Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
199/14.9GCOAZ.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: RECURSO PENAL
HOMICÍDIO
TENTATIVA
TENTATIVA IMPERFEITA
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
Data do Acordão: 12/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Área Temática:
DIREITO PENAL - FACTO / FORMAS DO CRIME / CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - PROVA - RECURSOS.
Doutrina:
- Assis Toledo, 1985, 7 e ss..
- Beleza dos Santos, in R.L.J., ano 66, p. 194 e ss.
- Eduardo Correia, citado por Vítor de Jesus Ribas Pereira, Da Punibilidade da Tentativa –Tese de Mestrado, FDUC, Abril de 2009, p. 54; Direito Criminal, Tentativa e Frustração, 1953, 18.
- Faria Costa, Tentativa e dolo penal, p.58 .
- Iescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Tomo II, 702, 1153, 1192.
- Nucci, Manual de Direito Penal, 52, S. Paulo, 2009.
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, p. 951.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 1.º G), 120.º, N.º3, AL. C), 127.º, 370.º, N.º2, 427.º, 428.º E 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 22.º, 23.º,40.º, 50.º, N.º1, 70.º, 71.º, N.ºS 1 E 2, 73.º, 131.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 3.2.94, BMJ 434, 439, DE 14.4.99, CJ, STJ, VII, 2, 174.
Sumário :

I - Ao utilizar um x-acto e ao desferir com ele golpes no pescoço e tórax da vítima, o arguido/recorrente atingiu a irmã onde se alojam órgãos indispensáveis à vida humana, o meio perigoso usado e a forma como o foi, com violência, fazem naturalmente presumir a intenção de matar, realizando aquele tudo o que se achava ao seu alcance para produzir a morte, mas ela não adveio por razões alheias à sua vontade, preenchendo a chamada tentativa perfeita, de homicídio, diferenciando-se da tentativa imperfeita em que o agente não exaure toda a potencialidade lesiva, não chegando a praticar todos os actos de execução essenciais à morte por circunstâncias estranhas à sua vontade.

II - O relatório e a informação respectiva não se confundem e nem tem valor de prova pericial, como tal sendo de livre apreciação do julgador que não tem de fundamentar a divergência relativamente às suas conclusões face àquela prova.

III - O STJ não sindica, à face da lei, a opção, que o arguido censura, pelo facto de o Colectivo optar, erroneamente, na formação da convicção probatória privilegiando os depoimentos de certas testemunhas em detrimento do de outras, visto que a valoração e fixação inerente da matéria de facto obtida a partir da livre apreciação das provas, nos termos do art. 127.º, do CPP, incumbir às instâncias, encerrando a Relação esse ciclo do conhecimento, à luz dos arts. 427.º, 428.º e 434.º, do CPP.

IV - Algum valor atenuativo, não excessivo, acorre em função das atenuantes da confissão parcial dos factos e da comunicação que o arguido fez, via telefónica, à GNR, já o cumprimento das regras em reclusão são um dever seu e não uma atenuante redutora da culpa ou ilicitude.

V - Perante uma moldura penal abstracta (atenuada) de 1 ano, 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses de prisão, sopesando o dolo intenso (vontade firme em lesar a irmã, não o dissuadindo o facto de a ofendida ser sua irmã e se ter posto em fuga ao vê-lo com o X acto na mão, só desistindo de persegui-la quando a alcançou), a ilicitude em grau elevado (arguido intentou matar a ofendida, sua irmã, com um X acto que na altura escondeu, atingindo-a o pescoço e o tórax, só não tendo consumado a morte pelos rápidos socorros prestados), no aspecto de atentado ao valor supremo da vida humana, que quis suprimir, só por razões alheias à sua vontade o não conseguindo, o desvalor do resultado, a extrair das múltiplas e graves lesões corporais provocadas (que determinaram internamento hospitalar, por 5 dias, sujeição a cirurgia com anestesia geral, com ventilação invasiva, não se mostrando, a situação clinica estabilizada), os sentimentos manifestados, de insensibilidade ao valor da vida como aos laços fraternos que desprezou, levam a considerar que não há motivo para reduzir a pena aplicada de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática do crime de homicídio, simples, tentado, p. e p. pelos arts. 131.º, 22.º, 23.º e 73.º do CP.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :         

 Em processo comum com intervenção do tribunal colectivo foi submetido a julgamento no P.º  n.º 199/14.9GCOAZ .S1 , no Tribunal da Instância Central de Santa Maria da Feira  AA  , vindo , a final , a ser condenado como autor material de um crime homicídio , simples , tentado , p . e p . pelos art.ºs  131º, 22º, 23º e 73º,  do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão,  julgando-se procedente e  provado o pedido de indemnização civil formulado pelo  Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, E.P.E., condenando-se , ainda ,  o arguido AA a pagar-lhe a quantia de €1.829,21, a título de danos patrimoniais, acrescido de juros vincendos a partir da notificação até integral pagamento, relegando-se  para oportuna  apreciação nos meios comuns  o pedido cível indemnizatório formulado pela tente , sua irmã ,BB.   


I. Inconformado com o teor da decisão proferida , interpôs o arguido recurso para o STJ , apresentando na motivação as seguintes conclusões :

 O arguido foi condenado na pena efectiva de prisão de 5 anos e 6 meses. 

O arguido é uma pessoa ordeira e cordata.

 O Tribunal deveria ter começado por um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do arguido, decidindo com o que resultar dessa previsão.

 O arguido colaborou com o Tribunal na descoberta da verdade.

         O Tribunal “a quo” não fez  uma correta aplicação no que respeita à determinação da medida da pena.

 O arguido não tem antecedentes criminais, sendo primário e sendo esta a primeira vez que teve contacto com a justiça.

 Foi o arguido/recorrente que ligou para a GNR a comunicar o que tinha acontecido, conforme referem as testemunhas CC e DD, Soldados da GNR, fls. 8 e 9 do douto acórdão.

         No decurso do depoimento das mesmas testemunhas, elementos da GNR, que o tribunal certamente por esquecimento não fez constar no douto acórdão, são os próprios a confirmar que tinha sido o arguido que também terá ligado para o 112, pelo que quando ligaram para o CODU, informaram que já ia a caminho do local uma ambulância com dois elementos dos bombeiros voluntários de ..., (fls. 6 e 7 dos autos - auto de notícia)

          Resulta assim, que o arguido após ter praticado os actos, apercebeu-se da gravidade dos mesmos, ficou aflito e ligou para a GNR e para o 112 para socorrerem a vítima.

         Foi também o comportamento do arguido que permitiu que o socorro da vítima fosse mais rápido e imediato para evitar possíveis consequências mais gravosas para a vítima.

         O tribunal “a quo” refere que o arguido/recorrente confessou parcialmente os factos, porém o arguido confessou todos os factos dados como provados, pois os que não confessou foram os que foram considerados como não provados, por ausência de prova total.         

 Referir apenas que o arguido fez uma confissão parcial é reduzir o papel do arguido na audiência de julgamento e a atitude do mesmo em audiência ao confessar os factos que praticou e que levaram à sua condenação. Assim, o papel do arguido deverá ser tido como relevante para a descoberta da verdade.

 Mais que esse aspecto é importante referir a colaboração prestada pelo arguido ao longo de todo o inquérito, desde os primeiros momentos com a GNR que tomou conta da ocorrência, como durante a reconstituição pela PJ e durante todo o Inquérito, como colaborante.

Na óptica do arguido/recorrente, a postura do arguido durante o inquérito também deverá ser relevada para a medida da pena.

 Por outro lado, conforme podemos aferir do relatório social do arguido transcrito a fls. 4, 5 e 6 do douto acórdão recorrido, resulta que o processo de desenvolvimento psicossocial do arguido foi modelado com baixo padrão sócio cultural, tendo revelado graves dificuldades de aprendizagem nos estudos e na escola, tendo começado a trabalhar aos 16 anos, como sapateiro.

   Resulta do mesmo relatório social que o arguido é extremamente tímido e introvertido.

 A situação económica do arguido, conforme consta do douto acórdão quando transcreve o relatório social, refere que o “AA era beneficiário do Rendimento Social de Inserção no valor de € 160,00 mensais, valores que considerava manifestamente insuficiente para fazer face a todas as despesas, pelo que era ajudado financeiramente pelo pai.

 

 Conclui-se que a situação financeira do arguido é de fracos recursos económicos, sendo ajudado pelo pai para fazer face às suas despesas mensais, situação económica que também deveria ter sido ponderada na decisão da fixação da medida da pena, mas que não resulta do douto acórdão.

         Pode-se concluir que caso o arguido fosse libertado o mesmo teria condições de sobrevivência, independentemente de lhe ter sido retirado o RSI, pois o pai o ajudaria no seu sustento, até conseguir fonte de rendimento.

         O arguido era a companhia do pai, de 86 anos com quem todos os dias convivia, cultivavam em conjunto, as terras, propriedade do pai do arguido, donde retiravam, batatas, legumes, vinho, milho, fruta e outros bens alimentares.

          O arguido fazia diminuir a solidão do seu pai com a sua presença diária, a quem lia a correspondência que lhe vinha dirigida, pois o seu pai não sabe ler nem escrever, a não ser fazer o seu nome.

          Por último, reportando-nos do constante no douto acórdão de fls. 6, relativamente ao relatório social transcreve-se o seguinte:

  “A comunidade residencial, vítima e ex-cônjuge expressaram sentimentos de medo/rejeição ao regresso a meio livre de AA, invocando sentimentos de insegurança, atenta a proximidade das residências/hábitos e rotinas familiares e litígios insanáveis relativamente a partilhas.”

  Este texto corresponde integralmente ao vertido no ponto 6 “Dados Complementares” de fls. 353 dos autos aquando da avaliação/informação para obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica realizada em 6/11/2014, ou seja 14 dias após os factos praticados pelo arguido.”

Se atentarmos à Introdução do relatório social, o mesmo refere “recolha de informação junto do pai, da irmã/vítima, BB, da irmã EE, de vizinhos, do Presidente do executivo da Junta de Freguesia de ...., e de elementos dos órgãos da polícia criminal (GNR de ...).”

          Mais refere nessa Introdução que:

         “De referir que as informações recolhidas junto de BB (vítima) se reportam a Novembro de 2014 não tendo sido possível, apesar de encetadas varias diligências, novo contacto presencial com a mesma.”

          Conclui-se, pois que o relatório social apresentado em 1/7/2015 não é um relatório actualizado nem fidedigno, pois reporta-se a sentimentos vividos logo após a ocorrência dos factos e não agora passados 8 meses.

  O relatório  refere  que “A comunidade residencial, vítima e ex-cônjuge expressaram” quando na verdade não foi ouvida a vítima nem foi consultada a ex-cônjuge, pois tal não resulta da Introdução que a equipa tenha colhido qualquer informação junto da ex-cônjuge.

         Conclui-se, pois, que este relatório social, nesta parte em concreto deverá ser visto “cum grano salis”, pois não é um relatório actualizado e verdadeiro, pois não resulta de um contacto directo e verdadeiro conforme refere da recolha de informação em si contraditória com a recolha efectivamente efectuada.

          Não se entende de tanta informação recolhida conforme refere na introdução do relatório que não  conste qual a informação obtida junto da irmã do arguido, EE, contactada telefonicamente,  que perfilhou a necessidade do arguido vir para junto do pai, nem a informação obtida junto do Presidente da Junta de Freguesia que se desconhece qual foi, assim como da GNR de ....

         Quanto à informação dos vizinhos, estranha a busca da mesma, desconhecendo-se a que vizinhos se refere, se o contacto foi via telefónica ou presencialmente, como obtiveram essa informação e a quem?

         Estranha-se que a vizinha do arguido, que ficou em frente à casa do pai do arguido (FF) não tenha sido contactada, nem a testemunha GG, referida a fls. 10 do douto acórdão, que tem uma oficina de automóveis a 30 metros da residência do arguido Ilídio.

         Esta testemunha no seu depoimento refere que o arguido é pessoa pacata e não conflituosa, não é visto como perigoso pelos vizinhos ou pela família.

 Não valorizar este depoimento presencial e testemunhal em detrimento de um relatório social “maquinado” pois transcreve o que já havia sido escrito em 6/11/2014 e não efectuou um relatório social actualizado à data da sua realização em 1/7/2015, entende o arguido/recorrente que nessa parte o tribunal “a quo” valorou o documento apresentado o qual é de livre apreciação, tendo desvalorizado o depoimento das testemunhas referidas a fls. 10 do douto acórdão, que nenhum interesse tinham na causa,

 Quem efectivamente tinha interesses era a vítima e a ex-cônjuge, cujas informações não foram recolhidas para a realização deste relatório social de 1/7/2015, conforme consta da introdução do mesmo, mas sim para a possibilidade de aplicação da medida de coacção da pulseira electrónica.

Pelo que neste capítulo, mal andou o tribunal “a quo” ao não valorizar correctamente o depoimento das testemunhas GG e HH, mas antes um documento baseado em informações não recolhidas, ou em contradição com o que consta no relatório e o constante da introdução   do mesmo.

  Do relatório social e constante no acórdão a fls. 5, o mesmo demonstra que o arguido tem “adaptação à realidade prisional, evidenciando um comportamento ajustado às regras.”

Apresenta pois, a personalidade do recorrente sinais positivos de evolução e consciencialização, com vista a uma futura reinserção na sociedade, quando for libertado.

 Estes elementos são fundamentais para a ressocialização do arguido e são sinais claros de uma maior estabilidade psico - emocional, adaptando-se ao contexto prisional respeitando as regras e esforçando-se por inverter o sentido de vida anterior, factores que se apresentam como protectores à sua reinserção.

O tipo de criminalidade em causa contra a vida humana, gera um intenso sentimento de insegurança, pelo que as exigências de prevenção geral são acentuadas, impondo deste modo uma pena mínima que restabeleça a confiança da comunidade com a aplicação da norma punitiva, pois contrariamente desencadeava o descrédito social.

 Ponderando, por um lado a medida da culpa, os interesses de ressocialização, contando com os efeitos previsíveis da pena e por outro as exigências de prevenção geral, 5 anos e 6 meses de prisão efectiva é demasiado penoso para o Recorrente.

O Recorrente necessita de medidas de reinserção social de especial relevo, permitindo assim, a aquisição e desenvolvimento das competências pessoais e sociais que lhe permitam resolver os problemas e atingir os objectivos de acordo com as normas e valores que regulam a vida em sociedade.

 O que perante isto não se coaduna com a aplicação de uma pena excessivamente pesada, como a aplicada ao aqui recorrente.

Face à posição do arguido nestas alegações e a ser procedente este recurso, a sua pena terá que ser substancialmente reduzida.

Tendo em conta a idade do arguido e a possibilidade de reintegração do mesmo na sociedade, não é de todo benéfico ou aconselhável que a pena de prisão seja de 5 anos e 6 meses, uma vez que, não facilita a futura reintegração do mesmo na sociedade.

Nessa altura o arguido terá 55 anos quando sair da prisão e a possibilidade de reintegração será muito reduzida no mercado de trabalho, mesmo que no estrangeiro, do que se o mesmo saísse com idade útil.

 No caso dos autos, sendo de  10 anos e 8 meses o limite máximo da pena  e o limite mínimo é de 1 ano e 7 meses e 6 dias, pelo que entende o arguido que não pode ser aplicada pena superior a 4 anos e 6 meses de prisão, sendo esta mais justa, adequada e proporcional ao aproximar-se do mínimo legal, por ser o mais adequado à possibilidade de reintegração do arguido.

 O Tribunal “a quo” na fixação da pena não tomou em conta a personalidade do arguido nem a possibilidade de reintegração e ressocialização do mesmo.

Assim afigura-se que estão reunidas todas as condições legais para que seja concedida ao arguido aqui recorrente a pretendida suspensão da execução da sua pena.

Ponderadas adequadamente todas as circunstâncias de ser uma pessoa cordata, ordeira, socialmente integrada, ter 49 anos de idade, sendo-lhe fixada  a pena de prisão em 4 anos e 6 meses, considerando o disposto no artigo 50º do C. penal, justifica-se e mostra-se adequada que lhe seja suspensa a execução da pena, como mais aconselhável e suficiente para o afastar da criminalidade, ficando assim satisfeita as exigências de prevenção e reprovação do crime.

Resulta do artigo 50º do C. Penal um pressuposto formal da suspensão da execução da pena de prisão até 5 anos., mediante o cumprimento de deveres (artigo 51º do C. Penal)

         São estes sinais de prognose que o tribunal deverá valorar para a suspensão da execução da pena de prisão, mediante o cumprimento de deveres que lhe sejam impostos.

 

È  possível formular um juízo favorável no tocante às exigências de prevenção de futuras delinquências, podendo formular-se um juízo de prognose favorável contando com o apoio incondicional do pai.

Ponderadas todas as supracitadas circunstâncias, estão reunidos todos os pressupostos previstos no artigo 50º do C. Penal, designadamente os de prevenção e repreensão criminal, para lhe ser suspensa a execução da pena de prisão em que vier a ser condenado, desde que não superior a 4 anos e 6 meses, pois tal será mais do que suficiente para o afastar de praticar mais algum delito.

    A douta sentença violou os artigos 40º, 50º, 51º e 71º do C. Penal e 13º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, por incorrecta e imprecisa aplicação.

II . A assistente e o Exm.º Magistrado do M.º P.º , contramotivando, defenderam o acerto da decisão recorrida .

Foi cumprido o art.º 417.º n.º 2 , do CPP.

 

III Os factos provados em audiência de julgamento :

1 - O arguido AA e BB são irmãos.

2 - O arguido vivia com o seu pai, II, pessoa de idade avançada, num anexo junto à residência deste, sito na Rua Dr....

3 - Há algum tempo a esta parte, porém, as relações entre o arguido, e a sua irmã foram-se deteriorando, porquanto o arguido imputava a sua irmã actos de bruxaria em virtude dos quais perdeu o emprego, divorciou-se e o seu filho teve um acidente, temendo ainda que por acção dela tivesse de sair da casa onde habitava.

4 - No dia 23 de Outubro de 2014, cerca das 12H30, o arguido quando estava no interior da sua casa, ao ouvir a sua irmã, BB que se encontrava a conversar com o seu pai, pegou num x-acto, com cabo de plástico de cor preta e patilha de cor vermelha, com o comprimento total de 28,23cm, sendo 13,5 cm de cabo e 10cm de lâmina e dirigiu-se para o quintal da residência do seu pai, onde aqueles se encontravam.

5 - BB ao ver o arguido com tal objecto, procurou fugir dali, correu pelo quintal adiante, no que o arguido seguiu no seu encalço.

6 - O arguido alcançou BB já na via pública e munido do x-acto supra identificado, desferiu com ele, vários golpes no pescoço, face, tórax e braço da ofendida.

7 - BB foi assistida no Centro Hospitalar ... e apresentava as seguintes lesões: ferida incisa da região cervical dorsal, lateral (¾ da circunferencial do pescoço, profunda na região lateral e irregular ferida na região escapular esquerda e do membro superior/braço esquerdo com profundidade de 3cm.

8 - Foi submetida a cirurgia sob anestesia geral com necessidade de ventilação invasiva. Teve alta clinica em 28 de Outubro de 2014.

9 - Em consequência, directa e necessária, da conduta descrita resultaram para BB, em 27 de Março de 2015, as seguintes sequelas: no crânio: área de alopecia (rarefacção capilar) na região occipital junto à linha média com 4cm por 2cm de maiores dimensões; na face: cicatriz de coloração avermelhada irregular, na região mandibular à esquerda com 9cm por 0,3cm; no pescoço: 3 (três) cicatrizes de coloração avermelhada irregular no pescoço, uma em forma de “y” deitada na face posterior do terço superior do pescoço, com ramo comum com 12cm por 0,3cm e ambos os ramos com 3cm por 0,3cm, outra na região lateral terço inferior com 5 por 0,3cm e outra na face lateral com 9 por 0,3cm; no tórax: cicatriz avermelhada na face posterior esquerda do tórax ao nível do bordo lateral do omoplata esquerdo com 9cm por 0,3cm;no membro superior esquerdo: duas cicatrizes avermelhadas, ao nível do braço, uma na face anterior e lateral do terço superior com 10 por 0,3 cm de maiores dimensões e outra na face anterior do terço médio com 1,5cm por 0,4cm de maiores dimensões. Em 27.04.2015 a situação clinica ainda não estava estabilizada para a avaliação completa das consequências médico-legais da conduta do arguido, tal como consta do teor do relatório da perícia de avaliação do dano corporal de fls. 514 a 517 dos autos, que aqui se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.

10 - Ao utilizar o referido x-acto e ao desferir com ele golpes no pescoço e tórax de BB o arguido bem sabia que utilizava um instrumento cortante numa zona vital do corpo e fê-lo com o propósito de pôr termo à vida da sua irmã, o que só não conseguiu por esta ter sido prontamente transportada e socorrida no Centro Hospitalar de ...

11 - O arguido agiu ainda de forma livre e consciente,

12 - Sabia ainda o arguido que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

         Mais se provou que:

13 - Consta do seu relatório social que “O processo de desenvolvimento psicossocial de AA foi modelado no núcleo de origem, composto pelos pais e três filhos, com baixo padrão sociocultural. O pai era sapateiro, cabendo-lhe o suporte económico do agregado e a mãe era doméstica, gerindo os afazeres caseiros e acompanhamento dos filhos.

AA relativiza a dinâmica familiar ter sido condicionada pela agressividade dirigida à figura materna, pelo pai e pelo consumo deste de bebidas alcoólicas, tendo por base um quadro de valores tradicionais, assentes em estereótipos de género.

AA revelou graves dificuldades de aprendizagem na sua trajetória académica e de adaptação ao mundo escolar, explicando-as nas suas características pessoais, de extrema timidez e tendência para a introversão.

Aos 16 anos de idade iniciou vida profissional activa, como operário, no sector do calçado, funções exercidas de modo regular durante 12 anos em duas entidades patronais.

Refere que através da irmã BB conseguiu trabalho numa empresa de curtumes em Ovar, onde permaneceu durante 10 anos. Motivos de saúde determinaram a sua saída da empresa por considerar que não podia fazer esforços após ter sido operado a uma hérnia. Passou a uma situação de desemprego prolongado.

AA contraiu matrimónio, tendo desta união nascido um filho. O casal ficou a viver na casa construída pelo seu pai. Avalia a dinâmica familiar como coesa e harmoniosa, extensiva a outros elementos da família, negando alguma vez ter sido agressivo ou conflituoso na conjugalidade. Com a separação do casal, e a saída de casa de morada de família da mulher e filho menor, AA ficou a residir só.

Nesta fase, o arguido terá sentido maior desorientação pelas perdas sofridas (família, emprego), e com tendência ao isolamento e evitamento social passou a privilegiar o convívio com a figura paterna, restringindo os convívios e saídas ao espaço exterior. Dedicava-se ao cultivo de terrenos agrícolas envolventes ao prédio urbano.

No período que antecedeu a prisão, coincidente com os factos constantes na acusação AA residia só, em habitação construída em terreno propriedade do pai, com ele convivendo diariamente e com outros familiares que o visitavam, na sua perspectiva apenas por conveniência/interesse.

AA era beneficiário do Rendimento Social de Inserção, no valor de €160 mensais, valor que considerava manifestamente insuficiente para fazer face a todas as despesas pelo que era ajudado financeiramente pelo pai.

O arguido atribui à vítima, e aos seus poderes paranormais, todos os infortúnios e responsabilidade nas sucessivas perdas recentes: separação do cônjuge, perda do convívio com o filho, situação de desemprego e impossibilidade de conseguir trabalho, apesar das inúmeras tentativas/diligências que fez nesse sentido, e presente situação de encarceramento.

 Num discurso imbuído de crenças e superstições o arguido receia pelo seu bem-estar, considerando que esta actividade do oculto, exercida pela irmã, é do conhecimento geral da rede social, situação infirmada pelas diligências no meio.

O pai considera possuir condições para garantir ao arguido todas as despesas de subsistência.

Tem revelado capacidade de adaptação à realidade prisional, evidenciando um comportamento ajustado às regras.

A comunidade residencial, vítima e ex-cônjuge expressaram sentimentos de medo/rejeição ao regresso a meio livre de AA, invocando sentimentos de insegurança, atenta a proximidade das residências/hábitos e rotinas familiares e litígios insanáveis relativamente a partilhas.

O arguido também reconhece que a sua segurança poderá não estar acautelada, sentindo receio de represálias, considerando que os órgãos de polícia criminal não poderão acautelar a sua vida e integridade física, pelo que terá de retaliar caso venha a ser provocado na sua honra e integridade.”

14 - O arguido não tem antecedentes criminais.

Mais se provou que:

15 – A assistência médico-clinica referida nos pontos 7 e 8 importou no montante de €1.829,21.

          Factos não provados:

1 - Que eram frequentes os desentendimentos e discussões entre arguido e ofendida, motivadas por divergências relacionadas com os bens próprios do pai, bem como a gestão das suas economias e poupanças bancárias.

2 - Que nesse dia a ofendida se encontrava a pedir dinheiro ao pai de ambos, cerca de €. 30,00.

3 - Que o que o levou agir o arguido dessa forma foi o facto da sua irmã ter ido pedir dinheiro, cerca de €.30,00 ao seu pai.

IV. Colhidos os legais vistos , cumpre decidir :

Desde há  algum tempo sobre a data dos factos, em 23 de Outubro de 2014 ,   que  as relações entre o arguido, e a  vítima , sua irmã, se vinham  deteriorando, imputando  o arguido à  irmã poderes paranormais  e a práticas de actos de bruxaria , associando-lhe o seu divórcio , o desemprego,  o  acidente  do filho , e   ainda que por acção dela e desses poderes   viesse a  ter de sair da casa do pai,  onde  cohabitava.

Naquele dia o arguido quando estava no interior da sua casa, ao ouvir a sua irmã, BB que se encontrava, no exterior ,  a conversar com o seu pai, pegou num x-acto, com cabo de plástico de cor preta e patilha de cor vermelha, com o comprimento total de 28,23cm, sendo 13,5 cm de cabo e 10cm de lâmina e dirigiu-se para o quintal da residência do seu pai, onde aqueles se encontravam.

A irmã  ao ver o arguido com tal objecto, pôs-se em fuga  correndo  pelo quintal adjacente , seguindo-lhe o último   no seu encalço, vindo a  alcançá-la   já na via pública,  e com o x-acto  desferiu com ele, vários golpes no pescoço, face, tórax , braço e omoplata  da ofendida .

Em consequência, directa e necessária, da conduta descrita,  em 27 de Março de 2015, eram visíveis para a ofendida  BB, as seguintes sequelas: no crânio: área de alopecia (rarefacção capilar) na região occipital junto à linha média com 4cm por 2cm de maiores dimensões;  na face: cicatriz de coloração avermelhada irregular, na região mandibular à esquerda com 9cm por 0,3cm; no pescoço: 3 (três) cicatrizes de coloração avermelhada irregular no pescoço, uma em forma de “y” deitada na face posterior do terço superior do pescoço, com ramo comum com 12cm por 0,3cm e ambos os ramos com 3cm por 0,3cm, outra na região lateral terço inferior com 5 por 0,3cm e outra na face lateral com 9 por 0,3cm; no tórax: cicatriz avermelhada na face posterior esquerda do tórax ao nível do bordo lateral da omoplata esquerdo com 9cm por 0,3cm;no membro superior esquerdo: duas cicatrizes avermelhadas, ao nível do braço, uma na face anterior e lateral do terço superior com 10 por 0,3 cm de maiores dimensões e outra na face anterior do terço médio com 1,5cm por 0,4cm de maiores dimensões.

 

Em 27.04.2015 a situação clinica ainda não estava estabilizada para a avaliação completa das consequências médico-legais da conduta do arguido.  

Foi submetida a cirurgia sob anestesia geral,  com necessidade de ventilação invasiva. Teve alta clinica em 28 de Outubro de 2014.

 Ao utilizar o referido x-acto e ao desferir com ele golpes no pescoço e tórax de BB, atingiu a irmã onde se alojam órgãos indispensáveis à vida humana , o meio perigoso usado e a forma como o foi, com violência,  fazem naturalmente presumir a intenção de matar ,   realizando aquele  tudo o que se achava ao seu alcance para produzir a morte , mas ela não adveio por razões alheias à sua vontade ,  preenchendo  a chamada tentativa perfeita , de homicídio , diferenciando-se da tentativa imperfeita em que o agente não exaure toda a potencialidade lesiva , não chegando a praticar todos os actos de execução essenciais à morte por circunstâncias estranhas à sua vontade .

A justificação , em geral , para a punição da tentativa encontramo-la na necessidade de numa “ sociedade altamente tecnicizada , complexa e interdependente (…) a protecção penal tem de se efectivar em estádio anterior (…) à protecção da violação do bem jurídico, sob pena de , na maior parte das vezes , com a produção do próprio resultado a violação produzida abranger não só um bem jurídico , mas uma massa de bens jurídicos “(…) , ainda de considerar que “ Ao lado do enorme potencial técnico e  científico da sociedade pós-industrial irrompe a fragilidade do nosso modo de ser comunitário e o cuidado ,cada vez mais acrescido , que há que ter , por isso , com o homem “(…) , “ a resposta em termos jurídico-penais de uma comunidade jurídica desperta e expectante passa necessariamente pelo chamamento do pôr em perigo no centro das questões da dogmática penal.. “ –cfr. Tentativa e dolo penal , Prof. Faria Costa , pág.58 .

O objectivo da punição da  tentativa volta-se para o efectivo perigo  que  o acto oferece ao bem jurídico , o que significa que os actos praticados devem ser adequadamente idóneos à produção do resultado , sancionando-se o desvalor da acção e do resultado , segundo a formulação da teoria objectiva,  contraposta à subjectiva relevando , apenas , a intenção , irrelevando o desvalor .

À  luz de uma concepção subjectiva da tentativa a sua punição arranca da consideração de que um acto só cai na alçada penal quando atinge um certo grau e uma certa forma , ou seja sempre que ele , nas circunstâncias em que é praticado , segundo um critério geral , à luz da experiência comum é já a realização de um empreendimento criminoso , tese defendida , entre nós pelo Prof. Beleza dos Santos , in R L J , ano 66 , pág . 194 e segs . ; em sentido diverso a teoria objectiva  põe em exigência  o ataque , com execução, a realização de condutas que integrem elementos típicos , é a tese de Carrara e Alimena , citadas pelo Prof. Eduardo Correia , Direito Criminal , Tentativa e Frustração , 1953 , 18.

Uma teoria mista,  objectivo –subjectiva , elaborada a partir da prevenção geral ( Nucci , Manual de Direito Penal , 52 , S. Paulo , 2009 ) , defende que    a tentativa é punida por ser perigosa no seio da comunidade a impressão causada por uma agressão ao direito , uma impressão juridicamente abaladora , criando-se alarme social;  o acto representa já uma aproximação à acção típica, o preenchimento de um elemento constitutivo do tipo ou idóneo à produção de um resultado típico ou que sendo , segundo as regras da experiência comum , salvo circunstâncias imprevisíveis, de natureza a esperar que se lhes sigam actos das espécies atrás indicadas ,tal como se prescreve no art.º 22.º n.º 2 a) , b) e c) , do CP,  por isso  que tais actos são ocupantes de relevo  no “ iter criminis “ , como actos de execução , na sequência da “ cogitatio “ e da preparação ,  consagrando aquele preceito a formulação mista , acompanhando os sistemas penais  espanhol , francês , mas sobretudo italiano .

A tentativa é punível por ser   “ minada a confiança  da comunidade na vigência da ordem jurídica e resultar prejudicado o sentimento de segurança , e , com ela , a paz jurídica “  ,  sem deixar de se perder de vista  a perigosidade do autor do facto ( Cfr. Iescheck Tratado de Derecho Penal, Parte General , Tomo II , 702 ).

Os actos preparatórios , em princípio, não logram sensibilizar  o sentimento jurídico da comunidade e não consentem um alargamento da extensão do direito penal a tais actos  anteriores à realização completa do tipo   , segundo  o Prof.  Eduardo  Correia , citado in Da Punibilidade da Tentativa –Tese de Mestrado , FDUC  , Abril de 2009 , pág.54, de Vítor de Jesus Ribas Pereira .

Na medida em que os actos levados à prática  posicionando-se  em proximidade da efectiva ofensa ao bem jurídico esses actos são elevados à categoria de crimes autónomos , posto que a ofensa se revista de uma certo grau de  lesividade aos olhos do julgador , como , de resto , no direito alemão , em que punição da tentativa  é reservada aos crimes mais graves ( Verbrechen ) .

O art.º 22.º , do CP , consagr a teoria da impressão do perigo , misto da concepção objectivo –subjectiva , já o dissemos ,  justificando-se a punição da tentativa não só no perigo real da consumação do crime , mas no abalo na confiança da comunidade na força vinculativa da norma jurídica .

V. Medida da Pena :

O arguido aponta ao relatório social  junto aos autos  a sua não contemporaneidade com o julgamento, com referência a  factos  8 meses sobre o crime ( a  Novembro de 2014),   sem conter, portanto ,  uma versão actualizada da vítima e,  por outro lado,   a ex-cônjuge do arguido  não foi ouvida , não figurando ainda   qual o teor da   informação  da irmã  de ambos , EE , a obtida junto do Presidente da Junta de Freguesia , como da GNR de ... ,  de vizinhos , pecando por omissão e contraditoriedade, estranhando-se que a vizinha do arguido, que ficou em frente à casa do pai  não tenha sido contactada, nem a testemunha GG, que tem uma oficina de automóveis a 30 metros da residência do arguido Ilídio,  testemunha que  no seu depoimento refere que o arguido é pessoa pacata e não conflituosa, não é visto como perigoso pelos vizinhos ou pela família, em contrario do assente .

VI. O relatório social foi ,  na verdade, um dos documentos, com outros ,  de  que o  Tribunal fez uso para formar a sua convicção probatória , constando a sua  definição  no art.º 1.º g) , do CPP, com o formato  de  “ …informação sobre a inserção familiar e sócioprofissional  do arguido , e,  eventualmente , da vítima , elaborada por serviços de reinserção social , com o objectivo de auxiliar  o tribunal ou o juiz  no conhecimento da personalidade do arguido …” , requerido a solicitação do tribunal  ou por iniciativa daqueles  serviços –n.º 2 , do art.º 370.º , do CPP .

O relatório e a informação respectiva não se confundem  e nem tem valor de   prova pericial , como tal sendo de livre apreciação do julgador que não tem de fundamentar a divergência relativamente às suas conclusões, como naquela  prova   , assim o entendendo jurisprudência dominante deste STJ , firmada nos ACS. de 3.2.94 , BMJ 434, 439, 14.4.99 , CJ, STJ , VII , 2, 174  -Cfr., ainda , Paulo  Pinto de Albuquerque , Comentário do Código Penal  , pág. 951.

A não audição em tempo mais recente sobre o julgamento da vítima    está perfeitamente justificada porque não foi possível , “ apesar de encetadas várias diligências “ , escreveu-se no relatório , e de todo o modo a sua posterior comparência  e testemunho  em audiência colmataria qualquer lacuna de que  se entendesse  estar inquinado .

A apontada falta de diligência de inquirição de outras testemunhas essenciais à descoberta da verdade , a que se não procedeu em inquérito , a nulidade de que enfermasse estaria sanada 5 dias após  a notificação do despacho de  encerramento do inquérito , nos termos do art.º 120.º n.º 3 c) , do CPP .

Não é imperativo legal que do relatório conste  , especificadamente , ponto por ponto , o teor das declarações de quem serviu de suporte à elaboração do relatório pelos serviços de reinserção social . O  relatório também não se confunde com um auto de recolha de declarações e inquirições ,  em processo , mas de um documento oficial , que nem  à categoria dos autênticos cabe .

Este STJ não sindica,  à face da lei , a  opção , que o arguido  censura ,  pelo facto  de o Colectivo  optar , erroneamente , na  formação da convicção probatória  privilegiando os   depoimentos  de  certas testemunhas em  detrimento  do de outras,    visto que  a valoração e fixação inerente  da matéria de facto obtida a partir  da livre  apreciação das  provas , nos termos do art.º 127.º, do CPP,  incumbir às instâncias,  encerrando a Relação esse ciclo do conhecimento ,  à luz dos art.ºs 427.º, 428.º e 434.º, do CPP .

 Sem razão a argumentação do arguido .

VII . A fixação da medida concreta da pena , conferindo,  embora, alguma liberdade ao julgador , não se trata contudo  de uma discricionariedade livre , mas juridicamente vinculada , com subordinação a critérios , princípios gerais , regras basilares expressas na lei  , sem deixar de ser , em essência , “ estruturalmente   aplicação de direito “  , controlável , por isso , em regra ,  em sede de recurso de revista .

“ Não pode , no entanto , esquecer-se que o acto decisório do juiz “ contém “ … uma componente individual  “ com origem no próprio julgador  , “ não controlável de modo racional,  já que se trata de converter exactamente a quantidade de culpabilidade em magnitudes penais “.  Cfr. Iescheck  , II , Tratado de Direito Penal , II , pág. 1192 .       

 

O arguido controverte ante este STJ a medida concreta da pena pela prática de crime de homicídio simples , tentado , em que a pessoa da vítima é a sua irmã BB ,  pena essa de 5 anos e 6 meses  a reduzir para 4 anos e 6 meses , ainda assim suspensa na sua execução , acompanhada de obrigações  , por aquela se mostrar excessiva e desproporcionada, face ao concurso de um circunstancialismo atenuativo ocorrente em seu favor .

A pena justa é a aspiração máxima do julgador, igualmente assim encarada  sob essa capa exterior pelo condenado , porém encobrindo , em regra ,  a da benevolência que se não confunde com a de justiça .

À luz do retribuicionismo uma pena justa  é uma pena merecida , proporcionada , pressupondo equivalência entre  o mal que o delito causa e o mal enquanto castigo ; a pena é a que cabe ao sujeito com culpa , em função e seu pressuposto , agindo pessoalmente como dono dos seus actos ; o crime á apagado pelo correspondente  sofrimento moral e  ético. 

A falência do sistema retributivo puro é  , reconhecidamente , uma realidade ,  antes se combinando , prioritariamente  ,  com qualquer uma  das formas de prevenção , salvo o advogado no nosso , no art.º 40.º , do nosso CP , atribuindo à pena uma função pragmática , de utilitarismo , de inibição ao máximo da prática de novos actos ,através  da intimidação em geral  , por um lado , e , por outro , da prevenção da  reincidência ao nível do condenado, em vista do  “  retorno ao convívio pacífico dos homens livres “ , na expressão de Assis Toledo , 7 e segs . ,  1985  , jusbr/revista número 7,  artigo 1 .htm. 

O fim da pena é assim o da prevenção  em geral  , de intimidação colectiva e , de forma positiva ,  a reafirmação da validade e eficácia da lei como instrumento de protecção dos bens jurídicos comunitários, sua tranquilidade e segurança   e a da  reinserção  social  do agente , da prevenção particular ao nível do autor do ilícito  .

Num sistema de respeito pela dignidade da pessoa humana  não poderá abstrair-se da culpa enquanto juízo de censura ético jurídico , mas cabendo-lhe , essencialmente, o valor de limite da punição ; dentro da sua moldura se desenham as submolduras de prevenção , geral e especial , em caso algum as necessidades de prevenção  geral  em vista da   defesa da ordem jurídica ,   a mais relevante entre as  duas  ,  ou a especial , da reincidência  do agente , podendo exceder a medida da culpa , se bem que na vertente formativa da pena acabe por  repassar aos olhos do julgador ,  quase imperceptivelmente ,   a culpa   na feição de castigo .  

Há sem dúvida uma pena cuja medida seria a óptima , porém o sistema permite uma certa perda de eficácia na consideração  de elementos ligados ao agente , em nome de razões privativas , diminuindo-lhe o quantitativo , havendo todavia um limite abaixo do qual   a finalidade primária de acautelar a protecção devida  aos bens jurídicos comunitários sairia seriamente amolecida, não sendo  comunitariamente tolerável  e de rejeitar .  

VIII . Presente que o arguido intentou matar a ofendida , sua irmã, com um X acto que  na altura escondeu , só não tendo consumado  a morte pelos  rápidos socorros prestados ,   intenção essa  que nega  , querendo , apenas , diz ,  assustá-la ,   mas que a gravidade , o número das lesões , a zona corporal atingida , em particular  o  pescoço  e o  tórax   e a perigosidade do instrumento cortante se encarregam de  desmentir   ,    intenção homicida , essa  de resto reforçada pela declaração à autoridade policial,   por via telefónica , ao comunicar a agressão ,   de que “ se tivesse  uma pistola  a matava a tiro.  “

Da parte do arguido , pois , a prática de actos de execução , em estádio anterior à consumação do tipo matriz ,  mas já   caindo na esfera da ofensa ao direito fundamental à vida da irmã , que se propunha retirar ,  logo integrantes de tentativa de homicídio , p . pelos art.ºs 131.º , 22.º, 23 .º e 73.º , do CP , e punível dentro da moldura penal  abstracta ( atenuada )  de 1 ano , 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses de prisão .

Dolo intenso , vontade firme em  lesar a irmã, não o dissuadindo o facto de a ofendida ser sua irmã  e se ter posto em fuga  ao vê-lo  com o X acto na mão , quando se achava à conversa com o pai no quintal anexo à  sua casa   ,  só desistindo de persegui-la quando  a alcançou  .

O resultado mostra-se altamente lesivo , grave , a inferir do número , extensão  e  localização   de  feridas provocadas ,  com cicatrizes reveladoras ,  suas sequelas , algumas com 9cm x  0,3cm, 12 cm x 0, 3 cm ( 3 ) , 5 cm x 0, 3 cm , 9 cm  x 0, 3 cm , 10 cm x 0, 3 cm  e 1,5 cm x 0, 4 cm , dizendo bem da reiteração criminosa  e do elevado  grau de violência .

E a  relação de sangue  entre ambos ,  que devia  fundar laço d e  profundo   afecto ,  união entre  os dois irmãos e respeito ,  funcionou como factor  de ódio , sem embargo de se dar como assente  um  anterior clima de recíproca  inimizade de causa desconhecida,  que o arguido  imputa à prática de bruxaria pela irmã, causa  de uma espiral  de desgostos que lhe sobrevieram  relacionados com o  divórcio da mulher , o acidente do filho , a perda de  emprego e ao facto de  a irmã o querer desalojar da casa do pai , o que se não provou , como se não provou que a assistente lhe tivesse chamado “ chulo “  na altura da agressão  ou o provocasse amiúde .   

O arguido  confessou  em julgamento,   e só aí relevante , parcial mente os factos,  e não totalmente , como intenta convencer  , ficou-se por uma inacreditável  versão mitigada  ( só quis assustar  ), arredada pela comprovação factual  de que quis matar   ; a sua ausência de confissão total não o prejudica mas também não o beneficia como pretende porque se não provou .

A sua ausência de antecedente criminais  não lhe averba  bom comportamento anterior . Na verdade “ A comunidade residencial , vítima e ex-cônjuge  expressaram sentimentos de medo /rejeição (…) invocando sentimentos de insegurança , atenta a proximidade das residências / hábitos e rotinas familiares e litígios insanáveis relativos a partilhas “ , sentimento que se mostra harmónico  com a  sua ameaça de “ …que terá de retaliar caso venha a ser provocado na sua honra e integridade “ , como escreveu  o Colectivo a fls . 804 dos autos,  transparente de    uma personalidade belicosa e alienígena ao respeito  à pessoa alheia , carecendo  por isso mesmo  da pena para interiorizar o seu mau proceder .

 

O arguido contactou por via  telefónica  a GNR a quem relatou o sucedido , mas naquela versão mais atenuada,  informando falsamente , ainda,  que usara uma faca  em lugar  do X acto , que , depois ,  escondera , vindo a ser localizado .    

IX. Nesta medida sopesando  o dolo intenso ,  a ilicitude , enquanto  violação de lei , em grau elevado ,  no aspecto de  atentado  ao  valor supremo da vida humana ,  que quis suprimir,  só por razões alheias à sua vontade o não conseguindo ,   o  desvalor do resultado , a extrair  das   múltiplas e graves  lesões corporais  provocadas , que determinaram internamento hospitalar , por  5 dias , sujeição a  cirurgia com   anestesia geral ,  com ventilação invasiva   ,  não se mostrando ,    em 27.04.2015 ,  a situação clinica  estabilizada para a avaliação completa das consequências médico-legais da conduta do arguido , os sentimentos  manifestados, de   insensibilidade  ao valor da vida como  aos laços fraternos  que desprezou , são factores de relevo , determinantes    da medida concreta da pena , nos termos do s art.º 70.º e  71.º n.ºs 1 e 2 , do CP.

Algum valor  atenuativo ,  não excessivo  , acorre em função das atenuantes da confissão parcial dos factos e da comunicação que  fez , via telefónica,   à GNR de Cucujães , já  o cumprimento das regras em reclusão são um dever seu e não uma atenuante redutora da culpa ou ilicitude .

X. O arguido demanda deste STJ a suspensão da execução  da pena tendo em conta a sua  idade , de 55 anos ,   e a possibilidade de reintegração do mesmo na sociedade, no país ou estrangeiro,  mostrar-se prejudicada , se reiniciar a sua vida útil após o cumprimento, argumento despido de valor porque o arguido não tem conseguido lograr trabalho .

 A eficácia desta pena de substituição é , sem dúvida , reconhecida , em geral   por se revestir  de um alcance  correctivo sobretudo se acompanhada de obrigações , aproxima-se de ajuda social  quando orientado o seu cumprimento no exterior prisional ,  apresentando a vantagem de  não desenraizar o condenado  do meio social , pessoal e profissional , além de que se lhe associa um carácter sócio –pedagógico estimulando o condenado para ser ele mesmo , pelas suas forças , a reintegrar-se socialmente  . cfr., ainda , Iescheck , op.cit., pág. 1153 . 

Impõe o art.º  50.º n.º 1 , do CP, para  suspensão da execução da pena a condição objectiva da  condenação em prisão  não superior  a 5 anos  e ainda que concorram os demais diversificados pressupostos aí previstos , levando  à convicção de que a simples  censura do facto e a  ameaça da execução da pena prevenirão a sua reincidência , consentindo a emissão de um juízo de prognose favorável ,  realizando  os fins das penas, caso em que  as suas condições particulares cedem,   prevalecendo os fins das  penas, particularmente da prevenção geral , sob a forma de defesa irrenunciável do ordenamento jurídico.

Decisivo será, então ,  o propósito de “ manter ante a comunidade a evidência da intangibilidade do ordenamento jurídico e ao mesmo tempo prevenir outras lesões   futuras,  de direito,  por parte de delinquentes potenciais , mantendo-se a confiança comunitária no direito e seus órgãos aplicadores .

O crime praticado é objectiva e subjectivamente  grave , carrega elevada   reprovação ético-social ,  tanto em si , como vindo do arguido , irmão da vítima , por outro lado atendendo à  violência contra as pessoas , familiar , e não só,  que tem vindo a alastrar gerando insegurança colectiva , reclamando  uma aplicação vigorosa do direito  aos crimes de sangue , legitimam  a conclusão de que o arguido carece de emenda cívica,  de refrear os seus impulsos agressivos , para  o que o tempo de reclusão  se prestará,  perfilando-se  fortes razões de prevenção geral e até  especial .

XI. Já se vê que não há motivo para reduzir a pena abaixo de 5 anos ,  ( 4 anos e 6 meses ) a fim de o arguido  beneficiar da sua suspensão pois que a esta se opõem os fins das penas; a comunidade, na verdade ,  não compreenderia e nem aceitaria  que  um crime da gravidade do praticado pelo arguido e  as circunstâncias contextuais respectivas  fosse sancionado com a  simples suspensão da execução  da pena de prisão , ferindo a adopção de  pena  reduzida e suspensa   o seu  imanente sentido de justiça, além de que faria  descrer a força e eficácia da lei  e a crença nos seus órgãos aplicadores, ante a   sua imprescindível salvaguarda de potenciais delinquentes , interesse a que importa prestar  a  necessária  reflexão e análise . 

 XII. Nega-se provimento ao recurso , que improcede .

Taxa de Justiça : 6 Uc.           

Armindo Monteiro

Santos Cabral

 

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