Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3674/21.5T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE LEAL
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
ARRENDATÁRIO
RENÚNCIA
DENÚNCIA
PRAZO CERTO
NORMA IMPERATIVA
VALIDADE
LIBERDADE CONTRATUAL
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Data do Acordão: 01/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
É legal, sendo autorizada nos termos do art.º 1110.º n.º 1 do Código Civil, uma cláusula de renúncia, pelo arrendatário, à denúncia de um contrato de arrendamento para fim não habitacional, com prazo certo de três anos.
Decisão Texto Integral:

Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. Em 11.02.2021 Segurança Construções – Projetos, Compra e Venda e Urbanização, Lda, instaurou a presente ação declarativa de simples apreciação e de condenação, sob a forma de processo comum, contra J...& Associados, Sociedade de Advogados, RL e AA.

A A. alegou, em síntese, que no exercício da sua atividade deu de arrendamento à 1.ª R. uma fração autónoma de que a A. é proprietária, que identificou, sita em Lisboa. O referido contrato foi celebrado com duração limitada, pelo prazo de três anos, não renovável, com início em 01.02.2020 e termo em 31.01.2023. O local arrendado destinava-se exclusivamente a escritório da arrendatária. O 2.º R. assumiu a posição de fiador. As partes acordaram que a renda mensal seria de € 2 500,00 no primeiro ano de vigência do contrato, € 2 000,00 no segundo ano e € 1 500,00 no terceiro ano de vigência. Sucede que, na sequência de sucessivos atrasos no pagamento das rendas, por carta registada com A/R, datada de 23.6.2020, a 1.ª R. comunicou à A. a resolução do contrato de arrendamento, alegando a alteração anormal das circunstâncias que levaram à celebração do contrato, decorrente da pandemia COVID-19. Ora, a A. não aceitou a referida resolução do contrato, por para a mesma não haver fundamento. O certo é que a R. deixou de pagar renda, estando em dívida as rendas dos meses de maio de 2020 a fevereiro de 2021, no valor total de € 25 000,00.

A A. terminou formulando o seguinte petitório:

a) Ser declarado válido, e em vigor, o Contrato de Arrendamento Urbano a Prazo Certo para Fim Comercial com Fiança, celebrado entre a A. e os RR., em 28/01/2020; serem os RR condenados a:

b) A pagar à A. o valor global de € 25.000,00 respeitante a rendas vencidas e não pagas referentes aos meses de Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2020, e ainda, as rendas correspondentes aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2021;

c) A pagar à A. todas as rendas que posteriormente se vençam até que haja a denúncia do contrato, efectuada de forma legal e válida, pelo arrendatário, ora 1ª R., conforme decorre da Lei”.

2. Citados, os RR. apresentaram contestação, na qual alegaram erro-vício na celebração do contrato e, subsidiariamente, alteração das circunstâncias subjacentes à celebração do contrato, justificativa da sua resolução e consequente improcedência da ação. Em reconvenção, com base nos factos alegados, os RR. peticionaram o seguinte, em sequência subsidiária:

a) a autora seja condenada a devolver à 1.ª ré os € 10.000,00 (dez mil euros) de rendas liquidadas;

b) seja anulado o contrato de arrendamento objeto dos presentes autos, ou, [subsidiariamente],

c) seja considerado que o contrato de arrendamento objeto dos presentes autos tenha sido resolvido na data de 30 de junho de 2020, nos termos do artigo 437.º, n.º 1, do código civil; ou, [subsidiariamente],

d) seja considerado que o contrato de arrendamento objeto dos presentes autos tenha sido denunciado na data de 31 de janeiro de 2021, tendo sido cumprido o prazo legalmente previsto com a comunicação rececionada pela autora no dia 30 de junho de 2020, nos termos do disposto constante do artigo 1098.º, n.º 3, alínea a), do código civil; ou, [subsidiariamente],

e) seja considerado que se denunciou o contrato de arrendamento objeto dos presentes autos com a presente contestação, nos termos do disposto constante do artigo 1098.º, n.º 3, alínea a), do código civil;

f) a autora seja condenada como litigante por má-fé, em caso de condenação de algum dos pedidos elencados nas alíneas a), b), c) ou d);

g) a autora seja condenada em juros de mora, em caso de condenação do pedido elencado na alínea a);

h) a autora seja condenada nas custas processuais a que deu causa, inclusivamente de parte.”

3. A A. respondeu, pugnando pela improcedência da matéria de exceção e dos pedidos reconvencionais.

4. Procedeu-se à audiência prévia, tendo sido admitida a reconvenção, fixado à ação o valor de € 35 000,00, proferido despacho saneador tabelar, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

5. Procedeu-se a audiência de julgamento e em 16.05.2022 foi proferida sentença, nos termos da qual, julgando a ação procedente, decidiu-se:

a) Declarar válido o contrato de arrendamento celebrado, no dia 28 de Janeiro de 2020, entre a Autora SEGURANÇA CONSTRUÇÕES – PROJECTOS, COMPRA E VENDA E URBANIZAÇÃO, LDA. e os Réus J...& Associados, Sociedade de Advogados, RL e AA;

b) Condenar os Réus no pagamento solidário da quantia de 49.000,00 € (quarenta e nove mil euros), a título de rendas vencidas, bem como as rendas que se vencerem até ao termo do contrato;

c) Absolver a Autora do peticionado;

d) Condenar os Réus no pagamento das custas processuais”.

6. Os RR. apelaram da sentença e em 14.3.2023 a Relação de Lisboa proferiu acórdão que, julgando a apelação improcedente, manteve a sentença recorrida.

7. Os RR. interpuseram recurso de revista excecional desse acórdão, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões:

“1. Refere o artigo 672º n.º 1 alínea a) do C. Processo Civil que “Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando: … Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;”

2. Prevendo o n.º 2 alínea a) do mesmo dispositivo legal que os Recorrentes devem “…indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição...As razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;”

3. Neste caso em concreto o que se encontra em causa é saber se a clausula incluída no contrato de arrendamento é abusiva e limita o direito de denuncia,

4. O ponto primeiro do Contrato de Arrendamento prevê que “O arrendamento é de duração limitada, sendo feito pelo prazo único três anos não renovável e tem o seu início no dia um de Fevereiro de 2020 e termo em trinta e um de Janeiro de 2023. A sociedade inquilina obriga-se a manter o arrendamento pelo período de três anos.

5. Considerou o douto Acórdão recorrido que esta previsão não “afecta minimamente a sensibilidade jurídica de ninguém, na estrita medida que corresponda ao interesse das partes, traduzido no exercício legitimo da liberdade contratual. …Simplesmente, esta outra consequência, decorrente da irrenovabilidade do contrato de arrendamento, tem-se por admissível, não só porque a lei expressamente o permite, mas também porque não perpetua a relação contratual e corresponde à vontade das partes livremente expressa. Já a impossibilidade de exercício do direito de denuncia, pelo contrário, prolonga o vínculo jurídico durante o prazo de vigência do contrato, inibindo a arrendatária do direito de dele se desvincular.”

6. E é nesta última questão que se coloca a dúvida quanto à aplicação do direito, já que o que a lei prevê não é que as partes se possam afastar o direito de denúncia, mas sim estabelecer no contrato de arrendamento regras relativamente à denuncia, prevendo o artigo 1110º n.º 1 do C. Civil o seguinte: “As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte.”

7. Sendo que é bem diferente da possibilidade de não renovação permitida por lei, já que o artigo 1110º n.º 3 do C. Civil o que prevê é que “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1096.º.”

8. Ora, atendendo a que a chave foi entregue à senhoria, que a mesma colocou no mercado do arrendamento o imóvel e só não o voltou a arrendar porque não conseguiu, condenar a mesma a pagar as rendas que se vençam até ao termo do contrato aqui 3 anos,

9. Pelo que aqui encontra-se em causa a aplicação correta do previsto no artigo 1110º n.º 1 do C. Civil, e a sua interpretação: se apenas permite que se alterem os prazos da denúncia ou se pelo contrário também permite que não seja admitida a denuncia num contrato de arrendamento, questão que deve ser dirimida e solucionado por este douto Supremo Tribunal de Justiça!

10. O presente litígio, cuja ação foi intentada pela Recorrida contra os ora Recorrentes, decorre da celebração de contrato de arrendamento, com início a 01 de fevereiro de 2020, pelo prazo de três anos, para fim comercial, no âmbito do qual a Recorrida figura como locadora, a 1.ª Ré como locatária e o 2.º Réu como fiador.

11. As rendas acordadas fixaram-se no valor de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) para o primeiro ano de arrendamento, passando a €2.000,00 (dois mil euros) para o segundo ano e para €1.500,00 (mil e quinhentos euros) para o terceiro ano de arrendamento.

12. Acontece que o locado não reunia as condições técnico-informáticas necessárias para a 1.ª Ré laborar, sendo certo que logo após a celebração do dito contrato de arrendamento, despoletou a pandemia Covid-19, acarretando consigo graves problemas financeiros a múltiplas empresas, não tendo a 1.ª Ré sido exceção, pelo que por carta datada de 23 de junho de 2020, rececionada pela Recorrida a 30 do mesmo mês, os Recorrentes comunicaram da resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias, nos termos do artigo 437.º, n.º 1, do Código Civil, tendo a Autora respondido que se manifestava disponível para aceitar a denúncia do contrato, decorrido um terço do mesmo.

13. A Recorrida intentou a ação em causa, peticionando que o contrato in casu fosse declarado válido e eficaz, pedindo ainda a condenação dos Réus a pagar o valor de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a título de rendas vencidas e não pagas, bem como pagar todas as rendas que posteriormente se vencessem até denúncia do contrato em causa.

14. E, além de outros pedidos que não serão reapreciados no âmbito deste recurso, os Recorrentes peticionaram que se considerasse o contrato denunciado na data de 31 de janeiro de 2021, tendo sido cumprido o prazo legalmente previsto com a comunicação rececionada pela Autora a 30 de junho de 2020, nos termos constantes do artigo 1098.º, n.º 3, alínea a), do Código Civil,

15. E que mesmo que assim não se considerasse sempre se teria de considerar o contrato de arredamento denunciado com a própria contestação apresentada a 03 de maio de 2021.

16. Produzida a prova, o Tribunal de 1ª instância proferiu sentença a declarar válido o contrato de arrendamento, a condenar os Réus no pagamento solidário de €49.000,00 (quarenta e nove mil euros), a título de rendas vencidas até à data da prolação da sentença, bem como nas rendas que se vencerem até termo do contrato, que considera ser a 31 de janeiro de 2023,

17. Com efeito, o Tribunal de 1ª instância considerou que o presente contrato de arrendamento não é passível de denúncia, decorrido um terço do mesmo, dado que consta na sua primeira cláusula que “A sociedade inquilina obriga-se a manter o arrendamento pelo período de três anos.”., o que foi confirmado no douto Acórdão recorrido,

18. Ora, é claro do clausulado indicado supra que existe claramente no Contrato de arrendamento em causa uma limitação ao direito de denúncia, sendo que a questão é: Permite o disposto no artigo 1110º n.º 1 do C. Civil que as regras da denuncia do contrato sejam alteradas até ao ponto de não permitir o exercício desse direito ou, o que se permite é apenas a alteração do prazo de denuncia?

19. Conforme nos ensina a mais douta jurisprudência “Assente que o arrendatário no contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais goza do direito de denúncia, desde que, bem entendido, o exerça nas condições acordadas pelas partes ou, na ausência destas, nos termos previstos na lei, facilmente se intui que a cláusula 2ª do contrato é ilegal. § É ilegal porque, ao fazer depender o exercício do direito de denúncia do pagamento “do valor das rendas em falta pelo período contratualmente estabelecido”, a referida cláusula, por via indirecta, limita o direito de denúncia, sendo por isso contrária à ordem pública, entendida como “o conjunto de princípios fundamentais subjacentes ao sistema jurídico que o Estado e a sociedade estão interessados em que prevaleçam e que tem uma acuidade tão forte que prevalece sobre as convenções privadas

20. Ora, prevê o artigo em causa que as regras relativamente à denuncia, no que diz respeito aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais possam ser diferentes do previsto para os contratos de arrendamento habitacionais, logo importa ver o que é previsto para estes últimos em relação à denuncia,

21. O artigo 1100º n.º 1 alíneas a) e b) do C. Civil preveem o seguinte:“1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, após seis meses de duração efetiva do contrato, o arrendatário pode denunciá-lo, independentemente de qualquer justificação, mediante comunicação ao senhorio com a antecedência mínima seguinte: a) 120 dias do termo pretendido do contrato, se, à data da comunicação, este tiver um ano ou mais de duração efetiva; b) 60 dias do termo pretendido do contrato, se, à data da comunicação, este tiver até um ano de duração efetiva.”

22. Por sua vez o n.º 6 do artigo 1098º ex vi n.º 4 do artigo 1100º prevê que “A inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, exceto se resultar de desemprego involuntário, incapacidade permanente para o trabalho ou morte do arrendatário ou de pessoa que com este viva em economia comum há mais de um ano.”

23. Pelo que em momento algum se permite que às partes seja permitido afastar o direito de denuncia de um contrato de arrendamento,

24. O Acórdão recorrido dita o seguinte: “Apesar de tudo o exposto pelo Supremo Tribunal de Justiça, no primeiro dos citados acórdãos, a nosso ver, a inibição voluntaria do exercício do direito de denuncia, traduzida na assunção da obrigação pela inquilina de manter o arrendamento pelo prazo de 3 anos, não pode ser tida por ilegal, porque o Art. 1110.º n.º 1 do C.C. permite às partes regular o exercício do direito de denúncia, afastando explicitamente a imperativamente estabelecida no Art. 1080.º do C.- C., tal como é ressalvado na parte final deste último preceito.

25. No entanto, não podemos concordar com a possibilidade de eliminar o direito de denuncia pura e simplesmente, aliás permitir tal cria necessariamente uma situação de desequilíbrio entre a posição de arrendatário e senhoria,

26. Assim, quando muito o que se pode aplicar é a regra prevista no artigo 1098º n.º 3 alínea a) do C., Civil e, decorrido que seja um terço do prazo de duração inicial do contrato o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com a antecedência mínima de 120 dias do termo pretendido do contrato,

27. E assim, considerar-se o contrato de arrendamento denunciado nos termos do artigo 1098.º, n.º 3, alínea a), do Código Civil, através da missiva rececionada pela Autora na data de 30 de junho de 2020, tendo terminado o dito contrato na data de 31 de janeiro de 2021, sendo os Réus absolvidos do valor peticionado, bem como do valor condenatório da sentença a quo,

28. Subsidiariamente, considerar-se o contrato de arrendamento denunciado nos termos do artigo 1098.º, n.º 3, alínea a), do Código Civil, através da contestação de 03 de maio de 2021 tendo terminado o dito contrato na data de 31 de agosto de 2021, sendo os Réus absolvidos do valor peticionado, bem como do valor condenatório da sentença a quo, fazendo assim a costumada Justiça!

8. A A. contra-alegou, rematando com as seguintes conclusões:

a) Em 15 de Março de 2023 foi o, supra referido, Acórdão notificado a ambas as partes;

b) Os Recorrentes poderiam ter apresentado recurso até ao dia 27 de Abril de 2023, inclusive;

c) Os Recorrentes apresentaram o presente Recurso de Revista, no dia 04 de Maio de 2023, tendo-o feito manifestamente fora do prazo legal;

d) A interposição do presente Recurso de Revista é extemporânea devendo o mesmo ser liminarmente indeferido, com as legais consequências;

e) No âmbito dos presentes autos já houve Recurso de Apelação, interposto pelos RR/Recorrentes, tendo sido proferido pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa Acórdão que confirmou na integra, sem voto de vencido, e sem fundamentação diversa, a decisão proferida pelo Tribunal da 1ª Instância;

f) O presente Recurso de Revista deve ser liminarmente indeferido por inadmissível, por o mesmo não cumprir com os requisitos previstos no artº 671º CPC;

g) Os Recorrentes alegam que o presente Recurso de Revista tem carácter excepcional, nos termos do Art. 672º nº 1 alínea a) e nº 2 alínea a) do CPC,

h) Os Recorrentes nas suas alegações não justificam as razões pelas quais a apreciação da questão pelo Supremo Tribunal de Justiça é necessária, para uma melhor aplicação do direito;

i) A questão de direito levantada pelos Recorrentes encontra-se amplamente esclarecida na Lei, não sendo passível de qualquer dificuldade interpretativa;

j) O presente Recurso de Revista carece, em absoluto, de fundamento legal de admissibilidade, devendo assim ser liminarmente indeferido com as legais consequências;

k) Não se verifica a limitação e/ou exclusão do direito de denúncia pelo Inquilino nos contratos de arrendamento para fins não habitacionais;

l) O Art. 1110º do Código Civil estipula que estão legalmente na disponibilidade das partes as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação, dos contratos para fins não habitacionais;

m) A Lei regulou de forma específica, concreta e, até mesmo, imperativa, os contratos de arrendamento para habitação e, por outro lado, deixou à liberdade contratual e portanto à vontade da partes estipular a maior parte das normas que regulam os contratos de arrendamento para fins não habitacionais;

n) Assim, no que se refere aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, as partes têm legalmente o direito de regular livremente a duração dos contratos podendo assim optar livremente de comum acordo, pela sua não renovação, e também os termos, condições e prazos da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, sendo-lhe também legalmente possível afastar a possibilidade de denúncia, como sucedeu no caso concreto;

o) No caso dos arrendamentos para fins não habitacionais o arrendatário não se verifica qualquer situação de desproteção ou posição desprotegida, sendo que no caso concreto a arrendatária é uma sociedade de Advogados;

p) Da Lei não decorre qualquer proibição à limitação ou mesmo o afastamento do exercício da denúncia dos contratos de arrendamento não habitacionais, resultando da mesma a sua permissão, de acordo com a vontade das partes;

q) As partes acordaram que os Recorrentes se obrigavam a manter o contrato pelo período de três anos, e fizeram-no no uso do princípio da liberdade contratual que a Lei lhes confere no Art. 1110º do Código Civil, relativamente aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais;

r) Bem andaram, ao decidirem como decidiram no âmbito dos presentes autos, o Tribunal de 1ª Instância e, posteriormente, o douto Tribunal da Relação de Lisboa, tendo ambos decidido no mesmo sentido e com a mesma argumentação e fundamentação;

s) A Recorrida concorda na integra com o teor da Sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância e, consequentemente, com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que deve ser confirmado na integra.

9. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, foi o processo enviado à Formação prevista no art.º 672.º n.º 3 do CPC.

10. A Formação admitiu o recurso de revista excecional, nos seguintes termos:

“Os recorrentes pedem ao Supremo, nas conclusões da revista excecional, que proceda à correta interpretação e aplicação do artigo 1110.º do Código Civil: ou seja, saber se este preceito apenas permite que se alterem os prazos da denúncia ou se pelo contrário também permite que não seja admitida a denúncia de um contrato de arrendamento durante um determinado prazo.

Citam, para fundamentar a sua posição, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20- 05-2021, processo n.º 192/19.5..., onde se estipulou o seguinte: “Assente que o arrendatário no contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais goza do direito de denúncia, desde que, bem entendido, o exerça nas condições acordadas pelas partes ou, na ausência destas, nos termos previstos na lei, facilmente se intui que a cláusula 2ª do contrato é ilegal. § É ilegal porque, ao fazer depender o exercício do direito de denúncia do pagamento “do valor das rendas em falta pelo período contratualmente estabelecido”, a referida cláusula, por via indirecta, limita o direito de denúncia, sendo por isso contrária à ordem pública, entendida como “o conjunto de princípios fundamentais subjacentes ao sistema jurídico que o Estado e a sociedade estão interessados em que prevaleçam e que tem uma acuidade tão forte que prevalece sobre as convenções privadas”

A presente questão prende-se com os limites da liberdade contratual e os direitos do arrendatário, e, apesar de não se revestir de complexidade, pode ser formulada de forma geral e abstrata e assume relevância para um número indeterminado de casos.

5. Assim sendo, admite-se o recurso de revista excecional”.

11. Foram colhidos os vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. A questão objeto deste recurso é a da legalidade da cláusula do contrato de arrendamento não habitacional outorgado pelas partes, ao vedar à arrendatária a cessação do contrato por denúncia, isto é, impondo-lhe a execução integral dos três anos contratados.

2. As instâncias deram como provada a seguinte

Matéria de facto

1. No dia 28 de Janeiro de 2020, a A. (primeira outorgante), a 1.ª R. (segunda outorgante) e o 2.º R. (terceiro outorgante) celebraram entre si, por escrito, um acordo que intitularam de “contrato de arrendamento urbano a prazo certo para fim comercial com fiança”, contendo, designadamente, as seguintes cláusulas:

i. “DECLAROU A PRIMEIRA OUTORGANTE que: pelo presente contrato a 1.ª Outorgante, dá de arrendamento à 2.ª Outorgante a fração autónoma designada pela letra “D”, a que corresponde a loja D – espaço comercial no piso menos um, composto por seis divisões, um corredor, um hall de entrada e lavabo só com lavatório, (…), do prédio urbano sito na Rua ..., em ... (…).”.

ii. “PRIMEIRO: O arrendamento é de duração limitada, sendo feito pelo prazo único de três anos não renovável e tem o seu início no dia um de Fevereiro de 2020 e termo em trinta e um de Janeiro de 2023.

A sociedade inquilina obriga-se a manter o arrendamento pelo período de três anos.”.

iii. “SEGUNDO: O local arrendado destina-se exclusivamente a escritório da arrendatária.”.

iv. “TERCEIRO: A renda mensal é de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) no primeiro ano de vigência do presente contrato, €2.000,00 (dois mil euros) no segundo ano e €1.500,00 (mil e quinhentos euros) no terceiro ano de vigência e será paga na sede da senhoria, por transferência bancária (…).

1. A 2.ª Outorgante entrega nesta data à 1.ª Outorgante a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) dividida da seguinte forma:

1.1. €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) para pagamento de um mês de caução.

1.2. €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) como pagamento do mês de renda referente ao mês de Fevereiro de 2020.”.

v. “SÉTIMO: O escritório é arrendado tal como se encontra, completamente renovado conforme fotografias anexas e tendo instalado e a funcionar seis unidades interiores de ar condicionado e respetivas unidades exteriores, sendo a manutenção desde equipamento da responsabilidade da segunda outorgante.”.

vi. “DÉCIMO PRIMEIRO: O terceiro outorgante fiador, renuncia ao benefício da excussão prévia e assume solidariamente, com a segunda outorgante o cumprimento de todas as obrigações emergentes deste contrato, seus aditamentos até a efetiva restituição do locado, livre de pessoas e bens, e declara que a fiança que acaba de prestar subsistirá, ainda que se verifiquem alterações da renda agora fixada.”.

2. Conforme acordado entre as partes, a A. entregou um conjunto de chaves do locado à 1.ª R. na data da assinatura do contrato.

3. As restantes cópias das chaves foram entregues à 1.ª R., por conveniência desta, no dia 18 de Fevereiro de 2020.

4. No dia 12 de Maio de 2020, a 1.ª R. efetuou o pagamento das rendas referentes aos meses de Abril e Maio de 2020, no valor global de €5.000,00.

5. Desde Maio de 2020 até à presente data, a 1.ª R. não liquidou qualquer renda.

6. No dia 29 de Maio de 2020, a Mandatária da 1.ª R. enviou à A. um e-mail referindo, nomeadamente, que “vimos pela presente, em nome do Dr. BB, desde já, lamentar o atraso no pagamento das rendas vencidas. Devido à situação pandémica que atravessamos neste momento, a J...& Associados, Sociedade de Advogados, RL está a atravessar graves dificuldades de liquidez, o que tem impedido o cumprimento pontual dos compromissos assumidos mediante várias entidades, incluindo V. Exas. A verdade é que, perspetivávamos recuperar no decurso do presente mês de maio, o que não veio a suceder. A agravar esta situação, e também resultante da pandemia, é o facto de que ainda não se logrou efetuar a mudança para as V/instalações, que compreendemos não lhe ser imputável, mas que torna toda a situação incomportável. (…).

Assim sendo, propomos a resolução por acordo do contrato de arrendamento celebrado, atendendo às dificuldades sentidas pela J...& Associados, Sociedade de Advogados, RL e que se vão repercutir necessariamente nas rendas a liquidar, sendo certo que, entendemos que também será a solução mais ajustada para V. Exas., que poderá arrendar a outros que possam cumprir com as rendas mensais devidas.”.

7. No dia 23 de Junho de 2020, a 1.ª Ré enviou à Autora uma carta referindo, nomeadamente, que “venho pela presente, na qualidade de sócio gerente da J...& Associados, Sociedade de Advogados, RL (doravante J...& Associados, Sociedade de Advogados, RL), resolver o Contrato de Arrendamento Urbano a Prazo Certo para Fim Comercial com Fiança, celebrado a 28 de janeiro de 2020, nos termos e para os efeitos do artigo 437.º, n.º 1 do Código Civil.

Com efeito, o contrato de arrendamento in casu foi celebrado com o intuito de a J...& Associados, Sociedade de Advogados, RL se instalar e desenvolver a sua atividade no locado em questão, no decurso do mês de março do corrente ano, o que não veio a suceder devido à situação pandémica que nos assola. Na verdade, toda a equipa foi forçada a laborar em regime de teletrabalho, não sendo previsível quando se efetiva o regresso de todos os colaboradores ao trabalho presencial, o que obstaculiza a mudança sine die.

Sendo certo que, importa não esquecer que, foi liquidada a V. Exas. o montante total de €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), correspondente a caução e rendas vencidas, sem que, no entanto, se tenha usufruído do espaço, encontrando-se o mesmo exatamente nas mesmas condições em que foi entregue.

Face ao exposto, e mediante a sobredita alteração anormal das circunstâncias que levaram à celebração do contrato de arrendamento celebrado com V. Exas., somos forçados a resolver o mesmo, nos termos e para os efeitos do artigo 437.º, n.º 1, do Código Civil.

Ora se juntam em anexo as chaves entregues à J...& Associados, Sociedade de Advogados, RL, conforme cópia de Declaração de Receção de Chaves que também segue com a presente missiva.”.

8. Todos os colaboradores da 1.ª R., à exceção de CC, regressaram, em Junho de 2020, às anteriores instalações sitas na Avenida ....

As instâncias enunciaram os seguintes

Factos não provados

a) O locado não reunia as condições necessárias para laborar, em virtude de não ser viável a colocação do servidor de ficheiros, nem da central telefónica CISCO junto da instalação existente de rede cablada, o que obrigava à colocação da sala técnica numa sala fechada, com ar condicionado, a uma temperatura não superior a 18 graus, sendo necessário realizar obras e restruturação da rede.

b) A A. sabia que a 1.ª R., atendendo ao seu objeto social (sociedade de advogados), teria dificuldades em instalar o equipamento informático e só o conseguiria instalar mediante obras no locado, o que levaria a despender avultados valores.

c) A 1.ª R. atravessou dificuldades de tesouraria causadas pela pandemia da Covid-19.

3. O Direito

O art.º 1079.º do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 16/2006, de 17.02 (que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano – NRAU), tem a seguinte redação:

“Formas de cessação

O arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei”.

O art.º 1080.º do CC, na redação introduzida pelo NRAU, tinha a seguinte redação:

Imperatividade

O disposto nesta subsecção [“Cessação”] tem natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário”.

A Lei n.º 31/2012, de 14.8 (que reforçou o movimento de liberalização do regime do arrendamento urbano, iniciado com o RAU - Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 321-B/90, de 15.10), restringiu os termos da anunciada imperatividade do regime legal, passando o art.º 1080.º a ter a seguinte redação:

As normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário”.

Este texto legal tem como antecedente o art.º 51.º do RAU, que tinha a seguinte redação:

Imperatividade

O disposto neste diploma sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento tem natureza imperativa”.

António Menezes Cordeiro e Francisco Castro Fraga, referindo-se ao art.º 51.º do RAU, entendiam que o aludido preceito “vem formalizar regras que resultavam já dos princípios gerais. Tem, no entanto, a vantagem de solucionar dúvidas” (Novo Regime do Arrendamento Urbano, 1990, Almedina, pág. 100).

Para Jorge Pinto Furtado, “a dúvida fundamental que se pretendeu esclarecer foi que, uma vez que se punha termo ao vinculismo e se passava a poder fazer cessar os arrendamentos habitacionais que, nas circunstâncias respetivas chegavam ao seu fim, não se passava, no entanto, a permitir que se estipulasse a exclusão dos seus modos de cessação então previstos: a resolução, a caducidade e a denúncia, não fosse supor-se que as circunstâncias em que o diploma as previa podiam ser excluídas desregrada liberdade contratual” (Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 4.ª edição, 2022, Almedina, pág. 474).

António Menezes Cordeiro e Francisco Castro Fraga, na sua anotação ao art.º 51.º do RAU, punham a tónica na salvaguarda da estabilidade da posição do arrendatário. Nessa perspetiva, escreviam:

Embora o preceito o não diga expressamente, as cláusulas que as partes acordem sobre o tema só são inválidas quando contrariem os valores em jogo no arrendamento urbano e, para o caso, a estabilidade pretendida para a posição do arrendatário. Não se trata, pois, de uma mera cláusula de tratamento mais favorável, que habilitaria, por exemplo, as partes a combinar rendas superiores, a troco de facilidades na cessação do arrendamento: tal solução seria contrária à estabilidade do arrendamento, que se pretende preservar.” (ob. citada, pág. 100).

Atualmente (redação introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12.02), no que diz respeito aos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais, o art.º 1110.º do CC estipula o seguinte:

As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte.

2 - Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.

3 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1096.º

4 - Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação”.

Aplicando este artigo ao caso dos autos, a 1.ª instância expendeu o seguinte:

“Assim, nos contratos de arrendamento para fim não habitacional, as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto nos artigos 1110.º e 1110.º-A, ambos do Código Civil.

Ora, no caso em apreço, as partes estipularam que “o arrendamento é de duração limitada, sendo feito pelo prazo único de três anos não renovável e tem o seu início no dia um de Fevereiro de 2020 e termo em trinta e um de Janeiro de 2023. A sociedade inquilina obriga-se a manter o arrendamento pelo período de três anos.” (cfr. facto n.º 1, ii)).

Destarte, as partes fixaram um termo certo – 3 anos –, não renovável, para a duração do contrato.

No que concerne às formas de cessação do contrato, a 1.ª Ré obrigou-se a manter o arrendamento por esse mesmo período de 3 anos.

Desta forma, considera-se que as partes decidiram estipular, sendo que o podiam fazer livremente, que o contrato de arrendamento celebrado não teria possibilidade de cessação antecipada, ou seja, antes de ter decorrido o prazo total previsto no contrato (3 anos).

Uma vez que as partes decidiram estipular esta cláusula, não pode ser aplicado, in casu, o disposto no artigo 1098.º ex vi artigo 1110.º, n. 1, ambos do Código Civil (nomeadamente, o disposto no n.º 3 do artigo 1098.º do mesmo diploma legal).

Neste sentido, “a norma do n.º 1 do artigo 1110.º do Código Civil dá prioridade à vontade das partes no que respeita à denúncia e oposição à renovação, não existindo vinculismo legal quanto a tal, valendo o princípio geral da autonomia negocial, em conformidade com o que dispõe o artigo 405.º do Código Civil, pelo que as partes podem estabelecer o clausulado que entenderem nessas matérias.” – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 28-01-2021, processo n.º 581/19.5T8FAR.E1, relator: Mata Ribeiro, disponível in www.dgsi.pt.

Posto isto, entende-se que, tendo as partes estipulado de acordo com o que expôs supra, não podem os Réus fazer cessar o contrato de arrendamento, por qualquer forma, antes do seu termo – 31 de Janeiro de 2023 (cfr. facto n.º 1, ii)).

Assim sendo, declara-se que o contrato de arrendamento celebrado entre as partes é válido, tal como peticionado pela Autora.

De harmonia com o expendido, julga-se igualmente improcedente o pedido de declarar a denúncia do contrato, e, consequentemente, considera-se válido o contrato de arrendamento celebrado entre as partes.”

Considerou, pois, a 1.ª instância, que as partes acordaram, no contrato de arrendamento para fim não habitacional que entre si celebraram, que o contrato teria impreterivelmente a duração de três anos, não podendo a R. arrendatária denunciá-lo antes da data prevista para o seu termo. Renunciou, assim, a arrendatária à faculdade de denúncia do contrato que os n.ºs 1 e 2 do art.º 1110.º mencionam, com remissão para o regime previsto para o arrendamento para fim habitacional, no art.º 1098.º, n.º 3, do CC.

Esse é de facto, o sentido do último parágrafo da cláusula primeira do contrato, que tem a seguinte redação: “A sociedade inquilina obriga-se a manter o arrendamento pelo período de três anos.”

Quanto ao teor e sentido da aludida cláusula, não há controvérsia nos autos.

A controvérsia cinge-se à legalidade da cláusula.

Para a 1.ª instância, a cláusula é legal, inscrevendo-se na liberdade conferida às partes, no n.º 1 do art.º 1110.º do Código Civil, quanto à estipulação das “regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais”.

A Relação confirmou tal entendimento.

Os RR., porém, insurgem-se contra a admissibilidade da aludida cláusula, invocando, em arrimo da sua posição, o acórdão do STJ proferido em 20.5.2021, processo n.º 192/19.5....

Esse aresto pronunciou-se acerca de uma cláusula que, num contrato de arrendamento para fim não habitacional, com a duração estipulada de 10 anos, obrigava a arrendatária, em caso de denúncia do contrato antes do termo previsto, ao pagamento das rendas correspondentes ao período em falta.

O STJ, interpretando o n.º 1 do art.º 1110.º do CC, expendeu o seguinte:

“Neste preceito, o legislador deixa ao critério das partes as regras da denúncia e da oposição à renovação, apenas isso, não a faculdade de suprimirem o direito à resolução, ou a denúncia do arrendamento, cujas normas, aliás, são imperativas (art. 1080º do CC).

Como bem se ponderou no acórdão recorrido, “uma interpretação normativa que considere admissível a impossibilidade do arrendatário, por via consensual, de denunciar ou se opor à renovação automática do contrato, pode configurar uma violação do direito constitucional de iniciativa económica privada consagrado no art. 61.º da CRP.

(…) a regulamentação do exercício do direito de denúncia é uma questão distinta da proibição desse direito, por acordo das partes, direito que está abrangido pela natureza imperativa desse regime.”

Assente que o arrendatário no contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais goza do direito de denúncia, desde que, bem entendido, o exerça nas condições acordadas pelas partes ou, na ausência destas, nos termos previstos na lei, facilmente se intui que a cláusula 2ª do contrato é ilegal.

É ilegal porque, ao fazer depender o exercício do direito de denúncia do pagamento “do valor das rendas em falta pelo período contratualmente estabelecido”, a referida cláusula, por via indirecta, limita o direito de denúncia, sendo por isso contrária à ordem pública, entendida como “o conjunto de princípios fundamentais subjacentes ao sistema jurídico que o Estado e a sociedade estão interessados em que prevaleçam e que tem uma acuidade tão forte que prevalece sobre as convenções privadas” (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, pag. 551), estando, portanto, ferida de nulidade (art. 280º, nº 2 do Cód. Civil)”.

No referido acórdão do STJ entendeu-se, pois, que a disposição do n.º 1 do art.º 1110.º do Código Civil autoriza as partes a regularem o modo de exercício dos direitos de denúncia ou de oposição à renovação do contrato de arrendamento, mas não a acordarem na exclusão desses direitos, nomeadamente o direito de o arrendatário denunciar o contrato.

Jorge Pinto Furtado, referindo-se a este acórdão, manifesta a sua discordância.

Para este autor, haverá que distinguir entre denúncia típica e denúncia atípica (obra citada, pág. 477).

A denúncia típica constitui, atualmente, o modo de cessação específico do arrendamento de duração indeterminada (art.º 1099.º): ou pelo senhorio, nos termos constantes da al. c) do art.º 1101.º (comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que se pretende a cessação do contrato), ou pelo arrendatário, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 1100.º (denúncia após seis meses de duração efetiva, mediante comunicação com a antecedência mínima de 120 dias ou 60 dias, consoante o contrato tiver ou não tiver, um ano ou mais de duração efetiva).

As restantes são modalidades de denúncia atípica:

a) – A denúncia do senhorio, por necessidade de habitação, no arrendamento de duração indeterminada (art.º 1101.º, al. a));

b) – A denúncia, também oposta pelo senhorio, para demolição ou realização de obras ou restauro profundos, no arrendamento de duração indeterminada (art.º 1101.º, al. b));

c) – A contradenúncia (ou denúncia-reconvenção) do arrendatário, no arrendamento de duração indeterminada (art.º 1100.º-2);

d) – A denúncia-revogação pelo arrendatário no arrendamento habitacional de prazo certo (art.º 1098.º-3);

e) – A contradenúncia ou denúncia-reconvenção do arrendatário, no arrendamento habitacional de prazo certo (art.º 1098.º-4).

Para Pinto Furtado, a imperatividade das normas respeitantes à cessação do contrato visam estigmatizar a perpetuidade do contrato. Por isso, no que concerne à denúncia do contrato de arrendamento, só as normas que asseguram a não perpetuidade do arrendamento de duração indeterminada beneficiam da imperatividade - isto é, as regras reguladoras da denúncia típica (obra citada, pág. 477).

Assim, pondera o autor, “é perfeitamente lícito, num arrendamento não habitacional de duração indeterminada, estipular-se, p. ex., que o arrendatário não goza da denúncia-reconvenção do art. 1110-2, ou, num arrendamento de prazo certo não habitacional, da denúncia-revogação do art. 1098-3, ou da denúncia-reconvenção do art. 1098-4, pois, não eliminando tais cláusulas o carácter necessariamente temporário do arrendamento urbano (art. 1080), caem sob a referida alçada libertária constante deste art. 1110-1, podendo, estas, ser livremente excluídas” (obra citada, pág. 825, negrito nosso).

Daí que o ilustre autor manifeste discordância com o mencionado acórdão do STJ. Para Pinto Furtado, a denúncia questionada no caso aí sub judice era uma denúncia atípica que respeitava a um contrato de arrendamento com prazo certo, pelo que o seu arredamento não determinava a perpetuidade do arrendamento. A aludida cláusula era, pois, admissível (cfr. obra citada, páginas 825 a 828).

Vejamos.

No caso apreciado pelo mencionado acórdão do STJ de 20.5.2021, a cláusula contratual em causa sustentava o direito de o senhorio reclamar do arrendatário o equivalente a seis anos de rendas, sem ter de conceder ao inquilino o correspondente gozo do locado. Tal era a consequência de a arrendatária ter denunciado o contrato no quarto ano da sua vigência, que estava aprazada para 10 anos, e de estar clausulado que nesse caso a arrendatária pagaria ao senhorio o valor das rendas correspondentes ao período contratual em falta.

Poderá dizer-se que um tal regime contratual opera um acentuado desequilíbrio na regulação dos interesses contrapostos do senhorio e do arrendatário, em benefício do senhorio e em detrimento do arrendatário, o que justifica a reação do sistema jurídico.

No caso que constitui objeto desta revista excecional, está em causa um contrato de arrendamento, para fim não habitacional, com o prazo certo e não renovável de três anos.

A curta duração estipulada pode justificar que as partes acordem em cumprir mutuamente esse contrato, renunciando a arrendatária ao direito de denúncia antecipada do contrato.

Por um lado, as partes acordaram na não renovação do contrato, obstando ao prolongamento da relação contratual, e, por outro lado, estipularam no sentido da manutenção efetiva do contrato durante o período definido. O que é diverso da estipulação da obrigação de pagamento das rendas sem manutenção da disponibilização do gozo da coisa.

Note-se que na presente ação a senhoria pretende que se declare a manutenção do contrato, a que corresponde a obrigação de pagamento das respetivas rendas.

Conforme se realça no acórdão recorrido, mesmo no exercício do direito de denúncia pelo arrendatário habitacional, a lei impõe uma duração mínima ao contrato (art.º 1098.º n.º 3 do CC). E, no arrendamento não habitacional, tal prazo pode ser aumentado ou diminuído, consoante os concretos interesses das partes (art.º 1110.º n.º 1 do CC). Sendo que, nada sendo estipulado em concreto, a lei prevê o prazo supletivo de cinco anos para a duração do contrato, com um prazo mínimo de denúncia, pelo arrendatário, de um ano (art.º 1110.º n.º 2 do CC).

A letra do n.º 1 do art.º 1110.º do Código Civil não distingue entre a regulação do direito de denúncia e a regulação do modo de exercício desse direito. No que concerne à teleologia do preceito, ele visa abrir às partes, no arrendamento urbano não habitacional, a livre regulação dos seus interesses, em linha com o princípio da autonomia da vontade expresso no princípio da liberdade contratual (art.º 405.º do Código Civil). A abertura contratual preconizada não autorizará que as partes acordem no sentido da perpetuidade, ou algo equivalente, da relação locatícia (perpetuidade proibida pelo art.º 1025.º do CC), nem na criação de um estado de instabilidade e insegurança do inquilino - atendendo, nomeadamente, a preceitos como os constantes no n.º 4 do art.º 1110.º e no n.º 1 do art.º 1110.º-A do Código Civil.

No caso dos autos, a vinculação do arrendatário à execução do contrato pelo prazo estipulado de três anos foi acompanhada da fixação de um plano de rendas que determina a anual diminuição do respetivo valor. De facto, ficou acordado que no primeiro ano as rendas orçariam em € 2 500,00 por mês, no segundo ano seriam de € 2 000,00 por mês e no terceiro ano de € 1 500,00 por mês. O que constitui, afinal, uma contrapartida pela mencionada vinculação da arrendatária ao cumprimento integral do contrato.

Face ao exposto, cremos que uma cláusula como a que constitui objeto dos autos, isto é, a renúncia à denúncia do contrato por parte do arrendatário, num contrato de arrendamento para fim não habitacional, com prazo certo de relativamente curta duração (três anos), é legal, sendo autorizada nos termos do art.º 1110.º n.º 1 do Código Civil.

A revista é, pois, improcedente, devendo manter-se o acórdão recorrido.

III. DECISÃO

Pelo exposto, julga-se a revista improcedente e, consequentemente, mantém-se o acórdão recorrido.

As custas da revista, na componente de custas de parte, são a cargo dos recorrentes, que nela decaíram (artigos 527.º n.ºs 1 e 2, e 533.º, do CPC).

Lx, 09.01.2024

Jorge Leal (Relator)

Maria João Vaz Tomé

Jorge Arcanjo