepciona de tal obrigação, no seu § único, as escavações de rochas e argilas duras. 4. 3. Os arguidos LL e DD foram absolvidos de qualquer responsabilidade penal e civil, pois limitaram-se a delegar os seus poderes funcionais, respectivamente, nos arguidos AA e BB, sem qualquer outra intervenção.
4. 4. O arguido AA, ao não determinar a largura mínima dos taludes da vala a escavar e ao não alertar os seus executantes, nomeadamente o encarregado de frente de obra responsável, para o especial perigo decorrente da intersecção com terras anteriormente remexidas e de menor estabilidade. Ao não alertar para a necessidade de destruição de outro trabalho anteriormente executado, e ao não comunicar atempadamente ao responsável pela segurança o início da sua execução, infringiu, por omissão, deveres ou regras técnicas que deveria ter observado na sua actividade profissional de direcção da construção da obra em causa.
4. 5. Por sua vez, o arguido BB, ao não ordenar que a escavação da vala fosse efectuada com a largura necessária e suficiente para evitar acidentes, tendo em conta a sua profundidade, as características do solo e a menor estabilidade das terras em local próximo, devido à instalação do anterior colector, ao facto de se ter ausentado sem previamente ter dado ao LL que ficou a chefiar os restantes trabalhadores, expressas e precisas ordens, quanto ao grau de rampeamento da vala necessário em termos de segurança, e quanto à necessidade de ter de destruir, para o efeito, o Referido colector anteriormente colocado, infringiu igualmente, por omissão, deveres ou regras técnicas que na sua actividade de encarregado deveria ter observado na direcção da construção da obra em causa.
4. 6. O falecido pedreiro LL, por sua vez, não teve em conta a duas “indicações” verbais que lhe foram transmitidas. Com efeito, na véspera do acidente, o arguido BB, encontrando-se ainda presente PP, motorista da máquina escavadora utilizada para a escavação, deu ordens para que se iniciassem os trabalhos de escavação da vala, tendo dito ao LL que "queria a vala bem rampeada", após o que se ausentou do local. Ora, o LL, em vez de mandar executar “a vala bem rampeada”, mandou o motorista da escavadora executar o trabalho com um rampeamento de apenas 5%, provavelmente para não destruir o outro colector previamente ali instalado, destruição essa que, aliás, o arguido BB não lhe tinha ordenado nem mencionado. “Rampear bem” uma vala é muito pouco em termos de conteúdo indicativo, para constituir uma “instrução técnica” ou uma “ordem” de trabalho e, no caso, manifestamente insuficiente perante as circunstâncias concretas. É que, para “rampear bem” aquela vala, isto é, com uma inclinação não superior a 60%, teria sido preciso também ter dado ordens para destruir previamente o colector anteriormente instalado ao lado. E é claramente de aceitar que mandar destruir o colector estava fora da competência de um simples pedreiro da obra. O que é crível é que o pedreiro, na falta de instrução expressa para destruir o colector, mas sabendo que o mesmo existia naquele local pois tinha participado na respectiva execução, mandou o motorista da escavadora abrir a vala de modo a não provocar tal destruição. A vala foi aberta quase sem rampeamento. E temerariamente, pois esta infeliz vítima deveria saber que a vala não estava “bem” rampeada, e com a experiência adquirida em trabalhos semelhantes anteriores, deveria ter tido em conta o risco de desabamento que assim se estava a provocar. Tudo ponderado, tendo ficado assente que, em termos de nexo causal e culpa, tanto os arguidos Tavares Rodrigues e BB como a vítima LL concorreram para a produção do acidente, também não temos motivo para alterar a divisão operada, das culpas por igual, entre cada um dos arguidos e a infeliz vítima LL.
5º- O valor das indemnizações (conclusões 80 a 92).
5. 1. As demandantes EE, FF, GG e HH, na qualidade, respectivamente, de esposa e filhos do LL, vierem peticionar o pagamento da quantia total de € 98.933,31, a título de: a) € 50.000,00, pelo dano da perda do direito à vida; b) Dano moral sofrido em vida pela vítima entre o momento do acidente e o da morte: € 15.000,00 c) Dano moral para a requerente mulher 20.000,00€ e para cada um dos requerentes filhos 15.000,00€. As demandantes, II e JJ, enquanto, respectivamente, esposa e filha do MM, deduziram pedido de indemnização cível pedindo a condenação dos demandados a pagarem-lhes, solidariamente, a quantia total de € 264.586,85, sendo: I - A título de danos patrimoniais, a quantia de € 154.586,25, sendo: a) À 1ª requerente Maria Rosa a quantia de € 139.586,85, sendo € 300,00 de danos materiais e € 139.286,85 a título de lucros cessantes que a 1ª Requerente deixou de receber; b) À 2ª Requerente JJ, a quantia de 15.000,00 € a título de perda de alimentos; II - A título de danos não patrimoniais, a quantia de € 110.00, 00, sendo: a) Direito à vida: € 50.000, 00; b) Angústia da morte próxima: € 25.000,00 €; c) Danos morais da 1ª Requerente: € 20.000,00; d) Danos morais da 2ª Requerente: € 15.000,00.
As instâncias fixaram os danos assim: Por sua vez, o art.º 494.º do CC indica que “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”. Os recorrentes, perante estas normas legais, entendem que o quantitativo da indemnização pelo dano morte relativamente ao lesado LL, uma vez que este, com a sua imprudência, “desbaratou” o direito à vida, devia ser inferior ao atribuído ao outro falecido. E o mesmo deveria acontecer em relação aos danos morais dos respectivos herdeiros. Finalmente, as instâncias não evidenciam – fundamentando - se, e em que medida, tiveram em devida conta a real situação económica dos aqui demandados, parecendo que os valores arbitrados são, em qualquer caso, excessivos à luz desse padrão. Por todas estas razões, ao abrigo do art. 570° do CC - isoladamente ou em articulação com o disposto no art. 494° CC – defendem os recorrentes, inclusivamente, a exclusão das suas obrigações de indemnizar. |