Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02A733
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FARIA ANTUNES
Nº do Documento: SJ200206040007331
Data do Acordão: 06/04/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1077/01
Data: 10/08/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

As sociedades comerciais "Fábrica de Conservas A, Ldª" e "B-Sociedade Agro Pecuária do Ave, Ldª" intentaram acção ordinária, contra C e mulher D, E e mulher F, G e mulher H, e I e mulher J, pedindo que:
a) Se declare que o verdadeiro, real e substancial objecto do negócio celebrado entre AA e RR e consubstanciado nos contratos dos autos era a aquisição do estabelecimento industrial e comercial da sociedade comercial "L - Salsicharia Industrial, Ldª";
b) Se declare a nulidade do mesmo contrato, bem como dos demais celebrados entre demandantes e demandados, quer por força de erro sobre os motivos determinantes da vontade no que directamente diz respeito ao verdadeiro e real objecto do negócio, quer por força de erro doloso provocado sobre as circunstancias que constituíram a base do negócio;
c) Sejam os demandados condenados, solidariamente, a restituírem às demandantes a quantia de 107000000 escudos que delas receberam a título de parcial pagamento do preço acordado, actualizada segundo as taxas de inflação fixadas pelo I.N.E., que se verificarem entre o ano de 1992 e a data em que seja proferida a sentença;
d) Serem os réus condenados solidariamente a restituírem às AA os demais montantes que depois de Maio de 1992 lhes entregaram, bem como as importâncias que despenderam em reparações no equipamento do referido estabelecimento, em aquisição de novas máquinas para o mesmo e em obras efectuadas no respectivo edifício fabril e realização de projectos para o mesmo, tudo a liquidar em execução de sentença ou,
e) Subsidiariamente, seja o preço contratado substancial e equitativamente reduzido por forma a que o mesmo não exceda o valor dos terrenos a que fica reduzido o valor patrimonial da referida sociedade "L-Salsicharia Industrial, Lda.", que é de 20000000 escudos, condenando-se os demandados solidariamente a restituírem às demandantes a quantia em excesso de destas receberam.
Citados, contestaram os réus, impugnando a factualidade vertida no articulado inicial, alegando a inexistência de qualquer fundamento para a invalidade do negócio celebrado a 20.5.92, pugnando pela improcedência do pedido.
As autoras apresentaram réplica e os RR. tréplica, as quais foram, por despacho de fls. 98, mandadas desentranhar por se entender que na contestação não existe defesa por excepção.
Desse despacho interpuseram as AA. agravo diferido, relativamente ao qual o Mmº Juiz proferiu o despacho de sustentação constante de fls. 508.
Saneado, condensado e instruído o processo, foi após o julgamento proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os réus dos pedidos.
Inconformadas, apelaram as autoras para a Relação do Porto, que, por acórdão de 8.10.01, negou provimento ao agravo e julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Novamente irresignadas, recorreram as demandantes de revista, fechando a minuta com as seguintes
Conclusões:
1- Na contestação os RR alegaram factualidade e factos que tinham por objectivo trazer aos autos, para além de outras, a "questão nova" consistente no alegado conhecimento por banda das AA, dos vícios e defeitos que as mesmas imputavam ao objecto do negócio, cuja nulidade se pedia;
2- Tal como alegou-se naquela contestação factos que visavam servir de causa impeditiva ao articulado pelas AA quanto à questão do verdadeiro objecto do negócio, e ainda foi alegada factualidade que visava servir de causa modificativa e até extintiva dos direitos peticionados pelas AA;
3- A Réplica é um direito, mas também uma obrigação das AA, em face da matéria de excepção alegada pelos RR - art. 20º da Constituição e artºs 3º, 487º, 490º, 502º e 505º do CPC;
4- Por isso, no caso presente a Réplica apresentada pelas AA, e que então se fez acompanhar por dois documentos, deveria ter sido admitida, mantida nos autos e, levada em devida conta, quer como matéria de defesa da factualidade invocada pelos RR, quer até como factualidade instrumental e ampliação da causa de pedir alegada na p.i., aí devendo ser mantidos os respectivos documentos;
5- Daí que, sendo certo que a infracção cometida na 1ª instância, consistente no desentranhamento dos autos quer da Réplica, quer dos respectivos dois documentos, teve objectivamente influência no exame e até na decisão da causa, deveria ter o Tribunal a quo julgado o recurso de agravo procedente e ordenado a integração nos autos, quer da Réplica, quer dos documentos juntos com a mesma e que foram desentranhados;
6- Deveria, por tudo isso, e ainda em face do próprio principio constitucional da proibição da indefesa, o despacho judicial de fls. 98 ter sido revogado pelo Tribunal a quo e ordenada a admissão nos autos quer da Réplica quer dos documentos que com a mesma foram juntos;
7- Isto posto, a continuidade da audiência é uma exigência ou corolário do princípio da imediação das provas definido pelo Prof. Figueiredo Dias como "a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo" de modo a obter-se uma percepção fidedigna do material que há-de servir para fundamentar a decisão."- Ac. RE. de 11.10.94 in Col. Jur. Tomo IV, pág. 286;
8- O vício que resulta do facto de não serem respeitados aqueles princípios da oralidade, da imediação e da continuidade é o da ineficácia em sentido estrito, na medida em que a produção de prova testemunhal embora validamente prestada, deixa de produzir efeitos jurídicos por circunstância que lhe é exterior (Mota Pinto, Teoria Geral, 3º Ed., pág. 605);
9- Tal ineficácia dessa prova determina necessariamente a nulidade do julgamento realizado em 1ª Instância e determinará da mesma forma a invalidade/nulidade da Sentença ali proferida por força da aplicação conjugada dos supra citados preceitos Constitucionais e processuais e ainda do artº 668º, nº 1 als. b) e c) do CPC analogicamente aplicado;
10- O douto Acórdão proferido no Tribunal "a quo" ao reconhecer a verificação de tal irregularidade / nulidade, "com influência no exame ou na decisão da causa", que é do conhecimento oficioso, deveria ter anulado o julgamento realizado em 1ª instância;
11- Por outro lado, atento muito particularmente o peticionado pelas AA. nas alíneas c), d) e e) do petitório das AA, é manifesto que os factos alegados nos nºs 72, 73 e 1ª parte do nº 74 da p.i., sempre interessam a uma boa decisão da causa, atentas as várias soluções plausíveis da questão de direito. E, por isso, logo deveriam os mesmos terem sido incluídos na Especificação organizada no despacho saneador oportunamente reclamado - artºs. 511º nºs 1 e 3 al. a) do CPC na versão então em vigor;
12- Mas não o tendo sido, como não foi, haveria ao menos que incluir tais factos na relação de factos assentes. ou provados, constantes da sentença;
13- Cabendo agora ao Tribunal "ad quem", usando dos poderes conferidos pelo disposto no artº 712º e 729º, nº 3 do CPC, ordenar a ampliação da matéria de facto assente e provada, aí fazendo incluir o que as AA alegaram em 72 , 73 e primeira parte do nº 74 da p.i. e foi confessado e, ou, aceite, pelos RR;
14- Acresce que nas alíneas a), b) e c) da Especificação o Tribunal de 1ª Instância, em vez de reproduzir factos assentes deu como reproduzidos escrituras e contratos, ou seja, documentos. Tendo-se na Sentença e particularmente no que diz respeito aos factos constantes do documento aludido na aI. c) da Especificação, e cujo contrato se encontra a fls.36 dos autos, caído no mesmo erro;
15- É obvio que a elaboração de tal especificação viola frontalmente o disposto no nº 1 do art. 511º do CPC;
16- Vício esse que se manteve quase na íntegra na Sentença recorrida onde, novamente, o tribunal de 1ª Instância violou o dito artº 511º, e também violou o disposto nos artºs. 653º, 659º, nº 2 e 660, nº 2 do CPC, na medida em que em vez de relacionar e dizer quais os factos que ficaram provados, ou que se encontram assentes por acordo das partes, se limitou a dar como reproduzidos documentos;
17- Este vício deve ser conhecido e declarado no tribunal ad quem, e implica a anulação da própria decisão quanto à matéria de facto, devendo depois de devidamente relacionados os factos que se encontram assentes por acordo das partes, ser realizada a repetição do julgamento por forma a evitar as contradições entre aquela matéria de facto e as respostas aos quesitos- artº 712º, nº 2, 722º, nº 2 e 729º, nº 2 do CPC;
18- Por outro lado ainda, na audiência de julgamento não foi produzida prova quanto aos factos articulados pelas AA, nos números 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 33, 34, 35, 69, 70 e ainda os alegada em nºs 123 e 124 da Petição Inicial, nada sendo indagado na audiência quanto a tal factualidade;
19- No entanto, todos e cada um dos referidos factos, quer porque directamente atinentes ao objecto do litígio, quer como meramente instrumentais, deviam ter sido levados e incluídos no respectivo questionário;
20- Sendo manifesto que os mesmos, atenta a complexa causa de pedir da acção, bem como tendo em conta quer os pedidos principais quer o pedido subsidiário, e atentas as várias soluções possíveis da questão de direito, assumem indubitável interesse para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa. - (artº 511º, nºs 1 e 3 al. a) do CPC);
21- Aquela omissão da matéria de facto articulada pelas AA e impugnada pelos RR, quer no questionário quer sentença, torna igualmente anulável a decisão do Tribunal de 1ª Instância quanto ao julgamento da matéria de facto;
22- Devendo, nos termos da aplicação conjugada do disposto no artºs 20º da Constituição e 511º, 650º, nº 2 al. f), 660, nº 2 e 712º, nº 2, 722º, nº 2 e 729º, nº 2 do CPC, este Tribunal ordenar o conhecimento e a declaração de tal vício, ordenando a inclusão de toda a supra citada e articulada factualidade no questionário e consequentemente determinar a repetição do julgamento no Tribunal de 1ª Instância, quer quanto aos novos quesitos que vierem a ser elaborados, quer quanto aos que com ele estiverem umbilicalmente ligados;
23- Sem prescindir não cumpriu o Tribunal de 1ª instância, nem o Tribunal recorrido a obrigação que para si resulta de analisando criticamente as provas produzidas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, fundamentar e explicar de forma convincente e sobretudo clara o motivo, ou motivos, que o levaram a dar como não provada toda a factualidade constante dos quesitos nºs 1 a 12, 14 a 20, 22, 24 a 28, 31, 32, 34 a 39, 42, 45, 47, 51, 52, 55, 59 e 63 a 69 inclusive do questionário;
24- Tal vício de omissão de fundamentação da resposta de "Não Provado" dada aos supra assinalados quesitos, deve ter como consequência que este Tribunal "ad quem" ordene ao Tribunal "a quo" que dê cumprimento cabal ao disposto no art. 653º nº 2 do CPC, fundamentando e explicando a decisão sobre a matéria de facto, tendo em conta quer a prova documental junta aos autos - designadamente o contrato de fls. 36 e segs., as facturas e os recibos de fIs. 136, 137, 138, 139 e 140, o denominado "Estudo Económico/Financeiro" de fls. 307 e segs. dos autos, que havia sido apresentado aos 13/05/92 no B.C.P. e, os documentos juntos a fls. 408, 409 e 410;
25- Impondo-se que também seja conhecido e declarado aquele supra invocado vício consistente na violação frontal do disposto no artº 653º, nº 2 do CPC e no artº 205º da Constituição- artº 729º, nº 3 do CPC;
26- Finalmente, ao contrário do que parece ter estado na ideia do julgador destes autos, a regra, o que é de presumir, é que os edifícios industriais, para serem ocupados e utilizados no exercício da indústria e do comércio, devem obedecer aos requisitos e exigências legais em vigor, bem como devem, necessariamente. ser possuidores do respectivo licenciamento. Sem isso é óbvio e resulta expressamente da lei que em tais edifícios industriais não se pode, legalmente, exercer a respectiva industria e comércio;
27- O que deve significar, atento o diverso e até contraditório clausulado que enformou o respectivo negócio, que se as partes quisessem assinalar que o respectivo estabelecimento industrial afinal não estava legalmente autorizado a funcionar, e que o licenciamento estava dependente da realização de projectos quer de construção civil, quer para obter o licenciamento do matadouro, então deveriam ter deixado escrito em algum dos respectivos "contratos", que tal anomalia, ou vício, do edifício industrial e do estabelecimento, se verificava;
28- Nos autos ficou já demonstrado e documentado quer os graves vícios, defeitos e anomalias que afectavam e ainda afectam o respectivo edifício industrial, e as máquinas do estabelecimento industrial da "L";
29- Vícios esses e anomalias que até impediram e impedem a obtenção dos respectivos alvarás sanitários e do imprescindível licenciamento, quer provisório, quer definitivo que permitam o exercício naquele estabelecimento da respectiva actividade industrial e comércio, para cuja finalidade as AA. o adquiriram;
30- Às compradoras apenas lhe bastará provar a existência do defeito do "bem" objecto do negócio. O ónus da prova de que o respectivo defeito é imputável às mesmas é dos RR;
31- Ou seja, as AA, para ver julgada procedente a acção, não necessitariam de provar que o vício e defeitos assinalados são da responsabilidade dos RR. Basta-lhes provar a existência daqueles vícios e defeitos;
32- Pois diz a lei que provado o vício e, ou, defeito é aos vendedores que incumbe provar que tal não procede de culpa sua;
33- Daqui resulta que mesmo tendo em conta a matéria de facto já restritivamente dada por provada nos autos, a verdade é que, de algum modo, já se encontra demonstrado a verificação dos vícios e defeitos, que afectam o edifício e o estabelecimento industrial da "L";
34- Assim sendo, como é, deverá proceder o pedido de anulação do respectivo negócio;
35- Ou pelo menos, e seja de um ou de outro modo, deverá proceder o pedido subsidiário de redução equitativa do preço antes estipulado;
36- Pelo que, o acórdão recorrido violou e, ou, interpretou erradamente os artºs 2º, 20º e 205º da Constituição, e 342º, 405º, 428º, 762º e 913º e segs. do CC e 3º, 502º, 505º, 515º, 561º, nº 3, 653° n° 2, 656° n° 2 e 712" e segs. do CPC,
Devendo ser revogado e a acção ser julgada procedente.
Contra-alegaram os recorridos, pugnando pela manutenção do decidido.
Após os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Na Relação foram dados como provados os seguintes factos:
1) Em 20.5.92 foi celebrada a escritura documentada a fls. 25 e segs., através da qual os demandados cederam às demandantes todas as quotas que possuíam e contitulam o total do capital social da sociedade comercial "L-Salsicharia Industrial Ldª", com sede no lugar de Ançariz, freguesia de Mouquim, Vila Nova de Famalicão, tendo os demandados maridos renunciado às funções de gerentes que desempenhavam na mesma sociedade (A));
2) Imediatamente antes da data da escritura referida em 1) foi celebrado o documento de fls. 31 e segs. (escritura de compra e venda de prédio rústico (B));
3) Com a mesma data foi elaborado o ajuste documentado a fls. 36 e segs. (Protocolo de cláusulas contratuais complementares aos contratos referidos em 1) e 2) (C));
4) O demandado E afirmou aos representantes das demandantes ser ele quem dirigia a parte industrial, bem como quem geria e administrava a própria parte comercial (13º);
5) Os representantes das demandantes deram instruções ao consultor jurídico das demandantes e a um outro seu colaborador para estudarem a viabilidade comercial do negócio (21º);
6) O demandado E forneceu números relativos aos montantes facturados e ao apuro diário, e ainda referentes aos respectivos custos fixos do exercício industrial da "L" (23º);
7) Os demandados continuaram a explorar industrial e comercialmente o estabelecimento comercial da sociedade "L" durante mais dois dias após a celebração da escritura (29º);
8) O demandado E aceitou que um filho do representante legal dos demandantes, então estudante, passasse durante algum tempo a acompanhá-lo na direcção e gestão da "L" e inteirou-se de todo o processo produtivo, observando a maquinaria e o pessoal (30º, 81º, 82º, 83º e 89º);
9) Depois de 25.5.92, o demandado E nunca mais apareceu no estabelecimento (33º);
10) Na reparação e isolamento de uma câmara frigorífica as demandantes gastaram 2757320 escudos e 34668529 escudos, ao longo do ano de 1992 e princípios de 1993, em algumas obras de construção civil no edifício e sobretudo na reparação e aquisição de máquinas industriais, essenciais na prossecução da respectiva laboração industrial (40º e 41º);
11) A licença era provisória, a qual foi concedida nos termos constantes de fls. 48 e 49 (43º e 44º);
12) As demandantes receberam, em Setembro de 1992, documentos de fls. 50 a 56 (46º);
13) Não tinha sido apresentado nas autoridades administrativas competentes qualquer projecto relativo às respectivas instalações industriais (48º);
14) Em 1986 havia sido apresentado um projecto de licenciamento para o matadouro (50º);
15) Era necessário elaborar e apresentar projectos quer de construção civil, quer para obter o licenciamento do matadouro, quer para a sala de desmancha e desossagem e para obter licença de preparação de carnes e salsicharia (53º e 54º);
16) As demandantes fizeram obras, a fim de paulatinamente adaptarem o estabelecimento às normas legais em vigor e, assim, foram conseguindo licenças provisórias de laboração de matadouro industrial até ao final do ano de 1995 (56º, 57º e 58º);
17) Às demandantes não foi autorizado, mesmo provisoriamente, desde 1994, o exercício da indústria de desmancha e desossagem ( 60º);
18) No início de 1995 foi ordenado o encerramento de qualquer tipo de laboração industrial no mencionado estabelecimento, tendo as demandantes conseguido nova e provisória derrogação até final de 1995 (61º e 62º);
19) Através da cessão de quotas, as demandantes quiseram adquirir a clientela, as marcas, o prestígio da sociedade, os créditos, o nome da empresa, as instalações fabris, o equipamento, a maquinaria, o mobiliário, as licenças existentes, o pessoal, os registos comerciais e o parque imobiliário (71º);
20) Só não quiseram o passivo da "L" (72º);
21) As demandantes são empresas com larga experiência no ramo dos produtos porcinos e a especialidade da "L" é a mesma das demandantes (73º e 100º);
22) Antes da celebração do negócio, as demandantes tiveram acesso às instalações fabris da "L", que visitaram ( 74º e 77º);
23) Em 1991 os responsáveis das demandantes tiveram acesso aos elementos contabilísticos da "L" (76º);
24) Também tomaram conhecimento das folhas de pessoal e respectivo ficheiro, salários pagos, das folhas da Segurança Social, declarações de IRC e de IVA (78º);
25) Dois representantes das demandantes, Dr. M e Dr. N, passaram alguns dias nas instalações da "L" antes da celebração do contrato-promessa datado de 18 de Janeiro de 1992 (80º);
26) As demandantes suspenderam o pagamento das prestações (97º);
27) As demandantes sabiam que as licenças de matadouro e congéneres na indústria porcina eram, então, provisórias (101º);
28) E sabiam que por virtude da adesão à CEE tinham de ser realizadas obras em todos os estabelecimentos industriais de produtos porcinos, nomeadamente matadouros (104º);
29) E que o prazo para a realização de tais obras terminava em 31.12.95, que foi, entretanto, prorrogado (105º e 106º).
Descritos os factos dados como provados na Relação, vejamos se as questões suscitadas nas conclusões do recurso têm ou não merecimento.
Conclusões 1ª a 6ª
No despacho de fls. 98, datado de 13.6.96, ordenou o Mmº Juiz o desentranhamento da réplica, por considerar que a contestação não contem defesa por excepção.
Agravaram as AA diferidamente, mas a Relação negou provimento a tal agravo, voltando as demandantes a suscitar a questão na presente revista.
A Relação decidiu bem. Vejamos porquê.
Na petição inicial as AA pediram, além do mais, que se declare a nulidade do negócio - que repetidamente articularam ter incidido sobre o estabelecimento industrial e comercial da "L" - quer por erro sobre os motivos determinantes da vontade, quer por força de erro doloso provocado sobre as circunstâncias que constituíram a base do negócio.
Os Réus contestaram, terminando, designadamente, deste modo: «... devem as excepções deduzidas serem julgadas procedentes e provadas e, em consequência, os co-RR serem absolvidos do pedido...».
Todavia, ao invés do que supuseram, os RR não se defenderam por excepção, naquela sua peça.
Efectivamente, na docência de Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, 1976, págs. 127), a defesa por excepção, no sentido legal, é apenas «... aquela defesa indirecta que seja tendente a ... obter a improcedência da acção... ». E, mais à frente (fls. 129) acrescenta o mesmo Autor que excepções «... Peremptórias são as que se traduzem na invocação de factos ou causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do autor... O Réu não nega os factos donde o Autor pretende ter derivado o seu direito, mas opõe-lhe contra-factos que lhe teriam excluído ou paralizado desde logo a potencialidade jurídica ou posteriormente lhes teriam alterado ou suprimido os efeitos que chegaram a produzir...» (sublinhado e negrito da nossa lavra).
Ora os Réus, no caso que nos prende, vieram contradizer os factos articulados pelas Autoras como constitutivos do seu direito.
Eles esgrimiram que o negócio teve outro objecto totalmente diferente, asseverando que não foi o estabelecimento comercial e industrial que foi transaccionado, e que houve, isso sim, a cedência das quotas da sociedade comercial "L-Salsicharia Industrial Ldª".
Avançaram ainda que as AA conheciam os "vícios" e "defeitos" que imputaram ao negócio pretensamente efectuado e que elas pretendem ver anulado.
Tudo isto constitui defesa por impugnação, por isso que os RR não aceitaram os factos donde as AA pretendem ter derivado o seu direito, opondo-lhe contra-factos impeditivos, extintivos ou modificativos, mas antes negaram motivadamente o articulado na petição inicial, afirmando que as coisas se passaram de modo parcialmente diverso e com outra significação jurídica.
Sem embargo, dir-se-á ainda que se acaso se entendesse que houve defesa por excepção nem por isso o agravo teria virtualidade.
De facto, a suposta matéria de excepção acabou por ser quesitada, como as próprias AA reconhecem nas alegações, ao escreverem que tal matéria «... foi amplamente incluída no respectivo Questionário, como decorre da matéria de facto constante dos quesitos nºs 70 a 106...» (cfr. pág. 549).
E as recorrentes não indicam matéria supostamente de "defesa por excepção" ou que sobre esta incida e que tenha ficado por quesitar.
Nem justificam minimamente a asserção de que o desentranhamento da réplica teve influência no exame e na decisão da causa.
É certo que reivindicaram que a réplica também lhes servia para ampliar a causa de pedir, querendo referir-se ao teor dos artigos 47º a 51º dessa peça (junta a fls. 482 e segs. com as alegações da apelação).
Porém, uma vez que, como se verá, lhes não assiste razão no que tange ao desfecho dado à apelação, não teria qualquer sentido admitir agora a réplica e anular todo o processado posterior ao despacho de fls. 98, que ditou o seu desentranhamento.
Nem tão pouco interferiria a circunstância de com esse desentranhamento terem sido também desentranhados dois documentos que com aquele articulado haviam sido apresentados (os ora juntos a fls. 488 e 489).
É que o desentranhamento desses dois documentos - cuja essencialidade ou sequer utilidade se não demonstra nem divisa! - não obstava a que as AA os tivessem junto até ao encerramento da discussão em 1ª instância, ut artº 523º, nº 2 do CPC (embora com multa).
Conclusões 7ª a 10ª
Expendeu a Relação que «... A efectivação da audiência, em diversas sessões, para além do prazo de 30 dias previstos na lei do processo, configura... uma irregularidade com influência no exame ou na decisão da causa».
Acrescentou, porém, que «... as autoras não reclamaram, na 1ª instância, de qualquer nulidade do processo, designadamente daquela, no prazo previsto nos artºs 153º e 205º do CPC. A eventual nulidade mostra-se, pois, sanada».
Ora bem. Como se diz nas alegações de recurso, entre o início da audiência e o seu fim decorreram cerca de 6 meses, tendo alguns dos períodos de interrupção excedido 30 dias.
Contudo, as nulidades processuais secundárias devem ser arguidas perante o tribunal onde forem cometidas, enquanto o acto não terminar, ou dentro do prazo de 10 dias, conforme as circunstâncias (artºs 205º e 153º do CPC).
A apontada e comprovada violação do princípio da continuidade da audiência (artº 656º, nºs 2 e 651º, nº 3 do CPC), não sendo uma nulidade principal, encontra-se sanada, por não reclamada tempestivamente na sede própria.
E, ao invés do pretendido no conclusório da revista, o acórdão da Relação, ao declarar isso mesmo e, portanto ao não anular o julgamento e a sentença da 1ª instância, não cometeu qualquer das nulidades taxativamente previstas no artº 668º do CPC.
A questão da aludida nulidade processual, além de não suscitada na 1ª instância, não foi apreciada e decidida na sentença, sendo inteiramente nova para a Relação, que, também por isso, como claramente se consignou no acórdão, dela se absteve de conhecer.
Improcedem, por conseguinte, as aludidas conclusões, visto que a reclamada ineficácia da prova testemunhal não foi atempadamente arguida perante o colectivo que procedeu ao julgamento na 1ª instância e por este apreciada e decidida.

Conclusões 11ª a 13ª.
As AA reclamaram a fls. 121 contra a especificação, pretendendo que a matéria de facto por elas articulada nos artºs 72º, 73º e 1ª parte do 74º da petição inicial (entrega que alegaram ter feito aos RR das quantias de 100000000 escudos, 7000000 escudos e 16141299 escudos e 50 centavos) fosse especificada, por ter sido confessada pelos demandados.
Tal reclamação foi indeferida.
Nas alegações da apelação e suas conclusões (nºs 13ª a 15ª) sustentaram que tais factos, não incluídos na especificação, deviam ter sido dados por assentes na sentença, e que, como não foram, deviam ser considerados provados no acórdão da Relação.
Sucede que nesse acórdão não se abordou e decidiu esta questão, o que constituirá nulidade por omissão de pronúncia (artº 668º, nº 1, al. d) do CPC), porém não arguida na revista, e como tal insindicável.
Todavia, o Supremo não está coibido, se necessário for à aplicação do regime jurídico adequado, de se servir de factos que, apesar de não utilizados pela Relação, se devam considerar adquiridos desde a 1ª instância (cfr. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 427).
Realmente os RR não impugnaram especificadamente terem recebido das AA as quantias indicadas nos itens 72º, 73º e 1ª parte do 74º da petição inicial.
Só que, atento o quadro factual global apurado pela 2ª instância, o desfecho jurídico que o caso sub judice merece prescinde totalmente da matéria reclamada, que se revela despicienda, pelo que se não adita a mesma à panóplia factual elencada pela Relação, porquanto, mesmo que aditada fosse, não alteraria o curso das coisas.
Conclusões 14ª a 17ª.
As recorrentes nem sequer têm legitimidade para ventilarem, aqui e agora, a questão colocada em tais conclusões, por isso que a não inseriram na reclamação que na altura própria dirigiram contra a condensação do processo.
Sendo contudo possível a intervenção oficiosa do Supremo nesta matéria, dir-se-á que não é de boa técnica remeter pura e simplesmente para os documentos juntos aos autos, que são simples meio de prova, devendo antes especificar-se aquilo que do respectivo conteúdo se deva considerar provado.
Todavia, a incorrecção da mera remissão para os documentos disseminados no processo não deverá conduzir a uma cega e indiscriminada anulação dos julgamentos, com todos os custos que daí advêm.
Há que analisar caso a caso, deslindando-se se é justificável a anulação, ou se pelo contrário a infracção é menor, de somenos importância, no sentido de que, apesar cometida, não exerceu influência decisiva na sorte da demanda.
Ora, no caso vertente, não vislumbramos - nem tal vem minimamente justificado - que a "falha técnica" apontada seja de tal monta que implique o pretendido retroceder dos autos à Relação, a qual, como se vê do rol dos factos que considerou provados, já especificou, pelo menos em parte, o que de relevante se extrai dos documentos a que se reportam as alíneas A) e B) da especificação.
Conclusões 18ª a 22ª.
Os factos aí referidos foram objecto da reclamação das AA contra o questionário, por omissão (cfr. fls.121 v), reclamação essa oportunamente indeferida.
Estavam por isso as AA autorizadas a colocar a questão em sede de recurso (artº 511º, nº 3 do CPC).
Só que, como bem se salienta no acórdão recorrido, a factualidade pertinente e, uma vez provada, conducente ao acolhimento da tese das AA, já foi levada ao questionário, concretamente aos quesitos 1º a 69º (a grande maioria dos quais respondidos negativa ou restritivamente, o que logo selou o desfecho da acção desfavorável às demandantes!).
E sufraga-se o expendido pela Relação nos dois últimos parágrafos de fls. 532 e nos dois primeiros de fls. 533, designadamente que, em face das respostas negativas e restritivas aos quesitos contendo matéria articulada pela AA, as quais são imodificáveis, não se vê interesse na quesitação da pretendida factualidade.
Nos termos no artº 712º, nº 4 do CPC, a Relação só devia mandar ampliar a matéria de facto se houvesse matéria articulada, controvertida e indispensável para a boa decisão da causa, o que se não verifica.
A matéria quesitada e dada como provada constitui base suficiente para a decisão de direito, e não ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito.
Só no caso de se verificar alguma dessas duas situações anómalas é que o Supremo, ao abrigo do artº 729º, nº 3 do CPC, teria condições de ordenar a remessa dos autos ao tribunal recorrido, para os fins nesse dispositivo legal previstos.
Conclusões 23ª a 25ª.
Diz o artº 712º, nº 5 do CPC que se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode a Relação, a requerimento da parte, determinar que o tribunal da 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados ou repetindo a produção da prova, quando necessário...
A Relação entendeu que, no que respeita à falta de convicção (respostas negativas aos quesitos), a motivação apresentada pelos julgadores de facto, apesar de um pouco genérica (... "nenhuma prova convincente foi feita relativamente aos quesitos dados como não provados"...), deve ser entendida como evidenciando o conteúdo mínimo da fundamentação exigida na lei ordinária (artº 653º, nº 2 do CPC) e na Constituição (artº 205º da Constituição da República), tendo o significado, implícito, de que a prova testemunhal e a documental não convenceu aqueles julgadores da veracidade dos factos quesitados e dados como não provados.
Pensamos que a Relação analisou e decidiu correctamente esta questão.
O colectivo que procedeu ao julgamento de facto fundamentou extensamente as respostas positivas e restritivas, indicando os meios de prova em que se baseou (documentos e testemunhas) e a razão de ciência destas, demonstrando ter estado atento e um notável esforço no apuramento da verdade material. Deste modo, evidencia-se que se não deu como provados muitos dos quesitos contendo a versão das AA é porque realmente as provas recolhidas não foram suficientemente convincentes.
Por outro lado, analisadas criticamente as provas produzidas e fundamentada a decisão de facto, aquando das respostas aos quesitos, não colhe afirmar-se que a sentença e o acórdão da Relação deixaram de fazer o exame crítico das provas, já que o exame crítico das provas a que se reporta o nº 3 do artº 659º (ex vi artº 713º, nº 2 quanto ao acórdão recorrido), é apenas o relativo às provas que só então cumpra ter em conta, e não também àquelas a que se reporta o artº 653º, nº 2, pois o exame crítico quanto a estas últimas é feito no momento das respostas aos quesitos.
Falecem assim, igualmente, as indicadas conclusões.
Conclusões 26º a 35.
Atendendo à forma como a acção emergiu, na Relação, em matéria de facto, as recorrentes também não têm razão nas demais conclusões formuladas.
Com efeito, provou-se que:
- As demandantes são empresas com larga experiência no ramo dos produtos porcinos, sendo essa também a especialidade da "L";
- Antes da celebração do negócio, as autoras tiveram acesso às instalações fabris dessa firma, que visitaram;
- Em 1991, os responsáveis das demandantes tiveram acesso aos elementos contabilísticos da referida sociedade;
- E tomaram conhecimento das folhas do pessoal e respectivo ficheiro, salários pagos, das folhas de Segurança Social, declarações de IRC e de IVA;
- Dois representantes das autoras, os Drs. M e N, passaram alguns dias nas instalações da "L" antes de celebrado o contrato-promessa de 18.1.92;
- As demandantes sabiam que as licenças de matadouro e congéneres na indústria porcina eram, então, meramente provisórias;
- E sabiam igualmente que em virtude da adesão de Portugal à CEE tinham de ser realizadas obras em todos os estabelecimentos industriais de produtos porcinos, designadamente matadouros, e que o prazo para a realização de tais obras terminava em 31.12.95, entretanto prorrogado;
- Tendo a intenção das autoras sido adquirir, através da cessão das quotas da "L", a clientela, as marcas, o prestígio desta sociedade, o seu equipamento e maquinaria, bem como o seu mobiliário e parque imobiliário;
- As AA só não quiseram o passivo da "L".
Como se expende no acórdão da Relação, não ficou provado qualquer ónus ou limite anormalmente gravoso ao direito adquirido, vício da coisa ou inexistência das qualidades asseguradas pelos RR, que as recorrentes, com larga experiência no ramo dos produtos porcinos e que analisaram previamente a viabilidade do negócio, não pudessem razoavelmente contar ao celebrar o contrato.
Em face do somatório de factos provados, ficou demonstrado que as AA não foram surpreendidas, após o negócio, com qualquer defeito ou vício imputável aos RR.
E ficou bem patente que aquando da celebração do negócio, as Autoras sabiam perfeitamente com o que podiam contar.
Sendo correcta a subsunção jurídica operada na 2ª instância, bem julgada foi a demanda no sentido da total improcedência, não tendo sido violadas as disposições legais indicadas no conclusório da minuta de recurso.
Termos em que acordam em negar a revista, com custas pelas recorrentes.

Lisboa, 4 de Junho de 2002
Faria Antunes,
Lopes Pinto,
Ribeiro Coelho.