Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
995/20.8T8PNF.P1.S2
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: ARGUIÇÃO DE NULIDADES
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
REFORMA DE ACÓRDÃO
LAPSO MANIFESTO
ERRO DE JULGAMENTO
CONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
I — Só há nulidade por omissão de pronúncia quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar [cf. artigo 615.º, n.º 1, alínea d), primeira parte, do Código Civil].

II — O Supremo Tribunal de Justiça tem declarado, constantemente, que deve distinguir-se as autênticas questões e os meros argumentos ou motivos invocados pelas partes, para concluir que só a omissão de pronúncia sobre as autênticas questões dá lugar à nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil

III — Só há nulidade por falta de fundamentação quando o juiz não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão [cf. artigo 615.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do Código Civil].

Decisão Texto Integral:

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Reclamante: Construções Lousaestradas – Ribeiro, Lda.

Reclamado: AA, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB

I. — RELATÓRIO

1. AA, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB, propôs contra Construções Lousaestradas – Ribeiro, Lda., acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo que:

a) se declare que o prédio rústico descrito no artigo 6.º da petição inicial faz parte da herança aberta por óbito de BB, pertencendo, em propriedade plena, aos herdeiros AA, que é o cabeça de casal da herança e ora Autor, CC, DD, EE, FF e GG, em comum e sem determinação de parte ou direito;

b) se declare que o terreno onde a Ré fez a deposição abusiva de terra que está em causa na presente ação, composto por área com mato, pinheiros e eucaliptos de pequeno porte, que confronta a Norte com a via municipal de ligação entre as freguesias de ..., ... do concelho de ..., que se situa nas coordenadas geográficas de latitude 41o 17' 59.15" N e de longitude 8º 14' 28.77" O, no sistema WSG84, usado pela aplicação Google Earth e se encontra representado na fotografia aérea daquela aplicação que consta do artigo 68º da presente petição inicial, parte do qual é assinalado com um contorno a linha amarela, faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo 6º da presente petição inicial;

c) se condene a Ré a reconhecer, nos seus exatos termos, o direito de propriedade descrito nas alíneas a) e b) do presente pedido;

d) se condene a Ré a cessar definitivamente toda e qualquer deposição de terras e qualquer outro resíduo de construção, demolição ou escavação no terreno referido na alínea b) do presente pedido, que faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo 6.º da presente petição inicial;

e) se condene a Ré a indemnizar a herança aberta por óbito de BB, aqui representada pelo Autor, que é Herdeiro e Cabeça de Casal, pelos danos patrimoniais presentes e futuros que causou aos proprietários, a título de dano emergente e de lucro cessante, com a deposição ilícita de terra no terreno descrito na alínea b) do presente pedido, que faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo 6.º da presente petição inicial, em quantia não inferior a 80 000 EUR.

2. A Ré contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção.

3. Em sentença, o Tribunal de 1.ª instância julgou totalmente procedente a acção, decidindo:

a) declarar que o prédio rústico descrito no artigo 6.º da petição inicial faz parte da herança aberta por óbito de BB, pertencendo, em propriedade plena, aos herdeiros AA, que é o cabeça de casal da herança e ora Autor, CC, DD, EE, FF e GG, em comum e sem determinação de parte ou direito;

b) declarar que o terreno onde a Ré fez a deposição abusiva de terra que está em causa na presente ação, composto por área com mato, pinheiros e eucaliptos de pequeno porte, que confronta a Norte com a via municipal de ligação entre as freguesias de ..., ... do concelho de ..., que se situa nas coordenadas geográficas de latitude 41o 17' 59.15" N e de longitude 8º 14' 28.77" O, no sistema WSG84, usado pela aplicação Google Earth e se encontra representado na fotografia aérea daquela aplicação que consta do artigo 68º da petição inicial, parte do qual é assinalado com um contorno a linha amarela, faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo 6º da petição inicial;

c) condenar a Ré a reconhecer, nos seus exatos termos, o direito de propriedade descrito nas alíneas a) e b) do presente pedido;

d) condenar a Ré a cessar definitivamente toda e qualquer deposição de terras e qualquer outro resíduo de construção, demolição ou escavação no terreno referido na alínea b), que faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo 6º da petição inicial;

e) condenar a ré a indemnizar a herança aberta por óbito de BB, aqui representada pelo Autor, que é herdeiro e cabeça de casal, pelos danos patrimoniais presentes e futuros que causou ao prédio, a título de dano emergente e de lucro cessante, com a deposição ilícita de terra no terreno descrito na alínea b), que faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo 6º da petição inicial, na quantia de € 80 000,00 € (oitenta mil euros);

f) absolver o Autor do pedido de condenação como litigante de má fé.

4. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação.

5. O Autor contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

6. Em 30 de Junho de 2022, o Tribunal da Relação concedeu provimento ao recurso, julgado o Autor parte ilegítima.

7. Em 7 de Março de 2023, o Supremo Tribunal de Justiça revogou o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação em 30 de Junho de 2022.

8. Em 4 de Maio de 2023, o Tribunal da Relação julgou parcialmente procedente o recurso.

9. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Pelo exposto, julgando-se parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré, decide-se:

1). Condenar a Ré a pagar ao Autor e sua representada o valor, a apurar em incidente de liquidação, com o limite máximo de 30 000 EUR, correspondente às obras que sejam necessárias para:

- evitar que terras caiam do talude acima descrito, devendo o mesmo ser contido para evitar tal queda;

- tapar devidamente os poços que o não estejam;

- retirar a terra que tenha invadido os poços e que, por aí, tenha entrado e obstruído as galerias subterrâneas.

2) Manter a condenação da Ré no pedido em a), b) e c).

3) Absolver a Ré do pedido em d).

Custas do recurso a cargo de recorrente e recorridos, na proporção definitiva de 6/10 para a recorrente e 2/10 para os recorridos e provisoriamente 1/10 para cada uma das partes quanto à condenação no pedido de pagamento com necessária liquidação, a fixar definitivamente no incidente de liquidação, consoante o vencimento das partes.

10. Inconformados, o Autor AA e a Ré Construções Lousaestradas – Ribeiro, Lda. interpuseram recurso de revista.

11. A Ré Construções Lousaestradas – Ribeiro, Lda., respondeu ao recurso interposto pelo Autor.

12. O Autor não respondeu ao recurso interposto pela Ré.

19. Em 14 de Setembro de 2023, o Tribunal da Relação pronunciou-se no sentido da improcedência da arguição de nulidades do acórdão recorrido.

20. Em 12 de Dezembro de 2023, o Supremo Tribunal de Justiça revogou parcialmente o acórdão proferido pelo Tribunal de 1.ª instância.

21. O dispositivo do acórdão de 12 de Dezembro de 2023 é do seguinte teor:

Face ao exposto,

I. — concede-se parcial provimento ao recurso interposto pelo Autor,

II. — revoga-se o acórdão recorrido na parte em que fixou o limite máximo de 30000 euros para o valor a apurar em incidente de liquidação;

II. — nega-se provimento ao recurso interposto pela Ré.

Em tudo o mais, confirma-se o acórdão recorrido.

Custas do recurso interposto pelo Autor por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.

Custas do recurso interposto pela Ré pelas Construções Lousaestradas – Ribeiro, Lda.

22. Inconformada, a Ré Construções Lousaestradas – Ribeiro, Lda., vem reclamar para a conferência, “nos termos do artigo 666.º, aplicável ex vi do artigo 685.º do Código de Processo Civil”.

23. Fá-lo nos seguintes termos:

1. Por força do disposto no n.º 1, do art.º 248.º do CPC, em 18 de dezembro de 2023 (primeiro dia útil) foi a aqui reclamante notificada do douto acórdão, mediante Referência ......69 de 13.12.2023.

2. Nesse acórdão foi decidido o recurso apresentado pela Ré (sem o Autor contra-alegar), bem como o recurso apresentado pelo Autor (com contra-alegações da Ré), onde (i) foi negado provimento ao recurso interposto pela Ré e (ii) concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo Autor, revogando o acórdão recorrido na parte em que fixou o limite máximo de 30000 euros para o valor a apurar em incidente de liquidação.

Com efeito,

3. Em referência aos artigos 614.º a 616.º do CPC, na jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça é suscetível de conhecimento a reclamação de acórdão proferido pelo STJ que se enquadre nas hipóteses legais de reacção previstas nos artigos 613.º, n.º 2, e 666.º, n.º 2, por aplicação dos arts. 666.º, n.º 1, e 685.º do CPC.

4. A decisão contida no douto acórdão não satisfaz a Ré, quer na qualidade de Recorrente quer na qualidade de Recorrida, por no seu entender padecer de nulidade por (i) omissão de pronuncia e (ii) por falta de fundamentação.

5. A omissão de pronúncia está prevista na primeira parte da al. d), n.º 1, do art.º 615.º do CPC, e decorre da violação das normas que impõem ao tribunal o dever de tomar posição sobre certa questão, o que ocorre tanto para as questões de conhecimento oficioso como para as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, numa clara manifestação do princípio dispositivo quanto ao thema decidendum: a decisão deve ter por objeto o mesmo objeto que as partes deduziram.

6. Neste sentido, STJ 27-10-2010/STJ Proc. 70/07.0JBLSB.L1.S1 (PIRES DA GRAÇA): a “omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas, ou que o juiz oficiosamente deve apreciar”; identicamente, RC 14-1-2015/Proc. 38/13.8JACBR.C1 (OLGA MAURÍCIO). No sentido de que a nulidade por omissão de pronúncia comina a violação do artigo 670.º, n.º 2 (=atual artigo 608.º, n.º 2), veja-se o ac. STJ 6-5-2004/Proc. 04B1409 (ARAÚJO BARROS); ainda, o ac. TCAN 14-9-2017/Proc. 00067/03 – Porto (MÁRIO REBELO).

Por seu turno,

7. A nulidade por falta de fundamentação está prevista na al. b) do mesmo preceito legal: o tribunal “não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

8. Em especial, o artigo 154.º, do CPC, impõe ao tribunal o dever de fundamentar as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo, a qual fundamentação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição da parte.

Em boa verdade,

9. Constitui uma consequência da violação do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

Isto posto,

10. É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (como aliás é expressamente afirmado no acórdão ora posto em crise), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

11. Sucedeu que, a Ré aqui ora Reclamante, no seu recurso sintetizou o corpo alegatório e fundamentador formulando 29 (vinte e nove) CONCLUSÕES, a saber.

1. Face à condenação em primeira instância (pagar ao Autor a quantia de € 80 000,00), o Autor/recorrido teve um decaimento mínimo de 62,5% e a Ré/recorrente uma sucumbência máxima de 37,5%, de acordo com a decisão vertida no Acórdão aqui sob recurso;

2. Assim sendo, a Ré, aqui ora Recorrente, requereu a sua retificação, no sentido de “condenar em custas, na proporção definitiva de 6/10 para o recorrido e 2/10 para a recorrente e provisoriamente 1/10 para cada uma das partes quanto à condenação no pedido de pagamento com necessária liquidação, a fixar definitivamente no incidente de liquidação, consoante o vencimento das partes”, nos termos dos artigos 613.º e 614.º do C.P.C ex vi art.º 666.º do C.P.C.

3. A convicção do tribunal de primeira instância assentou nos factos 30 a 32 que deu como provados, vindo o Tribunal de segunda instância a alterar, decidindo como não provados.

4. O mesmo tribunal de primeira instância estribou a sua decisão na verificação de estarem “… preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, (…)” condenou a Ré “pelos danos causados à herança autora, aqui representada pelo seu cabeça-de-casal”, no montante peticionado - € 80 000,00(oitenta mil Euros).

5. Todos os herdeiros (incluindo o Autor) assinaram o contrato de comodato (identificado no facto 28 dado como provado) com a sociedade M..., unipessoal, Lda., cuja sociedade aliás também fez parte do acervo hereditário e, no momento dos factos, era gerida pelo também herdeiro Dr. DD.

6. O colendo Supremo Tribunal de Justiça, mediante douto acórdão de 7 de março de 2023, entende que o autor da ação é parte legitima, determinando a baixa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto para conhecimento das questões que ficaram “… prejudicadas pela decisão sobre a ilegitimidade, (…), atento o preceituado no art.º 679.º do CPC, que afasta a regra da substituição prevista no art.º 665.º do CPC.” porque, “…terá de se considerar como acto de administração ordinária a tentativa de salvaguarda, em que (…) formule pedido de indemnização pelos prejuízos decorrentes dessa actuação alegadamente abusiva”.

7. O venerando Tribunal da Relação do Porto vem a proferir, em 4 de maio de 2023, o acórdão de que ora se recorre, onde alterou a matéria de facto, dando como não provado

(i) “A parte do prédio rústico descrito em 3 dos factos provados que não se encontra ocupada pela referida vinha com o número de parcelário ...........00, e que corresponde à parte daquele prédio rústico que continua a estar destinada a pinhal, eucaliptal, mato e pastagem, também continua na posse dos Herdeiros da herança aberta por óbito de BB” e

(ii) “Herdeiros que a continuaram a visitar, passeando na respetiva mata, mandando cortar árvores e mato, também para limpeza do terreno, em cumprimento das exigências legais e regulamentares que se encontram estabelecidas em matéria de prevenção de incêndios florestais”.

8. Ou seja, os factos 30 a 32 (inclusive) dados como provados deixaram de o ser.

9. Deu ainda outra redação ao facto 68, fixando um limite mínimo ao valor estimado pelos peritos (in casu de 13.000 m3, cerca de 20.000 toneladas): “O volume estimado, não exacto, das terras depostas e espalhadas terá como mínimo cerca de 1.200 m3 e um provável máximo de cerca de 13.000,00 m3, o que equivale a aproximadamente 20.000,00 toneladas”.

10. Assim sendo, a matéria de facto foi fixada definitivamente pelo Tribunal da Relação do Porto, por força do disposto no art.º 674.º do C.P.C.

11. Por conseguinte, a sentença ao ter dado como provado que “Entre a R. e a sociedade unipessoal M..., unipessoal, Lda., através do seu gerente, DD, foi celebrado um contrato verbal de empreitada pelo qual a aqui ora Ré se obrigou a realizar um serviço de terraplanagem, com recurso meios mecânicos, para plantação de vinha e ripagem em cruz” (facto 8) e que “A sociedade por quotas dona da obra fez a fiscalização da mesma e, tendo, no final, mostrado concordância com a obra executada, foi, remetida a respectiva factura para pagamento do preço” (facto 9), olvidando que a Ré comprovadamente cumpriu, ponto por ponto, o contrato celebrado com o gerente da sociedade M..., unipessoal, Lda., também herdeiro da mesma herança, está em contradição em ter dado como provado que a Ré praticou “… um ato ilícito por ter sido colocada num terreno aquela terra sem autorização”.

12. Mister é dizer que “não se verificaram os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito”, outrossim a Ré praticou todos os atos necessários ao bom cumprimento do contrato (facto lícito).

13. Nos artigos 762.º e seguintes do Código Civil, vem regulado o “Cumprimento e não cumprimento das obrigações”, sendo que o princípio da pontualidade no cumprimento das obrigações que tenham por fonte contratos se encontra materializado quer no nº 1, do art.º 763.º, quer no nº 1, do art.º 406.º.

14. O cumprimento de acordo com o nº1, do art.º 762º, consiste na realização da prestação obrigacional.

15. É a realização voluntária da prestação pelo obrigado, que ela se vinculou, impondo o nº 2 que a conduta de ambas as partes na relação obrigacional seja pautada pelas regras da boa-fé.

16. E atuar de boa-fé no cumprimento da obrigação é agir com o maior empenho, lealdade e correção na realização da prestação a que os obrigados se encontram adstritos.

17. Comprovadamente a obra correspondeu inteiramente ao projeto da sociedade dona da obra.

18. Em boa verdade, «Uma disputa entre herdeiros (ou parte deles) não é uma exibição segura de que a atividade da Ré era violadora de direitos alheios e que, por isso, se deveria parar. Se se viesse a concluir que havia tal violação, no caso concreto, a mesma não advinha da falta de cuidado da Ré mas da atuação da empresa dona da obra, conhecedora ou com obrigação de conhecer os termos do contrato de comodato que celebrou.» - Cfr. pág. 58 do douto Acórdão. O sublinhado é nosso.

19. Destarte, sob este superior prisma de análise, com respeito por opinião contrária, a sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância padece de contradição insanável entre os fundamentos e a decisão, prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil.

20. “Por isso, a Ré não pode ser responsabilizada por qualquer dano que tenha ocorrido derivada da violação de terreno alheio” – Cfr pág. 59, terceiro parágrafo, do douto Acórdão.

21. Daí, por violação de direito substantivo, A Ré, aqui ora recorrente, discorda quanto à decisão de violação, por si, das regras da arte e, sobretudo, em manter a sua condenação na “… deposição abusiva de terra …”, a que alude o pedido formulado pelo Autor/recorrido na sua alínea b).

22. Em boa verdade, tendo a Ré cumprido todas as orientações dadas pela dona da obra, esta a ter aceitado e efetuado o pagamento sem qualquer reparo, então deverá aplicar-se o regime do Código Civil estabelecido para o contrato de empreitada, face ao que dispõe o n.º 2, do deu art.º 221.º.

23. Afastada a responsabilidade civil extracontratual pela prática de atos ilícitos e sendo a sociedade dona da obra a beneficiária da empreitada, logo é quem deve arcar com as alegadas consequências danosas que essa atividade tenha originado a terceiros, nos termos do n.º 2, do artigo 1348.º, do Código Civil.

24. Por outro lado, tendo o Tribunal de segunda instância concluído, face à prova produzida, em termos de definitividade, que não se provou ter sido a atuação da Ré (aqui recorrente) dolosa, sequer negligente em “ter prosseguido com os trabalhos no terreno em causa”, decidindo que, por isso, “a Ré não pode ser responsabilizada por qualquer dano que tenha ocorrido derivada da violação de terreno alheio” – cfr. pág. 57 a 59 do douto ora sob recurso e o ponto 1). do seu sumário – terá de soçobrar o entendimento vertido no douto Acórdão, quanto ao não cumprimento das regras da arte cair na responsabilidade por factos ilícitos (in casu art.º 483.º do CC).

25. Sendo uma atividade licita, conforme decidiu o Venerando Tribunal da Relação, em face da aplicação do regime do Código Civil, a dona da obra é que deveria denunciar os eventuais defeitos dessa obra, ao empreiteiro, no prazo de um ano a contar da sua descoberta, devendo requerer a eliminação dos identificados defeitos no ano seguinte à denúncia, sob pena de caducidade do direito a essa eliminação dos defeitos (art.º 1225.º, números 2 e 3, art.º 1221.º, nº 1, e art.º 1224.º, nº 1, do Código Civil).

26. Assim, o Autor, também em nome da sua representada, deveria ter requerido à dona da obra, no caso de considerar a existência de defeitos nessa obra, a fim de requerer a eliminação dos defeitos que eventualmente tenha identificados pelo incorreto exercício da atividade da Ré (aqui recorrente), e não intentar a presente ação contra a sociedade empreiteira, aqui Ré/recorrente.

27. Daí a invocada litigância temerária e o pedido de condenação nos honorários da mandatária da Ré, porque o Autor bem sabia que, no caso concreto, as alegadas violações não advinham da falta de cuidado da Ré, mas da empresa dona da obra, conhecedora ou com obrigação de conhecer os termos do contrato de comodato que celebrou com todos os herdeiros.

28. Até porque, a disputa entre herdeiros (ou parte deles) não é uma exibição segura de que a atividade da Ré era violadora de direitos alheios e que, por isso, se deveria indemnizar a herança (onde a própria sociedade dona da obra também faz parte do acervo hereditário).

29. O artigo 1348º, n.º 2, do Código Civil consagra um regime especial face ao que contem no seu artigo 483º, na medida em que estabelece responsabilidade extracontratual, nomeadamente por factos lícitos, independentemente de culpa do seu autor.

12. Ora, a Ré arguiu as nulidades vertidas nas suas conclusões, tendo o acórdão aqui sob reclamação singelamente plasmado que “Em 14 de Setembro de 2023, o Tribunal da Relação pronunciou-se no sentido da improcedência da arguição de nulidades do acórdão recorrido” – Cfr. ponto 18. do douto acórdão.

13. No entanto o Tribunal da Relação somente decidiu:

«Retificação de custas (pedida pela Ré).

A proporção de custas em causa teve por base que a mesma Ré/recorrente (que pugnou pela sua total absolvição) foi condenada em seis itens, o recorrido Autor vê decair a sua pretensão em dois itens e há um outro item que foi provisoriamente decidido (liquidação posterior à sentença).

Assim, pensamos que inexiste lapso da nossa parte, não se deferindo a correção das custas.


*


Nulidade por conhecimento de questões que não podia apreciar – recorrente Autor alega que se apreciou matéria factual com uma abrangência que não era permitida (alegação constante de páginas 10 e 11 do recurso).

Independentemente da forte discordância do mesmo recorrente, não significa que não se pudesse analisar a matéria em causa que foi suscitada pela parte contrária no seu recurso de apelação.

Inexiste assim a nulidade de se conhecer questão que não suscitada – artigo 615.º, n.º 1, d), do C. P. C. -.


*


Apelações em processo comum e especial (2013)

Nulidade por condenar em objeto diverso do pedido – reportando-se às mesmas questões de facto, o recorrente alega que o tribunal pode ter condenado em objeto diverso do pedido. Ora, se se atentar na decisão e até no recurso em causa, verifica-se que não extravasamos, na condenação, o pedido pelo Autor na ação nem o alegado e pedido no recurso da Ré.

Inexiste assim a apontada nulidade – artigo 615.º, n.º 1, e), do C. P. C. -.


*


A páginas 15 das mesmas alegações o recorrente suscita de novo que há excesso de pronúncia ao pronunciarmo-nos sobre matéria de facto, o que, apesar da sua discordância com a solução, não faz com que esteja em causa uma questão que não pudéssemos apreciar. Inexiste assim a apontada nulidade - artigo 615.º, n.º 1, d), do C. P. C. -.

No entanto, como sempre, o Supremo Tribunal de Justiça melhor apreciará estas questões.

Porto, 2023/09/14.»

14. Ou seja, nada fundamentando, emitindo meros juízos conclusivos, remeteu a apreciação das nulidades para o Supremo Tribunal de Justiça.

15. A falta de fundamentação a que se refere a al. b) do n.º 1 do artigo 615.º ocorre quando não há nenhuma fundamentação (de direito ou de facto) da parte dispositiva, o que in casu ocorre.

16. Portanto, a falta de fundamentação não tem de ser total, pelo que se subscreve na integra a conclusão do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 18-1-2018/Proc. 75/16.0T8VRL.G1, na esteira do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 17-4-2012/Proc. 1483/09.9TBTMR.C1, de que “ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial”, assim, “não cumprindo o dever constitucional/legal de justificação” (acórdão do STJ 2-3-2011/Proc. 161/05.2TBPRD.P1.S1.)

Ademais,

17. Não existe pronuncia especificadamente sobre as CONCLUSÕES da aqui Reclamante, nomeadamente 1. 2. 3. 4. 5. 7. 10. 11. e, sobretudo, 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 28.

Ou seja,

— Face à condenação em primeira instância (pagar ao Autor a quantia de € 80 000,00), o Autor/recorrido teve um decaimento mínimo de 62,5% e a Ré/recorrente uma sucumbência máxima de 37,5%, de acordo com a decisão vertida no Acórdão aqui sob recurso;

— Assim sendo, a Ré, aqui ora Recorrente, requereu a sua retificação, no sentido de “condenar em custas, na proporção definitiva de 6/10 para o recorrido e 2/10 para a recorrente e provisoriamente 1/10 para cada uma das partes quanto à condenação no pedido de pagamento com necessária liquidação, a fixar definitivamente no incidente de liquidação, consoante o vencimento das partes”, nos termos dos artigos 613.º e 614.º do C.P.C ex vi art.º 666.º do C.P.C.

— A convicção do tribunal de primeira instância assentou nos factos 30 a 32 que deu como provados, vindo o Tribunal de segunda instância a alterar, decidindo como não provados.

— O mesmo tribunal de primeira instância estribou a sua decisão na verificação de estarem “… preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, (…)” condenou a Ré “pelos danos causados à herança autora, aqui representada pelo seu cabeça-de-casal”, no montante peticionado - € 80 000,00(oitenta mil Euros).

— Todos os herdeiros (incluindo o Autor) assinaram o contrato de comodato (identificado no facto 28 dado como provado) com a sociedade M..., unipessoal, Lda., cuja sociedade aliás também fez parte do acervo hereditário e, no momento dos factos, era gerida pelo também herdeiro Dr. DD.

— Ou seja, os factos 30 a 32 (inclusive) dados como provados deixaram de o ser.

— Assim sendo, a matéria de facto foi fixada definitivamente pelo Tribunal da Relação do Porto, por força do disposto no art.º 674.º do C.P.C.

— Por conseguinte, a sentença ao ter dado como provado que “Entre a R. e a sociedade unipessoal M..., unipessoal, Lda., através do seu gerente, DD, foi celebrado um contrato verbal de empreitada pelo qual a aqui ora Ré se obrigou a realizar um serviço de terraplanagem, com recurso meios mecânicos, para plantação de vinha e ripagem em cruz” (facto 8) e que “A sociedade por quotas dona da obra fez a fiscalização da mesma e, tendo, no final, mostrado concordância com a obra executada, foi, remetida a respectiva factura para pagamento do preço” (facto 9), olvidando que a Ré comprovadamente cumpriu, ponto por ponto, o contrato celebrado com o gerente da sociedade M..., unipessoal, Lda., também herdeiro da mesma herança, está em contradição em ter dado como provado que a Ré praticou “… um ato ilícito por ter sido colocada num terreno aquela terra sem autorização”.

— Mister é dizer que “não se verificaram os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito”, outrossim a Ré praticou todos os atos necessários ao bom cumprimento do contrato (facto lícito).

— Nos artigos 762.º e seguintes do Código Civil, vem regulado o “Cumprimento e não cumprimento das obrigações”, sendo que o princípio da pontualidade no cumprimento das obrigações que tenham por fonte contratos se encontra materializado quer no nº 1, do art.º 763.º, quer no nº 1, do art.º 406.º

— O cumprimento de acordo com o nº1, do art.º 762º, consiste na realização da prestação obrigacional.

— É a realização voluntária da prestação pelo obrigado, que ela se vinculou, impondo o nº 2 que a conduta de ambas as partes na relação obrigacional seja pautada pelas regras da boa-fé.

— E atuar de boa-fé no cumprimento da obrigação é agir com o maior empenho, lealdade e correção na realização da prestação a que os obrigados se encontram adstritos.

— Comprovadamente a obra correspondeu inteiramente ao projeto da sociedade dona da obra.

— Em boa verdade, «Uma disputa entre herdeiros (ou parte deles) não é uma exibição segura de que a atividade da Ré era violadora de direitos alheios e que, por isso, se deveria parar. Se se viesse a concluir que havia tal violação, no caso concreto, a mesma não advinha da falta de cuidado da Ré mas da atuação da empresa dona da obra, conhecedora ou com obrigação de conhecer os termos do contrato de comodato que celebrou.» - Cfr. pág. 58 do douto Acórdão. O sublinhado é nosso.

—Destarte, sob este superior prisma de análise, com respeito por opinião contrária, a sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância padece de contradição insanável entre os fundamentos e a decisão, prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil.

— “Por isso, a Ré não pode ser responsabilizada por qualquer dano que tenha ocorrido derivada da violação de terreno alheio” – Cfr pág. 59, terceiro parágrafo, do douto Acórdão.

— Daí, por violação de direito substantivo, A Ré, aqui ora recorrente, discorda quanto à decisão de violação, por si, das regras da arte e, sobretudo, em manter a sua condenação na “… deposição abusiva de terra …”, a que alude o pedido formulado pelo Autor/recorrido na sua alínea b).

— Em boa verdade, tendo a Ré cumprido todas as orientações dadas pela dona da obra, esta a ter aceitado e efetuado o pagamento sem qualquer reparo, então deverá aplicar-se o regime do Código Civil estabelecido para o contrato de empreitada, face ao que dispõe o n.º 2, do deu art.º 221.º.

— Afastada a responsabilidade civil extracontratual pela prática de atos ilícitos e sendo a sociedade dona da obra a beneficiária da empreitada, logo é quem deve arcar com as alegadas consequências danosas que essa atividade tenha originado a terceiros, nos termos do n.º 2, do artigo 1348.º, do Código Civil.

— Por outro lado, tendo o Tribunal de segunda instância concluído, face à prova produzida, em termos de definitividade, que não se provou ter sido a atuação da Ré (aqui recorrente) dolosa, sequer negligente em “ter prosseguido com os trabalhos no terreno em causa”, decidindo que, por isso, “a Ré não pode ser responsabilizada por qualquer dano que tenha ocorrido derivada da violação de terreno alheio” – cfr. pág. 57 a 59 do douto ora sob recurso e o ponto 1). do seu sumário – terá de soçobrar o entendimento vertido no douto Acórdão, quanto ao não cumprimento das regras da arte cair na responsabilidade por factos ilícitos (in casu art.º 483.º do CC).

— Sendo uma atividade licita, conforme decidiu o Venerando Tribunal da Relação, em face da aplicação do regime do Código Civil, a dona da obra é que deveria denunciar os eventuais defeitos dessa obra, ao empreiteiro, no prazo de um ano a contar da sua descoberta, devendo requerer a eliminação dos identificados defeitos no ano seguinte à denúncia, sob pena de caducidade do direito a essa eliminação dos defeitos (art.º 1225.º, números 2 e 3, art.º 1221.º, nº 1, e art.º 1224.º, nº 1, do Código Civil).

— Assim, o Autor, também em nome da sua representada, deveria ter requerido à dona da obra, no caso de considerar a existência de defeitos nessa obra, a fim de requerer a eliminação dos defeitos que eventualmente tenha identificados pelo incorreto exercício da atividade da Ré (aqui recorrente), e não intentar a presente ação contra a sociedade empreiteira, aqui Ré/recorrente.

— Até porque, a disputa entre herdeiros (ou parte deles) não é uma exibição segura de que a atividade da Ré era violadora de direitos alheios e que, por isso, se deveria indemnizar a herança (onde a própria sociedade dona da obra também faz parte do acervo hereditário).

Por seu turno,

18. O Autor, no seu recurso, apresentou 121 conclusões deficientes, obscuras, complexas e prolixas (mera reprodução dos argumentos apresentados no corpo alegatório, sem qualquer preocupação de síntese), que, nos termos do artigo 639º nº 3 do CPC, “…o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada”

19. Porém, pese embora a aqui ora Reclamante o tenha expressamente impetrado, por não revestirem os requisitos legalmente prescritos, e, como tal, não valerem como conclusões, o Autor/Recorrente não foi convidado a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las.

20. Não obstante tais conclusões confusas e prolixas terem objetivamente influenciado a resposta apresentada pela aqui Reclamante ao recurso do Autor, como inelutavelmente se infere das contra-alegações tempestivamente apresentadas, o certo é que foram aceites.

Destarte,

21. A fim de obter força vinculativa no âmbito do presente processo, bem como para impedir a consumação de contradições e polémicas jurisprudenciais que precedem o acórdão aqui em crise, a Ré irá in illo tempore apresentar requerimento de solução uniformizadora “… emanada do Supremo, sem embargo de situações-limite em que outra solução seja justificada pelas circunstâncias, só uma incompreensível teimosia poderá justificar, na generalidade dos casos, o não acolhimento pelas instâncias da jurisprudência fixada.” (in texto da intervenção programada no Colóquio realizado no Supremo Tribunal de Justiça, no dia 25-6-15, pelo Colendo Juiz Conselheiro António Santos Abrantes Geraldes).

Isto porque

22. A sentença deu como provado que “Entre a R. e a sociedade unipessoal M..., unipessoal, Lda., através do seu gerente, DD, foi celebrado um contrato verbal de empreitada pelo qual a aqui ora Ré se obrigou a realizar um serviço de terraplanagem, com recurso meios mecânicos, para plantação de vinha e ripagem em cruz” (facto 8) e que “A sociedade por quotas dona da obra fez a fiscalização da mesma e, tendo, no final, mostrado concordância com a obra executada, foi, remetida a respectiva factura para pagamento do preço” (facto 9), em contradição, deu como provado que a Ré, aqui ora recorrente, praticou “… um ato ilícito por ter sido colocada num terreno aquela terra sem autorização”, olvidando que comprovadamente cumpriu, ponto por ponto, o contrato celebrado com o gerente da sociedade M..., unipessoal, Lda., também herdeiro da mesma herança.

23. Ou seja, por ordem do gerente da sociedade unipessoal M..., unipessoal, Lda., e no interesse desta sociedade, o contrato foi executado no “… prédio melhor descrito no art. 6º da petição inicial” – Conf. alínea a) do “1. Objecto do litígio”: Saneamento de 22.10.2020 dos presentes autos.

24. Mister é dizer que “não se verificou os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito”, outrossim a Ré praticou todos os atos necessários ao bom cumprimento do contrato.

25. No Capítulo VII, artigos 762º e seguintes do Código Civil, vem regulado o “Cumprimento e não cumprimento das obrigações”, sendo que o princípio da pontualidade no cumprimento das obrigações que tenham por fonte contratos se encontra materializado quer no nº1, do art.º 763º, quer no nº1, do art.º 406º.

26. O cumprimento de acordo com o nº1, do art.º 762º, consiste na realização da prestação obrigacional.

27. É a realização voluntária da prestação pelo obrigado, que ela se vinculou, impondo o nº 2 que a conduta de ambas as partes na relação obrigacional seja pautada pelas regras da boa-fé.

28. E atuar de boa-fé no cumprimento da obrigação é agir com o maior empenho, lealdade e correção na realização da prestação a que os obrigados se encontram adstritos.

29. Sendo ainda certo que foi produzida prova de que, em momento anterior a 10/01/2020, o terreno onde a Ré levou a cabo as obras, no contexto do contrato que havia celebrado com a sociedade M..., unipessoal, Lda., se encontrava comodatado a esta (por contrato outorgado por todos os herdeiros) e tendo sido dado como provado que “A sociedade por quotas dona da obra fez a fiscalização da mesma e, tendo, no final, mostrado concordância com a obra executada,…“ efetuou o pagamento do preço.

30. Melhor dito, a obra correspondeu inteiramente ao projeto da sociedade dona da obra, conquanto «… a Ré, como empreiteira, salvo algum sinal que demonstrasse que fosse patente que poderia estar em causa a violação do direito de propriedade da herança, não tinha elementos para cessar a sua atividade.

Na verdade, se inquirisse junto do dono da obra, este diria o que referiu em julgamento: podia explorar a parcela de terreno e assim ali efetuar um aterro.

Se a Ré averiguasse junto da entidade oficial (IFAP) a resposta que obtinha é que tal parcela estava comodatada à dona da obra, como já analisamos.

Não há qualquer marco, poste ou meio de divisão ou até prova de que tenha sido exibido algum documento à Ré, nem há informação que pudesse obter junto da entidade oficial que lhe impusesse que suspendesse a obra (que não foi embargada, judicial ou extrajudicialmente). No máximo, obteria a divergência de opiniões entre o dono da obra e o Autor, insustentada esta, à data, em documentos oficiais (o dito parcelário do IFAP de 2019) e a instrução do dono da obra para realizar a obra.

Uma disputa entre herdeiros (ou parte deles) não é uma exibição segura de que a atividade da Ré era violadora de direitos alheios e que, por isso, se deveria parar. Se se viesse a concluir que havia tal violação, no caso concreto, a mesma não advinha da falta de cuidado da Ré mas da atuação da empresa dona da obra, conhecedora ou com obrigação de conhecer os termos do contrato de comodato que celebrou.» - Cfr. pág. 58 do douto Acórdão do Tribunal da Relação.

31. Por conseguinte, o Venerando Tribunal da Relação do Porto, com a alteração da matéria de facto provada e não provada, após profusa e brilhante análise, decidiu muito bem que “Por isso, a Ré não pode ser responsabilizada por qualquer dano que tenha ocorrido derivada da violação de terreno alheio” – Cfr pág. 59, terceiro parágrafo, do douto Acórdão da Relação.

32. Por outro lado, tendo o Tribunal de segunda instância concluído, face à prova produzida, em termos de definitividade, que não se provou ter sido a atuação da Ré (aqui recorrente) dolosa, sequer negligente em “ter prosseguido com os trabalhos no terreno em causa”, decidindo que, por isso, “a Ré não pode ser responsabilizada por qualquer dano que tenha ocorrido derivada da violação de terreno alheio”.

PORQUANTO,

33. Sendo uma atividade licita, conforme decidiu o Venerando Tribunal da Relação, em face da aplicação do regime do Código Civil, a dona da obra é que deveria denunciar os defeitos (eventuais) dessa obra, ao empreiteiro, no prazo de um ano a contar da sua descoberta, devendo requerer a eliminação dos identificados defeitos no ano seguinte à denúncia, sob pena de caducidade do direito a essa eliminação dos defeitos (art.º 1225º, números 2 e 3, art.º 1221º, nº 1, e art.º 1224º, nº 1, do Código Civil).

34. Assim, o Autor, também em nome da sua representada, deveria ter requerido à dona da obra, no caso de considerar a existência de defeitos nessa obra, a fim de requerer a eliminação dos defeitos que eventualmente tenha identificado pelo incorreto exercício da atividade da Ré, e não intentar a presente ação contra a sociedade empreiteira Ré.

35. Sempre, a Ré terá o direito de regresso contra a dona da obra, como aliás refere o douto acórdão “o herdeiro mandante da obra, que será solidário na responsabilidade com a Ré, conforme artigo 497.º, n.º 1, do C. C.”.

36. Em boa verdade, como suprarreferido, tendo a aqui Reclamante cumprido todas as orientações dadas pela dona da obra e esta a ter aceitado, efetuando o pagamento sem qualquer reparo, então deverá aplicar-se o regime do Código Civil estabelecido para o contrato de empreitada, face ao que dispõe o seu art.º 221º, nº 2.

37. Ainda em obediência à verdade, “na perspetiva do gerente da sociedade dona da obra, o contrato comodato legitimava a sociedade por ele gerida a fazer tudo naquele terreno que comportasse para o mesmo um benefício.” – Esta foi a resposta dada em sede de audiência.

38. Com efeito, concluiu que “Embora os poços já fossem perfeitamente inúteis. Mas para obviar que realmente, futuramente, se pudesse argumentar alguma coisa nesse sentido, isso foi logo feito de base”, depois de exaustivamente ter explicado que «Por isso, conheço bem, conhecia aquilo desde a nascente até ao sítio onde saía água. É assim: aquilo tem vários poços denominados localmente por suspiros, que eram utilizados para fazer a extração das terras à medida que se ia escavando. Os mineiros iam escavando as galerias. São várias, não posso dizer ao certo, mas são muitas. Na parte que concerne à vinha, onde está implantada atualmente a vinha, haverá talvez uns quatro ou cinco desses poços. Depois na parte que diz respeito à tal língua que está aqui em questão, os tais onze mil metros quadrados, existem, salvo erro, mais dois, dois poços que estão muito próximos da zona de nascente da água, não é? Esses poços infelizmente já há muitos anos que estavam parcialmente soterrados pelo arrastamento de águas pluviais, porque fizeram-se as obras da estrada – antigamente não existia aquela estrada, existia um caminho de servidão para as matas – e pronto, e ao fazerem as obras da estrada, houve movimentações de terrenos, como é óbvio, e as próprias águas pluviais foram arrastando muitas terras e, como acabei de dizer há bocado, aquilo é uma zona de declive. Entretanto, grande parte dos enxurros foram atolando esses poços. Estou a falar dos poços cá de cima. A sorte foi que já há muitos anos atrás, foram metidas tubagens que faziam a captação da água diretamente na nascente. Porque, se assim não fosse, a nascente da água ficava irremediavelmente perdida, mas já estou a falar de há muito tempo atrás. Aliás, quando foi feita a reformulação da vinha que está lá implantada, a Sociedade contratou um mineiro, que andou lá muito tempo a tentar fazer a desobstrução, naquilo que era possível fazer, da das galerias. E chegou a uma determinada altura que disse: “Não vale a pena daqui para cima porque isto está completamente tudo atulhado de terra, por isso, daqui para cima nem mexer. Há a tubagem que traz a água e é a vossa sorte porque senão tínhamos que fazer outra vez tudo de novo”. E realmente fez-se uma limpeza da galeria, já em terreno onde estava implantada a vinha. Concluindo e resumindo, quero eu dizer que, ao fazer o aterro, teve-se mesmo assim a cautela, a precaução de se porem argolas nos poços existentes, para evitar que realmente essas terras que iriam ficar a um nível superior às entradas dos poços, não fossem atingidas. E foi isso que se fez. Puseram-se várias argolas, várias camadas de argolas e depois pôs-se pedra em cima no sentido de que isso fosse obviado. Portanto, está lá, está fácil de ver. Por isso, não teve… a obra em si não teve qualquer influência na saída das águas»

Conclusões:

I. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

II. O Autor, no seu recurso, apresentou 121 conclusões deficientes, obscuras, complexas e prolixas (mera reprodução dos argumentos apresentados no corpo alegatório, sem qualquer preocupação de síntese), que objetivamente influenciou a resposta apresentada pela aqui Reclamante ao recurso do Autor.

III. Nos termos do artigo 639º nº 3 do CPC, o Autor deveria ter sido convidado “… a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada”, como expressamente impetrado pelo aqui Reclamante, por não revestirem os requisitos legalmente prescritos, não valerem como conclusões.

IV. Por seu turno, a Ré, no seu recurso, apresentou 29 conclusões, cuja maioria não logrou obter qualquer pronuncia.

V. A decisão contida no douto acórdão não satisfaz a Ré, quer na qualidade de Recorrente quer na qualidade de Recorrida, por no seu entender padecer de nulidade por (i) omissão de pronuncia e (ii) por falta de fundamentação.

VI. A Ré arguiu as nulidades vertidas nas suas conclusões, tendo o acórdão aqui sob reclamação singelamente plasmado que “Em 14 de Setembro de 2023, o Tribunal da Relação pronunciou-se no sentido da improcedência da arguição de nulidades do acórdão recorrido” – Cfr. ponto 18. Do douto acórdão.

VII. Porém, o Tribunal da Relação nada fundamentou, limitando-se emitindo meros juízos conclusivos, remetendo a apreciação das nulidades para o Supremo Tribunal de Justiça.

VIII. A falta de fundamentação a que se refere a al. b) do n.º 1 do artigo 615.º ocorre quando não há nenhuma fundamentação (de direito ou de facto) da parte dispositiva, como in casu ocorre, não tendo de ser total.

IX A nulidade por falta de fundamentação ocorreu porque o tribunal “não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, constituindo uma violação do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

X. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (como aliás é expressamente afirmado no acórdão ora posto em crise), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

XI. Não existe pronuncia especificadamente sobre as CONCLUSÕES da aqui Reclamante, nomeadamente 1. 2. 3. 4. 5. 7. 10. 11. e, sobretudo, 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 28.

XII. A omissão de pronúncia está prevista na primeira parte da al. d), n.º 1, do art.º 615.º do CPC, e decorre da violação das normas que impõem ao tribunal o dever de tomar posição sobre certa questão, o que ocorre tanto para as questões de conhecimento oficioso como para as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, numa clara manifestação do princípio dispositivo quanto ao thema decidendum: a decisão deve ter por objeto o mesmo objeto que as partes deduziram.

XIII. Em momento anterior a 10/01/2020, o terreno onde a Ré levou a cabo as obras, no contexto do contrato que havia celebrado com a sociedade M..., unipessoal, Lda., se encontrava comodatado a esta (por contrato outorgado por todos os herdeiros) e tendo sido dado como provado que “A sociedade por quotas dona da obra fez a fiscalização da mesma e, tendo, no final, mostrado concordância com a obra executada, …” efetuou o pagamento do preço.

XIV. Assim, a Ré realizou a prestação obrigacional decorrente do contrato, regulado nos artigos 762º e seguintes do Código Civil, “não se verificando os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito”, outrossim a Ré praticou todos os atos necessários ao bom cumprimento do contrato, atento ao princípio da pontualidade no cumprimento das obrigações que tenham por fonte contratos, que se encontra materializado quer no nº1, do art.º 763º, quer no nº1, do art.º 406º.

NESTES TERMOS E NOS MAIS QUE DOUTAMENTE SERÃO SUPRIDOS, DEVEM AS ARGUIDAS NULIDADES SEREM RECONHECIDAS E, EM CONSEQUÊNCIA, SER O DOUTO ACÓRDÃO REFORMADO, COMO É DE DIREITO E JUSTIÇA.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

24. O artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça por remissão dos artigos 666.º e 585.º, é do seguinte teor:

É nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

25. A Ré, agora Reclamante, começa por sugerir que o facto de as conclusões do recurso de revista interposto pelo Autor serem complexas deveria ter determinado um convite ao aperfeiçoamento e. caso o Autor não correspondesse ao convite, deveria ter determinado a rejeição do recurso.

26. Ora o Supremo Tribunal de Justiça não encontrou razões suficientes para convidar o Autor ao aperfeiçoamento das duas conclusões — e a Ré, agora Reclamante, ainda que alegue que a complexidade das conclusões do Autor afectou a sua contra-alegação, não concretiza minimamente a sua resposta (não especifica uma única situação em que a complexidade das conclusões do Autor influenciasse a sua resposta).

27. Esclarecido que a sugestão da Ré, agora Reclamante, não se encontra minimamente concretizada, deve apreciar-se as duas nulidades especificamente arguidas.

28. Em primeiro lugar, a Ré, agora Reclamante, alega que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2023 não se teria pronunciado sobre as nulidades do acórdão do Tribunal da Relação ou que, a ter-se pronunciado sobre as nulidades, não teria fundamentado a sua decisão.

29. A nulidade por omissão de pronúncia dá-se quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar [cf. artigo 615.º, n.º 1, alínea d), primeira parte, do Código Civil].

30. O acórdão reclamado só tinha o dever de se pronunciar sobre questões suscitadas nas conclusões do recurso de revista (cf. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. artigo 608.º, n.º 2, por remissão do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

31. A Ré, agora Reclamante, não arguiu qualquer nulidade do acórdão do Tribunal da Relação nas conclusões do seu recurso de revista 1 — a alegação agora deduzida é a de que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2023 é nulo por não se ter pronunciado sobre as nulidades arguidas pelo Autor, agora Reclamado.

32. Em todo o caso, ainda que a Ré, agora Reclamante, pudesse arguir a nulidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2023 é nulo por não se ter pronunciado sobre as nulidades arguidas pelo Autor, agora Reclamado, sempre se dirá que a questão foi apreciada no acórdão recorrido, nos seguintes termos:

29. Em primeiro lugar, o Autor alega que o Tribunal da Relação conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento.

30. Ora a alegação de que o Tribunal da Relação conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento confunde-se com a alegação de que o Tribunal da Relação não podia tomar conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

31. Em consequência, confunde-se com a segunda questão e deve ser apreciada quando a segunda questão for apreciada.

32. Em segundo lugar, o Autor alega que há uma contradição entre os fundamentos e a decisão.

33. O Tribunal da Relação admitiu que estavam preenchidos os requisitos da responsabilidade extracontratual e, não obstante, revogou parcialmente a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, no segmento relativo à indemnização.

34. Ora, a contradição entre entre os fundamentos e a decisão corresponde a um vício lógico do acórdão — se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença 2.

35. O Tribunal da Relação distinguiu a responsabilidade pela violação do direito de propriedade da herança aberta por óbito de BB e a responsabilidade pela violação de deveres de cuidado ou de diligência na execução dos trabalhos no terreno objecto do direito de propriedade herança aberta por óbito de BB; considerou que não estavam preenchidos os requisitos da responsabilidade pela violação do direito de propriedade da herança aberta por óbito de BB, considerou que estavam preenchidos os requisitos da responsabilidade pela violação de deveres de cuidado ou de diligência na execução dos trabalhos no terreno objecto do direito de propriedade herança aberta por óbito de BB; concluiu que, em concreto, a extensão da responsabilidade seria diferente — os danos decorrentes da violação do direito de propriedade seriam diferentes dos danos decorrentes dos danos decorrentes da violação de deveres de cuidado ou de diligencia na execução dos trabalhos no terreno objecto do direito de propriedade.

36. Entre a decisão e os fundamentos, não há contradição alguma.

37. Em terceiro lugar, o Autor alega que “[a]s incongruências do raciocínio e da fundamentação do Acórdão de que ora se recorre, acima descritas, constituem, pois, nulidades daquela decisão, nos termos do disposto na alínea c) do nº1 do artigo 615º do CPC, uma vez que fazem com que os fundamentos estejam em oposição com a decisão e geram ambiguidades e obscuridades que tornam a decisão ininteligível, na medida em que contrariam o que se encontra assente em provas documentais constantes no processo” [conclusão 45.ª do recurso de revista].

38. Ora a ambiguidade ou a obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil só releva quando torne a parte decisória ininteligível 3.

39. A parte decisória do acórdão recorrido é a seguinte:

Pelo exposto, julgando-se parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré, decide-se:

1). Condenar a Ré a pagar ao Autor e sua representada o valor, a apurar em incidente de liquidação, com o limite máximo de 30 000 EUR, correspondente às obras que sejam necessárias para:

- evitar que terras caiam do talude acima descrito, devendo o mesmo ser contido para evitar tal queda;

- tapar devidamente os poços que o não estejam;

- retirar a terra que tenha invadido os poços e que, por aí, tenha entrado e obstruído as galerias subterrâneas.

2) Manter a condenação da Ré no pedido em a), b) e c).

3) Absolver a Ré do pedido em d).

Custas do recurso a cargo de recorrente e recorridos, na proporção definitiva de 6/10 para a recorrente e 2/10 para os recorridos e provisoriamente 1/10 para cada uma das partes quanto à condenação no pedido de pagamento com necessária liquidação, a fixar definitivamente no incidente de liquidação, consoante o vencimento das partes.

40. Entre as coisas consensuais na doutrina e na jurisprudência está a de que ambiguidade ou a obscuridade só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos artigos 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar” 4.

41. Ora, não há nenhum indício de que o Autor não tenha conseguido retirar da decisão um sentido unívoco — e, ainda que houvesse algum indício de que o Autor não o tivesse conseguido retirar, não existiria indício algum de que um declaratário normal, colocado na posição do Autor, não conseguisse retirá-lo.

33. Entrando agora na alegada nulidade por falta de fundamentação:

34. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que a falta de fundamentação só releva desde que seja absoluta: “o respectivo vício, como é jurisprudência uniforme, apenas ocorre na falta absoluta de fundamentação” — “uma fundamentação insuficiente, errada ou medíocre não constitui causa da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC”. 5.

35. Ora, o acórdão reclamado contém uma fundamentação suficiente da decisão sobre as alegadas nulidades do acórdão recorrido nos seus parágrafos 29-41.

36. Em consequência, a arguição da nulidade do acórdão reclamando, seja por não ter apreciado e decidido, seja por não ter fundamentado a sua decisão sobre as nulidades do acórdão do Tribunal da Relação arguidas pelo Autor, agora Recorrente, é, em absoluto, destituída de fundamento.

37. O caso é tão grave que se situa no limite da dedução de uma pretensão cuja falta de fundamento a Ré, agora Reclamante, não pode ignorar.

38. Em segundo lugar, a Ré, agora Reclamante, alega que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2023 é nulo por não se ter pronunciado sobre as conclusões deduzidas pela Ré, agora Reclamante, sob os n.ºs 1. 2. 3. 4. 5. 7. 10. 11. e, sobretudo, 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 28.

39. As conclusões deduzidas pela Ré, agora Reclamante, sob os n.ºs 1. 2. 3. 4. 5. 7. 10. 11. e, sobretudo, 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 28 são — como a Ré, agora Reclamante, faz questão de repetir — as seguintes:

— Face à condenação em primeira instância (pagar ao Autor a quantia de € 80 000,00), o Autor/recorrido teve um decaimento mínimo de 62,5% e a Ré/recorrente uma sucumbência máxima de 37,5%, de acordo com a decisão vertida no Acórdão aqui sob recurso;

— Assim sendo, a Ré, aqui ora Recorrente, requereu a sua retificação, no sentido de “condenar em custas, na proporção definitiva de 6/10 para o recorrido e 2/10 para a recorrente e provisoriamente 1/10 para cada uma das partes quanto à condenação no pedido de pagamento com necessária liquidação, a fixar definitivamente no incidente de liquidação, consoante o vencimento das partes”, nos termos dos artigos 613.º e 614.º do C.P.C ex vi art.º 666.º do C.P.C.

— A convicção do tribunal de primeira instância assentou nos factos 30 a 32 que deu como provados, vindo o Tribunal de segunda instância a alterar, decidindo como não provados.

— O mesmo tribunal de primeira instância estribou a sua decisão na verificação de estarem “… preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, (…)” condenou a Ré “pelos danos causados à herança autora, aqui representada pelo seu cabeça-de-casal”, no montante peticionado - € 80 000,00(oitenta mil Euros).

— Todos os herdeiros (incluindo o Autor) assinaram o contrato de comodato (identificado no facto 28 dado como provado) com a sociedade M..., unipessoal, Lda., cuja sociedade aliás também fez parte do acervo hereditário e, no momento dos factos, era gerida pelo também herdeiro Dr. DD.

— Ou seja, os factos 30 a 32 (inclusive) dados como provados deixaram de o ser.

— Assim sendo, a matéria de facto foi fixada definitivamente pelo Tribunal da Relação do Porto, por força do disposto no art.º 674.º do C.P.C.

— Por conseguinte, a sentença ao ter dado como provado que “Entre a R. e a sociedade unipessoal M..., unipessoal, Lda., através do seu gerente, DD, foi celebrado um contrato verbal de empreitada pelo qual a aqui ora Ré se obrigou a realizar um serviço de terraplanagem, com recurso meios mecânicos, para plantação de vinha e ripagem em cruz” (facto 8) e que “A sociedade por quotas dona da obra fez a fiscalização da mesma e, tendo, no final, mostrado concordância com a obra executada, foi, remetida a respectiva factura para pagamento do preço” (facto 9), olvidando que a Ré comprovadamente cumpriu, ponto por ponto, o contrato celebrado com o gerente da sociedade M..., unipessoal, Lda., também herdeiro da mesma herança, está em contradição em ter dado como provado que a Ré praticou “… um ato ilícito por ter sido colocada num terreno aquela terra sem autorização”.

— Mister é dizer que “não se verificaram os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito”, outrossim a Ré praticou todos os atos necessários ao bom cumprimento do contrato (facto lícito).

— Nos artigos 762.º e seguintes do Código Civil, vem regulado o “Cumprimento e não cumprimento das obrigações”, sendo que o princípio da pontualidade no cumprimento das obrigações que tenham por fonte contratos se encontra materializado quer no nº 1, do art.º 763.º, quer no nº 1, do art.º 406.º

— O cumprimento de acordo com o nº1, do art.º 762º, consiste na realização da prestação obrigacional.

— É a realização voluntária da prestação pelo obrigado, que ela se vinculou, impondo o nº 2 que a conduta de ambas as partes na relação obrigacional seja pautada pelas regras da boa-fé.

— E atuar de boa-fé no cumprimento da obrigação é agir com o maior empenho, lealdade e correção na realização da prestação a que os obrigados se encontram adstritos.

— Comprovadamente a obra correspondeu inteiramente ao projeto da sociedade dona da obra.

— Em boa verdade, «Uma disputa entre herdeiros (ou parte deles) não é uma exibição segura de que a atividade da Ré era violadora de direitos alheios e que, por isso, se deveria parar. Se se viesse a concluir que havia tal violação, no caso concreto, a mesma não advinha da falta de cuidado da Ré mas da atuação da empresa dona da obra, conhecedora ou com obrigação de conhecer os termos do contrato de comodato que celebrou.» - Cfr. pág. 58 do douto Acórdão. O sublinhado é nosso.

— Destarte, sob este superior prisma de análise, com respeito por opinião contrária, a sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância padece de contradição insanável entre os fundamentos e a decisão, prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil.

— “Por isso, a Ré não pode ser responsabilizada por qualquer dano que tenha ocorrido derivada da violação de terreno alheio” – Cfr pág. 59, terceiro parágrafo, do douto Acórdão.

— Daí, por violação de direito substantivo, A Ré, aqui ora recorrente, discorda quanto à decisão de violação, por si, das regras da arte e, sobretudo, em manter a sua condenação na “… deposição abusiva de terra …”, a que alude o pedido formulado pelo Autor/recorrido na sua alínea b).

— Em boa verdade, tendo a Ré cumprido todas as orientações dadas pela dona da obra, esta a ter aceitado e efetuado o pagamento sem qualquer reparo, então deverá aplicar-se o regime do Código Civil estabelecido para o contrato de empreitada, face ao que dispõe o n.º 2, do deu art.º 221.º.

— Afastada a responsabilidade civil extracontratual pela prática de atos ilícitos e sendo a sociedade dona da obra a beneficiária da empreitada, logo é quem deve arcar com as alegadas consequências danosas que essa atividade tenha originado a terceiros, nos termos do n.º 2, do artigo 1348.º, do Código Civil.

— Por outro lado, tendo o Tribunal de segunda instância concluído, face à prova produzida, em termos de definitividade, que não se provou ter sido a atuação da Ré (aqui recorrente) dolosa, sequer negligente em “ter prosseguido com os trabalhos no terreno em causa”, decidindo que, por isso, “a Ré não pode ser responsabilizada por qualquer dano que tenha ocorrido derivada da violação de terreno alheio” – cfr. pág. 57 a 59 do douto ora sob recurso e o ponto 1). do seu sumário – terá de soçobrar o entendimento vertido no douto Acórdão, quanto ao não cumprimento das regras da arte cair na responsabilidade por factos ilícitos (in casu art.º 483.º do CC).

— Sendo uma atividade licita, conforme decidiu o Venerando Tribunal da Relação, em face da aplicação do regime do Código Civil, a dona da obra é que deveria denunciar os eventuais defeitos dessa obra, ao empreiteiro, no prazo de um ano a contar da sua descoberta, devendo requerer a eliminação dos identificados defeitos no ano seguinte à denúncia, sob pena de caducidade do direito a essa eliminação dos defeitos (art.º 1225.º, números 2 e 3, art.º 1221.º, nº 1, e art.º 1224.º, nº 1, do Código Civil).

— Assim, o Autor, também em nome da sua representada, deveria ter requerido à dona da obra, no caso de considerar a existência de defeitos nessa obra, a fim de requerer a eliminação dos defeitos que eventualmente tenha identificados pelo incorreto exercício da atividade da Ré (aqui recorrente), e não intentar a presente ação contra a sociedade empreiteira, aqui Ré/recorrente.

— Até porque, a disputa entre herdeiros (ou parte deles) não é uma exibição segura de que a atividade da Ré era violadora de direitos alheios e que, por isso, se deveria indemnizar a herança (onde a própria sociedade dona da obra também faz parte do acervo hereditário).

40. Ora, as conclusões da Ré, agora Reclamante, relacionavam-se com três questões.

I. — se a responsabilidade pelos danos causados à herança aberta por óbito de BB deve ser imputada às Construções Lousaestradas – Ribeiro, Lda., como empreiteiro: por ter violado os direitos da herança aberta por óbito de BB, por ter violado disposições legais de protecção dos direitos da herança aberta por óbito de BB e/ou por ter exercido actividades perigosas, preenchendo a previsão do artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil;

II. — se a responsabilidade pelos danos causados à herança aberta por óbito de BB deve ser imputada à M..., unipessoal, Lda.;

IIi. — se o Autor deve ser condenado como litigante de má fé.

41. As duas primeiras questões foram apreciadas e decididas no acórdão reclamado, nos seguintes termos:

64. O Autor alega que estão preenchidos os requisitos da primeira e da segunda cláusulas delituais do artigo 483.º do Código Civil:

I. — da primeira cláusula delitual do artigo 483.º, por haver violação de direitos absolutos da herança aberta por óbito de BB;

II. — da segunda cláusula delitual do artigo 483.º do Código Civil, por haver violação de disposições legais de protecção dos direitos ou dos interesses da herança aberta por óbito de BB.

65. O Tribunal da Relação considerou que a acção da Ré, concretizada na entrada no terreno da herança aberta por óbito de BB, não era suficiente para que se dessem como preenchidos os requisitos da primeira cláusula delitual do artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, por duas razões.

66. Em primeiro lugar, por não se ter provado que a Ré tivesse violado ilicitamente um direito absoluto da herança aberta por óbito de BB:

“… o presente tribunal […] não sabe se aquela parcela de terreno pertencendo à representada do Autor, podia ou não ser usada pela indicada dona de obra, ou seja, se o contrato de comodato sempre acima referido abrangia tal parcela”.

67. Em segundo lugar, ainda que se tivesse provado que a Ré tinha violado ilicitamente um direito absoluto, não se teria provado que o tivesse violado com dolo ou com negligência.

68. O Tribunal da Relação esclarece que não sabe

— “o que foi dito pela empresa mandante/dona da obra à Ré/empreiteira”;

— “que tipo de conhecimento tinha [a Ré/empreiteira] sobre a propriedade do terreno”,

— “que tipo de conhecimento tinha [a Ré/empreiteira] sobre […] os direitos que a dona da obra poderia ter sobre [o terreno]”;

— qual teria sido o resultado de uma averiguação diligente, por parte da Ré/empreiteira, sobre a propriedade do terreno e sobre os direitos que a dona da obra poderia ter sobre o terreno.

69. Entre as razões pelas quais não sabe qual teria sido o resultado de uma averiguação diligente, por parte da Ré/empreiteira, sobre a propriedade do terreno e sobre os direitos que a dona da obra poderia ter sobre o terreno, estão as seguintes:

[se] inquirisse junto do dono da obra, este diria o que referiu em julgamento:podia explorar a parcela de terreno e assim ali efetuar um aterro.

Se a Ré averiguasse junto da entidade oficial (IFAP) a resposta que obtinha é que tal parcela estava comodatada à dona da obra, como já analisamos.

Não há qualquer marco, poste ou meio de divisão ou até prova de que tenha sido exibido algum documento à Ré, nem há informação que pudesse obter junto da entidade oficial que lhe impusesse que suspendesse a obra (que não foi embargada, judicial ou extrajudicialmente). No máximo, obteria a divergência de opiniões entre o dono da obra e o Autor, insustentada esta, à data, em documentos oficiais (o dito parcelário do IFAP de 2019) e a instrução do dono da obra para realizar a obra”.

70. Em termos mais genéricos, o Tribunal da Relação explica que

[u]ma disputa entre herdeiros (ou parte deles) não é uma exibição segura de que a atividade da Ré era violadora de direitos alheios e que, por isso, se deveria parar. Se se viesse a concluir que havia tal violação, no caso concreto, a mesma não advinha da falta de cuidado da Ré mas da atuação da empresa dona da obra, conhecedora ou com obrigação de conhecer os termos do contrato de comodato que celebrou”.

71. O conjunto das circunstâncias dadas como provadas e como não provadas faz com que deva subscrever-se, sem reserva sensível, a conclusão do acórdão recorrido de que a acção da Ré concretizada na entrada no terreno da herança aberta por óbito de BB não é, só por si, suficiente para que se conclua que estão preenchidos os requisitos da primeira cláusula delitual do artigo 483.º do Código Civil.

72. Em todo o caso, ainda que a acção da Ré concretizada na entrada no terreno da herança aberta por óbito de BB não fosse, só por si, suficiente para que se concluísse que estavam preenchidos os requisitos da primeira cláusula delitual do artigo 483.º do Código Civil, o Tribunal da Relação considerou que a Ré omitiu o cuidado ou a diligência exigíveis na execução dos trabalhos no terreno da herança aberta por óbito de BB, designadamente por não ter construído um muro de contenção, por não ter estabelecido um sistema de drenagem minimamente eficiente para as águas pluviais e por ter descarregado as terras e / ou por realizado os trabalhos de terraplanagem de forma a colocar em causa a integridade de alguns poços:

A Ré, ao descarregar terras e efetuar uma terraplanagem, não pode terminar o serviço deixando um talude em risco de ruir, total ou parcialmente ou terraplanando as terras de modo a que as águas pluviais não são devidamente escoadas nem violar a integridade de poços, permitindo a entrada de terra ou ficando os poços com embocaduras a níveis inferiores ao que tinham antes (assim dificultando ou impossibilitando o seu acesso)”.

73. Em consequência, devia ser condenada a indemnizar a herança aberta por óbito de BB pelos danos decorrentes da omissão do cuidado ou da diligência exigíveis.

74. O raciocínio do Tribunal da Relação deve subscrever-se sem reserva sensível — independentemente de a acção da Ré ser ou não um facto ilícito, ou de o facto ilícito lhe ser imputável, a omissão do cuidado ou da diligência exigíveis lesou bens jurídicos protegidos pelo direito de propriedade da herança aberta por óbito de BB.

75. O facto de os danos decorrentes da omissão do cuidado ou da diligências exigíveis na execução das obras se relacionarem com a contenção das terras e com a violação da integridade dos poços faz com que a indemnização deva corresponder ao custo das medidas necessárias para “evitar que terras caiam do talude”, para “tapar devidamente os poços” e para “retirar a terra que tenha invadido os poços e que, por aí, tenha entrado e obstruído as galerias subterrâneas”.

76. Estando em causa uma responsabilidade por omissão do cuidado ou da diligência exigíveis á Ré, o artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil é em concreto irrelevante.

Os danos descritos decorrem da lesão de bens protegidos por direitos absolutos e, em especial, pelo direito de propriedade — ora, como a lesão dos bens jurídicos protegidos por direitos absolutos e, em particular, pelo direito de propriedade, é imputável à Ré, por negligência, a responsabilidade sempre resultaria do artigo 483.º do Código Civil.

77. A Ré alega que a responsabilidade pelos danos causados à herança aberta por óbito de BB deve ser imputada à M..., unipessoal, Lda.

78. Entre os argumentos deduzidos está o artigo 1348.º do Código Civil:

1. — O proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas ou poços e fazer escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra.

2. — Logo que venham a padecer danos com as obras feitas, os proprietários vizinhos serão indemnizados pelo autor delas, mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias.

79. Ora, os deveres de prevenção do perigo na execução dos trabalhos são deveres exclusivos da Ré, como empreiteiro, e a omissão do cuidado ou da diligência exigíveis é imputável à Ré.

80. O artigo 1348.º do Código Civil é, em concreto, irrelevante:

Em primeiro lugar, não é nada claro que o artigo 1348.º deva aplicar-se ao caso sub judice, em que não está em causa a abertura de poços ou a realização de escavações e, em segundo lugar, ainda que o artigo 1348.º devesse aplicar-se ao caso sub judice, não é nada claro que a responsabilidade do dono de obra excluísse a responsabilidade do empreiteiro.

81. O artigo 497.º do Código Civil sempre determinaria que a responsabilidade do dono de obra e do empreiteiro fosse uma responsabilidade solidária — e, como o artigo 497.º do Código Civil determinasse que a responsabilidade fosse solidária, sempre cada um dos devedores responderia pela indemnização integral.

42. A terceira questão — litigância de má fé — foi apreciada e decidida no acórdão reclamado, nos seguintes termos:

105. O argumento deduzido pela Ré é o de que o Autor conhecia ou, em todo o caso, devia conhecer que a responsabilidade pelos danos causados à herança aberta por óbito de BB devia ser imputada exclusivamente à M..., unipessoal, Lda.

106. Em resposta à quarta questão, disse-se por que é que o argumento não procedia — e, em consonãncia com a resposta à quarta questão, dir-se-á que não se encontra nenhuma razão para condenar o Autor como litigante de má fé.

43. Excluídas as três questões apreciadas e decididas pelo acórdão reclamado, nenhuma das conclusões da Ré, agora Recorrente, suscita questões que tribunal devesse apreciar-

44. O Supremo Tribunal de Justiça tem declarado, constantemente, que deve distinguir-se as autênticas questões e os meros argumentos ou motivos invocados pelas partes, para concluir que só a omissão de pronúncia sobre as autênticas questões dá lugar à nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil 6.

45. Ora a Ré, agora Reclamante, na conclusão 19, alega a nulidade da sentença do Tribunal de 1.º instância, conhecendo ou devendo conhecer que, em regra, a nulidade da sentença do Tribunal de 1.ª instância, que não deve ser apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça 7; nas conclusões 1-5 e 7-10, apresenta factos, que nem sequer são argumentos ou motivos; e nas conclusões 14-22, apresenta meros argumentos ou motivos, em concreto irrelevantes, por corresponderem à transcrição de disposições legais e por não parte em que não correspondem à transcrição de disposições legais, dizerem ou à relação entre a Autora e um terceiro [cf. conclusões 23 e 26] ou à relação entre a Ré e um terceiro [cf. conclusões 14-17].

46. Em termos em tudo semelhantes à omissão de pronúncia sobre as nulidades do acórdão do Tribunal da Relação arguidas pelo Autor, agora Recorrente, a arguição de nulidade do acórdão reclamado, por não se ter pronunciado sobre conclusões deduzidas pela pela Ré, agora Reclamante, sob os n.ºs 1. 2. 3. 4. 5. 7. 10. 11. e, “sobretudo”, 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 28 é, em absoluto, destituída de fundamento.

47. Em terceiro lugar, a Ré, agora Reclamante, alega ou, em todo o caso, dá a impressão de alegar que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2023 é nulo por não se ter pronunciado sobre o requerimento de rectificação / reforma quanto a custas.

48. A Ré, agora Recorrente, conhecerá seguramente a regra do artigo 527.º do Código de Processo Civil — e, tendo resultado do acórdão de 12 de Dezembro de 2023 uma diferente proporção em que as partes ficaram vencidas, nenhum sentido faria que se apreciasse um requerimento de reforma.

49. Finalmente, a ré, agora Reclamante, sugere que o acórdão reclamado deve ser reformado.

50. O artigo 616.º, n.º 2, do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

2. — Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

51. A Ré, agora Reclamante, alega que

22. A sentença deu como provado que “Entre a R. e a sociedade unipessoal M..., unipessoal, Lda., através do seu gerente, DD, foi celebrado um contrato verbal de empreitada pelo qual a aqui ora Ré se obrigou a realizar um serviço de terraplanagem, com recurso meios mecânicos, para plantação de vinha e ripagem em cruz” (facto 8) e que “A sociedade por quotas dona da obra fez a fiscalização da mesma e, tendo, no final, mostrado concordância com a obra executada, foi, remetida a respectiva factura para pagamento do preço” (facto 9), em contradição, deu como provado que a Ré, aqui ora recorrente, praticou “… um ato ilícito por ter sido colocada num terreno aquela terra sem autorização”, olvidando que comprovadamente cumpriu, ponto por ponto, o contrato celebrado com o gerente da sociedade M..., unipessoal, Lda., também herdeiro da mesma herança.

23. Ou seja, por ordem do gerente da sociedade unipessoal M..., unipessoal, Lda., e no interesse desta sociedade, o contrato foi executado no “… prédio melhor descrito no art. 6º da petição inicial” – Conf. alínea a) do “1. Objecto do litígio”: Saneamento de 22.10.2020 dos presentes autos.

24. Mister é dizer que “não se verificou os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito”, outrossim a Ré praticou todos os atos necessários ao bom cumprimento do contrato.

25. No Capítulo VII, artigos 762º e seguintes do Código Civil, vem regulado o “Cumprimento e não cumprimento das obrigações”, sendo que o princípio da pontualidade no cumprimento das obrigações que tenham por fonte contratos se encontra materializado quer no nº1, do art.º 763º, quer no nº1, do art.º 406º.

26. O cumprimento de acordo com o nº1, do art.º 762º, consiste na realização da prestação obrigacional.

27. É a realização voluntária da prestação pelo obrigado, que ela se vinculou, impondo o nº 2 que a conduta de ambas as partes na relação obrigacional seja pautada pelas regras da boa-fé.

28. E atuar de boa-fé no cumprimento da obrigação é agir com o maior empenho, lealdade e correção na realização da prestação a que os obrigados se encontram adstritos.

29. Sendo ainda certo que foi produzida prova de que, em momento anterior a 10/01/2020, o terreno onde a Ré levou a cabo as obras, no contexto do contrato que havia celebrado com a sociedade M..., unipessoal, Lda., se encontrava comodatado a esta (por contrato outorgado por todos os herdeiros) e tendo sido dado como provado que “A sociedade por quotas dona da obra fez a fiscalização da mesma e, tendo, no final, mostrado concordância com a obra executada,…“ efetuou o pagamento do preço.

30. Melhor dito, a obra correspondeu inteiramente ao projeto da sociedade dona da obra, conquanto «… a Ré, como empreiteira, salvo algum sinal que demonstrasse que fosse patente que poderia estar em causa a violação do direito de propriedade da herança, não tinha elementos para cessar a sua atividade.

Na verdade, se inquirisse junto do dono da obra, este diria o que referiu em julgamento: podia explorar a parcela de terreno e assim ali efetuar um aterro.

Se a Ré averiguasse junto da entidade oficial (IFAP) a resposta que obtinha é que tal parcela estava comodatada à dona da obra, como já analisamos.

Não há qualquer marco, poste ou meio de divisão ou até prova de que tenha sido exibido algum documento à Ré, nem há informação que pudesse obter junto da entidade oficial que lhe impusesse que suspendesse a obra (que não foi embargada, judicial ou extrajudicialmente). No máximo, obteria a divergência de opiniões entre o dono da obra e o Autor, insustentada esta, à data, em documentos oficiais (o dito parcelário do IFAP de 2019) e a instrução do dono da obra para realizar a obra.

Uma disputa entre herdeiros (ou parte deles) não é uma exibição segura de que a atividade da Ré era violadora de direitos alheios e que, por isso, se deveria parar. Se se viesse a concluir que havia tal violação, no caso concreto, a mesma não advinha da falta de cuidado da Ré mas da atuação da empresa dona da obra, conhecedora ou com obrigação de conhecer os termos do contrato de comodato que celebrou.» - Cfr. pág. 58 do douto Acórdão do Tribunal da Relação.

31. Por conseguinte, o Venerando Tribunal da Relação do Porto, com a alteração da matéria de facto provada e não provada, após profusa e brilhante análise, decidiu muito bem que “Por isso, a Ré não pode ser responsabilizada por qualquer dano que tenha ocorrido derivada da violação de terreno alheio” – Cfr pág. 59, terceiro parágrafo, do douto Acórdão da Relação.

32. Por outro lado, tendo o Tribunal de segunda instância concluído, face à prova produzida, em termos de definitividade, que não se provou ter sido a atuação da Ré (aqui recorrente) dolosa, sequer negligente em “ter prosseguido com os trabalhos no terreno em causa”, decidindo que, por isso, “a Ré não pode ser responsabilizada por qualquer dano que tenha ocorrido derivada da violação de terreno alheio”.

PORQUANTO,

33. Sendo uma atividade licita, conforme decidiu o Venerando Tribunal da Relação, em face da aplicação do regime do Código Civil, a dona da obra é que deveria denunciar os defeitos (eventuais) dessa obra, ao empreiteiro, no prazo de um ano a contar da sua descoberta, devendo requerer a eliminação dos identificados defeitos no ano seguinte à denúncia, sob pena de caducidade do direito a essa eliminação dos defeitos (art.º 1225º, números 2 e 3, art.º 1221º, nº 1, e art.º 1224º, nº 1, do Código Civil).

34. Assim, o Autor, também em nome da sua representada, deveria ter requerido à dona da obra, no caso de considerar a existência de defeitos nessa obra, a fim de requerer a eliminação dos defeitos que eventualmente tenha identificado pelo incorreto exercício da atividade da Ré, e não intentar a presente ação contra a sociedade empreiteira Ré.

35. Sempre, a Ré terá o direito de regresso contra a dona da obra, como aliás refere o douto acórdão “o herdeiro mandante da obra, que será solidário na responsabilidade com a Ré, conforme artigo 497.º, n.º 1, do C. C.”.

36. Em boa verdade, como suprarreferido, tendo a aqui Reclamante cumprido todas as orientações dadas pela dona da obra e esta a ter aceitado, efetuando o pagamento sem qualquer reparo, então deverá aplicar-se o regime do Código Civil estabelecido para o contrato de empreitada, face ao que dispõe o seu art.º 221º, nº 2.

37. Ainda em obediência à verdade, “na perspetiva do gerente da sociedade dona da obra, o contrato comodato legitimava a sociedade por ele gerida a fazer tudo naquele terreno que comportasse para o mesmo um benefício.” – Esta foi a resposta dada em sede de audiência.

38. Com efeito, concluiu que “Embora os poços já fossem perfeitamente inúteis. Mas para obviar que realmente, futuramente, se pudesse argumentar alguma coisa nesse sentido, isso foi logo feito de base”, depois de exaustivamente ter explicado que «Por isso, conheço bem, conhecia aquilo desde a nascente até ao sítio onde saía água. É assim: aquilo tem vários poços denominados localmente por suspiros, que eram utilizados para fazer a extração das terras à medida que se ia escavando. Os mineiros iam escavando as galerias. São várias, não posso dizer ao certo, mas são muitas. Na parte que concerne à vinha, onde está implantada atualmente a vinha, haverá talvez uns quatro ou cinco desses poços. Depois na parte que diz respeito à tal língua que está aqui em questão, os tais onze mil metros quadrados, existem, salvo erro, mais dois, dois poços que estão muito próximos da zona de nascente da água, não é? Esses poços infelizmente já há muitos anos que estavam parcialmente soterrados pelo arrastamento de águas pluviais, porque fizeram-se as obras da estrada – antigamente não existia aquela estrada, existia um caminho de servidão para as matas – e pronto, e ao fazerem as obras da estrada, houve movimentações de terrenos, como é óbvio, e as próprias águas pluviais foram arrastando muitas terras e, como acabei de dizer há bocado, aquilo é uma zona de declive. Entretanto, grande parte dos enxurros foram atolando esses poços. Estou a falar dos poços cá de cima. A sorte foi que já há muitos anos atrás, foram metidas tubagens que faziam a captação da água diretamente na nascente. Porque, se assim não fosse, a nascente da água ficava irremediavelmente perdida, mas já estou a falar de há muito tempo atrás. Aliás, quando foi feita a reformulação da vinha que está lá implantada, a Sociedade contratou um mineiro, que andou lá muito tempo a tentar fazer a desobstrução, naquilo que era possível fazer, da das galerias. E chegou a uma determinada altura que disse: “Não vale a pena daqui para cima porque isto está completamente tudo atulhado de terra, por isso, daqui para cima nem mexer. Há a tubagem que traz a água e é a vossa sorte porque senão tínhamos que fazer outra vez tudo de novo”. E realmente fez-se uma limpeza da galeria, já em terreno onde estava implantada a vinha. Concluindo e resumindo, quero eu dizer que, ao fazer o aterro, teve-se mesmo assim a cautela, a precaução de se porem argolas nos poços existentes, para evitar que realmente essas terras que iriam ficar a um nível superior às entradas dos poços, não fossem atingidas. E foi isso que se fez. Puseram-se várias argolas, várias camadas de argolas e depois pôs-se pedra em cima no sentido de que isso fosse obviado. Portanto, está lá, está fácil de ver. Por isso, não teve… a obra em si não teve qualquer influência na saída das águas»

52. A doutrina e a jurisprudência concordam em que que o texto do n.º 2 do art. 616.º do Código de Processo Civil pressupõe um lapso manifesto, revelado por referência a elementos exteriores 8 e em que, entre os casos de lapso manifesto na determinação da norma aplicável estão aqueles em que o juiz aplique uma norma que não esteja em vigor, p. ex., por ter sido revogada, e aqueles em que o juiz não aplique uma norma que esteja em vigor; entre os casos de lapso manifesto na qualificação jurídica dos factos, ou seja, na coordenação dos factos às normas aplicáveis, estão aqueles em que haja “ofensa de conceitos… elementares”, ou de “princípios elementares de direito”; entre os casos de lapso manifesto na apreciação das provas estão aqueles em que “o juiz… não repare que está feita a prova documental, por confissão ou por admissão de certo facto, incorrendo assim em erro grosseiro que determine a decisão… tomada” 9.

53. Ora, a Ré, agora Reclamante, não alega sequer que haja algum lapso manifesto, capaz de explicar ou de justificar uma reforma do acórdão de 12 de Dezembro de 2023.

54. Em ver de alegar, em termos minimamente consistentes, que haja algum lapso manifesto, a Ré, agora Reclamante, exprime a sua discordância em relação ao acórdão reclamado.

55. Em todo o caso,

“O incidente de reforma não deve ser usado para manifestar discordância do julgado ou tentar demonstrar error in judicando (que é fundamento de recurso) mas apenas perante erro grosseiro e patente, ou aberratio legis, causado por desconhecimento, ou má compreensão, do regime legal” 10.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, indefere-se a presente reclamação.

Custas pela Reclamante Construções Lousaestradas – Ribeiro, Lda., fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.

Lisboa, 8 de Fevereiro de 2024

Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

Sousa Lameira

Fátima Gomes

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1. A conclusão n.º 19 fala de uma única nulidade, e a nulidade é da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância — não é uma nulidade do acórdão do acórdão do Tribunal da Relação.

2. Cf. designadamente os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Outubro de 2020 — processo n.º 361/14.4T8VLG.P1.S1 — e de 17 de Novembro de 2020 — processo n.º 6471/17.9T8BRG.G1.S1.

3. José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao artigo 615.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 362.º a 626.º, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018 (reimpressão), págs. 733-740 (735).

4. José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao artigo 615.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 362.º a 626.º, cit., pág. 735.

5. Cf. designadamente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2019, proferido no processo n.º 132/13.5TBPTL.G1.S1.

6. Vide, por último, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 2021 — 3655/06.9TVLSB.L2.S1 —, de 13 de Julho de 2021 — processo n.º 3651/18.3T8BRG.G1.S1 —, de 14 de Julho de 2021 — processo n.º 2010/12.6TBGMR.G2.S1 —, de 6 de Outubro de 2021 — processo n.º 439/15.7T8OLH-J.E1.S1 — ou de 19 de Outubro de 2021 — processo n.º 2189/20.3T8FNC-A.L1-A.S1.

7. Cf. artigos 671.º, n.º 2, e 674.º do Código de Processo Civil.

8. Cf. designadamente José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 616.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 362.º a 626.º, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018 (reimpressão), págs. 740-743 (742).

9. José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 616º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 362.º a 626.º, cit., pág. 742.

10. Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 2009 — processo n.º 08A2680 — e de 4 de Maio de 2010 — processo n.º 364/04.4TBPCV.C1.S1.