Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05S357
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
ACIDENTE DE TRABALHO
REMIÇÃO
PENSÃO DE INVALIDEZ
PENSÃO POR INCAPACIDADE
PENSÃO
REGIME APLICÁVEL
SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL
Nº do Documento: SJ200504070003574
Data do Acordão: 04/07/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 2996/04
Data: 10/25/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : 1. As pensões resultantes de acidentes de trabalho ocorridos antes de 1.1.2000 estão sujeitas ao mesmo regime de remição a que estão sujeitas as pensões resultantes de acidentes ocorridos após aquela data, excepto no que diz respeito à data da concretização da remição que obedece ao quadro estabelecido no art. 74 do DL 143/99, de 30/4.
2. O regime transitório de remição das pensões resultantes de acidentes ocorridos antes da entrada em vigor da Lei n.º 100/97, de 13/9, estabelecido no referido art. 74.º, contende apenas com o calendário da remição daquelas pensões, no pressuposto de que elas sejam remíveis à face do regime contido na Lei 100/97 e no DL 143/99.
3. Deste modo, a pensão anual e vitalícia resultante de acidente de trabalho ocorrido antes de 1.1.2000, de que tenha resultado para o sinistrado uma incapacidade permanente para o trabalho habitual e uma incapacidade permanente de 22,5% para as restantes actividades, só é obrigatoriamente remida, se for considerada de reduzido montante, nos termos do n.º 1 do art. 33.º da Lei n.º 100/97 e do art. 56.º, n.º 1, a), do DL 143/99.
4. Tal pensão será de reduzido montante se o seu valor inicial não exceder o sêxtuplo do salário mínimo nacional mais elevado em vigor à data em que a mesma passou a ser devida.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:


1. Na qualidade de patrono oficioso do sinistrado A, o M.º P.º interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, revogando a decisão da 1.ª instância, julgou não ser passível de remição a pensão anual e vitalícia de que aquele sinistrado é beneficiário, tendo resumido a sua alegação nas seguintes conclusões:

«1) A remição das pensões vitalícias fixadas ao abrigo da Lei n.º 2127, de 03/08/1965, está apenas sujeita ao regime transitório de remição previsto no art.º 74.º do Decreto Lei n.º 143/99, de 30/04;

2) Assim, os limites estabelecidos no art. 56.º, n.º 1, a), do Dec. Lei n.º 143/99, de 30/04, devem aplicar-se quando estejam em causa, tão somente, pensões fixadas no âmbito da Lei n.º 100/97, de 13/09;

3) Com efeito, somente estas são calculadas sem qualquer redução ao salário mínimo nacional vigente na data da alta, justamente ao contrário do que acontecia na anterior Lei dos Acidentes de Trabalho.»

A Companhia de Seguros B e o C não contra-alegaram.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Para conhecer do objecto do recurso, os factos relevantes são os seguintes:
a) No dia 6 de Agosto de 1980, o sinistrado A foi vítima de acidente de trabalho, quando, remuneradamente, prestava a sua actividade por conta de D que tinha a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho parcialmente transferida para a Companhia de Seguros B.

b) O sinistrado foi dado como curado das lesões sofridas no acidente, em 31 de Março de 1982 e, em consequência daquelas lesões, ficou totalmente incapaz para o trabalho habitual e com incapacidade permanente de 22,5% para as restantes actividades.

c) Por sentença proferida em 17.6.84, a Companhia de Seguros B e a entidade empregadora foram condenadas a pagar ao sinistrado, com efeitos a partir de 1.4.82, a pensão anual e vitalícia de 106.757$00, sendo 78.772$00 da responsabilidade da primeira e 27.985$00 da responsabilidade da segunda.

d) Por insuficiência económica dos herdeiros da entidade empregadora, a sua quota parte da pensão passou a ser paga pela Caixa E, a partir de 1 de Fevereiro de 1993.

e) A pensão foi sendo objecto de sucessivas actualizações e, mercê disso, o seu valor global, em 1.1.2004, era de 2.687,04 euros.

3. O direito
Como resulta das conclusões formuladas pelo recorrente, o objecto do recurso restringe-se à questão de saber se o disposto no art. 56.º, n.º 1, al. a), do D.L. n.º 143/99, de 30/4 é, ou não, aplicável à remição das pensões anuais e vitalícias fixadas ao abrigo da Lei n.º 2127, de 3.8.65.

Mais concretamente, trata-se de saber se a remição das pensões resultantes de acidentes de trabalho ocorridos antes de 1.1.2000 (data da entrada em vigor da Lei n.º 100/97, de 13/9) está dependente, apenas, das datas e valores referidos no quadro contido no art.º 74.º do DL n.º 143/99, de 30/4, ou, se, pelo contrário, também está sujeita aos requisitos de remição estabelecidos na Lei n.º 100/97 e no seu regulamento, o DL n.º 143/99.

A questão foi objecto de muita controvérsia nos tribunais de 1.ª instância e nas Relações, mas no Supremo Tribunal tem sido decidida, reiterada, pacífica e uniformemente, no sentido de que o regime transitório estabelecido no referido art. 74.º nada tem a ver com os requisitos de que depende a remição das pensões resultantes de acidentes ocorridos antes de 1.1.2000, dizendo respeito, tão somente, à calendarização da concretização da remição daquelas pensões que efectivamente o sejam, face ao regime da nova lei (1).

Por outras palavras, a jurisprudência do Supremo tem sido no sentido de que o regime transitório de remição das pensões em pagamento (2) à data da entrada em vigor da Lei n.º 100/97 não responde à questão de saber se aquelas pensões são ou não remíveis; responde, apenas, à questão de saber quando é que a remição pode ser concretizada, no pressuposto de que sejam efectivamente remíveis à luz do regime da nova lei.

E esse é, efectivamente, o sentido que decorre da letra e da razão de ser da lei.

Na verdade, o art. 74.º do DL n.º 143/99 tem de ser interpretado em articulação com o disposto no do art. 41.º da Lei n.º 100/97, por ser neste artigo que se prevê a instituição, no decreto regulamentar, de um regime transitório para a remição das pensões em pagamento à data da sua entrada em vigor. Ora, como resulta da letra da alínea a) do n.º 2 do referido art. 41.º (3), o regime transitório não era para ser aplicado a todas as pensões que estivessem em pagamento à data da entrada em vigor da nova lei de acidentes de trabalho, mas para ser aplicado, apenas, às pensões "que digam respeito a incapacidades permanentes inferiores a 30% ou a pensões vitalícias de reduzido montante e às remições previstas no art. 33.º, n.º 2." Por outras palavras, o regime transitório era para ser aplicado, apenas, às pensões resultantes de acidentes ocorridos antes de 1.1.2000, que fossem remíveis, face ao regime de remição instituído na nova lei de acidentes de trabalho.

Aliás, esse é, também, o sentido que decorre da letra do próprio art. 74.º(4), na medida em que aí se restringe a aplicação do regime transitório às pensões "previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º e no artigo 33.º da lei", que mais não são do que as pensões susceptíveis de remição ao abrigo do regime da nova lei.

Por outro lado, como resulta da discussão parlamentar (5) que ocorreu acerca da proposta de lei n.º 67/VII (6) que deu origem à Lei n.º 100/97 e como resulta do preâmbulo do DL n.º 143/99, o objectivo do regime transitório que veio a ser estabelecido no art. 74.º foi o de evitar que as empresas de seguros fossem confrontadas com um pedido generalizado de remições, com a inerente instabilidade que lhe estaria associada. Ou seja, com o regime transitório, o legislador não pretendeu estabelecer um regime especial de remição para as pensões em pagamento (7) à data da entrada em vigor da nova lei; pretendeu apenas salvaguardar a capacidade financeira e a solvabilidade das seguradoras que seriam postas seriamente em causa, se todas as pensões em pagamento à data da entrada em vigor da nova lei, resultantes de incapacidades permanentes inferiores a 30% ou resultantes de incapacidades permanentes iguais ou superiores a 30% mas que fossem de reduzido montante, passassem a ser obrigatoriamente remidas com a entrada em vigor da nova lei (8).

Aliás, não faria o menor sentido que a remição das pensões resultantes de acidentes de trabalho ocorridos antes de 1.1.2000 ficasse dependente, apenas, das datas e dos valores constantes do quadro contido no art. 74.º, enquanto que a remição das pensões resultantes de acidentes ocorridos após 1.1.2000 ficava sujeita aos requisitos de remição da nova lei. Uma tal interpretação do art. 74.º conduziria, como se disse no acórdão deste tribunal de 13.7.2004, a uma dualidade de critérios e levaria a reconhecer, sem explicação plausível, uma desarmonia dentro do próprio sistema, o que não se coadunaria com a ideia de um legislador razoável nem com o espírito da lei. Uma tal interpretação do art. 74.º conduziria, mesmo, ao absurdo de que todas as pensões vitalícias resultantes de acidentes ocorridos antes de 1.1.2000 passavam a ser obrigatoriamente remidas, a partir de 31.12.2005, independentemente do seu valor e do grau de incapacidade permanente de que o sinistrado ficou afectado, ao contrário do que aconteceria com as pensões resultantes de acidentes ocorridos na vigência da nova lei. Ou seja, aquelas pensões ficariam sujeitas a um regime de remição mais permissivo do que as pensões resultantes de acidentes ocorridos após 1.1.2000, quando, antes, estavam sujeitas a um regime muito mais restritivo do que o da nova lei.

Deste modo, para averiguar se uma pensão anual e vitalícia resultante de acidente de trabalho ocorrido antes de 1.1.2000 é, ou não, obrigatoriamente remível, há que atender necessariamente ao disposto no n.º 1 do art. 56.º do DL n.º 143/99. A pensão será obrigatoriamente remida (independentemente do seu valor), se corresponder a uma incapacidade permanente e parcial inferior a 30% (alínea b) do n.º 1), mas, quando resulte da morte do sinistrado ou quando resulte de uma incapacidade permanente igual ou superior a 30%, só será obrigatoriamente remida (9) , se o seu valor não for superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data em que foi fixada (al. a) do n.º 1), considerando-se como data da fixação a data a partir da qual a pensão passou a ser devida.

O entendimento acabado de referir e que vinha sendo perfilhado por este Supremo Tribunal foi recentemente reafirmado e consagrado no acórdão de uniformização de jurisprudência, de 16.3.2005, proferido no processo n.º 3951/04, da 4.ª Secção, no qual se decidiu que:

"I. Para determinar se uma pensão vitalícia anual resultante de acidente de trabalho ocorrido antes de 1.01.2000 é de reduzido montante para efeitos de remição, atende-se ao critério que resulta do art.º 56º, 1, a) do DL n.º 143/99, de 30.04, devendo os dois elementos - valor da pensão e remuneração mensal garantida mais elevada - reportar-se à data da fixação da pensão.

II. Para efeitos de concretização gradual dessa remições, atende-se à calendarização e aos montantes estabelecidos no art. 74.º do mesmo diploma, na redacção introduzida pelo DL n.º 382-A/99, de 11.09, relevando, nesse âmbito, o valor actualizado da pensão."

E não havendo razões, naturalmente, para alterar a jurisprudência que foi firmada no referido acórdão de uniformização de jurisprudência, importa averiguar, agora, se a pensão do recorrente é, ou não, obrigatoriamente remível.

E adiantando, desde já a resposta, diremos que não. Com efeito, tendo o recorrente ficado afectado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e de incapacidade permanente de 22,5% para as restantes actividades, temos de concluir que a sua incapacidade é superior a 30%, o que significa que a sua pensão só será obrigatoriamente remida se for considerada de reduzido montante, isto é, se o seu valor inicial não exceder seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data em que começou a ser devida. Ora, tendo a pensão sido inicialmente fixada em 106.757$00, com efeitos a partir de 1.4.82 e sendo de 10.700$00 o salário mínimo nacional mais elevado em vigor naquela data (DL n.º 296/81, de 27/10), é evidente que aquela pensão era manifestamente superior ao sêxtuplo daquele salário mínimo nacional.

3. Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar o douto acórdão recorrido.
Sem custas por delas estar isento o recorrente (art. 2.º, n.º 1, al. l), do CCJ aprovado pelo DL n.º 224-A/96, de 26/11).

Lisboa, 7 de Abril de 2005
Sousa Peixoto,
Vítor Mesquita,
Fernandes Cadilha.
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(1) - Vide acórdãos de 13.7.2004, 13.10.2004 e 9.12.2004, proferidos respectivamente nos proc. n.º 1015/04, n.º 2850/04, n.º 3958/04, acórdãos de 14.12.2004, proferidos nos processos n.º 3680/04, n.º 3510/04 e n.º 3692/04, acórdãos de 27.1.2005, proferidos nos processos n.º 3957/04, 3685/04 e 4328/04 e acórdão de 15.2.2005, proferido no processo n.º 4332/04, todos da 4.ª secção.
(2) - A expressão pensões em pagamento deve ser interpretada extensivamente de modo a abranger as pensões resultantes de acidentes ocorridos antes de 1.1.2000, mas que vieram a ser fixadas depois de 1.1.2000 (vide acórdãos do STJ proferidos em 20.3.2002 nos processos n.º 55/01, 2775/01 e 98/02, da 4.ª secção, o primeiro dos quais publicado na revista Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo tribunal de Justiça, ano X, tomo I, pag. 283 e o acórdão de uniformização de jurisprudência de 6.11.2002, proferido no processo n.º 2247/02, da 4.ª Secção, publicado no D.R., I-A Série, de 18.12.2002).
(3) - "2. O diploma regulamentar referido no número anterior estabelecerá o regime transitório a aplicar:
a) À remição de pensões em pagamento, à data da sua entrada em vigor, e que digam respeito a incapacidades permanentes inferiores a 30% ou a pensões vitalícias de reduzido montante e às remições previstas no art. 33.º, n.º 2."
(4) - O art. 74.º, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 382-A/99, de 22/9, tem o seguinte teor:
"As remições das pensões, previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º e no artigo 33.º da lei, serão concretizadas gradualmente, nos termos do quadro seguinte:
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Período Pensão anual (Contos)_______________
Até 31 de Dezembro de 2000 .............................................. = ou < 80
Até 31 de Dezembro de 2001 .............................................. = ou < 120
Até 31 de Dezembro de 2002 .............................................. = ou < 160
Até 31 de Dezembro de 2003 .............................................. = ou < 400
Até 31 de Dezembro de 2004 .............................................. = ou < 600
Até 31 de Dezembro de 2005 .............................................. > 600
____________________________________________________________________________"
(5) - Vide Diário da Assembleia da República, n.º 67, II Série-A, de 30.7.97.
(6) - Publicada no Diário da Assembleia da República, n.º 13, II Série-A, de 10.1.97.
(7) - Leia-se pensões resultantes de acidentes ocorridos antes de 1.1.2000 (vide nota 2)
(8) - Recorde-se que, ao abrigo da Lei n.º 2127, só eram passíveis de remição as pensões resultantes de incapacidades permanentes inferiores a 20% (vide Base XXXIX da referida Lei e art. 64.º do Decreto n.º 360/71, de 21/8).
(9) - Anote-se que, mesmo nestes casos, a obrigatoriedade da remição é discutível, tendo o Tribunal Constitucional decidido recentemente pela inconstitucionalidade do art. 74.º quando interpretado no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% (Acórdão n.º 56/2005, de 1.2.2005, proferido no processo n.º 854/2004, da 2.ª Secção, publicado na II Série do D.