Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1057/22.9PBPDL.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: RECURSO PER SALTUM
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CONCLUSÕES
OBJETO DO RECURSO
RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
DOLO DIRETO
CRIMINALIDADE VIOLENTA
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 04/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. São as conclusões, na noção de resumo das razões do pedido, que delimitam o âmbito do recurso, constituem o resumo das razões do pedido.

II. Se o que consta das conclusões não constando do corpo da motivação constitui o resumo de coisa nenhuma, da mesma forma, o que apenas consta do corpo da motivação e não é levado às conclusões terá de ser entendido como tendo sido deixado cair pelo recorrente.

III. Em ambas as situações serão tais questões de excluir do âmbito do conhecimento do Tribunal de recurso.

IV. Se a invocação do vício do erro notório na apreciação da prova previsto no artigo 410.º/2 alínea c) CPPenal cai naquela segunda hipótese, então, não faz parte do âmbito de cognição deste Supremo Tribunal.

V. Apesar de o recorrente não indicar nas conclusões do recurso as normas jurídicas que, em seu entender, foram violadas na decisão recorrida, não é nem de rejeitar, nem de endereçar convite ao aperfeiçoamento, se o faz no corpo da motivação, não deixando de ser, absolutamente, compreensível, quer, o objeto, quer os fundamentos do recurso.

VI. Dolo directo não significa dolo intenso, não significa intenção criminosa de grande intensidade. Significa, tão só, que o agente actuou com vontade dirigida à realização do facto.

VII. A violência doméstica vem estando nas prioridades de política criminal, como resulta da Lei 96/2017, para o biénio 2017-2019, cfr. artigo 2.º alínea f) “violência doméstica”; da Lei 5572020, para o biénio 2020-2022, cfr. artigo 4.º alínea c), “violência doméstica” e da Lei 51/2023, para o biénio 2023-2025, cfr. artigo 4.º alínea a) “ violência domestica”.

VIII. O tipo legal de violência doméstica integra o conceito de “criminalidade violenta”, na definição da alínea j) do artigo 1.º CPPenal – o do caso concreto – e ainda o da alínea l) de “criminalidade especialmente violenta”.

IX. As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são elevadas, fazendo-se especialmente sentir neste tipo de infracção, tendo em conta o bem jurídico violado no crime de violência doméstica – a saúde, a integridade física e psíquica e a liberdade pessoal e honra – e impostas pela frequência do fenómeno, que vem assolando a sociedade (sem dar sinais de abrandamento) e, do conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam na comunidade e das conhecidas consequências para os elementos dos agregados familiares, justificando resposta punitiva firme.

X. No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

XI. Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes e, por outro, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação de concurso), exige-se uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º CPenal.

XII. A propósito dos critérios a atender na operação de determinação e fundamentação da pena única o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, a dar indícios de projecto de uma carreira, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido, mas antes numa conjunção de factores ocasionais, sem relação entre si e, sem repercussão no futuro.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 5.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. Efectuado o julgamento, no âmbito do Processo Comum Colectivo 1057/22.9... do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores Juízo Central Cível e Criminal de ... - Juiz ..., foi o arguido AA condenado,

- parte criminal:

- pela prática,

- de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº1, alínea d) e nº2 do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão;

- de dois crimes de violência doméstica, previstos e punidos pelo artigo 152º, nº1, alínea d) e nº2 do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão cada;

- em cúmulo jurídico, na pena única de 6 (seis) anos de prisão;

- parte cível:

- a pagar à assistente BB a indemnização no valor de € 15.000,00, acrescido de juros vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a data da notificação do pedido e até efetivo e integral pagamento.

2. Inconformado, recorre o arguido, para o Tribunal da Relação de Lisboa, rematando o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever:

1 - Vem o presente recurso interposto do Douto Acórdão condenatório do Tribunal a quo no Processo n.º 1057/22.9... que corre os seus termos no Juiz ... do Juízo Central Cível e Criminal de ..., do qual vinha imputado ao arguido AA, o seguinte:

“Imputando-lhe a prática, na forma consumada e em concurso efetivo, de três crimes de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº1, alínea b) e nº2, alínea a) do Código Penal, nos termos da acusação pública de 07/03/2024, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida.

A assistente BB deduziu pedido de indemnização civil, no montante de 15.000,00€.

2 - O Arguido nunca foi anteriormente condenado pelo mesmo tipo de crime.

3- O arguido é uma pessoa com instrução e educação, de família, integrado social, familiar e profissionalmente.

4- O arguido não prestou declarações, contudo, não podendo ser por isso prejudicado.

5- O arguido não esteve presente nas diligencias de julgamento por se encontrar a trabalhar fora do território português.

6- O arguido é um pai extremoso, carinhoso e cuidado com o seu filho menor, pai afável e presente na vida do filho.

7- O arguido é um homem ferido e sofrido por nunca ter denunciado as várias ofensas e agressões psicológicas de que foi vítima por parte das ofendidas.

8- As ofendidas “jogaram” com a sua condição de homem, provocando o mesmo e fazendo-lhe ciúmes, tentando assim descontrolá-lo e levando-o a demonstrar ciúmes.

9- O arguido é uma pessoa boa, trabalhadora, com muitos amigos na zona onde vivia em Portugal, tem uma família de nível medio/alto, conhecido por ser um pai extremoso e dedicado.

10- Claramente que o arguido foi “apanhado” numa rede onde foi levado por conjugação de esforços entre as três ofendidas que, nomeadamente, se conhecem e tem contactos frequentes, apenas com o intuito de o prejudicar, quando na verdade o que cada uma delas pretendia era ter como companheiro o aqui arguido.

11- Lamentavelmente, o arguido não conseguiu escapar a uma clara armadilha composta pelas ofendidas, sob forma de vingança.

12- O arguido sente-se extremamente humilhado e preocupado com o futuro do seu filho, estando consciente que o mesmo necessita da sua presença e cuidados para crescer saudável e equilibrado com a presença do pai.

Assim, entende-se como totalmente excessiva e desajustada a pena aplicada, que no mínimo deveria ser suspensa na sua execução.

13- Entende o arguido que a aplicação de uma pena de prisão efetiva, é desadequada e desproporcional aos supostos fatos praticados pelo arguido e tendo em conta a sua situação familiar e história de vida, vida atual e do seu agregado familiar, bem como não sendo reincidente neste tipo de crime.

14- O arguido nunca colocou em risco a vida de qualquer uma das ofendidas.

15- Apenas a ofendida e mãe do seu filho menor CC, BB, se constituiu assistente nos autos e deduziu pedido de indemnização civil, nenhuma outra ofendida deduziu qualquer PIC.

16- Pelo que é forçoso concluir que a pena excede manifestamente a medida da sua culpa e bem assim as necessidades de prevenção geral e especial que este caso exige.

17- Deverá, por isso, o Douto Acórdão recorrido ser revogado e, em consequência, revogar-se o douto acórdão em crise na parte ao ora recorrente, apreciar a prova efetivamente produzida em julgamento e pela verificação da real conduta do arguido,

Ou,

Ordenar-se o reenvio dos autos para novo julgamento, nos termos do art.º 426º do CPP a fim de serem supridos os vícios.

Se não for essa a decisão dos Doutos Venerandos Desembargaadores,

tendo em consideração todo o exposto, sem prescindir do douto suprimento de Vossas. Exas. deve o presente recurso ser apreciado em conformidade, merecer provimento.

Revogar-se o Douto Acórdão em crise, apreciar a prova efetivamente produzida em julgamento e pela verificação de dúvida razoável da atual postura e conduta do arguido perante a factualidade e a Lei. Ou,

Ordenar-se:

O reenvio dos autos para novo julgamento, nos termos do art.º 426º do CPP a fim de serem supridos os vícios.

Para que possa ser reposta a verdade factual e assim ajudar à descoberta da verdade material, para que possa ser aferida, para a boa e melhor decisão da causa.

Nestes termos, sempre com o Douto provimento de V. Exªs, Venerandos Juízes Desembargadores, deverá conceder-se integral provimento ao presente recurso, e em consequência, deve o Douto Acórdão recorrido ser revogado e substituída por outra que:

Ao ser aplicada ao aqui recorrente uma pena de prisão, esta só deverá ser suspensa na sua execução.

Termos pelos quais deve ser concedido provimento ao presente recurso, com o que se fará, Justiça.

3. Seguidamente foi proferido o seguinte despacho:

“por ser admissível, estar em tempo, vir acompanhado das respetivas alegações, que contêm conclusões, e assistir legitimidade e interesse em agir ao arguido AA, admito o recurso interposto do acórdão condenatório proferido nesta instância – visando exclusivamente o reexame da matéria de direito – dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo [artigos 399º, 401º nº 1 al. b), 406º nº 1, 407º nº 2 al. a), 408º nº 1 al. a), 411º nºs 1 al. b), 2 e 3, 412º nºs 1 a 4 e 414º nº 1, todos do Código de Processo Penal].

Notifique, sendo ainda o Ministério Público nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 411º nº 6 e 413º nº 1, ambos do Código de Processo Penal”.

4. Na resposta, dirigida aos Srs. Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, defendeu o Magistrado do MP a improcedência do recurso, apresentando as conclusões seguintes:

1. No requerimento de recurso que apresenta, o recorrente não refere as normas jurídicas que, em seu entender, foram violadas pela decisão recorrida.

2. Assim, pugnamos pela procedência da questão prévia, consequentemente deve ser em rejeitado o recurso interposto pelo recorrente, nos termos dos artigos 412.º n.º 1, 2, 3 e 6, 417.º n.º 6 b) e artigo 420.º, n.º 2 do Código do Processo Penal.

3. A prova feita em Tribunal foi devidamente ponderada pelo Tribunal recorrido, que aplicou corretamente ao caso a lei aplicável, e encontrou o sancionamento devido, termos em que nenhuma censura merece o douto acórdão.

4. E por esse motivo, não padece de falta de fundamentação ou de erro de julgamento. O que verdadeiramente o recorrente não aceita é apreciação da prova, levada a efeito pelo Tribunal. Claramente, a questão nada tem a ver com o vício do artigo 410.º do Código do Processo Penal, mas com a impugnação da matéria de facto nos termos do artigo 412.º, n.º 3 do Código do Processo Penal.

5. Salvo o devido respeito por opinião diversa, o recorrente, carece inteiramente de razão. Na verdade, da análise atenta e cuidadosa não só do texto do douto Acórdão, mas também de toda a prova produzida, não vemos, salvo melhor opinião que se verifiquem alguma ou algumas das hipóteses previstas no artigo 410.º do Código de Processo Penal.

6. Como é jurisprudência corrente dos nossos Tribunais Superiores, o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum. Se a decisão sobre a matéria de facto do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.

7. Entendemos, portanto, que os factos se devem ter por corretamente fixados, pois a força probatória das declarações das testemunhas, foram apreciadas livremente pelo Tribunal, e julgadas sobre a livre apreciação das provas, de modo a chegar a decisão que lhe pereceu justa.

8. No caso vertente por tudo que já apontamos supra este vício não se verifica, consequentemente deve ser improcedente a alegação deste vício, pois o recorrente apenas limita-se a dar a sua versão dos factos, privilegiando certas partes dos depoimentos das testemunhas, por vezes dando-lhe um outro sentido possível.

9. Por fim cumpre ainda dizer que no caso em apreço o douto acórdão recorrido, ao contrário do que defende o recorrente, não se baseou apenas convicções pessoais das ofendidas, mas também nos depoimentos das testemunhas, para além da prova documental e pericial.

10. Da sua análise podemos concluir que nele se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova.

11. A fundamentação no sentido da valoração das provas e da razão lógica da condenação do arguido/recorrente. Não constituindo, portanto, uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou materialmente violadora das regras da experiência comum.

12. Na verdade, aquilo que o Recorrente faz é expor o seu julgamento dos factos, divergente daquele que foi feito pelo Tribunal.

13. E, tendo, como se verificou, formado a sua convicção com provas não proibidas por lei e seguindo todo um processo lógico e de acordo com as regras da experiência comum, prevalece a convicção do tribunal sobre aquela que formula o Recorrente.

14. Quanto à medida da pena o Ministério Público entende que a pena única de 6 (seis) anos de prisão, se mostra justa e adequada, em nada excessiva atentos os circunstancialismos apontados no douto acórdão, a gravidade dos ilícitos da culpa e as necessidades de prevenção geral e especial. Isto é,

15. Nenhuma censura merece a determinação da medida da pena, sendo pena aplicada ao arguido ora recorrente adequada à sua culpa, à sua conduta anterior e posterior aos factos, às exigências de prevenção geral e especial e não pecam por excesso, bem como são acertadas face às condições pessoais e potencial de inserção social do arguido.

16. Em concreto, como se provou, o arguido agiu sempre de forma livre e conscientemente, sabendo que não podia atuar daquela forma, agiu do modo descrito alheio aos seus deveres, sabendo que estava obrigado a respeitar as ofendidas, suas companheiras, atuando assim com dolo direto.

17. O arguido sabia que tais condutas eram (e são) proibidas por lei, ao que foi indiferente, conformando a sua vontade com a verificação de tais resultados.

18. Assente também está o grau de ilicitude dos factos que se nos afigura elevado, tendo em conta as circunstâncias em que o recorrente praticou os crimes, não só agressões verbais, mas também físicas, sendo, que quanto a BB foi agredida enquanto grávida), o período em que duraram as condutas (sendo superior relativamente a BB) e os profundos efeitos psicológicos que teve sob as três vítimas (as quais viram a sua dignidade efetivamente diminuída pelo arguido) e ainda se tivermos em conta os bens jurídicos em causa e as consequências, naturalmente não patrimoniais advenientes para as lesadas.

19. Acresce, ainda a postura do recorrente em sede primeiro interrogatório que confessou os factos menos acintosos e resguardou, sob a capa de uma negação desconexa e sem estribo para lá da vergonha que expressou não praticou os factos denunciados alegado pela ofendida DD, dão-nos nota da falta de interiorização do desvalor da sua conduta, o que nos dá nota das parcas elevadas necessidades de prevenção especial, designadamente negativas se atentarmos à falta de rumo, de projeto e sem qualquer integração que nos permite afastar a probabilidade de repetição em circunstâncias iguais que, por isso, se objetiva.

20. Importa considerar, ainda, as exigências de prevenção destes tipos de crimes, sendo elevadas as de prevenção geral, face aos interesses que se pretendem acautelar com a proteção dos bens jurídicos em causa e principalmente considerando a enorme frequência com que este tipo de crime de violência domestica são praticados, a natureza dos bens jurídicos protegidos pelos ilícitos em causa e o alarme e o sentimento de insegurança que este tipo de condutas causam na população e que exigem a reposição da confiança na validade e eficácia das normas violadas.

21. Ora, considerando que a determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização (artigos 71.º, n.º 1, e 40.º do Código Penal), deve corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências decorrentes dessa lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade do delinquente.

22. Pelo que, no caso em apreço, pena mostra-se, assim, ajustada não merecendo qualquer censura, pelo que não sendo admissível a pena ser suspensa na sua execução. A pretensão do arguido ora recorrente é, pelo que se acaba de expender, deve improceder nesta parte.

23. Quanto à suspensão da pena de prisão sempre se dirá que, os requisitos da aplicação da medida de suspensão da execução da pena de prisão, relaciona-se, para além do limite máximo de 5 anos, com: a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao facto punível, as circunstâncias deste e o poder concluir-se que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastá-lo da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação do crime

24. Por isso, e tendo em conta o tipo de crimes em causa, não só as exigências de prevenção geral positiva, atento o forte alarme social das condutas praticadas, como as exigências de prevenção especial positiva, consubstanciadas no fato de atento o seu percurso não se afigurar como suficiente a simples ameaça da pena, somos levados a concluir pela necessidade de aplicação de uma pena de prisão efetiva.

25. Isto é, no caso “sub judice”, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, subjacentes à suspensão de execução da pena, não atingem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Como consequência o douto acórdão não viola os preceitos legais invocados pelo recorrente., pelo que o recurso não merece provimento.

5. Remetidos a este Supremo Tribunal de Justiça, em vista dos autos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º CPPenal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se pela improcedência do recurso, concluindo da seguinte forma:

- não se está no caso perante recurso acerca de matéria de facto, por absoluto incumprimento das exigências contidas no artigo 412.º/3 CPPenal, apenas subsistindo questões de direito;

- pelo que, atenta a pena aplicada em cúmulo ao arguido ultrapassar os 5 anos de prisão, é este STJ o competente para apreciar o recurso, atento o disposto no artigo 432.º/1 alínea c) CPPenal;

- na parte em que o recorrente invoca como fundamento a verificação de vício previsto no artigo 410.º/2 CPPenal, apenas o faz no texto da motivação, mas já nada referindo quanto a tal aspecto nas conclusões do recurso;

- esta violação do exigido no artigo 412.º/2 CPPenal não merece convite ao aperfeiçoamento, pois que este nunca poderia sanar a absoluta falta de argumentos constante no próprio texto da motivação;

- porquanto – dada a forma meramente proclamativa como o vício é invocado, nem sequer sendo referida qual a alínea daquele preceito que estaria em causa – nunca o aperfeiçoamento das conclusões poderia ter relevância, a não ser que todo o recurso fosse refeito quanto a tal fundamento, o que é vedado pelo artigo 417.º/4 CPPenal;

- subsiste, assim, a única matéria a apreciar – a medida das penas aplicadas ao arguido - única que surge abordada tanto no texto da motivação como nas respetivas conclusões;

- sendo que, embora nas conclusões não haja sido cumprido pelo recorrente o exigido na alínea a) do n.º 2 do artigo 412.º, não se justifica o convite ao respetivo aperfeiçoamento, consegue deduzir-se claramente qual a pretensão do recorrente, artigo 417.º/3 a contrario);

- mas não se justificando qualquer correção por este STJ quanto às penas parcelares e única aplicadas na decisão recorrida, por não se verificar violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efetuada;

- até porque os argumentos esgrimidos pelo arguido no sentido da redução das penas não correspondem a qualquer realidade;

- apenas servindo para se concluir que não interiorizou a gravidade das condutas que empreendeu, tentando tornar-se vítima das que o foram efetivamente por via das suas condutas, o que reforça a ideia de que nunca se justificaria a suspensão de execução de pena que eventualmente, como pretende, se visse reduzida;

- sendo prementes as necessidades de prevenção, nomeadamente especiais, e não se vislumbrando que a simples ameaça de cumprimento realizasse de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

6. Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º/2 CPPenal, o arguido nada disse.

7. Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente Acórdão.

II. Fundamentação

1. Questões prévias

A. Recurso directo - definição da competência para conhecer do recurso.

Como se viu, o recurso interposto pelo arguido foi dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa.

Contudo, no despacho de admissão do recurso, refere-se que o recurso foi dirigido a este Supremo Tribunal e assim foi admitido.

Nesta conformidade a resposta foi dirigida aos Conselheiros deste Supremo Tribunal.

E, para este Supremo Tribunal foi remetido o processo.

Está em causa um acórdão final condenatório, proferido por um Tribunal Colectivo, com a aplicação ao arguido da pena única de 6 anos de prisão, pela prática de 3 crimes de violência doméstica.

Se o recorrente visar apenas o reexame de questão de direito, tão só questionando a medida da pena, que entende manifestamente exagerada, pugnando pela sua redução e, depois, pela suspensão da execução, será, então, nos termos do artigo 432.º/1 alínea a) CPPenal, este Supremo Tribunal o competente para conhecer do recurso.

Com efeito.

Nos termos do artigo 427.º CPPenal “exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de decisão proferida por tribunal de primeira instância interpõe-se para a relação”.

É admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos contemplados no artigo 432.º CPPenal, sem prejuízo de outros casos que a lei especialmente preveja, como explicita o artigo 433.º do mesmo diploma legal.

Dispõe hoje, com a redacção dada pela Lei 48/2007, o artigo 432.º CPPenal que, “1. recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça (…) c) de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º” - redacção dada pela Lei 94/2021, que acrescentou este último segmento.

Dispondo, ainda o n.º 2, que, “nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º”.

Em função do estabelecido neste n.º 2 está clara a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que o recorrente tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a cinco anos de prisão e vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito, ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º CPPenal.

Isto dito, atentemos no teor do recurso, para apreciar, o que afinal pretende o arguido.

Vistas as conclusões, começa, no introito, por afirmar que nos termos dos artigos 399º, 400º (…) 427º e 428º do C.P.P., vem interpor recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, visando a medida concreta da pena aplicada em cúmulo jurídico ao arguido ser manifestamente excessiva e desproporcional e, depois, diz,

I. Introdução:

- no artigo 1.º assim, entende-se como totalmente excessiva e desajustada a pena aplicada;

- 2.º a discordância do arguido no que tange ao Douto Acórdão condenatório recorrido prende-se com:

1. As medidas concretas da pena aplicadas ao arguido são manifestamente excessivas e desproporcionais, devendo, por isso, ser reduzidas, ao abrigo do disposto nos art. 40.º, 71.º e 77.º do Código Penal, atentas às condições de vida do arguido e às circunstâncias atenuantes existentes no caso “sub judice” que não foram consideradas.

Entende o recorrente que o Douto Acórdão condenatório está inquinado por deficiente valoração do material probatório sujeito à apreciação do tribunal. O mesmo é dizer-se que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento não suporta o acervo fático dado como demonstrado pelo tribunal “a quo”.

O Douto acórdão padece do vicio previsto no art. 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

II – As medidas concretas da pena aplicada ao arguido são excessivas e desproporcionais.

3.º O arguido considera excessiva e desproporcional a pena que lhe foi aplicada, em violação do disposto nos art. 40.º, 71.º e 77.º do C. Penal, devendo, por isso, ser reduzidas.

(…)

4.º O Tribunal “a quo” formou a sua convicção, sobre a factualidade provada e não provada, no conjunto da prova trazida aos autos e realizada em audiência de discussão e julgamento, analisada de forma crítica e recorrendo a juízos de experiência comum, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal, não tendo o Arguido prestado declarações nessa mesma sede.

5.º Ora, salvo o devido respeito, o arguido não concorda e não se conforma com a pena aplicada, sendo certo que o arguido não tendo registado no seu CRC a prática de qualquer crime da mesma natureza.

O arguido não colocou em risco a vida de qualquer ofendida.

Apenas a ofendida e mãe do seu filho menor CC, BB, se constituiu assistente nos autos e deduziu pedido de indemnização civil, nenhuma outra ofendida deduziu qualquer PIC.

6.º Pelo que é forçoso concluir que a pena excede manifestamente a medida da sua culpa e bem assim as necessidades de prevenção geral e especial que este caso exige.

7.º Entende o arguido que a aplicação de uma pena de prisão efetiva, não será́ a pena adequada, mas sim desproporcional aos supostos fatos praticados pelo arguido e tendo em conta a sua situação e conduta, devendo no mínimo, ser aplicada a suspensão na sua execução.

8º Deverá, por isso, o Douto Acórdão recorrido ser revogado e, em consequência, revogar-se o douto acórdão em crise na parte ao ora recorrente, apreciar a prova efetivamente produzida em julgamento e pela verificação da conduta do arguido,

Ou,

Ordenar-se o reenvio dos autos para novo julgamento, nos termos do art.º 426º do CPP a fim de serem supridos os vícios.

Se não for essa a decisão dos Doutos Venerandos Desembargadores,

Que possa ser aplicada ao aqui recorrente uma pena menos gravosa, no mínimo, suspensa na sua execução, tendo em conta que o arguido se encontra inserido familiarmente e socialmente, bem como profissionalmente.

O arguido está inserido numa família educada e idónea, o seu pai é ex agente da PSP, a mãe é trabalhadora num supermercado e o irmão possui uma empresa de TVDE, vivendo de forma desafogada e dando todo o apoio familiar ao arguido, bem como ao filho deste, CC, que é muito acarinhado neste seio familiar do Pai.

III - Desenvolvimento – Dos factos dados como provados:

(…)

IV - Factos não provados

(…).

Como é sabido, as conclusões constituem o resumo das razões do pedido e se, o que apenas consta das conclusões e não do corpo da motivação, será o resumo de coisa nenhuma, da mesma forma, o que apenas consta do corpo da motivação e não é levado às conclusões deve ser entendido como tendo sido deixado cair pelo recorrente.

Em ambas as situações a ficar excluído do âmbito de cognição do Tribunal de recurso.

Ora, do que vem de ser dito, cremos que apenas se poderá, fundada e seriamente, concluir que o arguido o que pretende, definitivamente, é colocar em causa a medida das penas e a forma de execução da pena única.

Tal é o que se depreende da forma como se exprime e da forma como apresenta o requerimento.

Desde logo, pela diferença de letra utilizada, apenas se poderá entender que o que refere nas conclusões a partir do artigo 17.º - último - e até ao antepenúltimo parágrafo, do dispositivo, estará a mais.

Nunca esteve na sua mente pretender suscitar a existência de vícios da decisão, apesar de a dado passo o referir, o certo é, que, decisivamente, nunca invoca qualquer um deles. Nunca alega o que quer que seja susceptível, sequer, de se aproximar da previsão de qualquer um deles.

Isto, como resulta, hoje, do texto legal, independentemente do facto de que mesmo que o pretendesse, de facto, fazer, ainda assim, o Tribunal competente, para conhecer dos vícios da decisão e da medida e espécie das penas, seria, sempre este Supremo Tribunal.

Mas o certo é que o que transparece é um inequívoco erro no manuseamento da ferramenta de processamento informático do texto, “copy/paste”, que levou à confusão que o texto deixa transparecer.

E, assim, se conclui, estarmos, efectivamente, perante uma situação de recurso directo para este Supremo Tribunal, não tanto pelas razões aduzidas pelo Sr. PGA, que refere que o arguido não dando cumprimento aos ónus constantes do artigo 412.º/3 e 4 CPPenal, terá que ver inviabilizada a sua pretensão de impugnação da matéria de facto. E, aparentemente, daqui concluir pela competência deste Supremo Tribunal para a apreciação do recurso.

Com efeito se o arguido o pretendesse fazer e, ainda assim, não cumprisse os ditos ónus e fosse caso de rejeição do recurso, quanto à matéria de facto, sempre seria o Tribunal da Relação o competente para conhecer desse segmento e de todos os outros que o recurso apresentasse.

Decisivo aqui é o facto de que, interpretando o requerimento de recurso, como qualquer declaração, nos termos do artigo 246.º CCivil, na posição do normal declaratário, a única interpretação possível de tal requerimento, do seu texto e contexto, é que o arguido apenas pretende colocar - como anuncia no início e conclui, no final do dispositivo - colocar em causa a aludida questão de Direito.

Pretende, então o arguido segundo as conclusões a revogação do acórdão recorrido e substituição por outro que ao aplicar-lhe uma pena de prisão, esta seja suspensa na sua execução.

Alinhando diversas circunstâncias a tentar demonstrar o que afirma ser o carácter totalmente excessivo, desajustado e desproporcional de uma pena de prisão efectiva, concluindo que a pena excede manifestamente a medida da sua culpa e bem assim as necessidades de prevenção geral e especial que o caso exige.

Acabando por defender que a pena aplicada, no mínimo, deveria ser suspensa na sua execução.


Rejeição do recurso.

Defende o MP na resposta que o recurso deve ser rejeitado, uma vez que o arguido não refere as normas jurídicas que, em seu entender, foram violadas na decisão recorrida.

E mais refere que porque a deficiência ou imperfeição se manifesta na motivação e nas conclusões, não pode haver lugar ao convite ao aperfeiçoamento.

Quanto à alegada verificação de vício do artigo 410.º/2 CPPenal defende o Sr. PGA que esta norma sendo apenas invocada no corpo da motivação e, já não, nas conclusões, incumprindo-se o disposto no artigo 412.º/2 alínea a) CPPenal teria como consequência a rejeição do recurso, nessa parte.

Cremos que não.

Com efeito, como é sabido as conclusões, que delimitam o âmbito do recurso, constituem o resumo das razões do pedido.

E se o que consta das conclusões não constando do corpo da motivação constitui o resumo de coisa nenhuma, da mesma forma, o que apenas consta do corpo da motivação e não é levado às conclusões terá de ser entendido como tendo sido deixado cair pelo recorrente.

Em ambas as situações serão tais questões de excluir do âmbito do conhecimento do Tribunal de recurso.

Assim, em concreto, aquela precisa questão – que cai nesta segunda hipótese - não faz parte do âmbito de cognição deste Supremo Tribunal.

É certo, ainda que, como vimos já quanto à matéria das penas, da mesma forma, nas conclusões não se dá cumprimento ao estatuído no artigo 412.º/2 alínea a) CPPenal.

Mas, ao contrário do que entende o MP na 1.ª instância e, como defende o S.PGA neste Supremo Tribunal, se não é, desde logo, fundamento, de rejeição do recurso, da mesma forma, no caso concreto, não se torna necessário o seu aperfeiçoamento.

Com efeito, se é certo que as conclusões são omissas quanto à invocação de qualquer norma jurídica violada, não menos certo, é, que não deixa de ser, absolutamente, compreensível, quer, o objeto, quer os fundamentos do recurso.

Daqui que, quanto a esta segmento do recurso está este Supremo Tribunal devidamente habilitado a sobre ele se pronunciar.

É certo que nas conclusões não invoca qualquer norma ou princípio geral do Direito que tenha como violado, como seria suposto e exigido pelo artigo 412.º/2 CPPenal.

Contudo, fá-lo logo no artigo 2.º do corpo da motivação onde alega que as medidas concretas das penas aplicadas são manifestamente excessivas e desproporcionais, devendo, por isso, ser reduzidas, ao abrigo do disposto nos artigos 40.º, 71.º e 77.º CPenal.

Apenas deixando de fora a norma contida no artigo 50.º CPenal, reportada à suspensão da execução da pena, que não se poderia ter como violada na decisão recorrida, porque a dimensão da pena única não consentia, desde logo, a sua aplicação.

Contudo, à luz dessa norma se for caso disso, será apreciada a sua derradeira pretensão de suspensão da execução da pena.

Apesar da forma genérica e vaga como se exprime nas conclusões, o certo que nesta matéria, no corpo da motivação começa por alegar que as medidas concretas da pena aplicadas ao arguido são manifestamente excessivas e desproporcionais, devendo, por isso, ser reduzidas, ao abrigo do disposto nos artigos 40.º, 71.º e 77.º CPenal, atentas às condições de vida do arguido e às circunstâncias atenuantes existentes no caso sub judice” que não foram consideradas.

E, assim, apreciaremos, pela ordem de precedência lógica e processual, as questões reportadas à medida das penas parcelares, à pena única e, finalmente, se ainda assim, esta o consentir, a questão da suspensão da sua execução.


2. Âmbito do recurso.

E, assim, do que vem de ser dito, sendo certo que o âmbito do recurso se delimita pelas conclusões da motivação do recorrente, cfr. artigos 402.º, 403.º e 412.º CPPenal, sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se necessário à boa decisão de direito, de vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2 CPPenal, cfr. acórdão de fixação de jurisprudência 7/95, de nulidades não sanadas, n.º 3 do mesmo preceito e de nulidades da sentença, cfr. artigo 379.º/2 CPPenal, na redação da Lei 20/2013, no caso concreto, importa apreciar se as penas, parcelares e única, são excessivas e, desajustadas e desproporcionais, se devem ser reduzidas e se a pena única deve ser suspensa na sua execução.

3. Os factos

Para proceder a esta enunciada apreciação importa, antes de mais, atentar na matéria de facto provada.

Se é certo que no caso concreto não vem – como vimos já, adequadamente - suscitada a questão da existência de vícios da decisão, conforme artigo 410.º/2 CPPenal, da mesma forma, sendo de conhecimento oficioso a constatação da sua presença e a mesma seja impeditiva de prolação da correcta decisão de direito, cfr. artigo 434.º CPPenal, não menos certo é que tal se não verifica, no caso.

Com efeito, da leitura da decisão e, designadamente dos segmentos dos factos provados e da motivação, caldeada com as regras da experiência comum, pois que a outros elementos não pode o Tribunal socorrer-se, não se vislumbra que se patenteie,

- insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, pois não se vê que matéria de facto, com utilidade e pertinência, poderia o tribunal, mais ter averiguado e não averiguou;

- erro notório na apreciação da prova, pois que não existem pontos de facto fixados na decisão recorrida, tão manifestamente arbitrários, contraditórios ou violadores das regras da experiência comum;

- contradição insanável na fundamentação ou entre esta e a decisão, já que não se descortina a existência de factos ou de afirmações que estejam entre si numa relação de contradição.

E, assim, para proceder àquela enunciada apreciação importa, antes de mais, atentar na matéria de facto provada.

1. DD e o arguido AA mantiveram uma relação amorosa durante cerca de um mês, partilhando cama, mesa e habitação entre março e abril de 2023.

2. No decurso do relacionamento o arguido quis controlar o dia-a-dia de DD, telefonando-lhe várias vezes ao dia, querendo saber onde se encontrava e com quem.

3. Em dia indeterminado do mês de março de 2023, pelas 17h05m, a ofendida ligou ao arguido dizendo-lhe que iria chegar uma pouco atrasada porque estava com um cliente.

4. O arguido não acreditou, retorquiu que ela estaria com um homem e, já em casa, discutiu com a companheira chamando-lhe “puta”.

5. Diariamente, aproveitando o facto de a ofendida tomar banho quando chegava do trabalho, o arguido vasculhava o conteúdo do telemóvel dela e depois confrontava-a com teor de algumas mensagens acusando-a de estar a combinar encontros com outros homens.

6. No mesmo período temporal, enviou mensagem de voz a um amigo da ofendida exigindo-lhe que lhe enviasse uma impressão das conversas que tinham mantido.

7. Noutra ocasião, em casa, o arguido discutiu com a ofendida por ela ter na lista telefónica números de outros rapazes, chamou-lhe “puta”, empurrou-a contra a parede, puxou-lhe o cabelo e apertou-lhe o pescoço acabando ela por perder os sentidos.

8. Nestas ocasiões, o arguido ameaçava a ofendida de que se contasse o que se passava faria mal à família dela.

9. Em dia indeterminado do período em que mantiveram o relacionamento amoroso, a ofendida arrumou os seus pertences e pretendeu abandonar a casa que partilhava com o arguido.

10. Não o fez porque o arguido lhe que ordenou que não abrisse a porta caso contrário lhe bateria ali mesmo.

11. Quando a ofendida pousou os sacos de roupa no chão, o arguido apertou-lhe o pescoço e chamou-lhe “puta” e “cabra”.

12. Depois disso a ofendida saiu de casa não mais tendo voltado.

13. Entre abril e o dia 25 de maio de 2023, o arguido telefonou-lhe e enviou-lhe inúmeras mensagens querendo saber com quem estava, encontrar-se com ela e reatar o relacionamento.

14. No dia 22 de maio de 2023, a ofendida viu-se obrigada a encontrar-se com o arguido porque ele a ameaçou de que se não o fizesse mataria alguém da família dela.

15. Tal encontro veio a suceder pelas 17h20m.

16. Assim que se aproximou da ofendida o arguido discutiu e e deu-lhe uma bofetada na cara.

17. A agressão cessou por intervenção de um transeunte.

18. O arguido já no seu automóvel, e quando se preparava para sair do local, mostrou, abanando-a em direção à ofendida, uma faca de cozinha, o que a fez ficar em pânico.

19. A ofendida ficou dentro do carro a chorar, sem conseguir sair dali, tendo sido auxiliada por outra pessoa que chamou a P.S.P.

20. Antes da P.S.P. chegar ao local o arguido voltou e exigiu que a ofendida o levasse a casa.

21. Durante o percurso, discutiu com ela, chamou-lhe “puta” e “cabra” e disse-lhe que andava a enganar.

22. Mais tarde ameaçou-a de morte, bateu-lhe na cara e no braço direito, apertou-lhe o pescoço.

23. Entre esse dia e o dia 1 de junho de 2023, o arguido telefonou insistentemente à ofendida através do número .......77, causando-lhe sobressalto e pânico, tendo no dia 23 de maio de 2023 efetuado 189 chamadas.

24. No dia 25 de maio de 2023, o arguido enviou várias mensagens à ofendida chamando-lhe “puta” e “cabra”, ameaçando-a de morte, dizendo-lhe que também poria termo à vida e que a culpa era dela. Mais lhe disse, em mensagem de voz, que iria atrás dela e dos seus familiares.

25. Ao atuar da forma descrita o arguido agiu de modo deliberado e consciente querendo humilhar, diminuir, amedrontar, perseguir, maltratar psicológica e fisicamente a ofendida sua companheira.

26. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

27. A assistente BB e o arguido AA mantiveram uma relação amorosa partilhando cama, mesa e habitação durante cerca de 2 anos e até 5 de julho de 2022.

28. Em comum têm um filho menor de idade.

29. No decurso do relacionamento o arguido controlou o dia-a-dia da assistente impedindo-a de sair de casa sem ele e de se relacionar com os seus amigos.

30. Por inúmeras vezes vasculhou o telemóvel da assistente questionando-a acerca de conversas que lia e imputando-lhe relacionamentos com outros homens.

31. Numa ocasião, a assistente, comissária de bordo na A..., teve de passar a noite fora de casa, tendo sido obrigada a fazer uma videochamada com o arguido para mostrar o quarto onde pernoitava.

32. No decurso dessa chamada, o arguido insinuou que a assistente não estava sozinha no quarto.

33. Quando discutiam o arguido apelidava a assistente de “puta” e “cabra” e por mais de uma vez a agrediu, esbofeteando-a, empurrando-a e desferindo-lhe cabeçadas.

34. No período em que o arguido trabalhou como segurança na empresa P..., para controlar a assistente, colocou uma câmara de filmar no quarto do casal.

35. No decurso do relacionamento, por duas vezes, o arguido ameaçou a assistente dizendo-lhe “eu dou cabo de ti”.

36. Com receio pela sua integridade física, numa das ocasiões, a assistente foi passar um tempo a Portugal continental em casa do pai e noutra a mãe dela veio passar uma semana consigo.

37. Quando a assistente estava grávida, o arguido agrediu-a por duas vezes, empurrando-a contra a cama fazendo com que se magoasse no ombro direito e noutra esbofeteando-a.

38. Em março de 2022, no decurso de uma discussão, em casa, a assistente tentou telefonar para a P.S.P. a pedir auxílio e o arguido tirou-lhe o telemóvel da mão desferindo-lhe várias pancadas com o aparelho na cabeça.

39. A assistente conseguiu sair de casa, mas o arguido foi no seu encalço, agarrou-a e arrastou-as para dentro.

40. No dia 6 de julho de 2022, de madrugada, a assistente estava agachada junto à máquina de lavar a roupa quando o arguido passou por ela e lhe desferiu um pontapé que a atingiu no ombro esquerdo.

41. A assistente telefonou à P.S.P. pedindo auxílio e antes de os agentes chegarem ao local o arguido atirou-a para cima da cama e apertou-lhe o pescoço.

42. Nesse dia assistente e arguido puseram termo ao relacionamento amoroso mas ele permaneceu em casa até arranjar outra casa.

43. Nesse mesmo dia, à tarde o arguido pediu à assistente para o ir buscar ao seu local de trabalho na ... ao que ela acedeu.

44. No percurso para ..., no carro, o arguido começou a questioná-la acerca do tempo que tina demorado e agrediu-a desferindo-lhe uma bofetada e apertando-lhe o queixo com força enquanto ela conduzia.

45. A assistente disse que iria fazer queixa à P.S.P., discutiram por causa do filho, e aquela viu um carro da P.S.P. no posto de abastecimento de combustível da GALP em ... para onde conduziu.

46. Desde então e por mais de uma vez o arguido enviou inúmeras mensagens à assistente acusando-a de ser má mãe e de manter relacionamentos sexuais com outros homens.

47. Ao atuar da forma descrita, o arguido agiu de modo deliberado e consciente querendo humilhar, diminuir, amedrontar, perseguir, maltratar psicológica e fisicamente a assistente sua companheira e mãe do seu filho.

48. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

49. EE e o arguido AA mantiveram uma relação amorosa partilhando cama, mesma e habitação durante cerca de quatro meses e até 12 de janeiro de 2023.

50. No decurso do relacionamento, por motivo de ciúme, por várias vezes o arguido provocou discussões, em casa, com EE no decurso das quais lhe chamou “puta”, “cabra” e a acusou de manter relacionamento sexual com outros homens.

51. Numa ocasião, em casa, o arguido apontou uma faca ao pescoço da ofendida fazendo-a temer pela vida.

52. Por mais de uma vez, quando discutiam, o arguido agrediu a ofendida, tendo-lhe atirado um candeeiro à figura que lhe acertou no nariz e desferido pancadas com o telemóvel na cabeça dela.

53. Mais lhe desferiu socos e pontapés que a atingiram por todo o corpo.

54. No dia 12 de janeiro de 2023, o arguido discutiu com a ofendida logo pela manhã, acusando-a de ter estado com outras pessoas em casa na presença do filho dele.

55. Bateu-lhe, chamou-lhe “puta”, deu-lhe um soco no olho, atirou-a para cima da cama onde a socou nas pernas e na boca.

56. Mandou a ofendida ligar para a mãe a vir buscar, voltando a socá-la nas costas.

57. Ao atuar da forma descrita, o arguido agiu de modo deliberado e consciente querendo humilhar, diminuir, amedrontar, perseguir, maltratar psicológica e fisicamente a ofendida sua companheira.

58. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

59. A demandante sentia-se e sente-se constantemente com medo do demandado, e deixou de se relacionar com os seus amigos porque este não permitia e ligava câmaras em casa para a controlar, fazendo-a sentir-se sem privacidade, deprimida e ansiosa.

60. A demandante ficava sempre ansiosa e temerária cada vez que tinha que ausentar-se em trabalho para fora da ilha, porque temia que o demandado entendesse que ela não estava sozinha, uma vez que este passaria a ligar-lhe ininterruptamente, fazendo-a sentir-se nervosa e oprimida.

61. A demandante sentia-se envergonhada, inferiorizada e humilhada cada vez que tinha que fazer uma videochamada para mostrar o quarto e cada vez que tinha que lhe mostrar o telemóvel.

62. A demandante vivia com medo de fazer alguma coisa que fosse mal interpretada pelo demandado, uma vez que este instalou uma câmara de filmar no quarto do casal.

63. O demandado tem um físico incomparavelmente maior ao da demandante o que a fazia temer pela sua vida designadamente quando a esbofeteou e empurrou quando estava grávida.

64. A demandante ficava triste, magoada e deprimida cada vez que o demandado a apelidava de “puta” e “cabra”, perdeu peso de forma abrupta e teve que ser acompanhada por psicólogo e psiquiatra.

65. A demandante tinha dores na cara, no corpo e na cabeça pelas bofetadas, empurrões e cabeçadas que o demandado lhe desferia, tendo tomado vários analgésicos e antidepressivos, bem como ansiolíticos.

66. A demandante passou a ter medo de estar sozinha em casa e ter vontade de morrer, perdeu o sentido da vida e teve uma recuperação física e psicológica muito morosa.

67. O sucedido, rapidamente foi comentado entre familiares e amigos, situação que levou a explicações por parte da demandante, porque percebiam que ela ficou extremamente magra, com marcas e sempre enervada com muita ansiedade.

68. A demandante desde as agressões, vive com muita angústia, nervosa e com medo que o demandado volte a importuná-la e a destratá-la como fez.

69. Em 12/12/2023, o arguido decidiu regressar ao continente, para casa dos seus progenitores, FF, e GG, com os quais passou a coabitar. A dinâmica intrafamiliar foi descrita de forma positiva pelo arguido, situação que ainda se mantém no presente. O filho do arguido coabita em semanas alternadas, no agregado.

70. Em termos laborais, e à data dos factos, o arguido encontrava-se a exercer funções de segurança privado num espaço de diversão noturna, com o horário das 23:00h às 07:00h e auferia cerca de 1400 euros mensais. Nos tempos livres, frequentava um ginásio situado em ....

71. Após instauração do presente processo, o arguido terá ficado em situação de desocupação, no seu entendimento, por o mesmo, ter sido do conhecimento da comunidade. Assim, terá ficado sem rendimentos que permitissem a satisfação das necessidades básicas. Neste enquadramento, o arguido referiu que passou a ficar dependente do apoio económico dos pais.

72. Após regresso a Portugal continental, obteve licença para ser motorista de TVDE, auferindo de cerca de 2000 euros mensais. O pai reformado e a mãe doméstica, suportam as despesas gerais, como água, eletricidade e gás, sendo que o arguido referiu que apoio as despesas relativas à alimentação do agregado. Assim, o arguido avaliou a situação económica como estável.

73. Quanto às características pessoais, o arguido afirmou não ser uma pessoa impulsiva ou agressiva. Todavia, a sua afirmação de não aceitar de forma ajustada os términos relacionais com a ex-companheiras parece indiciar a presença de fragilidades, no arguido, em termos de gestão sócio emocional.

74. Antes do início do julgamento ausentou-se para a República de Chipre, alegadamente por motivos laborais.

75. Já foi julgado e condenado a 12/02/2024 pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez a 03/07/2023, na pena de 50 dias de multa.

4. Apreciando
1. A fundamentação da decisão recorrida.

Sobre a determinação da medida concreta das penas, discorreu a decisão recorrida pela forma seguinte:

“Cumpre determinar a medida da pena a aplicar ao arguido, uma vez que a todo o crime corresponde uma reação penal, pela qual a comunidade expressa o seu juízo de desvalor sobre os factos e a conduta realizada pelo agente.

A determinação definitiva da pena é alcançada através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira investiga-se e determina-se a moldura penal aplicável ao caso (medida abstrata da pena); na segunda investiga-se e determina-se a medida concreta (dita também individual ou judicial); na terceira escolhe-se (de entre as penas postas à disposição do legislador e através dos mecanismos das penas alternativas ou penas de substituição) a espécie de pena que, efetivamente, deve ser cumprida (Figueiredo Dias, Direito Penal – As consequências jurídicas do crime, Tomo II, Coimbra Editora, pág. 229).

Vejamos, em concreto, estas diversas etapas, para os crimes praticados pelos arguidos.

O crime de violência doméstica agravado é punido com uma pena de prisão de dois a cinco anos [artigo 152º, nº1, alíneas d) e nº2 do Código Penal].

Uma vez que o crime em causa é apenas punível com pena de prisão, não há que proceder à escolha da pena nos termos explanados no artigo 70º, nº 1, do Código Penal, passando-se, de imediato, à determinação da medida daquela pena, que se mostre adequada ao comportamento do arguido, atendendo-se, nos termos do artigo 71º, nº 1, do Código Penal, à culpa do agente e às exigências de prevenção, não olvidando que a medida da pena jamais pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40º, nº 2 do Código Penal).

Nesses moldes, a prevenção geral positiva ou de integração está incumbida de fornecer o limite mínimo, que tem como fasquia superior o ponto ótimo de proteção dos bens jurídicos e inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar.

Por seu turno, a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva (artigo 40º, nº 2 do Código Penal).

Ora, dentro desses limites, cabe à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, sendo de atender à socialização do agente, considerando ainda as demais circunstâncias favoráveis e desfavoráveis ao arguido na medida em que se mostrem relevantes para a culpa ou para as exigências preventivas, que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, como preceitua o artigo 71º, nº 2, do Código Penal, encontrando-se assim a pena adequada e justa.

Quanto às exigências de prevenção geral, e recorrendo ao Relatório Anual de Segurança Interna de 2023, verifica-se que o crime de violência doméstica continua a ser um dos crimes mais participados, sendo que nesta comarca dos Açores assume bastante expressão. Dada a grande incidência deste tipo de crime, como é expressão os dados referidos, são acentuadas as exigências de prevenção geral no sentido de fazerem apelo a uma maior necessidade de sancionamento para que se restabeleça a confiança, validade e eficácia na norma jurídico-penal violada, sendo ainda premente uma eficaz proteção e tutela do bem jurídico violado. Deste modo, temos de concluir serem muito elevadas as necessidades de prevenção geral, quer relativamente ao reforço da consciência jurídica comunitária, quer no que respeita a sentimento de segurança face à violação de uma norma.

Recorrendo aos critérios não taxativos do artigo 71º, nº 2 do Código Penal, as necessidades de prevenção especial manifestam-se tendencialmente elevadas, atendendo ao grau de ilicitude, que se mostra elevado, tendo em consideração que se estamos perante várias condutas (não só agressões verbais, mas também físicas, sendo que, quanto a BB, foi agredida enquanto grávida), o período em que duraram as condutas (sendo superior relativamente a BB) e os profundos efeitos psicológicos que teve sob as três vítimas (as quais viram a sua dignidade efetivamente diminuída pelo arguido). O arguido agiu sempre com culpa intensa, revestindo o dolo a modalidade de direto. Aquele conta ainda com uma condenação no seu registo criminal (embora por crime de outra natureza) e a seu favor releva a aparente integração social e laboral.

Tudo visto e ponderado, decide este Tribunal aplicar ao arguido uma pena de 3 anos de prisão para o crime praticado contra a BB e uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão por cada um dos dois crimes praticados contra EE e DD”.

2. Vejamos se no caso em reapreciação é de reduzir as penas aplicadas pelos crimes de violência doméstica, como vem peticionado pelo recorrente.

Não sem antes procedermos à caracterização do crime de violência doméstica, de forma a fixarmos o interesse jurídico tutelado, o que releva, como é sabido, desde logo, porque uma das finalidades das penas é precisamente a tutela dos bens jurídicos, cfr. artigo 40.º/1 CPenal.

E, aqui seguiremos de perto, mesmo com transcrição, o que a este propósito se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 13.9.2018, processo 372/17.8PBLRS.L1.S1 consultado no sita da dgsi, como todos os que adiante se referirem, sem diversa indicação de origem.

O crime de violência doméstica está actualmente previsto no artigo 152.º CPenal, tendo sido introduzido neste formato pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro.

O novo tipo legal insere-se na atenção que têm merecido as matérias relacionadas com violência doméstica, e justifica-se como corolário da evolução legislativa no tratamento destas matérias, que tem tido em vista o fenómeno da violência doméstica (conjugal), violência familiar e os maus tratos familiares.

Considerando que o artigo 152.º está, sistematicamente, integrado no Título I do Código Penal, dedicado aos “crimes contra as pessoas” e, dentro deste, no Capítulo III, “crimes contra a integridade física”, entende Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 332, que “a ratio do tipo não está, pois, na protecção da comunidade familiar, conjugal, educacional ou laboral, mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana. (…) A ratio deste artigo 152.º vai muito além dos maus tratos físicos, compreendendo os maus tratos psíquicos (p. ex., humilhações, provocações, ameaças, curtas privações de liberdade de movimentos, etc.), a sujeição a trabalhos desproporcionados à idade ou à saúde (física, psíquica ou mental) do subordinado, bem como a sujeição a actividades perigosas, desumanas ou proibidas”.

Acrescentando que “o bem jurídico protegido por este tipo de crime é a saúde – bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico este que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal e saudável desenvolvimento da personalidade da criança ou do adolescente, agravem as deficiências destes, afectem a dignidade pessoal do cônjuge, prejudiquem o possível bem-estar dos idosos ou doentes, ou sujeitem os trabalhadores a perigos para a sua vida ou saúde”.

No mesmo sentido, diversos arestos deste Supremo Tribunal, de que constituem exemplo os acórdãos de 30.10.2003, processo 3252/03-5.ª, in CJ, S, III, 208 e de 4.2.2004, processo 2857/03-3.ª, tendo-se entendido naquele primeiro que, “o bem jurídico protegido pela incriminação é, em geral, o da dignidade humana, e, em particular, o da saúde, que abrange o bem estar físico, psíquico e mental, podendo este bem jurídico ser lesado, no âmbito que agora importa considerar, por qualquer espécie de comportamento que afecte a dignidade pessoal do cônjuge e, nessa medida, seja susceptível de pôr em causa o supra referido bem estar”.

Refere Taipa de Carvalho, ob. cit., 333 que, “sujeito passivo ou vítima só pode ser a pessoa que se encontre, para com o agente (…), numa relação de coabitação conjugal ou análoga”.

Como tal, o crime de maus tratos a cônjuge é um crime específico, como referem Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, 2.ª ed., 2.º, 181, um delito que só pode ser levado a cabo por certas e determinadas categorias de pessoas, no caso, por quem tenha “dever de solidariedade conjugal, em relações de pura igualdade”.

No acórdão de 28.2.2018, processo 129/16.3GILRS.L1-B.S1- 5.ª, entendeu-se acerca da identificação e caracterização dos bens jurídicos protegidos pelo crime de violência doméstica, que, “é generalizado o entendimento de que são carecidas de protecção a saúde e a dignidade da pessoa entendida esta numa dimensão garantística da integridade pessoal contra ofensas à saúde física, psíquica emocional ou moral da vítima embora no estrito âmbito de uma relação de tipo intra-familiar pois é a estrutura “família” que se toma como ponto de referência da normativização acobertada nas als. a) a d) do n.º 1 do artigo 152.º do CP. Assim, fica evidenciado que as dimensões da integridade física e da liberdade pessoal estão entre aquelas que o tipo legal visa proteger o que torna possível à luz da conjugação das disposições citadas a imposição da prisão preventiva”.


3. A medida da pena.

O artigo 40.º/1 CPenal consagra que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é “a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado.

Com esta formulação - como se explica no preâmbulo do diploma legal que aprovou o CPenal de 1995 - não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Américo A. Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, no Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, 322, afirma “resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção.

Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa”.

O Professor Figueiredo Dias in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, 65 e ss., refere que “o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do Código Penal, os princípios ínsitos no artigo 18.º/2 da Constituição da República Portuguesa (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:

- toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial;

- a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa;

- dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico;

- dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais”.

De acordo com o mesmo Professor, na mesma obra de 1993, § 280, 214 e repetido nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, 279 e ss. “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito, ou de «determinação concreta da pena»).

As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena”.

Por sua vez, a Professora Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, 147 e ss., como proposta de solução defende que a ”medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:

“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais.

Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.

E finaliza, “é este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.

Uma síntese destas posições sobre os fins das penas foi feita no acórdão deste Supremo Tribunal de 10.4.1996, processo 12/96, in CJ, S, II, 168, “o modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa (juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito) a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva.

Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”.

Como se refere no acórdão de 28.9.2005, processo 2537/05-3.ª, in CJ, S, III, 173, “nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”.

Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou, como diz o acórdão de 22.9.2004, processo 1636/04-3.ª, in SASTJ, n.º 83, “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”.

Ou, como expressivamente se diz no acórdão deste STJ de 16-01-2008, processo 4565/07, da 3.ª Secção: “a norma do artigo 40.º do CP condensa em três proposições fundamentais o programa político-criminal sobre a função e os fins das penas: a) protecção de bens jurídicos; b) a socialização do agente do crime; c) constituir a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento.

O modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art. 40.º determina, por isso, que os critérios do art. 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição.

O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”.

O limite mínimo da pena a aplicar é determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar, cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, 227 e ss.

Se por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, nunca esta pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que - dentro, claro está, da moldura geral - a moldura penal aplicável ao caso concreto, “moldura de prevenção”, há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social.

Dentro da moldura penal abstracta correspondente ao tipo legal, nos termos do artigo 71.º CPenal, funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente:

- o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

- a intensidade do dolo ou da negligência;

- os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

- as condições pessoais do agente e a sua situação económica;

- a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

- a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido neste artigo 71.º, estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena nele definidos.

Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.

Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.

O Professor Figueiredo Dias, em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, edição de 1993, 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma “estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”.

Como se entendeu, entre muitos outros, no acórdão deste Supremo Tribunal de 21.3.2018, processo 49/16.1T9FNC.L1.S1-3.ª, “a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”

Ou, como enunciou o acórdão deste Supremo Tribunal e desta Secção, de 28.4.2016, processo 37/15.5GAELV.S1, “a eventual intervenção correctiva do STJ no domínio do procedimento de determinação da medida da pena só se justificará se, for de concluir, face aos factos julgados provados, que o Tribunal Colectivo falhou na indicação de algum dos factores relevantes para o efeito ou se, pelo contrário, valorou outros que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, se tiver violado as regras da experiência ou se o quantum fixado se mostrar de todo desproporcionado em comparação com o que, para casos semelhantes, vem sendo decidido, nesta matéria, pelo STJ”.

4. Baixando ao caso concreto.

A moldura abstracta penal correspondente ao crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º/1 alíneas a) e c) e 2 é de prisão de 2 a 5 anos.

Na 1.ª instância foi aplicada uma pena de 3 anos e duas penas de 2 anos e 6 meses de prisão.

E a pena única de 6 anos de prisão.

Neste particular, ter-se-ão em conta as concretizações dos critérios legais estabelecidas pela decisão recorrida, que recolheu, em directo, em registo de oralidade e imediação, os elementos necessários/bastantes e suficientes para o efeito, e teve em vista, de forma explanada, os parâmetros legais a observar.

Acompanhamos no geral as considerações tecidas pelo acórdão recorrido, que se mostram certeiras e fundamentadas, importando reter o seguinte:

- as necessidades de prevenção especial manifestam-se tendencialmente elevadas,

- o grau de ilicitude mostra-se elevado, tendo em consideração que se estamos perante várias condutas (não só agressões verbais, mas também físicas, sendo que, quanto a BB, foi agredida enquanto grávida), o período em que duraram as condutas (sendo superior relativamente a BB) e os profundos efeitos psicológicos que teve sob as três vítimas (as quais viram a sua dignidade efetivamente diminuída pelo arguido);

- o arguido agiu sempre com culpa intensa, revestindo o dolo a modalidade de direto;

- foi já condenado a 12.2.2024 pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por facto de 3.7.2023, em pena de multa.

- aparentemente está integrado em termos sociais e laborais.

O arguido para defender o carácter totalmente excessivo, desajustado e desproporcional da pena aplicada, que no mínimo deveria ser suspensa na sua execução, invoca as seguintes circunstâncias:

- nunca foi anteriormente condenado pelo mesmo tipo de crime.

- é uma pessoa com instrução e educação, de família, integrado social, familiar e profissionalmente.

- não tendo prestado declarações, contudo, não podendo ser por isso prejudicado;

- não esteve presente nas diligencias de julgamento por se encontrar a trabalhar fora do território português;

- é um pai extremoso, carinhoso e cuidado com o seu filho menor, pai afável e presente na vida do filho;

- é um homem ferido e sofrido por nunca ter denunciado as várias ofensas e agressões psicológicas de que foi vítima por parte das ofendidas;

- que “jogaram” com a sua condição de homem, provocando o mesmo e fazendo-lhe ciúmes, tentando assim descontrolá-lo e levando-o a demonstrar ciúmes;

- é uma pessoa boa, trabalhadora, com muitos amigos na zona onde vivia em Portugal, tem uma família de nível medio/alto, conhecido por ser um pai extremoso e dedicado;

- foi “apanhado” numa rede onde foi levado por conjugação de esforços entre as três ofendidas que, nomeadamente, se conhecem e tem contactos frequentes, apenas com o intuito de o prejudicar, quando na verdade o que cada uma delas pretendia era ter como companheiro o aqui arguido;

- não conseguiu escapar a uma clara armadilha composta pelas ofendidas, sob forma de vingança;

- sente-se extremamente humilhado e preocupado com o futuro do seu filho, estando consciente que o mesmo necessita da sua presença e cuidados para crescer saudável e equilibrado com a presença do pai.

- nunca colocou em risco a vida de qualquer uma das ofendidas;

- apenas a ofendida e mãe do seu filho menor CC, BB, se constituiu assistente nos autos e deduziu pedido de indemnização civil, nenhuma outra ofendida deduziu qualquer PIC.

Destas apenas os seus antecedentes criminais, o facto de não ter estado presente em julgamento e, naturalmente, de aí não ter prestado declarações, bem como o facto de nunca ter colocado em perigo de vida qualquer das vítimas e que apenas a mãe do filho deduziu pedido de indemnização civil têm respaldo no elenco dos factos provados.

Nenhuma das outras circunstâncias constituem factos provados ou factos que se possam inferir ou extrair dos factos provados.

E, como se sabe o direito aplica-se aos factos provados. E não, aos não provados. Donde não poderão aqui e agora ser valoradas.

E, as outras, manifestamente que não consentem a conclusão extraída pelo arguido, nenhuma só por si ou todas em conjunto, permitem a redução das penas parcelares.

Neste âmbito apenas há que ponderar e extrair ilações dos factos provados, que se repercutam na operação de determinação da medida concreta da pena, não podendo este Tribunal imiscuir-se nem nos factos, nem criticar as ilações deles retiradas, porque a sua intervenção está reservada à matéria de direito.

Factos, que são os seguintes:

- com BB o arguido manteve uma relação amorosa partilhando cama, mesa e habitação durante cerca de 2 anos e até 5 de julho de 2022;

- em comum têm um filho menor de idade;

- no decurso do relacionamento o arguido controlou o dia-a-dia da assistente impedindo-a de sair de casa sem ele e de se relacionar com os seus amigos;

- por inúmeras vezes vasculhou o telemóvel da assistente questionando-a acerca de conversas que lia e imputando-lhe relacionamentos com outros homens;

- numa ocasião, a assistente, comissária de bordo na A..., teve de passar a noite fora de casa, tendo sido obrigada a fazer uma videochamada com o arguido para mostrar o quarto onde pernoitava;

- no decurso dessa chamada, o arguido insinuou que a assistente não estava sozinha no quarto;

- quando discutiam o arguido apelidava a assistente de “puta” e “cabra” e por mais de uma vez a agrediu, esbofeteando-a, empurrando-a e desferindo-lhe cabeçadas;

- no período em que o arguido trabalhou como segurança na empresa P..., para controlar a assistente, colocou uma câmara de filmar no quarto do casal;

- no decurso do relacionamento, por duas vezes, o arguido ameaçou a assistente dizendo-lhe “eu dou cabo de ti”;

- com receio pela sua integridade física, numa das ocasiões, a assistente foi passar um tempo a Portugal continental em casa do pai e noutra a mãe dela veio passar uma semana consigo;

- quando a assistente estava grávida, o arguido agrediu-a por duas vezes, empurrando-a contra a cama fazendo com que se magoasse no ombro direito e noutra esbofeteando-a;

- em março de 2022, no decurso de uma discussão, em casa, a assistente tentou telefonar para a P.S.P. a pedir auxílio e o arguido tirou-lhe o telemóvel da mão desferindo-lhe várias pancadas com o aparelho na cabeça;

- a assistente conseguiu sair de casa, mas o arguido foi no seu encalço, agarrou-a e arrastou-as para dentro;

- no dia 6 de julho de 2022, de madrugada, a assistente estava agachada junto à máquina de lavar a roupa quando o arguido passou por ela e lhe desferiu um pontapé que a atingiu no ombro esquerdo;

- a assistente telefonou à P.S.P. pedindo auxílio e antes de os agentes chegarem ao local o arguido atirou-a para cima da cama e apertou-lhe o pescoço;

- nesse dia assistente e arguido puseram termo ao relacionamento amoroso mas ele permaneceu em casa até arranjar outra casa;

- nesse mesmo dia, à tarde o arguido pediu à assistente para o ir buscar ao seu local de trabalho na ... ao que ela acedeu;

- no percurso para ..., no carro, o arguido começou a questioná-la acerca do tempo que tina demorado e agrediu-a desferindo-lhe uma bofetada e apertando-lhe o queixo com força enquanto ela conduzia;

- a assistente disse que iria fazer queixa à P.S.P., discutiram por causa do filho, e aquela viu um carro da P.S.P. no posto de abastecimento de combustível da GALP em ... para onde conduziu;

- desde então e por mais de uma vez o arguido enviou inúmeras mensagens à assistente acusando-a de ser má mãe e de manter relacionamentos sexuais com outros homens;

- com EE o arguido manteve uma relação amorosa partilhando cama, mesma e habitação durante cerca de quatro meses e até 12 de janeiro de 2023;

- no decurso do relacionamento, por motivo de ciúme, por várias vezes o arguido provocou discussões, em casa, com EE no decurso das quais lhe chamou “puta”, “cabra” e a acusou de manter relacionamento sexual com outros homens;

- numa ocasião, em casa, o arguido apontou uma faca ao pescoço da ofendida fazendo-a temer pela vida;

- por mais de uma vez, quando discutiam, o arguido agrediu a ofendida, tendo-lhe atirado um candeeiro à figura que lhe acertou no nariz e desferido pancadas com o telemóvel na cabeça dela;

- mais lhe desferiu socos e pontapés que a atingiram por todo o corpo;

- no dia 12 de janeiro de 2023, o arguido discutiu com a ofendida logo pela manhã, acusando-a de ter estado com outras pessoas em casa na presença do filho dele;

- bateu-lhe, chamou-lhe “puta”, deu-lhe um soco no olho, atirou-a para cima da cama onde a socou nas pernas e na boca;

- mandou a ofendida ligar para a mãe a vir buscar, voltando a socá-la nas costas.

- com DD o arguido manteve uma relação amorosa durante cerca de um mês, partilhando cama, mesa e habitação entre março e abril de 2023;

- Nesse período o arguido quis controlar o dia-a-dia daquela, telefonando-lhe várias vezes ao dia, querendo saber onde se encontrava e com quem;

- em dia indeterminado do mês de março de 2023, pelas 17h05m, a ofendida ligou ao arguido dizendo-lhe que iria chegar uma pouco atrasada porque estava com um cliente;

- o arguido não acreditou, retorquiu que ela estaria com um homem e, já em casa, discutiu com a companheira chamando-lhe “puta”;

- diariamente, aproveitando o facto de a ofendida tomar banho quando chegava do trabalho, o arguido vasculhava o conteúdo do telemóvel dela e depois confrontava-a com teor de algumas mensagens acusando-a de estar a combinar encontros com outros homens;

- no mesmo período, enviou mensagem de voz a um amigo da ofendida exigindo-lhe que lhe enviasse uma impressão das conversas que tinham mantido;

- em outra ocasião, em casa, o arguido discutiu com a ofendida por ela ter na lista telefónica números de outros rapazes, chamou-lhe “puta”, empurrou-a contra a parede, puxou-lhe o cabelo e apertou-lhe o pescoço acabando ela por perder os sentidos;

- nestas ocasiões, o arguido ameaçava a ofendida de que se contasse o que se passava faria mal à família dela;

- em dia indeterminado do mesmo período, a ofendida arrumou os seus pertences e pretendeu abandonar a casa que partilhava com o arguido;

- não o fez porque o arguido lhe que ordenou que não abrisse a porta caso contrário lhe bateria ali mesmo;

- quando a ofendida pousou os sacos de roupa no chão, o arguido apertou-lhe o pescoço e chamou-lhe “puta” e “cabra”;

- depois disso a ofendida saiu de casa não mais tendo voltado;

- entre abril e o dia 25 de maio de 2023, o arguido telefonou-lhe e enviou-lhe inúmeras mensagens querendo saber com quem estava, encontrar-se com ela e reatar o relacionamento;

- no dia 22 de maio de 2023, a ofendida viu-se obrigada a encontrar-se com o arguido porque ele a ameaçou de que se não o fizesse mataria alguém da família dela;

- tal encontro veio a suceder pelas 17h20m;

- assim que se aproximou da ofendida o arguido discutiu e deu-lhe uma bofetada na cara;

- a agressão cessou por intervenção de um transeunte;

- o arguido já no seu automóvel, e quando se preparava para sair do local, mostrou, abanando-a em direção à ofendida, uma faca de cozinha, o que a fez ficar em pânico;

- a ofendida ficou dentro do carro a chorar, sem conseguir sair dali, tendo sido auxiliada por outra pessoa que chamou a P.S.P.;

- antes da P.S.P. chegar ao local o arguido voltou e exigiu que a ofendida o levasse a casa;

- durante o percurso, discutiu com ela, chamou-lhe “puta” e “cabra” e disse-lhe que andava a enganar;

- mais tarde ameaçou-a de morte, bateu-lhe na cara e no braço direito, apertou-lhe o pescoço;

- entre esse dia e o dia 1 de junho de 2023, o arguido telefonou insistentemente à ofendida através do número .......77, causando-lhe sobressalto e pânico, tendo no dia 23 de maio de 2023 efetuado 189 chamadas;

- no dia 25 de maio de 2023, o arguido enviou várias mensagens à ofendida chamando-lhe “puta” e “cabra”, ameaçando-a de morte, dizendo-lhe que também poria termo à vida e que a culpa era dela. Mais lhe disse, em mensagem de voz, que iria atrás dela e dos seus familiares.

E, no caso concreto, não se mostra que tenham sido ponderadas circunstâncias que não o devessem ser ou deixado de ponderar outras que o devessem ser.

Porventura, evidencia-se uma ou outra nuance – em desfavor do arguido - a que adiante faremos referência.

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente.

Estamos perante a violação de um bem jurídico de grande importância na vida em sociedade, reportado ao núcleo da vida familiar, que suporta e que alicerça a vida em sociedade, que aqui se materializam, em concreto, em factos – tidos como com elevado grau de ilicitude – que atenta a forma como os factos foram praticados, a sua natureza, o tempo que perduraram e as suas consequência imediatas e directas, cremos revelaram uma ilicitude, absolutamente mediana, sem nada que acrescente à normal e paradigmática forma como este crime é praticado.

Excepção feita quanto à mãe do filho, que na ocasião estava grávida, por isso mais indefesa, por um lado e, por outro, a aumentar, a potenciar o risco de sequelas bem mais graves.

b) A intensidade do dolo ou da negligência.

A culpa do arguido é de normal intensidade a nível de dolo directo, não mitigado por qualquer circunstancialismo.

Isto porque, apesar da actuação com dolo directo, tal não se traduz, de forma necessária, numa culpa de elevada intensidade – como se decidiu.

Com efeito, dolo directo não significa dolo intenso, não significa intenção criminosa de grande intensidade. Significa, tão só, que o agente actuou com vontade dirigida à realização do facto. De resto, a materialidade provada evidencia, também, aqui, uma mediana, absolutamente normal, intensidade dolosa, no cometimento dos factos. Estamos, com efeito, perante um caso absolutamente paradigmático, sem nada de realce que o distinga da normalidade, em relação à forma de cometimento deste ilícito penal.

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram.

Naturalmente que subjacente à actuação do arguido está o objectivo de humilhar, diminuir, amedrontar, perseguir, maltratar psicológica e fisicamente as ofendidas, com quem a cada momento vivia maritalmente e, mesmo em, alguns casos, em momentos posteriores.

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica.

O arguido é de modesta condição económica e média condição social e estava integrado em termos profissionais à data dos factos - o, que, não obstante, não o impediu, não o dissuadiu, não bloqueou o desígnio criminoso.

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.

Nada havendo de realce neste capítulo, a não ser a já mencionada falta de antecedentes criminais relevantes.

Finalmente, as prementes necessidades de prevenção geral, designadamente, a particular ressonância que estes crimes – que ocorrem cada vez mais, com inusitada e assustadora frequência, à escala nacional e global - sempre provocam na comunidade e, as, ainda assim, não tão prementes, de prevenção especial.

Neste segmento, em sede de prevenção, procura-se alcançar a neutralização dos efeitos negativos da prática do crime.

Como refere o Professor Figueiredo Dias em O sistema sancionatório do Direito Penal Português inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, 815, “a prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.

E, refere o acórdão deste Supremo Tribunal de 4.7.1996, in CJ, S, II, 225, “com o recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos”.

Diz, ainda, Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, 325, “trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir”.

As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são elevadas, fazendo-se especialmente sentir neste tipo de infracção, tendo em conta o bem jurídico violado no crime de violência doméstica – a saúde, a integridade física e psíquica e a liberdade pessoal e honra – e impostas pela frequência do fenómeno, que vem assolando a sociedade (sem dar sinais de abrandamento) e, do conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam na comunidade e das conhecidas consequências para os elementos dos agregados familiares, justificando resposta punitiva firme.

Com referência a este preciso e concreto tipo legal, assinala o acórdão deste Supremo Tribunal de 7.2.2018, processo 312/15.9POLSB.S1-3.ª, “a nível da prevenção geral, as exigências são fortíssimas, atendendo à persistência e à disseminação do fenómeno da violência doméstica, que não dá mostras de retrocesso, mau grado todas as medidas de ordem preventiva e repressiva adotadas”.

E a violência doméstica vem estando nas prioridades de política criminal, como resulta da Lei 96/2017, para o biénio 2017-2019, cfr. artigo 2.º alínea f) “violência doméstica”; da Lei 5572020, para o biénio 2020-2022, cfr. artigo 4.º alínea c), “violência doméstica” e da Lei 51/2023, para o biénio 2023-2025, cfr. artigo 4.º alínea a) “ violência domestica”.

Sendo, ainda, de realçar que o tipo legal de violência doméstica integra o conceito de “criminalidade violenta”, na definição da alínea j) do artigo 1.º CPPenal – o do caso concreto – e ainda o da alínea l) de “criminalidade especialmente violenta”.

E, assim, nenhuma das considerações acerca da dogmática do direito penal e nenhuma das circunstâncias, por si só, ou todas ponderadas, em conjunto, de entre as tecidas e alegados pelo arguido, permite fundamentar a redução das medidas concretas das penas parcelares, desde logo.

Nem o facto de apenas uma das ofendidas ter deduzido pedido de indemnização civil.

Tão pouco o facto de não ter sido criado perigo para a vida de nenhuma das vítimas. Se o tivesse sido, porventura, estaríamos perante uma moldura bem mais gravosa ou mesmo, perante um crime diverso e, bem mais grave.

Penas inferiores às aplicadas não seriam, nunca, como defende o arguido, harmoniosa, nem proporcional, nem justas em face do seu mediano grau de culpa, a título de dolo directo.

Em face do que vem de ser dito, manifestamente, que as medidas concretas das pena parcelares não ficam nem aquém, nem além, do que no caso se deve ter como aceitável e adequado à medida da respectiva culpa e, da mesma forma, se mostram fixada em valores, que se têm como susceptíveis de assegurar, quer, o premente interesse da prevenção geral, quer, o, ainda assim, necessário, de socialização e de dissuasão, reportado à prevenção especial. E, assim, de cumprir a sua função de transmitir a noção de censura social dos apurados comportamentos dos arguidos.

Isto porque como expressivamente se referiu no Ac. STJ de 1.4.98, in CJ, S, II, 175, “as expectativas da comunidade saem goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa de uma miragem, quando a medida concreta da pena não possui o vigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando o limite da culpa. Se uma pena de medida superior à culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constitui um desperdício”.

Por todo o exposto, ponderando todos os elementos enunciados, tendo em consideração a moldura penal abstracta, de prisão de 2 a 5 anos, consideramos equilibradas e adequadas as penas parcelares aplicadas – todas elas, ainda assim, abaixo do ponto médio, de 3 anos e 6 meses - sem que se justifique a intervenção corretiva deste Supremo Tribunal.

Improcede, pois, o recurso nesta parte.


5. A pena única

Neste segmento, como no anterior, o arguido continua a não quantificar o quantum da redução da pena, apenas se podendo, implicitamente, concluir que ao pretender ver a pena única suspensa na sua execução, atento o limite temporal previsto no artigo 50.º/1 CPenal, pretenderá que a pena única seja fixada num valor que não ultrapasse o patamar dos 5 anos de prisão.

Dispõe o artigo 77.º/1 CPenal, a propósito da punição do concurso de crimes, que, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

E o n.º 2, dispõe que, “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

Assim sendo, no caso, a moldura penal do concurso situa-se entre os 3 e os 8 anos de prisão.

A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria.

No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes e, por outro, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação de concurso), exige-se uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º CPenal.

Maia Gonçalves, in Código Penal Português Anotado e Comentado, 18.ª edição, 295, salientava que “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença. Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”.

A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever - ser jurídico penal.

Como refere o professor Figueiredo Dias, in Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 183/5, “(…) o substracto da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto e, portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena”.

E, o mesmo autor, in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, 290/1, “estabelecida a moldura penal do concurso, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72.º/1 (actual 71.º/1), um critério especial: o do artigo 78.º/1 segunda parte (actual 77.º), segundo o qual na determinação concreta da pena do concurso serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

E, ainda, no § 421, 291/2, acentua “que na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.

A propósito dos critérios a atender na operação de determinação e fundamentação da pena única o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, a dar indícios de projecto de uma carreira, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido, mas antes numa conjunção de factores ocasionais, sem relação entre si e, sem repercussão no futuro.

A autoria em série será factor de agravação dentro da moldura penal conjunta, enquanto a pluriocasionalidade, que não radica na personalidade, não terá esse efeito agravante.

Na expressão dos acórdãos deste Supremo Tribunal de 20.2.2008, processo 4733/07 e de 8.10.2008, processo 2858/08-3.ª, na elaboração do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude e, a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade.

Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, unificado, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.

Na formação da pena conjunta é fundamental uma visão e valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares de modo a que a pena global reflicta a personalidade do autor, o conjunto dos factos e a interacção destes com aquela.

Por outro lado, na pena única há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso, levando, sempre em consideração os critérios gerais da determinação da medida da pena contidos no artigo 71.º – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º - a necessidade de tutela dos bens jurídicos violados e as finalidades das penas.

Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 10.9.2009, processo 26/05.8SOLSB-A.S1-5.ª, “a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas”.

“Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta”, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 23.9.2009, processo 210/05.4GEPNF.S2-5.ª.

É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras.

Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 21.6.2012, processo n.º 38/08.0GASLV.S1, “numa situação de concurso entre uma pena de grande gravidade e diversas penas de média e curta duração, este conjunto de penas tem de ser objecto de uma especial compressão para evitar uma pena excessiva e garantir uma proporcionalidade entre penas que correspondem a crimes de gravidade muito díspar; doutro modo, corre-se o risco de facilmente se poder atingir a pena máxima, a qual deverá ser reservada para as situações de concurso de várias penas muito graves”.

Regressando ao caso concreto

Como se referiu, a moldura penal do concurso relativa ao recorrente situa-se entre 3 anos e os 8 anos de prisão.

O acórdão recorrido sobre a determinação da pena única disse que,

- há que atender aos factos e à personalidade do agente, apreciados conjuntamente, pelo que, realizando uma análise genérica e consequencial de toda a factualidade, de modo a fazer corresponder a punição aos factos e às exigências pessoais e sociais que a sua prática suscitou, com o máximo rigor e acerto, e recorrendo ao que já se escreveu aquando das exigências de prevenção geral e especial, mas não esquecendo a gravidade dos factos e efeitos sobre as três vítimas, se demonstra adequada a fixação da pena única do concurso em 6 anos de prisão.

A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções.

Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do ora recorrente, em todas as suas facetas.

A imagem global evidencia a ocorrência da primeira situação durante cerca de 2 anos, até 5 de Julho de 2022, da segunda, durante cerca de quatro meses, até 12 de Janeiro de 2023 e, da terceira, durante cerca de um mês, entre Março e Abril de 2023.

Na determinação da pena conjunta impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade, nos factos, revelada.

Aqui relevando o facto de o arguido não ter ainda interiorizado, percepcionado o real valor da ilicitude da sua conduta, tão pouco assumir, que os factos estando de forma próxima relacionados entre si, no tempo e no contexto, terão origem numa característica da sua personalidade, onde se evidencia a falta de auto-crítica ou auto-censura, não assumindo a sua responsabilidade, procurando enfocar a culpa nos comportamentos das três mulheres, cada uma delas a seu tempo, alvo de violência doméstica.

Importa ter em conta a natureza e a igualdade dos bens jurídicos tutelados, ou seja, aqui, a dimensão e a intensidade da repetida lesão do mesmo bem jurídico na actuação global do arguido.

A evidenciar mais que uma tendência, um indesmentível padrão e comportamento.

Se o arguido não perceber isto, então não percebeu nada.

E, como vimos, nesta sede, é de ponderar o necessário e ajustado grau de relevo ao efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do arguido, reportado às exigências de prevenção especial de socialização.

Por todo o exposto, não se justifica intervenção correctiva, mantendo-se a pena única aplicada.

6. A suspensão da execução da pena

A questão da eventual suspensão da execução da pena pressupunha, desde logo, que procedesse o segmento do recurso atinente à redução da pena única, de modo a que não ultrapassasse o patamar dos 5 anos de prisão, cfr. artigo 50.º/1 CPenal.

Apenas neste cenário, de uma redução na medida da pena única aplicada, se poderia equacionar tal eventualidade, pois face à pena em 1.ª instância – e aqui e agora, confirmada - não é possível ponderar tal possibilidade, por estar ultrapassado o limite de 5 anos.


III. Decisão

Pelo exposto, acordam na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, assim se mantendo a decisão recorrida nos segmentos impugnados.

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC,s, nos termos dos artigos 513.º/1 CPPenal e 8.º/9 do RCP e Tabela III anexa

Processado em computador, elaborado e revisto integralmente pelo Relator (artigo 94.º/2 CPPenal), sendo assinado pelo próprio e pelos dois Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

Supremo Tribunal de Justiça, 2025.ABR.23

Ernesto Nascimento - Relator

Ana Paramés – Juíza Conselheira Adjunta

José Piedade - Juiz Conselheiro Adjunto