Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10004/18.1T9LSB.G1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: RECURSO PENAL
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DUPLA CONFORME
PENA PARCELAR
CÚMULO JURÍDICO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 11/03/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSIATDO EM JULGADO
Sumário :
Decisão Texto Integral:

Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



1. Relatório

1.1. No processo comum colectivo n.º 10004/18.1T9LSB, da Comarca ....., Juízo Central Criminal ....... J.., por acórdão de 7.01.2021 e na parte que interessa ao recurso, foi o arguido AA condenado pela prática:

- Em co-autoria material, de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, material, do art.º 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-A, do mesmo diploma legal, na pena de 04 (quatro) anos e 06 (seis)meses de prisão;

- Em co-autoria material, de um crime de roubo qualificado, dos arts 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), e 204.º, n.º 1, al. a) e f), ambos, do CP, (ofendido BB), na pena de 05 (cinco) anos de prisão,

- Em co-autoria material, de crime de roubo qualificado dos arts 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), e 204.º, n.º 1, as. a) e f), ambos, do CP, (ofendida CC), na pena de 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de prisão;

- Em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, dos art.º s 3º, n º 4, al. a) e art.º 86º, n º 1, al. c), da Lei n º 5/ 2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 5,5€, no montante global de 1 100€ (mil e cem euros);

- Em cúmulo jurídico das penas parcelares, nos termos do art.º 77º, n º s 1, 2 e 3, do Código Penal, na pena única de 8 (oito) anos de prisão e na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 5,5€, no montante global de 1 100€ (mil e cem euros).

Por acórdão de 24-05-2021, do Tribunal da Relação ……., foram as penas aplicadas relativas aos crimes de tráfico de estupefacientes e roubo qualificado  inteiramente confirmadas, e, na procedência do recurso interposto pelo Ministério Público, foi o arguido condenado na pena de 01 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, pelo crime de detenção de arma proibida e na pena única de 08 (oito) anos e 06 (seis) meses de prisão.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo:

“1. DAS DISPOSIÇÕES GENÉRICAS: A verdade é que correspondem não propriamente a factos constantes dos pontos 1.2 e 1.5 da matéria de facto provada, mas antes a imputações genéricas, com utilização de fórmulas vagas, imprecisas, nebulosas, difusas, obscuras, que é de evitar de todo em sede de fundamentação de facto, como vem sendo acentuado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

2. Como vem sendo afirmado pela jurisprudência dominante do STJ, as imputações genéricas, designadamente no domínio do tráfico de estupefacientes, sem qualquer especificação das condutas em que se concretizou o aludido comércio e do tempo e lugar em que tal aconteceu, por não serem passíveis de um efectivo contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado, não podem servir de suporte à qualificação da conduta do agente».

3. No modesto entendimento do ora Recorrente nenhuma prova foi produzida, que permitisse julgar como provados os pontos de facto ora impugnados.

4. De facto dizer-se que: Como forma de obter proventos financeiros e, assim, prover ao seu sustento e dispor de dinheiro para todas as suas despesas, o arguido AA, em data não apurada, mas seguramente no período compreendido entre janeiro de 2018 a 20 de novembro de 2019, decidiu adquirir heroína e proceder à sua revenda terceiros por preço superior ao da aquisição. O arguido AA adquiriu heroína posteriormente a vender. Com todo o respeito que é devido, o qual é sempre muito, não é nada!

5. Desde data não concretamente apurada o arguido decidiu adquirir heroína para proceder à sua revenda a terceiros, por preço superior ao da aquisição, jamais poderia ser ajuízado como facto.

6. O arguido por muito que se queira defender de tal imputação não consegue.

Adquiriu a quem? Porque Preço? Onde? Quando? Que quantidade? Que qualidade? Quantas vezes? Vendeu a quem? Onde? Quando? Porque preço?

Quantas vezes? A quantas pessoas? Com que frequência? Qual lucro? Qual preço superior?

7. Todas estas questões ficaram por responder, e sem essa resposta jamais o arguido se poderia defender.

8. Mas mais, tais questões ficaram por responder porque efetivamente não foi produzida qualquer prova que permitisse responder às mesmas.

9. Esta indefinição impõe necessariamente que tais “factos”, passem a constar dos factos não provados. Por outro lado, não foi ouvida, uma única testemunha que haja adquirido qualquer produto estupefaciente ao arguido.

10. Ora da própria decisão se pode inferir, que o Tribunal a quo entendeu que quer as escutas telefónicas quer a demais prova eram insuficientes para condenar os arguidos pela prática de tal crime.

11. Mais concluiu que, para além da prova segura da apreensão efetuada de heroína ao arguido AA, tudo o mais alegado na acusação relativamente ao alegado tráfico de estupefacientes pelos DD, EE e FF é por demais frágil e insustentado.

12. Ora assim sendo, o arguido jamais poderia ter sido condenado pela prática dos “factos” descritos nos pontos 1.2 e 1.5.

13. Pois da apreensão efetuada em Novembro de 2019, não se pode dar o salto (i)lógico, de que este procedeu à venda de heroína a terceiros desde data não apurada, mas pelo menos desde Janeiro de 2018 até Novembro de 2019.

14. Pois prova alguma foi produzida nesse sentido. Mais o Tribunal também não refere em que prova se alicerçou para valorar como provado que a heroína apreendida se destinava à venda.

15. Não refere, nem poderia referir pois não foi produzida qualquer prova nesse sentido.

16. Assim, entende o arguido que foram violadas várias normas, mormente o artigo 127º do CPP e ainda, os artigos 32° n° 1 e 205º nº1 da Constituição da República Portuguesa.

17. DO PRODUTO ESTUPECIENTE APREENDIDO: Compulsados os autos, verifica-se que o exame pericial realizado, não determina nem o número de doses diárias, nem o grau de pureza do produto apreendido.

18. Ora contrariamente ao que se refere na decisão recorrida, tal facto não é nem pode ser inócuo, nomeadamente, para a condenação ou absolvição, bem como, para a qualificação.

19. A questão de que importará conhecer consiste essencialmente em saber se a substância apreendida ao arguido não excede a quantidade necessária para o consumo médio individual durante 10 dias, não integrando a sua actuação a prática nem do crime de tráfico nem do crime p. e p. pelo artigo 40º, nº 2 do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro.

20. Importa, por consequência, precisar como se determina a quantidade de estupefaciente necessário para o consumo médio individual durante 10 dias.

21. Nos termos do artigo 71º do Decreto-Lei nº 15/93 a dose média individual diária é calculada com base na quantidade de produto activo presente no produto estupefaciente que esteja em causa (cfr. alínea c)).

22. A Portaria nº 94/96 de 26 de Março, para que remete o corpo do citado artigo 71º, indica no seu mapa a quantidade máxima de princípio activo para cada dose média individual diária.

23. No acórdão recorrido, não existe a afirmação factual produzida no sentido de que a quantidade apreendida daria para pelo menos para X doses, e excedia o necessário para o consumo durante dez dias.

24. Padece assim, de um manifesto erro, sendo igualmente errada a afirmação implícita da validade de qualquer juízo técnico-científico do exame efectuado nessa matéria.

25. É o que resulta do disposto no artigo 71º, nº 3 do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro quando preceitua que os limites referidos na Portaria 94/96 são apreciados nos termos do artigo 163º do Código de Processo Penal, ou seja, nos termos da prova pericial (cfr. o Ac. do Tribunal Constitucional nº 534/98).

26. O juízo científico em que se funda a conclusão pericial não pode ser posto em causa pelo juiz a não ser pelo confronto com outra prova divergente igualmente com base científica.

27. Ou seja, tendo o Tribunal a quo condenaNdo o arguido pelo crime de tráfico de estupefacientes, sem aferir o número de doses para o qual daria o produto apreendido, incorreu em erro. Pois o produto após análise, poderia não ser sequer suficiente para 10 doses.

28. Aliás, se o produto apreendido contivesse grau de pureza suficiente para ser determinado o número de doses, concerteza este estaria consignado no exame efetuado e junto aos autos.

29. Estranho e absurdo seria que o Tribunal a quo estivesse vinculado a um manifesto erro de cálculo que o exame ao produto estupefaciente contém e que os erros de cálculo contidos num exame, a pretexto de terem natureza técnico-científica, não pudessem ser rectificados!

30. O acórdão recorrido, padece do vício de erro notório na apreciação da prova a que alude o artigo 410º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Penal que ocorre sempre que se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto contido no texto da decisão.

31. Mais existe esse erro quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis.

32. Porque se trata de matéria do conhecimento oficioso pode este Tribunal dela conhecer não obstante a inabilidade do recurso antes apontada.

33. Não contendo o processo os elementos necessários à sanação do vício, o arguido terá necessariamente de ser absolvido da prática do crime de tráfico.

34. Ou caso assim não se entenda, questão que apenas por mera cautela de patrocínio se coloca, ser em nome do princípio do in dubio pro reo, condenado pelo crime de tráfico de menor gravidade, visto que não se apurou o número de doses para as quais aquele produto seria suficiente.

35. DO CRIME DE DETENÇÃO DE ARMA PROÍBIDA: Porquanto, entende o Arguido, que não foram carreados para os autos elementos probatórios, que contenham provas suficientes, de que foi o Arguido autor dos factos que consubstanciam a prática de um crime de detenção de arma proibida.

36. Quanto ao crime ora em crise, mal andou, o Acórdão Recorrido ao condenar o recorrente pelos factos que consubstanciam a prática de um crime de detenção de arma proibida.

37. De facto, inexistem nos autos quaisquer elementos probatórios que corroborem, pelo menos com a suficiência que é exigível, que o ora recorrente foi o autor dos factos pelos quais foi condenado.

38. Aliás, não existe nos autos um único elemento probatório que possa indiciar suficientemente, que tivesse sequer o conhecimento de que a arma e as munições ali se encontravam.

39. Que fosse o recorrente o proprietário das mesmas, e que tivesse sido este a ocultá-las naquele local.

40. A verdade é que não foi carreado para os autos, um único elemento probatório, que comprove tais factos com a certeza que é exigível nesta fase processual.

Nem sequer pela prova testemunhal carreada para os autos. Nem da prova documental carreada, para os presentes autos.

41. Não conseguindo o Arguido alcançar, ainda que haja compulsado os presentes autos de forma atenta, como pode o Tribunal a quo concluir que foi o Arguido o autor do crime de detenção de arma proibida.

42. Pelo exposto e sem necessidade de mais fundamento ou desenvolvimento, pelo crime de detenção de arma proibida.

43. DA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL ENTRE A MATÉRIA DE FACTO E A MOTIVAÇÃO Refere a motivação da decisão em matéria de facto, o seguinte, no que tange ao crime de tráfico de estupefacientes: Quanto ao alegado tráfico de estupefacientes, cumpre referir que a acusação alicerça-se basicamente nas interceções telefónicas, nas quais os arguidos AA, DD, EE e FF usando uma linguagem codificada, parecem indiciar que poderão estar a falar de produto estupefaciente (mas também podem estar a falar de outra coisa, tanto mais que não foram “apanhados” em flagrante ou em quase flagrante delito; exceto o arguido AA quanto à posse de heroína), contudo para além da prova segura da apreensão efetuada de heroína ao arguido AA, tudo o mais alegado na acusação relativamente ao alegado tráfico de estupefacientes pelos DD, EE e FF é por demais frágil e insustentado.

44. Por sua vez, consta da matéria de facto provada o seguinte: 1.2. – Como forma de obter proventos financeiros e, assim, prover ao seu sustento e dispor de dinheiro para todas as suas despesas, o arguido AA, em data não apurada, mas seguramente no período compreendido entre janeiro de 2018 a 20 de novembro de 2019, decidiu adquirir heroína e proceder à sua revenda terceiros por preço superior ao da aquisição. 1.5. – O arguido AA adquiriu heroína posteriormente a vender.

45. O vício a que alude o art.º 410º, nº 2, b) do CPP, apenas se verificará quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões antagónicas entre si e que não podem ser ultrapassadas, ou seja, quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão.

46. É o que sucede no caso dos autos, ao dar-se como provado que o arguido vendeu heroína desde data não concretamnente apurada até Novembro de 2019, e ainda, ao dar-se como provado que o produto apreendido se destinava a ser vendido.

47. E inversamente, fundamentando-se que para além da prova segura da apreensão efetuada de heroína ao arguido AA, tudo o mais alegado na acusação relativamente ao alegado tráfico de estupefacientes é por demais frágil e insustentado.

48. Ou seja, como resulta expressamente da letra da lei, qualquer dos vícios a que alude o nº2 do art. 410º do CPP tem de dimanar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso a quaisquer elementos externos à decisão, designadamente às declarações ou aos depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo durante o julgamento.

49. Do exposto se conclui que a forma como nos surgem equacionadas as matérias supra-referidas na sentença recorrida constituem um atropelo às regras da lógica e da experiência, consubstanciando diversas situações subsumíveis ao disposto na al. b) do nº.2 do art. 410º. CPP

50. DA NULIDADE DAS ESCUTAS TELEFÓNICAS Os presentes autos, tiveram o seu início com certidão extraída do processo nº 3143/16……., sendo que em tais autos investigava-se a prática de um crime de tráfico de armas, alegadamente praticado pelo Recorrente AA e por um cidadão de nome GG.

51. Com esta certidão foram desde logo juntas interceções telefónicas entre um indivíduo de alcunha “HH” e o Recorrente AA, ao qual foi atribuído o telemóvel nº ......136.

52. Contudo, não foi junto aos autos qualquer despacho judicial proferido naquele outro processo a autorizar as escutas.

53. Assim sendo, entendemos, como nos parece que tem sido o entendimento da nossa jurisprudência, que os conhecimentos da investigação podem ser utilizados em outro processo.

54. Para tal, basta que os suportes técnicos das conversações e os despachos que fundamentam as intercepções sejam juntos ao processo em que devam ser utilizados como meio de prova, sendo extraídas, se necessário, cópias para o efeito, dando-se a hipótese de sindicar a legalidade deste método de obtenção de prova aos sujeitos processuais deste processo.

55. Por outro lado, evidenciando sempre a necessidade de o conhecimento fortuito ter de pertencer ao catálogo legal do art. 187.º do CPP, temos os acórdãos do STJ de 16 de Outubro de 2003265 e de 29 de Abril de 2010 (6 Cf. Acórdão do STJ de 29/04/2010; Processo n.º 128/05.OJDLSB-A.S1; Relator: SOUTO DE MOURA), sendo que pode ler-se o seguinte nesta última decisão: “ […] se se colherem informações marginais que denunciam o conhecimento de outro crime não constante do elenco referido, não poderão tais informações fortuitas ser usadas para instruir crimes de gravidade inferior à referenciada, para os crimes referidos no art. 187.º do CPP.

56. Como tal, está consagrado um princípio de proibição de valoração dos conhecimentos fortuitos que não estejam em conexão com um crime do catálogo e em função do qual não foi autorizada a escuta que esteve na sua origem” - Ainda no que concerne a este último acórdão, verificamos que foi autorizada uma escuta telefónica pelo crime de corrupção, mas no decurso das operações descobriu-se, de forma ocasional, um crime de burla simples.

57. Como se trata de um conhecimento fortuito, o mesmo não pode ser valorado, uma vez que não pertence ao catálogo legal do art. 187.º do CPP e, para além disso, o MP não deduziu acusação pelo crime que motivou o recurso a tal método de obtenção de prova.

58. Se aqui não se suscitam problemas, cumpre perguntar o seguinte: se o conhecimento fortuito pertencesse ao catálogo legal e não fosse deduzida acusação pelo crime legitimador da escuta telefónica, mesmo assim podia o achado casual ser valorado?

59. Em princípio diremos abertamente que sim, uma vez que o conhecimento fortuito quando é descoberto vai ser utilizado, valorado, noutro processo, em curso ou a instaurar.

60. Contudo, não nos podemos esquecer que a sua génese é o processo original onde foi autorizada a intercepção das telecomunicações, estabelecendo-se um vínculo entre este e as escutas do processo original, de tal forma que se as mesmas forem consideradas prova proibida por violação dos artigos 187.º, 126.º, n.º 3 do CPP e 32.º, n.º 8 da CRP, o efeito à distância desta proibição de prova estender-se-á até aqueles conhecimentos.

61. Assim, se para a valoração dos conhecimentos da investigação enquanto tal, é defendido que se o crime motivador da intercepção das telecomunicações não constasse do despacho de acusação, ele seria um conhecimento fortuito, também no domínio dos conhecimentos fortuitos em que não seja deduzida acusação pelo crime que forneceu base à escuta, o mesmo só pode ser valorado se pertencesse ao catálogo legal, como forma de obstar a abusos no recurso a este método de recolha de prova.

62. O que acaba por ser uma falsa questão, porque é pressuposto legal da valoração dos conhecimentos fortuitos o facto de os mesmos pertencerem ao catálogo legal, como resulta do art. 187.º, n.º 7 do CPP, pelo que mesmo que não seja deduzida acusação pelo crime que legitimou a escuta, os mesmos podem ser valorados.

63. As intercepções telefónicas que levaram à condenação do Recorrente foram interceptadas no âmbito do processo n.º 3143/16......., que corre termos na Comarca de ….. – DIAP de ….., nas quais o Recorrente não é parte.

64. A PSP efectuou uma livre interpretação e adaptação das mesmas, a qual foi adoptada na íntegra no Douto Acórdão, de forma a conduzir à conclusão de que o Recorrente houvera praticado os factos, e levando à sua condenação, sem qualquer outro meio de prova que a sustente;

65. Não foi devidamente fundamentada a decisão de utilização dessas intercepções, em clara violação do disposto no art.º 187.º n.º 7 CPP, o que constitui nulidade insanável, art.º 190.º CPP, sendo as mesmas prova proibida, art.s 32 n.º 8 CRP e 126 n.º 3 CPP;

66. O resultado dessas intercepções, constitui conhecimentos fortuitos, que extravasam o núcleo de fontes de informação previstas no meio de obtenção de prova em causa, sendo que nenhuma condenação poderá ser fundada, predominantemente, em provas que não tenham podido ser produzidas directamente em audiência, ou, ao menos, submetidas ao princípio do contraditório em momento adequado do processo, como acontece com as intercepções recolhidas em sede de inquérito e cuja transcrição é descontextualizada e feita por excertos, nunca tendo sido facultado à defesa o acesso às transcrições completas, tal como constam no processo onde foram interceptadas, nem ao suporte áudio das mesmas, em claro desrespeito pelo Princípio do Contraditório.

67. A este propósito decidiu o Tribunal Constitucional, no Ac. n.º 407/97, de 21.05.1997 , que “a existir ingerência nas telecomunicações, no quadro de uma previsão legal atinente ao processo criminal (a única constitucionalmente tolerada), carecerá sempre de ser compaginada como uma exigente leitura à luz do princípio da proporcionalidade, subjacente ao art. 18.º, n.º 2, da Constituição, garantindo que a restrição do direito fundamental em causa (de qualquer direito fundamental que a escuta telefónica, na sua potencialidade danosa possa afectar) se limite ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do seu agente.

68. Nesta ordem de ideias, a imediação entre o juiz e a recolha da prova através da escuta telefónica aparece como o meio que melhor garante que uma medida com tão específicas características se contenha nas apertadas margens fixadas no texto constitucional”.

69. Mais acresce que o Juiz prorroga as escutas sem qualquer fundamentação remetendo para despachos proferidos anteriormente, os quais não se encontram juntos aos autos.

70. Com efeito, só acompanhando a recolha de prova, através desse método em curso, poderá o juiz ir apercebendo os problemas que possam ir surgindo, resolvendo-os, e assim, transformando apenas em aquisição probatória aquilo que efectivamente pode ser.

71. Por outro lado, só esse acompanhamento coloca a escuta a coberto dos perigos - que sabemos serem consideráveis - de uso desviado”.

72. A nossa lei processual penal não exige a realização de outros meios de investigação e de prova em momento anterior a uma ordem judicial de intercepção telefónica.

73. É, porém, fundamental que existam motivos e razões de convencimento por parte do juiz competente, para crer, que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou da prova – que de outra forma seria impossível ou muito difícil de obter –, não sendo necessário que existam já consolidados indícios do crime, nem que as informações em causa possam ser obtidas por outros meios.

74. Necessário se torna, igualmente, que o processo já se encontre em curso, não podendo nem devendo a diligência ser um mero instrumento de investigação extra-processual.

75. Vejamos, agora, o derradeiro obstáculo colocado à utilização das escutas telefónicas realizadas.

76. Em conclusão, vê-se aqui claramente que foram beliscados os direitos de defesa dos arguidos, designadamente no que se prende com o aproveitamento probatório para o presente processo das escutas telefónicas realizadas no âmbito dos autos n.º 3143/16....... , cujas transcrições, suportes magnéticos e despachos judiciais de autorização não se encontram juntos aos autos.

77. Nesta conformidade, não se mostram reunidos todos os pressupostos para considerar no presente âmbito os conhecimentos obtidos através das escutas telefónicas efectuadas no processo n.º 3143/16......., sendo que por esta via toda a prova obtida através das interceções telefónicas se mostra inquinada.

78. Face ao exposto, devem todas a escutas e respetivas transcrições, serem declaradas nulas por inobservancia do formalismo legal, com todas as consequências legais que daí advehnam.

79. DO CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES considerou no Douto Acórdão do qual se recorre nesta sede, que a factualidade provada é subsumível, relativamente à arguida Recorrente à prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º do DL 15/93 de 22 de Janeiro.

80. Da factualidade provada, entende o Recorrente que a mesma, quando muito, apenas se poderá subsumir ao tipo legal p. e p. pelo art.º 25º do Dl. 15/93 de 22 de Janeiro – TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE.

81. Isto sem prescindir de tudo, o quanto se alegou em matéria de facto, pois mantemos o entendimento de que não se tendo apurado a qualidade do produto apreendido, a saber número de doses e grau de pureza, jamais o arguido poderia ser condenado, pelo crime de tráfico.

82. Contudo, e mesmo que assim não se entenda, a dúvida terá de militar a favor do arguido. Ou seja, na ausência de qualquer outra prova, para além da apreensão efetuada, e não se tendo conseguido apurar para quantas doses, aquele produto seria suficiente, temos de concluir, que estamos perante um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.

83. Descendo à factualidade provada nos presentes autos verificamos, e na ausência de quaisquer outras provas, apara além da apreensão efetuada, cumulativamente, todas as circunstâncias atrás enunciadas.

84. Da factualidade provada resulta apenas e tão só, que ao recorrente, foi apreendida uma embalagem com cerca de 122 gramas de um produto que sujeito a exame reagiu positivamente para heroína.

85. Não tendo sido possível, apurar nem o grau de pureza de tal produto, nem para quantas doses o mesmo seria suficiente. Tão só e apenas. Nada mais…

86. Sendo que os argumentos que estiveram na base da absolvição dos demais arguidos, servem na íntegra para dar como não provados os factos constantes dos pontos 1.2 e 1.5 dos factos provados.

87. O produto estupefaciente apreendido, embora sujeito a exame pelo LPC, não revelou nem o grau de pureza, nem o número de doses diárias para que o mesmo seria suficiente.

88. Assim, teremos de presumir que o grau de pureza era tão baixo que não permitiu apurar nem a qualidade nem a quantidade do produto, mas tão só o peso liquído e a sua natureza – heroína.

89. Não resultaram provadas as quantidades transacionadas ou a transacionar. Não foi verificada qualquer sofisticação na atividade de tráfico desenvolvida. Não foi apurado o destino do produto apreendido. Nem o porquê do mesmo se encontrar na posse do arguido. Não lhe é conhecido, qualquer meio de transporte. Não resultou provada qualquer atuação, nem respetiva área geográfica.

90. Nada se provou para além da apreensão. Por último não são conhecidas quaisquer circunstâncias mencionadas no art.º 24º do Dl. 15/93 de 22 de Janeiro.

91. Neste quadro, sopesando a ausência das circunstâncias referidas, a ilicitude global do facto aponta, quanto a nós sem dúvida de maior, para o tipo privilegiado do artigo 25º, punível nos termos da al. a). Efetivamente, nada aponta para que estejamos em face de um caso de grande tráfico.

92. Conclui-se, pois, ser de alterar, nesta parte, a Decisão ora Recorrida, subsumindo os factos pelos quais os arguidos foram condenados e com os quais humildemente se conformaram, no art.º 25°, do DL 15/93, de 22 de Janeiro.

93. DOS DOIS CRIMES DE ROUBO QUALIFICADO A questão colocada nos casos, como o presente, em que o património atingido é um só, pois os bens em causa integravam o património comum do casal composto pelos Ofendidos CC e BB, ou seja, o mesmo património.

94. Mas em que há uma pluralidade de pessoas vítima de ofensa a bem jurídico pessoal (v.g. a integridade física ou a liberdade individual sob qualquer das formas tuteladas no tipo legal), não se coloca necessariamente nos mesmos termos, contrariamente que ao parece implícito na decisão recorrida 95. Nos casos, como o presente, de património único e unidade de resolução criminosa, a condenação do agente por tantos crimes de roubo quantas as pessoas ofendidas na sua pessoa como meio para atingir o fim de apropriação patrimonial, parece esbarrar com o problema da aparente duplicação da condenação na sua vertente patrimonial.

96. Não pode o arguido ser condenado pela moldura legal do crime de roubo mais que uma vez, se apenas visou apropriar-se de um único bem ou de bens de um único património, mesmo que tenham sido várias as pessoas atingidas na sua pessoa pelo arguido como meio de atingir o fim último de ilegítima apropriação patrimonial.

97. Nestas hipóteses, não se verifica concurso efetivo de crimes de roubo se apenas uma das pessoas, ou nenhuma delas, é dono ou titular de direito patrimonial relevante sobre a coisa.

98. Existe, antes, uma relação de concurso efetivo entre o crime de roubo – cujo preenchimento típico se basta com a violência sobre uma pessoa desde que aquela seja meio de atingir o crime fim - e o crime, ou crimes, contra a integridade física ou contra a liberdade, sofrido pelas demais pessoas atingidas

99. O concurso efetivo de crimes de roubo apenas tem lugar quando à pluralidade de pessoas atingidas na sua pessoa corresponde pluralidade de pessoas atingidas no seu património, dada a natureza unitária e complexa do crime de roubo, ao mesmo tempo que a punição por um único crime independentemente do número de pessoas atingidas na sua pessoa, não protege suficientemente os bens jurídicos de natureza pessoal tutelados pelo tipo legal de roubo.

100. No caso presente, os arguidos usaram contra o casal BB e CC, para lograr apropriar-se dos bens comuns que estes tinham dentro do cofre da sua residência, prevendo e querendo molestar fisicamente aqueles com o propósito concretizado de fazer seus os bens que encontrassem no interior do cofre, conforme resulta factualidade provada, pelo que preencheu com a sua conduta os elementos constitutivos de um crime de roubo qualificado previsto e punível pelo art. 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), do Código Penal, por referência ao artigo 204.º, n.º 1, als. a) e f) do mesmo diploma.

101. DA ESCOLHA E MEDIDA DA PENA A culpa constitui um limite inultrapassável, de todas e quaisquer considerações preventivas, sejam elas de prevenção geral positiva ou antes negativa, de integração ou antes de intimidação, sejam de prevenção especial positiva ou negativa, de socialização, de segurança ou de neutralização.

102. Com o que se torna indiferente saber se a medida da culpa é dada num ponto fixo da escala penal ou antes como uma moldura de culpa.

103. De qualquer modo, e qualquer que seja a solução encontrada, de uma ou de outra forma, a culpa é o limite máximo da pena adequado à culpa que não pode ser ultrapassado.

104. Uma tal ultrapassagem, mesmo em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assim, como é nos presentes autos, por razões Jurídico constitucionais, inadmissível.

105. Face ao supra exposto, o Arguido ora Recorrente, entende que para que lhe seja aplicada uma pena justa, adequada e proporcional, a qual não exceda o seu grau de culpa e participação nos factos ora em apreço, esta não poderá ser em caso algum superior a 6 anos de prisão.

106. Isto caso o arguido não seja absolvido da prática de pelo menos um dos crimes pelos quais foi condenado.

107. Pois na ótica do arguido, e na sequência de tudo quanto se alegou, entende o mesmo que apenas deveria ser condenado pela prática de um só crime de roubo.

108. Esta medida concreta da pena única que o ora Recorrente pretende que agora lhes seja aplicada por este Alto Tribunal é aquela que lhes parece mais adequada, justa e proporcional tendo em conta os factos provados e as suas concretas condições de vida.

109. Mais caso o arguido venha a ser absolvido da prática de pelo menos um crime, deverá ser fixada uma pena única que não ultrapasse os 5 anos de prisão, a qual deverá ser suspensa na sua execução sujeita a severas condições.

110. Pelo que se entende que o Douto Acórdão recorrido deve ser revogado, devendo ser substituído por outro que condene o ora Recorrente na pena única de 6 anos de prisão, caso se mantenha a condenação por todos os crimes, ou em pena não superior a 5 anos, caso venha a ser absolvido pelo menos de um dos crimes de roubo, ou do crime de tráfico, a qual irá realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

111. Assim, e por todo o exposto, e independentemente da pena de prisão que for concretamente aplicada por vós, Venerandos Juízes, a verdade é que a mesma deverá ser, sempre, inferior à pena aplicada.

112. Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá ser, sempre, APLICADA PENA INFERIOR À PENA ÚNICA APLICADA DE 8 ANOS E 6 MESES DE PRISÃO, não ultrapassando assim a medida da culpa da Recorrente.

DAS NORMAS VIOLADAS: 1. Artigo 127º do CPP; 2. Artigos 32 ° n° 1 e 205º nº1 da CRP; 3. Artigo 40º, nº 2 do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro; 4. Artigo 71º do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro; 5. Artigo 163º do CPP; 6. Artigo 410º, nº 2, b) do CPP; 7. Artigo 187.º do CPP; 8. Artigos 187.º, 126.º, n.º 3 do CPP e 32.º, n.º 8 da CRP; 9. Artigo 25º do Dl. 15/93 de 22 de Janeiro; 10. Artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), do Código Penal, por referência ao artigo 204.º, n.º 1, als. a) e f) do mesmo diploma.”

O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da improcedência, e concluindo:

“1. O acórdão visado é irrecorrível, quanto à punição pela prática dos crimes individualmente considerados, nos termos dos arts. 400.º, n.º 1, als. e) e f), 432.º, n.º 1, al. b), e 434.º, devendo o recurso ser rejeitado nessa parte.

2. No que tange à pena única, mostra-se a respetiva medida consonante com o disposto nos art.os 77.º, 40.º e 71.º, todos, do Código Penal, devendo, pois, improceder o segmento recursório em apreço, também porque a motivação recursória é, a tal respeito, praticamente omissa.”

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu desenvolvido parecer no sentido da rejeição do recurso no respeitante às penas parcelares, e no sentido da improcedência, quanto à pena única.

Não houve resposta ao parecer.

Não tendo sido requerida audiência, teve lugar a conferência.


1.2. O acórdão recorrido, na parte que interessa ao recurso, tem o seguinte teor:

“Matéria de facto que foi dada como provada na 1ª instância:

1.1. – O arguido II é advogado de profissão e titula a Cédula profissional n.º .......

1.2. – Como forma de obter proventos financeiros e, assim, prover ao seu sustento e dispor de dinheiro para todas as suas despesas, o arguido AA, em data não apurada, mas seguramente no período compreendido entre janeiro de 2018 a 20 de novembro de 2019, decidiu adquirir heroína e proceder à sua revenda terceiros por preço superior ao da aquisição.

1.3.  – Os arguidos tratavam-se, entre si, pelas alcunhas de: - AA, “AA.” e “AA..” - - DD; “DD.” e - FF “FF.”, “FF..” e “FF…” - II “II.”, “II..”, “II…”, “II….” (…..) e “…..”.

1.4. – Os arguidos utilizaram vários telemóveis, entre os quais, aqueles que a seguir se indicam, para contatarem entre si.

AA: Cartão SIM ......254 IMEI ............370, IMEI ............430. IMEI ............940, Cartão SIM ......816, IMEI ............120, Cartão SIM. ......961 e IMEI ............660

DD: Cartão SIM ......867, Cartão SIM ......633; IMEI ............070; Cartão SIM ......763; IMEI ............190; Cartão SIM ......437; IMEI ............330; Cartão SIM ......567; Cartão SIM ......083;

Cartão SIM ......408; IMEI ............210 e Cartão SIM ......155

EE: Cartão SIM ......030; Cartão SIM ......475.IMEI ............890

FF: Cartão SIM ......284; Cartão SIM. ......272; Cartão SIM ......403; IMEI ............190; Cartão SIM ......558; Cartão SIM ......183; Cartão SIM ......513; IMEI ............927; Cartão SIM .......661; IMEI ............860; IMEI ............087; Cartão SIM ......592 e Cartão SIM......516 II: Cartão SIM ......610

1.5.  – O arguido AA adquiriu heroína para posteriormente a vender.

1.6. – NUIPC 5368/19......., autos em apenso: Em data não concretamente apurada, mas seguramente anterior a 26 de outubro de 2019, o arguido II, por saber que os ofendidos BB e CC guardavam dinheiro, artigos de joalharia e relógios valiosos na sua residência, sita na Rua ................... n.º …, ………, ........................, formulou o propósito de deles se apoderar, com recurso à violência física se a tanto fosse necessário.

1.7. – Em execução do plano, o arguido II contatou o arguido AA e combinou encontrar-se com ele em ............, na quarta-feira seguinte, dia 30 de outubro de 2019.

1.8. – No dia ... de outubro de 2019 o arguido AA deslocou-se a ............ a fim de se reunir com o arguido II no escritório que este possuía, sito na Rua ....................., nº. …, ..º, sala .., ................, o que de facto veio efetivamente acontecer cerca das 12H00.

1.9. – No decurso do encontro o arguido II expôs o seu plano ao arguido AA e disse-lhe que para o seu sucesso, deveria aquele contratar indivíduos da sua confiança, com prática em furtos e roubos, proposta que o arguido AA aceitou.

1.10. – Na viagem de regresso ao ………………., o arguido AA contou a JJ o plano que lhe fora proposto por II.

1.11. – Nesse mesmo dia ... de outubro de 2019, o arguido AA, fazendo uso do telemóvel n.º ......254 contactou o arguido FF através do telemóvel n.º ......403 e combinou encontrar-se com o mesmo.

1.12. – Nesse mesmo dia, cerca das 16:20:39, o arguido AA encontrou-se com o arguido FF e depois de lhe expor o plano, disse-lhe que, segundo indicação do arguido II, teriam de dormir um dia ou dois no Norte, para ver tudo bem.

1.13. – No dia ... de novembro de 2019, o arguido II, fazendo uso do telemóvel n.º ......254, contatou o arguido AA através do telemóvel ......610 e combinaram encontrar-se no restaurante denominado “……….”, sita em ........................, para ultimarem os pormenores do plano.

1.14. – Ao encontro compareceram os arguidos AA, II e DD.

1.15. – No dia ... de novembro de 2019, pelas 13h58, o arguido AA fazendo uso do telemóvel n.º ......254 enviou uma mensagem de voz via WhatsApp, para o telemóvel n.º º ......403, pertencente ao arguido FF pedindo-lhe que confirmasse, pela mesma via, a sua ida na terça feira, dia 12 de novembro de 2019 ao norte do país, mensagem que posteriormente reencaminhou para o arguido II.

1.16. – No dia .... de novembro de 2019, cerca das 18H28, os arguidos AA, DD e FF, fazendo-se transportar na viatura do primeiro, de marca ….. .., com a matrícula ..-SH-.., deslocaram-se ao escritório do arguido II, sito na Avenida ...................., nº. …, ..º, sala .., ................, cuja localização geográfica este último enviou a partir do seu telemóvel, nº ......610 para o telemóvel do arguido AA com o n.º ......254 e, ali reuniram-se com o mesmo.

1.17. – Findo o encontro, os referidos arguidos acompanhados por indivíduo não identificado, dirigiram-se à Rua ..................., em ………. a fim de efetuarem um primeiro reconhecimento ao local e caso possível, concretizarem o plano.

1.18. – Porém, tal não foi possível executar, uma vez que, para além de os arguidos DD e FF não levarem telemóveis, necessitavam de outros elementos para vigiar e avisar aqueles que se deslocassem ao interior da residência, da aproximação de pessoas estranhas ao plano e assim possibilitar uma eventual fuga.

1.19. – No dia .... de novembro de 2019, o arguido II contactou de novo o arguido AA e deu-lhe indicações de que o plano deveria ser executado, o mais tardar no dia seguinte.

1.20. – Nesse mesmo dia, o arguido AA foi contatado pelos arguidos DD e FF, através dos telemóveis n.ºs ......254 e ......254, respetivamente, e deu-lhes conhecimento que o trabalho deveria ser executado no dia seguinte, o que por razões não concretamente apuradas, não veio a acontecer.

1.21. – No dia .... de novembro de 2019, às 09H17, o arguido II, fazendo uso do telemóvel n.º ......610, reencaminha uma mensagem de texto para o telemóvel do arguido AA, n.º .......254, com o seguinte teor: “Bom dia. transmita ao seu cliente, de que a partir de amanhã tenho o restaurante pronto para trabalhar. Ele que diga quando quer vir. Um forte abraço.

1.22. – De seguida e nesse mesmo dia, o arguido AA contatou através do telemóvel n.º ......254 o arguido DD (n.º ......867) e disse-lhe que no dia seguinte, pelas 14H00, deveriam viajar para o Norte, o que não veio a acontecer, em virtude deste último não ter à data disponibilidade, para efetuar a viagem.

1.23. – Face à resposta do arguido DD, o arguido AA, fazendo uso do telemóvel n.º ......254, contatou o arguido II, via “WhatsApp” e disse-lhe que no dia seguinte viajariam para o Norte.

1.24. – Nesse mesmo dia, cerca das 14H10, o arguido AA contatou telefonicamente o arguido DD e disse-lhe já ter falado com o arguido II, pelo que deveriam estar no Norte do país naquele dia por volta das 18H30.

1.25. – No dia ... de novembro de 2019, a partir das 12H00 o arguido AA contatou através do telemóvel n.º ......254 os arguidos DD (n.º ......867) e FF (......516), e com eles acordou viajarem para o Norte nesse mesmo dia, a fim de executarem o plano.

1.26. – Como pretendesse utilizar um novo telemóvel, apenas para a execução do plano, o arguido FF nesse dia adquiriu o telemóvel com o IMEI............087 e um cartão n.º ......592, que foram ativados cerca das 13:08:22 de 19-11-2019 e com os quais passou, a partir daquele momento, a contactar com o AA.

1.27. – Cerca das 20H54, o arguido II enviou através do telemóvel n.º ......610, para o telemóvel do arguido AA, n.º ......254, via “WhatsApp”, uma mensagem de geolocalização, da sua morada, sita na Rua .........................., sito na .....................

1.28. – Assim no dia ... de Novembro, cerca das 21H04 os arguidos AA, DD e FF e dois indivíduos de identidades ainda não apuradas, fazendo uso dos veículos de marca ….., modelo “..”, de matrícula ..-SH-.. e ........, de matrícula ..-XG-.., munidos de “balaclavas”, uma pistola de pequenas dimensões, de calibre e marca desconhecidas, uma arma elétrica e braçadeiras plásticas, dirigiram-se à Rua .........................., sito na ...................., onde os aguardava um outro indivíduo desconhecido, para executarem o plano, tal como determinado pelo arguido II e aceite por todos.

1.29. – Cerca das 21H15 desse mesmo dia arguidos e os indivíduos de identidades não apuradas, fazendo uso do veículo automóvel de marca ........., modelo …, de matrícula ..-AA-.., dirigiram-se à Rua ..............., em ........................, para finalmente darem corpo ao plano urdido e aceite por todos.

1.30. – Aí, parte do grupo dirigiu-se à residência sita no n.º 82 da citada artéria, enquanto o arguido AA permaneceu a vigiar a aproximação de qualquer autoridade policial, de forma a avisar os demais e possibilitar uma eventual fuga, com a porta lateral do veículo aberta.

1.31. – Volvidos cerca de 5 minutos, o grupo abandonou o local e dirigiu-se à Rua ..................., nº …, em …….., propriedade de BB e CC e acederam ao jardim.

1.32. – Como o ofendido BB ouvisse barulhos provenientes do exterior e saísse à rua, os arguidos e quem os acompanhava, manietaram-no pelas costas e depois de lhe desferirem inúmeros socos e pontapés por várias partes do corpo e lhe colocarem uma braçadeira plástica nos braços, arrastaram-lhe para a sala da habitação.

1.33. – Já no seu interior, dois deles percorreram o imóvel e depois de localizarem a ofendida CC e de a manietarem com braçadeiras plásticas, fecharam-na na casa de banho localizada no rés-do-chão do imóvel, onde ficou sob vigilância.

1.34. – Nesse hiato, os arguidos continuaram a desferir inúmeros socos e pontapés por várias partes do corpo do ofendido BB, enquanto lhe exigiam a combinação do cofre.

1.35. – Face à resistência oferecida pelo ofendido BB, um deles encostou a pistola à cabeça do ofendido, ao mesmo tempo que dizia: “VAIS MORRER AQUI FILHO DA PUTA… VAIS MORRER ESCUSADAMENTE POR CAUSA DO DINHEIRO…!”.

1.36. – Concomitantemente, um outro elemento do grupo encostou a arma elétrica à zona lombar e braços do ofendido e enquanto dizia: “ABRE O COFRE FILHO DA PUTA… VAIS MORRER AQUI… DÁ-ME O DINHEIRO E OURO…TENS MUITO DINHEIRO…ABRE O COFRE…” efetuou várias descargas contra o mesmo.

1.37. – Como continuasse a resistir, os arguidos e os indivíduos que os acompanhavam levaram o ofendido para o fundo da sala, e aí continuaram a desferir-lhe socos e pontapés por várias partes do corpo, sendo que um dos socos desferido, lhe fraturou o maxilar.

1.38. – Nessa ocasião, receando pela sua vida e pela vida da sua esposa, o ofendido acabou por ceder abrir o cofre.

1.39. – Do interior do cofre os arguidos retiraram cerca de 15.800,00€ (quinze mil e oitocentos euros), em notas de 200€, 100€, 20€ e uma de 500€, canetas e esferográficas, moedas de coleção, peças de arte sacra composto pela colher, a patena e o cálice, tudo no valor declarado de 35.000,00€ e três relógios de marcas e modelos ainda não apuradas, no valor declarado de 7.000,00€.

1.40. – Entretanto um dos arguidos ou um dos indivíduos que os acompanhavam, e que efetuava vigilância à ofendida, retirou de um móvel existente no corredor, junto à casa de banho, dois objetos em ouro de valor ainda não apurado.

1.41. – Seguidamente conduziram o ofendido BB à casa de banho onde se encontrava a seu cônjuge e ali os deixaram manietados com braçadeiras plásticas.

1.42. – Na posse dos bens e valores antes descritos, que fizeram seus e integraram no seu património, os arguidos, os indivíduos que os acompanhavam, abandonaram o local.

1.43. – Em consequência direta e necessária das condutas antes descritas, o ofendido BB para além da alteração da sua sensibilidade (dor) sofreu fratura do maxilar, escoriações e hematomas por toda a parte do corpo, tendo sido sujeito a uma intervenção cirúrgica, que visou a reconstrução da zona maxilo-facial.

1.44. – Os arguidos e quem os acompanhava regressaram à Rua .........................., .................... e depois de retomarem aos veículos com que se fizeram transportar até àquela localidade iniciaram a viagem de volta ao sul.

1.45. – O arguido FF e os dois indivíduos não identificados dirigiram-se para ……, enquanto os arguidos AA e DD dirigiram-se para as suas residências onde viriam a ser detidos por elementos da Polícia de Segurança Pública.

1.46. – A PSP tentou proceder à abordagem do veiculo no qual arguido FF e quem o acompanhava se faziam transportar junto às Portagens de …………… - .., tentativa que não foi coroada de êxito, uma vez que aqueles, contrariamente ao que se previa, saíram da .., em direção à .. …. e posteriormente para a zona......

1.47. – Nessa madrugada cerca das 04H15 a PSP localizou o veículo automóvel de matrícula ..-XG-.. na Estrada Municipal …., sita em …….., ....-... ..... e na sequência da busca que posteriormente realizou, apreendeu um saco de compras, contendo os artigos subtraídos da residência dos ofendidos BB e CC, nomeadamente, os objetos de joalharia, relógios, canetas e esferográficas, moedas de coleção, bem como peças de arte sacra composto pela colher, a patena e o cálice, artigos estes, pertenças do irmão do ofendido, Padre KK.

1.48. – No dia ... de novembro de 2019, cerca das 07H45, o arguido AA, detinha no interior da sua residência, sita na Rua ..........................., n.º … e …, .......................,  ....-... .........:

No quarto do visado:

Interior do roupeiro, dentro de uma gaveta:

- 01(uma) arma de fogo calibre 6.35mm, de marca FN “Browning – Baby”, com o n.º ……, de Classe B1, nos termos da alínea a) do n.º 4 do Art.º 3.º do RJAM; com respetivo carregador com 5 munições (A3) de calibre 6,35 mm “Browning”, de Classe B1, pelo exposto no n.º 1, conjugado com a alínea a) do n.º 4, ambos do Art.º 3.º do RJAM.

- 01 (um) revólver sem qualquer marca ou numeração (A5), modelo “Hammerless”, de calibre 6,35 mm “Browning”, classificada como sendo da classe B, nos termos do Art.º 3.º do RJAM

- 67 (sessenta e sete) munições de calibre 9mm (A1), classificadas como Classe B, nos termos do n.º 1, conjugado com o n.º 3 do Art.º 3.º do RJAM.

- 01(um) telemóvel de marca “Huawei”, de cor azul, com o IMEI ............503 (A7) - ALVO ………, no qual se encontrava inserido o cartão n.º ......254 - ALVO ………;

- A quantia monetária de 2000 Euros (dois mil Euros), subdividida em 5 notas de 200 Euros, 8 notas de 100 Euros, 2 notas de 50 Euros e 5 notas de 20 Euros,

- 01 (um) relógio de marca “Carrera”, modelo “Mónaco” “Grand Prix”, de cor preta.

- Uma (1) embalagem contendo heroína, com o peso líquido de 122,318 gramas.

- 01(uma) prensa hidráulica com respetivos acessórios metálicos para acondicionamento de produto estupefaciente (A9).

1.49. – Nesse mesmo dia ... de novembro de 2019, cerca das 07H15, o arguido DD, detinha no interior da sua residência, sita na Rua ...................., n.º .., ....-... ..........:

01 (Um) telemóvel de marca “Huawei”, com o IMEI ............778,

- A quantia monetária de 1990 Euros, subdividida em 11 notas de 100 Euro, 2 notas de 50Eur, 39 notas de 20Eur e 1 de 10Eur na primeira gaveta da mesinha de cabeceira do visado B5;

- Um relógio de marca “Festina”, com o número …. ….

- Um telemóvel de marca Samsung, modelo S9, com a parte traseira partida, envolto numa capa de cor vermelha, com o cartão da operadora MEO, com os IMEIS ............090 e ............098,

- Um telemóvel de marca “Nokia” de cor azul, da operadora Moshe com o IMEI 3 ............435

- Um telemóvel de marca “Nokia” com um cartão Moshe, com os IMEIS ............192 ............193 ...

- Uma caçadeira de marca Lamber, com o número ..............., de Classe D, nos termos da alínea a), do n.º 6 do Art.º 3.º do RJAM ( apreendida ao arguido DD) B1.

- Uma caçadeira de marca Autuno, número …... De Classe C, nos termos do n.º 5 do Art.º 3.º do RJAM B2

- 10 Cartuchos, calibre 12mm, de Classe D, nos termos do n.º 1 do Art.º 3.º do RJAM B3.

- Um relógio de marca “Nivada”, com o número ........

- Um relógio de marca “Swatch”, modelo “Irony” B10.

- Um relógio de marca “Raymond Weil”, com o número …. B11.

- Um cordão em metal amarelo de malha grossa com dois berloques B13

- Um bracelete em metal amarelo com set e meias libras B14.

- Um cordão em metal amarelo de malha grossa com uma medalha e um crucifixo B15.

- Uma caixa em cartão contendo dois brincos em metal amarelo B16.

- Um saco plástico contendo dois brincos em metal amarelo B17.

- Um anel em metal amarelo com 9 pedras B18.

- Um anel em metal amarelo, com a pedra em falta B19.

- Um anel em metal amarelo, entrelaçado com metal branco B20.

- Um anel em metal amarelo e branco, com 21 pedras B21.

- Uma pulseira em metal amarelo de malha batida B22.

- Uma pulseira em metal amarelo partida B23.

- Um relógio de marca Maurice Lacroix, com o número ...... com bracelete preta, que o mesmo tinha no pulso. B8

- A quantia monetária de 95 Euros, subdividida em 2 notas de 20 Euro e 1 de 10 Euro e 9 Euro notas de 5 na carteira do visado B6.

1.50. – Nesse mesmo dia, o arguido DD guardava no interior do veículo automóvel de marca ......... de matrícula ..-..-UQ,

Uma pistola de marca FN, calibre 6, 35mm, com o número ….., com o respetivo carregador, introduzido com 6 munições calibre 6,35mm, de classe B1, nos termos da alínea a) do n.º 4 do Art.º 3.º do RJAM

1.51. – As armas estavam em boas condições para deflagrarem munições e estas aptas a serem deflagradas.

1.52. – No dia 3 de dezembro de 2019, em reação à detenção e à consequente medida de coação aplicada aos arguidos AA e DD, bem como à fuga do arguido FF, o arguido II no decurso de uma conversação telefónica com indivíduo não identificado, utilizador do n.º ......647, disse, que familiares dos arguidos AA e de DD, lhe exigiam 16.000,00€, para não o denunciarem.

1.53. – Temendo poder ser denunciado, o arguido II acabou por ceder à pressão exercida pelos familiares do arguido AA e pediu a LL, mulher daquele arguido, que lhe indicasse uma conta para que pudesse efetuar a transferência de algum dinheiro.

1.54. – Por não possuir conta bancária, LL pediu a MM, sua amiga que acolhesse na sua conta, nº ........446 do Banco Millennium BCP, o dinheiro que seria transferido pelo arguido.

1.55. – No dia ... de dezembro de 2019, o arguido II ou alguém a seu mando, efetuou o depósito de 500€, no balcão do Banco Millennium BCP da ...................., sito na Rua .............., na citada conta bancária.

1.56. – No dia ... de maio de 2020, cerca das 06h15, o arguido II, tinha na sua residência um Iphone, modelo 6 Plus com o IMEI ............935 e um telemóvel de marca Iphone, modelo XR, com o IMEI ............024;

1.57. – O arguido AA conhecia a natureza e as características do estupefaciente que possuía.

1.58. – Os arguidos AA e DD conheciam as características das armas de fogo e das munições que guardavam e ainda assim quiseram detê-las, bem sabendo que não eram titulares de licença de uso e porte de qualquer tipo, nem de licença para comercializar, armas, seus componentes e munições.

1.59. – Os arguidos AA, DD e FF e os indivíduos que os acompanhavam atuaram com intuito de se apoderarem da quantia monetária, dos relógios e das peças de joalharia, que sabiam não lhe pertencer e que o faziam contra a vontade dos respetivos donos, o que conseguiram.

1.60. – Como meio para a plena concretização dos seus intentos apropriativos, usaram da ameaça de uma arma de fogo e de uma arma elétrica, o que fizeram como forma de levar os ofendidos a obstar qualquer resistência, que não esboçaram sequer, uma vez que foram agredidos, amarrados e amordaçados.

1.61. – O arguido II agiu com o propósito de determinar os arguidos AA, DD e FF e quem os acompanhou na execução dos factos descritos no apenso NUIPC 5368/19....... a apoderarem-se dos bens e valores dos ofendidos, com recurso à violência física, o que quis.

1.62. – Em todas as condutas agiram os arguidos, de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo da sua reprovabilidade em termos penais.

(…)

Consta do relatório social elaborado pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), quanto à inserção familiar e socioprofissional do arguido AA, com o objetivo de auxiliar no conhecimento da personalidade do arguido e na correta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada (cfr. Ref. 10539835), além do mais, o seguinte:

“I - Dados relevantes do processo de socialização

AA é natural ............., tendo sido educado de acordo com as regras e valores ...... transmitidos pelos seus pais e avós.

O pai do arguido, que faleceu em ...-09-2020 de doença prologada, era vendedor ... bem como a sua progenitora, atualmente com .. anos de idade.

O arguido é o mais velho de uma fratria de três irmãos germanos, sendo que um irmão tem atualmente 31 anos de idade e reside com a progenitora na .... . A outra irmã tem atualmente 29 anos de idade e reside em ……...

A habitação onde o agregado residia era abarracada, sem água corrente, sem eletricidade e sem casa de banho.

Quando o arguido tinha 6 anos de idade, o progenitor foi condenado a oito anos de prisão efetiva, e a sua mãe, coarguida do marido foi condenada a seis anos de prisão, tendo fugido para a ..., para se furtar ao cumprimento da pena. O arguido refere que a sua mãe permaneceu vinte e dois anos na ..., e quando regressou a Portugal para revalidar a sua documentação pessoal, foi detida e cumpriu cerca de três anos e seis meses de prisão no estabelecimento prisional ….., saindo em liberdade em 2012, indo residir para uma habitação abarracada na zona ......, regressando há ... há cerca de dois meses e há cerca de um mês emigrou para a ... em companhia do irmão do recluso. O progenitor do arguido esteve quatro vezes preso.

Como corolário da prisão do progenitor e da fuga da progenitora, o arguido foi criado pelos avós maternos, na zona ........., residindo em habitações abarracadas sem condições de habitabilidade.

Os avós do arguido trabalhavam no campo em agricultura sazonal, na apanha de fruta e produtos hortícolas, sendo que o arguido acompanhava os avós nessa atividade.

O arguido nunca frequentou a escola, sendo analfabeto.

Quando o arguido tinha 17 anos de idade, conheceu uma companheira…...... e de nacionalidade…….., indo viver em companhia desta para casa dos sogros em ......... – ......... – ...., sendo que posteriormente o casal arrendou uma casa.

Em Espanha, AA desenvolveu atividade laboral na área……………, na área …………. e refere que também trabalhou na lota. AA permaneceu onze anos em .... .

Quando o arguido tinha 26 anos de idade, o avô paterno suicidou-se e volvidos três meses faleceu a sua avó.

Após o falecimento dos avós, AA regressou a Portugal, indo residir para ........., para a localidade onde residiam os avós e também onde residiam os seus primos, tios e sobrinhos, habitando uma casa de alvenaria, sem condições de habitabilidade, sem água corrente e recorrendo a uma puxada de eletricidade.

O arguido refere que trabalhava na agricultura sazonal, na apanha de fruta e produtos hortícolas, não tendo dificuldades económicas.

Em 2016 o arguido conheceu a sua atual companheira, de nacionalidade……., atualmente com .. anos de idade e a sua enteada, atualmente com .. anos de idade.

O casal iniciou uma união de facto, tendo arrendado um apartamento em ......... para onde o agregado, constituído pelo arguido, pela companheira e pela enteada, foram residir. A companheira do arguido trabalhava como manicura num cabeleireiro.

São referidas boas relações familiares no seio do agregado e é referido que o casal sempre conseguiu satisfazer as suas necessidades.

No início da relação do casal, o pai do arguido e a família do mesmo não viram com bons olhos esta relação, sendo que posteriormente esta situação ficou sanada.

O arguido refere que ajudava o pai e a mãe.

Em termos de saúde o arguido refere padecer de artrose encontrando-se essa situação estabilizada, não tomando medicação, a não ser em SOS.

O arguido refere que nunca consumiu estupefacientes, verbalizando consumir bebidas alcoólicas, por vezes em excesso, desvalorizando essa problemática.

Em termos de ocupação de tempos livres, AA refere que convivia com a sua família, com a companheira e a sua enteada.

O arguido tem um processo nº 101/19....... do Tribunal Judicial da Comarca ......... – Juízo de Competência Genérica .......... – Juiz .., pela prática de um crime de condução sem habilitação legal em que foi condenado numa pena de oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, subordinada a regime de prova, transitada em julgado em 10-01-2020, tendo sido elaborado um Plano de Reinserção Social (PRS), homologado pelo tribunal em 12-06-2020 onde se determina o seu cumprimento pelo arguido até ao termo do prazo de suspensão que ocorrerá em 11-01-2022.

O arguido já tinha sido condenado anteriormente, numa pena de multa substituída por trabalho a favor da comunidade pelo crime de condução sem habilitação legal.

(…)

II - Condições sociais e pessoais

À data dos alegados factos subjacentes à presente acusação, o arguido integrava o agregado familiar constituído pelo próprio, pela companheira, atualmente com 29 anos de idade e pela enteada, atualmente com 4 anos de idade.

O agregado residia numa moradia arrendada por 400,00 euros mensais, na vila ......, no concelho ........., distando cerca de dezasseis quilómetros daquela cidade.

AA desenvolvia ocupação laboral na área da agricultura sazonal, na apanha de fruta e legumes operando diversa maquinaria, apesar de não possuir carta de condução para o efeito. O arguido refere que recebia em média cerca de 40,00 euros diários de remuneração, folgando ao domingo. A sua companheira dedicava-se à venda de vestuário on-line, auferindo cerca de 700,00/800,00 euros mensais.

O arguido refere que tinha comprado um veículo automóvel, da marca .... .., de 2017, dando 3.000,00 euros de entrada, pagando 215,00 euros mensais.

Não são referidas dificuldades económicas no seio do agregado.

São referidas boas relações afetivas no seio do agregado.

Em termos sociais e de ocupação de tempos livres, o arguido relacionava-se com os seus familiares, com a sua companheira e enteada.

O arguido também se relacionava com pares com características desviantes e marginais consumindo bebidas alcoólicas, por vezes em excesso, o que desvaloriza.

O arguido refere ter-se deslocado três vezes ao Brasil com a sua companheira e enteada, tendo adquirido uma habitação nesse país.

Em termos pessoais AA, aparenta querer transmitir aos outros uma imagem de si próprio como um elemento bem inserido na sociedade cumprindo as regras e valores inerentes à mesma, denotando lacunas ao nível da consciência crítica, do pensamento consequencial e autoanálise.

III - Impacto da situação jurídico-penal

O arguido deu entrada no Estabelecimento Prisional junto da Polícia Judiciária em 21-11-2019, vindo transferido para o EP  ..... em 14-01-2020.

AA vivencia a sua atual situação jurídico-penal com resignação aguardando com expetativa o desfecho da mesma. Contudo, revela fraco sentido crítico no que concerne às circunstâncias que deram origem à sua prisão, minimizando e relativizando as mesmas, referindo não se rever na totalidade das acusações que pendem sobre si, denotando também lacunas ao nível do pensamento consequencial e da resolução de problemas.

A abstinência do arguido relativamente ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas foi um impacto positivo da atual situação jurídico-penal do arguido.

Regista-se o falecimento do progenitor do arguido em 22-09-2020.

Aquando da libertação, em termos habitacionais, o arguido pretende regressar ao seu agregado constituído.

Enquanto recluído no estabelecimento prisional  ..... o arguido beneficia do apoio incondicional da sua companheira e da enteada que o visitam assiduamente. A mãe do arguido já o visitou pontualmente.

AA, no seio institucional, frequenta assiduamente o pátio fazendo exercício físico e no alojamento onde se encontra alocado, o arguido visiona programas televisivos e lê a bíblia.

Durante a sua permanência no estabelecimento prisional o arguido encontra-se bem integrado institucionalmente, mantendo um comportamento adequado, isento de medidas disciplinares, interagindo com os pares assertivamente.

IV – Conclusão

Ao que conseguimos apurar, o processo de desenvolvimento de AA é marcado pela disfuncionalidade, com o afastamento precoce do arguido relativamente aos progenitores e a prisão do pai e a fuga da sua mãe.

Ao nível pessoal apresenta um discurso evasivo, esforçando-se por apresentar uma imagem de si equilibrada e ajustada aos valores da sociedade que integra, mas demonstra dificuldades de autoanálise e juízo crítico, não se revendo na totalidade dos factos de que é acusado.

O desvalor que o mesmo atribui aos consumos ocasionais excessivos de bebidas alcoólicas, o analfabetismo de que é protagonista, a conotação a pares com características desviantes e marginais e as lacunas que denota ao nível da consciência do pensamento consequencial são também fatores de risco que obstam a uma efetiva reinserção social do arguido.

Como fator positivo elenca-se o incondicional apoio da sua companheira e enteada.

Caso venha a ser condenado, AA tendo em conta os fatores de risco atrás referidos deverá eventualmente ser sujeito a uma intervenção e acompanhamento técnico especializado, devendo ser trabalhada a sua capacidade para interiorização do desvalor das suas condutas e, a sua motivação e competências para manter uma conduta de respeito pelos outros, sendo certo que, dadas as condições atuais de que dispõe, o sucesso da sua reinserção social dependerá, em grande parte, do grau de motivação que o próprio vier a revelar para o efeito.

1.68. – O arguido AA tem registados os seguintes antecedentes criminais:

a)         Por sentença proferida em 13/09/2012, transitada em julgado em 18/01/2012, nos autos de Processo Especial Sumário n.º 373/04......., do .. Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca ........., foi o arguido AA condenado pela prática, em 16/12/2004, de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 2/98, de 03/01, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de 3 € (três euros), o que perfaz o total de 180 € (cento e oitenta euros). Por despacho datado de 15/06/2012 foi declarada extinta, pelo pagamento, a pena de multa.

b)     Por sentença proferida em 15/01/2008, transitada em julgado em 13/09/2012, nos autos de Processo Especial Abreviado n.º 94/06......., do ..º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca ........., foi o arguido AA condenado pela prática, em 02/08/2006, de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, do Decreto-lei n.º 2/98, de 03/01, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 3 € (três euros), o que perfaz o total de 300 € (trezentos euros). Por despacho datado de 13/09/2016 foi declarada extinta, pelo pagamento, a pena de multa.

c)    Por sentença proferida em 07/11/2018, transitada em julgado em 10/12/2018, nos autos de Processo Especial Sumário n.º 1180/18......., do Juízo Local Criminal – Juiz ..….., do Tribunal Judicial da Comarca ....., foi o arguido AA condenado pela prática, em 06/11/2018, de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, do Decreto-lei n.º 2/98, de 03/01, na pena de 119 (cento e dezanove) dias de multa, à taxa diária de 5,50 € (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o total de 654,50 € (seiscentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), substituída por 119 (cento e dezanove) horas de trabalho a favor da comunidade. Por despacho datado de 22/11/2019 foi declarada extinta, pelo cumprimento, a pena de multa substituída por trabalho a favor da comunidade.

d)     Por sentença proferida em 28/11/2019, transitada em julgado em 10/01/2020, nos autos de Processo Especial Sumário n.º 101/19......., do Juízo de Competência Genérica – Juiz ..........., do Tribunal Judicial da Comarca ........., foi o arguido AA condenado pela prática, em 10/11/2019, de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-lei n.º 2/98, de 03/01, na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução e subordinada a regime de prova.”

(…)

Conforme se acentuou no acórdão recorrido as exigências de prevenção geral -  não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida” (Figueiredo Dias, “O sistema sancionatório do Direito Penal Português”, in em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815) - são muito elevadas.

Na verdade, estão em causa crimes geradores de grande alarme social e repúdio das pessoas em geral, face à enorme intranquilidade que geram no tecido social, que vem assumindo uma prática frequente, sendo elevadas as exigências de reafirmação das normas violadas.

Sublinhem-se relativamente ao tráfico de estupefacientes, as graves consequências daí decorrentes, designadamente ao nível da saúde pública e do aumento da criminalidade. O tráfico ilícito de estupefacientes está entre os problemas mais graves que o mundo actual enfrenta;

A confiança dos cidadãos na salvaguarda dos bens jurídicos afectados por este tipo de crimes exige, pois, uma pena suficientemente dissuasora de nova violação das normas infringidas.

Note-se que, conforme explicitado pelo Ac. do STJ de 24-9-2014, proc.º n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1, rel. Cons.º Raul Borges, “a função de prevenção geral que deve acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem o bem mais essencial tem de ser eminentemente assegurada, sobrelevando, decisivamente, as restantes finalidades da punição”.

O grau de ilicitude dos factos mostra-se muito elevado.

E agiu com dolo directo.

Como Eduardo Correia ensinava “(…) consoante o dolo toma as formas de necessário, directo ou eventual, assim a realização do crime é mais intensa, mais radica na sua personalidade e na sua vontade, e portanto, mais severa haverá de ser a punição no quadro da moldura do facto” (Direito Criminal, vol. II, reimp., Coimbra 1971, pág. 331). 

A intensidade do dolo directo com que actuou revela-se acentuada, tendo em conta a quantidade significativa de estupefaciente comprovadamente detida pelo arguido: Uma embalagem contendo heroína, com o peso líquido de 122,318 gramas.

Os antecedentes criminais do arguido incrementam fortemente as necessidades de prevenção especial, posto que evidenciam uma personalidade com propensão para a delinquência, nomeadamente inerente ao tráfico de estupefacientes.

Neste quadro, as circunstâncias referentes às condições pessoais apuradas, não assumem relevo significativo.

Veja-se que conforme se pode ler no relatório “Ao nível pessoal apresenta um discurso evasivo, esforçando-se por apresentar uma imagem de si equilibrada e ajustada aos valores da sociedade que integra, mas demonstra dificuldades de autoanálise e juízo crítico, não se revendo na totalidade dos factos de que é acusado.

O desvalor que o mesmo atribui aos consumos ocasionais excessivos de bebidas alcoólicas, o analfabetismo de que é protagonista, a conotação a pares com características desviantes e marginais e as lacunas que denota ao nível da consciência do pensamento consequencial são também fatores de risco que obstam a uma efetiva reinserção social do arguido.

Concluindo:

No que respeita ao crime de detenção de arma proibida, atenta a moldura penal que, em abstracto se comina para o crime pelo arguido cometido, o médio grau de ilicitude, considerando a natureza e número das armas e das munições, as necessidades de prevenção geral e especial, (considerando que o arguido já foi condenado, ainda que pela prática de crimes de espécie diversa daquela que está em causa nos presentes autos), ponderando todos os mencionados factores, fazendo uso de um critério de razoável proporcionalidade e sem esquecer que na lição sempre actual de Beleza dos Santos (que não julgamos contrariada pelo artº 40º do actual Código Penal), “a tranquilidade pública só deverá considerar-se convenientemente restabelecida quando a pena for um justo castigo, um adequado meio de intimidação e um conveniente processo de regeneração do delinquente” , afigura-se-nos necessária, adequada e proporcional a pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão.

Em relação aos demais crimes praticados pelo arguido AA, entendemos que as penas que foram aplicadas, ao arguido AA pela prática de: e 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-A, anexa ao citado diploma, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; 1 (um) crime de roubo qualificado contra a vítima BB, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), do Código Penal, por referência ao artigo 204.º, n.º 1, als. a) e f) do mesmo diploma; na pena de 5 (cinco) anos de prisão e 1 (um) crime de roubo qualificado contra a vítima CC, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), do Código Penal, por referência ao artigo 204.º, n.º 1, als. a) e f) do mesmo diploma; na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, se mostram equilibradas, tendo em conta o grau de culpa do arguido e, por outro lado, são adequadas a assegurar as exigências mínimas de prevenção geral e de prevenção especial de ressocialização do recorrente, não violando em nosso entender, os critérios legais a observar na determinação da medida da pena, designadamente, o disposto no artº 71º, do Código Penal, pelo que não existe fundamento para que sejam alteradas.

Saber se a pena única deve ser fixada no mínimo legal:

As penas a cumular são as seguintes:

- 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes do artº 21 do DL 15/93, de 22.01;

- 5 (cinco) anos de prisão pela prática de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), do Código Penal, por referência ao artigo 204.º, n.º 1, als. a) e f) do mesmo diploma contra a vítima BB,;

- 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pelo cometimento de um crime de roubo qualificado contra a vítima CC, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 e n.º 2, al. b), do Código Penal, por referência ao artigo 204.º, n.º 1, als. a) e f) do mesmo diploma.

- 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 4, al. a) e artigo 86.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 50/2019, de 24 de julho

O nº2 do artº77º do C.P. fixa os limites, máximo e mínimo, da moldura penal do concurso:

- o limite máximo não pode ultrapassar a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

- o limite mínimo não pode ser inferior à mais elevada das penas concretamente aplicadas.

Assim, desde logo, o limite máximo da pena de prisão a aplicar ao arguido AA não pode ultrapassar 15 anos e 8 (oito) meses de prisão nem inferior a 5 anos de prisão.

Variando a pena entre este máximo e mínimo, há que determiná-la em concreto, de acordo com o critério especial do nº 1, parte final, do artº 77, isto é, considerando, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. 

Ensina Figueiredo Dias: «Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.»

E acrescenta: «Na avaliação da personalidade – unitária – do agente revelará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade…).»

Segundo Cristina Líbano Monteiro, «O sistema parte de um forte apego ao facto, impedindo a formação de uma pena de concurso e cujo interior se não percebam com clareza os contributos de cada ilícito-típico praticado.

O sistema recusa-se, com a mesma força, a esquecer que não há mais do que um sujeito culpado, embora o seja de vários factos. O que equivale a dizer: o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente.

(…)

Querendo que, na determinação da pena concreta do concurso, se tenham em conta, conjuntamente, os factos e a personalidade do agente, este modelo admite que a relação dos factos entre si e com a personalidade do seu autor cria ou reclama para cada grupo de crimes concorrentes um específico desvalor final – quer de ilícito, quer de culpa. Ou seja: a unidade própria do concurso efectivo de infracções apresenta-se como uma unidade de relação.

(…)

Em suma: as duas etapas necessárias para a medição da pena final do concurso – a construção da moldura penal a partir das penas que caberiam aos factos singulares (valorados como se isoladamente tivessem sido praticados) e a determinação da pena concreta – correspondem afinal a dois planos: um ficcional e outro real.

(…)

Numa segunda fase, quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que está na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova de sentido. Adverte que o todo não equivale à mera somas das partes e repara, para além disso, que os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A esse novo ilícito corresponderá uma nova culpa. Que continua a ser culpa pelo facto. Mas agora culpa pelos factos em realção. Afinal, a avaliação conjuta dos factos e da personalidade do agente, de que fala o CP.»     

Ainda, a propósito, escreve-se no Ac. do STJ, de 18/06/2009 : Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderado em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso.

No caso, a conexão entre os crimes de roubo o contexto e circunstâncias em que ocorreram e serem diferentes os bens protegidos violados, acentuam a gravidade da conduta.

Por outro lado, os vastos antecedentes criminais do recorrente, revelam propensão para o crime.

Por isso, as visões conjuntas dos factos acentuam o seu «desvalor final – quer de ilícito quer de culpa».

Tudo ponderado, sopesando em conjunto as circunstâncias referentes à gravidade dos factos no seu conjunto, comportamento anterior e posterior e personalidade do arguido, afigura-se-nos justa e equitativa a pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis meses) de prisão.

Considerando a concreta pena unitária aplicada e o preceituado no artº 50º, nº 1, do Código penal, fica, assim, arredada a pretensão do arguido de ver declarada suspensa na sua execução a pena que lhe foi fixada.

Procede, assim o recurso do Mº Pº e improcede o recurso do arguido.”


2. Fundamentação

2.1. Questão Prévia: Da compressão do objecto do recurso por irrecorribilidade decorrente da dupla conformidade, no que respeita a todas as penas parcelares

Em primeira instância, o recorrente fora  condenado pela prática de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas, do art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, na pena de 04 (quatro) anos e 06 (seis)meses de prisão; de um crime de roubo qualificado dos arts 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), e 204.º, n.º 1, al. a) e f), do CP, na pena de 05 (cinco) anos de prisão; de crime de roubo qualificado dos arts 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), e 204.º, n.º 1, as. a) e f), do CP, na pena de 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de prisão; de um crime de detenção de arma proibida, das disposições conjugadas dos arts. 3.º, n.º 4, al. a) e art. 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n º 5/ 2006, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 5,5€, no montante global de 1 100€ (mil e cem euros); em cúmulo jurídico das penas parcelares, na pena única de 8 (oito) anos de prisão e na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 5,50 €, no montante global de 1 100€ (mil e cem euros).

Na decisão do recurso que interpôs para o Tribunal da Relação …….., foram as penas correspondentes aos crimes de tráfico de estupefacientes e de roubo qualificado), integralmente confirmadas, e na procedência do recurso interposto pelo Ministério Público, ficou o arguido condenado na pena de (01) anos e (08) meses de prisão, pelo crime de detenção de arma proibida. Por último, na reformulação do cúmulo jurídico, ficou o arguido condenado na pena única de (08) anos e (06) e seis meses de prisão.

De novo inconformado, recorre agora para o Supremo Tribunal de Justiça, renovando as questões já colocadas no recurso para a Relação.

Como o Senhor Procurador-Geral Adjunto no Supremo bem notou no parecer, “deixou de atentar, na inadmissibilidade de recurso de decisão condenatória da Relação para o STJ, quando esta confirma decisão de 1ª instância e aplica pena de prisão não superior a 8 anos - ut art.º 400º, n º 1, alínea f), do Código de Processo Penal- confirmação, de resto, perfeita, que torna irrecorríveis in casu as penas parcelares atinentes aos crimes de tráfico de estupefacientes e de roubo agravado. E no referente à condenação pelo crime de detenção de arma proibida, resulta do art.º 400º, n 1, alínea e), do Código de Processo Penal que o recurso de tal condenação da Relação também não é admissível. (…) Donde decorre, que o presente recurso só é admissível, no atinente à pena única.

E assim sucede, na verdade.

O art. 400.º do CPP é uma norma de excepção ao regime-regra de recorribilidade dos acórdãos, das sentenças e dos despachos, previsto no art. 399.º do CPP. E da limitação do direito ao recurso consagrada nesta norma legal (o art. 400.º), designadamente e ao que ora releva, decorre, do n.º 1, al. e) que não é admissível recurso “de acórdãos proferidos em recurso pelas relações que apliquem pena não privativa da liberdade”, e do n.º 1, al. f), que não é admissível recurso “de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão da 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.

Por consagração legal expressa, e de acordo com a jurisprudência pacífica, reiterada e bem consolidada do Supremo Tribunal de Justiça, só é admissível recurso de decisão confirmatória da Relação – e é de uma decisão de dupla conformidade de que se trata aqui –, só é admissível recurso de decisão confirmatória da Relação quando a pena aplicada for superior a oito anos de prisão, constituindo objecto de conhecimento do recurso apenas as questões que se refiram à(s) condenação(ões) em pena superior a oito anos (seja pena parcelar ou pena única, mas exigindo-se sempre que sejam superiores a oito anos).

Assim o tem decidido o Supremo tribunal de Justiça, em jurisprudência pacífica e uniforme. Por exemplo no acórdão do STJ de 11.03.2020 (Rel. Nuno Gonçalves), em que se desenvolveu que “só é admissível recurso de decisão confirmatória da Relação quando a pena aplicada for superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares, quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo jurídico. Irrecorribilidade que é extensiva a todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação, incluída a fixação da matéria de facto, nulidades, os vícios lógicos da decisão, o princípio in dubio pro reo, a escolha das penas e a respetiva medida. Em suma, todas as questões subjacentes à decisão, submetidas a sindicância, sejam elas de constitucionalidade, substantivas ou processuais, referentes à matéria de facto ou à aplicação do direito, confirmadas pelo acórdão da Relação, conquanto a pena aplicada, parcelar ou conjunta, não seja superior a 8 anos de prisão. Trata-se de jurisprudência uniforme destes Supremo Tribunal, adotada e seguida no recente Ac. de 19/06/2019, desta mesma secção, onde se decidiu: “As questões subjacentes a essa irrecorribilidade, sejam elas de constitucionalidade, processuais e substantivas, enfim das questões referentes às razões de facto e direito assumidas, não poderá o Supremo conhecer, por não se situarem no círculo jurídico-penal legal do conhecimento processualmente admissível, delimitado pelos poderes de cognição do Supremo Tribunal”. Não sendo admissíveis os recursos relativos às penas parcelares, nos termos que se vem de consignar, não cobra o STJ competência para apreciar questões atinentes a estas e aos crimes que as determinaram.

Do mesmo relator, o acórdão de 16-03-2021, citado no parecer:

“I- A norma dos artigos 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. f) do CPP, consagra a irrecorribilidade de acórdãos da Relação que confirmem a decisão condenatória da 1.ª instância, contanto não tenha sido aplicada pena superior a 8 anos de prisão.

II - Salvo disposição legal expressa, as mesmas questões já duplamente apreciadas e uniformemente decididas por tribunais de duas instâncias, não podem legitimar mais uma reapreciação em 2.º grau recurso, pelo STJ.

III - Irrecorribilidade extensiva a todas as questões relativas à actividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação, incluída a matéria de facto, nulidades, vícios lógicos da decisão, o princípio in dubio pro reo, a qualificação jurídica, a escolha das penas e a respectiva medida. Em suma, todas as questões subjacentes à decisão, submetidas a sindicância, sejam elas de constitucionalidade, substantivas ou processuais.”

Assim se decidiu também no acórdão do STJ de 11-03-2021 (Rel. Helena Moniz), em cujo sumário pode ler-se: “II - Tendo em conta o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, onde se impede a possibilidade de recurso das decisões do Tribunal da Relação que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos de prisão, e o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, onde apenas se admite (a contrario) o recurso de acórdãos da Relação que, confirmando decisão anterior, apliquem pena de prisão superior a 8 anos, e sabendo que, segundo a jurisprudência deste STJ, ainda que a pena única seja superior a 8 anos de prisão, se analisa a recorribilidade do acórdão relativamente a cada crime individualmente considerado, necessariamente temos que concluir não ser admissível o recurso das condenações relativas a cada crime, do Tribunal da Relação, quando seja aplicada pena não superior a 5 anos de prisão; e das condenações em pena de prisão superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão, quando haja conformidade com o decidido na 1.ª instância.”

 E na fundamentação do acórdão do STJ de 29.04.2015 (Rel. Raul Borges) encontra-se enunciado abundante da jurisprudência do TC no sentido da conformidade constitucional do entendimento exposto. Assim, pode ler-se ali:

“O Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar que o direito ao recurso como garantia de defesa do arguido não impõe um duplo grau de recurso.(…)

A constitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na actual redacção, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, que decidiu não a julgar inconstitucional – acórdão n.º 263/2009, de 25 de Maio, processo n.º 240/09-1.ª Secção (Acórdãos do Tribunal Constitucional – ATC –, volume 75, pág. 249), acórdão n.º 551/2009, de 27 de Outubro - 3.ª Secção, versando a questão, inclusive, ao nível do artigo 5.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do artigo 5.º do CPP (ATC, volume 76, pág. 566), acórdão n.º 645/2009, de 15 de Dezembro, processo n.º 846/2009 - 2.ª Secção (ATC, volume 76.º, pág. 575 - em sumário e com referência ao artigo 5.º, n.º 2, do CPP), o infra mencionado acórdão n.º 649/2009, de 15 de Dezembro - 3.ª Secção, confirmando decisão sumária que emitiu juízo de não inconstitucionalidade (ATC, volume 76, pág. 575, igualmente em sumário), e acórdão n.º 174/2010, de 4 de Maio, processo n.º 159/10-1.ª Secção.

Por seu turno, o acórdão n.º 424/2009, de 14 de Agosto, proferido no processo 591/09-2.ª Secção, decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), conjugada com a norma do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 48/2007, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão efectiva.

E, mais recentemente, no acórdão n.º 385/2011, de 27 de Julho de 2011, proferido no processo n.º 470/11, da 2.ª Secção, foi decidido “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que, apesar de ter confirmado a decisão de 1.ª instância em pena não superior a 8 anos, se pronunciou pela primeira vez sobre um facto que a 1.ª instância não havia apreciado”.

Por tudo, sendo o recurso integralmente de rejeitar na parte referente às penas parcelares, incluindo necessariamente todas as questões suscitadas no âmbito da condenação nessa parte, a questão a apreciar fica circunscrita à medida da pena única.

2.2. Da medida da pena única

O recorrente pretende aqui a redução da pena única para seis anos de prisão.

Como o Senhor Procurador-Geral Adjunto nota no parecer, “o recorrente não fundamenta adequadamente a sua crítica aos procedimentos de determinação daquela, quedando-se por considerações gerais e por uma pretensão de todo sem alicerce, a da fixação do seu quantum em seis anos de prisão. Na verdade, não se vê que as correcções dos procedimentos de determinação da pena única sejam passíveis de censura.”

A moldura penal do concurso é, no caso, de cinco anos a quinze anos e oito meses de prisão (art. 77.º, n.º 2, do CP).

No acórdão recorrido, após enunciar as penas parcelares a considerar - 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes, 5 (cinco) anos de prisão pelo crime de roubo qualificado, 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pelo segundo crime de roubo qualificado, e 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão pelo crime de detenção de arma proibida – e de tecer acertadas considerações jurídicas de ordem geral, a Relação considerou:

“No caso, a conexão entre os crimes de roubo o contexto e circunstâncias em que ocorreram e serem diferentes os bens protegidos violados, acentuam a gravidade da conduta. Por outro lado, os vastos antecedentes criminais do recorrente, revelam propensão para o crime. Por isso, a visão conjunta dos factos acentua o seu «desvalor final – quer de ilícito quer de culpa».  Tudo ponderado, sopesando em conjunto as circunstâncias referentes à gravidade dos factos no seu conjunto, comportamento anterior e posterior e personalidade do arguido, afigura-se-nos justa e equitativa a pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis meses) de prisão.”

Independentemente de se poder considerar que os antecedentes criminais do arguido não serão assim tão “vastos” como os valorou o acórdão (tem quatro condenações anteriores por crime de condução sem carta), apresenta-se incontroverso que o ilícito global perpetrado (o grande facto) se apresenta aqui como extremamente desvalioso, e que a pena única aplicada é claramente necessária à garantia das finalidades da punição. A merecer censura, não seria nunca no sentido pretendido pelo recorrente.

Na verdade, a pena aplicada situa-se expressivamente abaixo do ponto médio da pena abstracta, e reduzi-la faria claramente perigar, em concreto, a confiança nas normas jurídicas violadas. Os factos globalmente perpetrados evidenciam um episódio de violência revelador de uma enorme indiferença pelos bens jurídicos atingidos, particularmente no referente aos crimes de roubo. Evidenciam também um dolo directo e globalmente muito persistente (recorde-se todo o processo de preparação dos crimes).

Se as razões de prevenção geral já diagnosticadas e reafirmadas pela Relação dispensam aqui maior justificação, também as necessidades de prevenção especial confluem com as primeiras, sendo ainda muito elevada a culpa do arguido, de acordo com a personalidade revelada nos factos.

Em suma, numa moldura penal de cúmulo jurídico de cinco anos a quinze anos e oito meses de prisão (art. 77.º, n. 2, do CP), a pena única mostra-se fixada abaixo do ponto médio, sendo de considerar não só como perfeitamente adequada ao concreto “ilícito global perpetrado” e à personalidade desvaliosa do arguido revelada nos factos, como manifestamente necessária às exigências de prevenção geral e especial.

E considerando, por último, que o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico também em matéria de pena, não abrangendo “a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197), impõe-se reconhecer que a pena única fixada é a adequada às exigências de prevenção geral e especial, e respeita o limite da culpa.

           

3. Decisão

Face ao exposto, acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso na parte relativa a todas as penas parcelares, por inadmissibilidade legal (arts. 400.º, n.º 1, als. e) e f), 420.º, n.º 1, al. b) e 414.º, n.ºs 2 e 3, do CPP), julgando-o improcedente na parte restante.

Custas pelo recorrente (art. 513.º, n.º 1 do CPP), fixando-se a taxa de justiça em 5 UC´s, acrescendo a importância de 3 UC’s  (art. 420.º, n.º 3, do CPP).

                       

Lisboa, 03.11.2021

           

Ana Barata Brito, relatora

Maria Helena Fazenda, adjunta